Álvaro Rodrigues dos Santos
Geólogo, consultor em Engenharia e Geotecnia
Dos processos erosivos que assolam o país em suas áreas rurais e urbanas, a voçoroca é sem dúvida o de maior energia destrutiva. Por essa característica atraiu a atenção de muitos pesquisadores e estudiosos dos campos da geologia, da geotecnia e da agronomia. O fenômeno foi, já há décadas, muito bem estudado, tanto em suas causas como nas medidas e serviços para sua prevenção e para sua estabilização. Infelizmente, como acontece com muitas outras situações, o desenvolvimento técnico verificado não foi suficiente para que medidas de gestão territorial e medidas localizadas de engenharia geotécnica fossem largamente adotadas, o que teria já aliviado o País de boa parte dos enormes prejuízos sociais e econômicos decorrentes destes processos erosivos.
A erosão se dá fundamentalmente pela combinação das ações de remoção e transporte de partículas de solo por agentes naturais como o vento e a água.
Como uma de suas decorrências, há ao final também a ação de deposição (assoreamento de cursos d’água, baixadas, lagos) do material removido e transportado.
Ao longo da história geológica do Planeta a erosão constituiu-se no principal processo de modelamento de sua superfície. As grandes bacias sedimentares, a forma das montanhas, dos planaltos e das planícies são todas situações associadas de alguma forma a processos erosivos. A imagem forte e conhecida do Grand Canyon expressa a dimensão e a dinâmica reais de um processo erosivo regional natural em plena atividade.
O ápice de ação dos processos erosivos naturais sempre esteve associado a fases geológicas em que os solos superficiais se apresentavam desprotegidos de cobertura vegetal, normalmente como conseqüência de variações climáticas que implicavam no fenecimento da vegetação.
Há dois fatores naturais que protegem os solos da erosão: a vegetação e a camada superficial dos solos (no meio tropical, algo em torno de 1 a 3 metros; o Horizonte B Agronômico) que, pela maior decomposição mineralógica (produção de minerais argilosos) e pelos fenômenos da laterização e da pedogênese, são mais coesivas, menos susceptíveis aos agentes erosivos.
Através da Agricultura e da Urbanização o Homem sistematicamente elimina esses dois agentes naturais protetores.
Como desgraçadamente, em contrapartida, não adota técnicas de cultivo (técnicas conservacionistas) e de urbanização que evitem a ação direta dos agentes erosivos sobre os terrenos, o Homem tem se constituído no principal fator causal dos gigantescos e catastróficos processos erosivos que acontecem hoje em todo o mundo, especialmente incidentes nos países em desenvolvimento, onde se dá uma permanente expansão das fronteiras agrícolas e urbanas.
No Brasil, o principal agente erosivo é a água de escoamento superficial associada a chuvas torrenciais. A erosão pluvial pode ser laminar, quando não sulca os terrenos, ou linear, quando age concentradamente sobre o terreno, escavando-o em sulcos, ravinas (sulcos mais profundos) ou voçorocas.
As voçorocas são ravinas que se aprofundaram a tal ponto que atingiram o lençol freático.
Quando o lençol freático é atingido há uma combinação potencializada entre erosão pluvial superficial e o solapamento dos taludes provocados pelo encharcamento da base e por fenômenos de “piping”, quando a saída da água subterrânea traz consigo grãos do próprio solo, processo que provoca o contínuo descalçamento dos horizontes superiores.
As voçorocas evoluem remontantemente com energia e velocidade muito grandes, podendo alcançar profundidades de várias dezenas de metros.
Zonas rurais e cidades brasileiras que, adicionalmente, se assentam sobre solos arenosos pouco coesivos, e por isso mais erodíveis, são testemunhas do enorme poder de destruição das voçorocas.
As voçorocas, por sua gênese, estão sempre associadas à retirada da vegetação protetora, à remoção (por terraplenagem) ou ao revolvimento e desagregação da camada de solo superficial mais argilosa e, isso é muito importante, a alguma intervenção humana que propiciou um escoamento concentrado de águas superficiais. Tanto as atividades agrícolas e pecuárias, como a ação de expansão urbana, caso não sejam tomados os devidos cuidados técnicos, são pródigas em propiciar escoamentos concentrados de água superficial. É essa concentração de água superficial de escoamento que vai abrir os primeiros sulcos e vai aprofundá-los até se transformarem em imensas voçorocas.
A partir do perfeito conhecimento de sua dinâmica de formação, as recomendações técnicas para que tanto no meio rural como no urbano as voçorocas sejam preventivamente evitadas e corretivamente estabilizadas surgiram com clareza e naturalidade no meio técnico. Diversas alternativas estão à disposição para que se alcancem esses objetivos; discuti-las não está nos objetivos desse artigo, mas pode-se aqui apontar uma orientação conceitual de primeira ordem: os escoamentos concentrados de água produzidos por algum tipo de ação humana, no caso da impossibilidade de evitá-los, não podem ser lançados diretamente sobre os terrenos desprotegidos. Devem ser conduzidos em estruturas construídas de alvenaria, dutos, escadas d’água, dissipadores de energia hidráulica, etc., até o curso d’água natural ou lago mais próximo, ou estruturas especiais de infiltração (o aqüífero agradece).
Uma estrutura artificial que pode ser usada como exemplo auxiliar a esse conceito são os pequenos açudes laterais a estradas rurais para onde, de trecho em trecho, é desviada a água que se concentra sobre a estrada. Esses pequenos açudes propiciam a interrupção do escoamento, a acumulação e uma maior infiltração das águas de superfície (o aqüífero também agradece).
No caso da estabilização de uma voçoroca já desenvolvida, a primeira medida essencial está justamente em impedir que águas superficiais concentradas continuem a escorrer para dentro de sua “cabeça” principal e das “cabeças” de suas eventuais (e comuns) ramificações. Quanto ao interior da voçoroca, a medida essencial é impedir que as águas do lençol e as águas de chuva que ainda aí incidam continuem transportando o solo para jusante. Para tanto são providenciais estruturas transversais auto-drenantes (por exemplo, diques de gabião), quantas se fizerem necessárias, que retenham o material eventualmente transportado e permitam que a água se escoe livremente.
Essas estruturas não devem ser rígidas (concreto), pois que sofrerão algum natural acomodamento e, sendo rígidas, irão sofrer danos comprometedores. Interrompidos esses dois processos, o externo e o interno, a voçoroca tenderá a um natural processo de estabilização, que irá evoluir para a recuperação vegetal do terreno afetado. Obviamente o Homem poderá acelerar em muito essa recuperação vegetal. No entanto, especialmente no meio urbano impõe-se que além da estabilização também se promova a recuperação urbanística do terreno comprometido pela voçoroca. Essa recuperação normalmente é conseguida com o preenchimento da voçoroca por materiais inertes e ambientalmente neutros disponíveis: abatimento dos taludes laterais, solos, entulho de construção civil, resíduos industriais, etc. Vários técnicos, incluído o autor desse artigo, já não recomendam a instalação no talvegue da voçoroca de um dreno longitudinal de fundo, primeiro por ser desnecessário para a estabilização, e depois porque com o preenchimento se terá a oportunidade de recuperar a posição original do nível d’água subterrâneo local, antes rebaixado pelo próprio processo de aprofundamento da voçoroca.
A escolha de uma forma de recuperação urbanística da voçoroca dependerá de sua profundidade e tamanho, em uma relação simples de custo-benefício. Uma voçoroca muito grande, de dezenas de metros de profundidade, com várias ramificações, sugere uma recuperação por abatimento de seus taludes naturais e por intenso florestamento, o que lhe permitiria ser transformada em parque de lazer e esportes, por exemplo. Já, voçorocas menores, podem ser recuperadas topograficamente permitindo a instalação de praças públicas, parques infantis, ou equipamentos urbanísticos mais elaborados como quadras esportivas, por exemplo. De forma alguma se deve utilizar uma voçoroca (como infelizmente é comum se ver) para descarte de resíduos industriais ambientalmente nocivos ou para lixo urbano. Esse absurdo significa uma contaminação direta das águas superficiais e subterrâneas.
No Brasil, há hoje dezenas de milhares de voçorocas ativas. Um programa de estabilização imediata seria hoje financeiramente impraticável. Mas em termos de cuidados preventivos há todo um arsenal de medidas técnicas (rurais e urbanas) para que se interrompa a “produção” de novas voçorocas. Como também outro arsenal da mesma ordem permite a implementação de um programa de estabilização gradativa e recuperação ambiental das atuais voçorocas. Os custos financeiros, sociais e patrimoniais da atual inação são por demais exorbitantes para que autoridades públicas e privadas continuem a ignorar essa tragédia geológica, triste marca cultural da ocupação do território nacional.
Geólogo, consultor em Engenharia e Geotecnia
Dos processos erosivos que assolam o país em suas áreas rurais e urbanas, a voçoroca é sem dúvida o de maior energia destrutiva. Por essa característica atraiu a atenção de muitos pesquisadores e estudiosos dos campos da geologia, da geotecnia e da agronomia. O fenômeno foi, já há décadas, muito bem estudado, tanto em suas causas como nas medidas e serviços para sua prevenção e para sua estabilização. Infelizmente, como acontece com muitas outras situações, o desenvolvimento técnico verificado não foi suficiente para que medidas de gestão territorial e medidas localizadas de engenharia geotécnica fossem largamente adotadas, o que teria já aliviado o País de boa parte dos enormes prejuízos sociais e econômicos decorrentes destes processos erosivos.
A erosão se dá fundamentalmente pela combinação das ações de remoção e transporte de partículas de solo por agentes naturais como o vento e a água.
Como uma de suas decorrências, há ao final também a ação de deposição (assoreamento de cursos d’água, baixadas, lagos) do material removido e transportado.
Ao longo da história geológica do Planeta a erosão constituiu-se no principal processo de modelamento de sua superfície. As grandes bacias sedimentares, a forma das montanhas, dos planaltos e das planícies são todas situações associadas de alguma forma a processos erosivos. A imagem forte e conhecida do Grand Canyon expressa a dimensão e a dinâmica reais de um processo erosivo regional natural em plena atividade.
O ápice de ação dos processos erosivos naturais sempre esteve associado a fases geológicas em que os solos superficiais se apresentavam desprotegidos de cobertura vegetal, normalmente como conseqüência de variações climáticas que implicavam no fenecimento da vegetação.
Há dois fatores naturais que protegem os solos da erosão: a vegetação e a camada superficial dos solos (no meio tropical, algo em torno de 1 a 3 metros; o Horizonte B Agronômico) que, pela maior decomposição mineralógica (produção de minerais argilosos) e pelos fenômenos da laterização e da pedogênese, são mais coesivas, menos susceptíveis aos agentes erosivos.
Através da Agricultura e da Urbanização o Homem sistematicamente elimina esses dois agentes naturais protetores.
Como desgraçadamente, em contrapartida, não adota técnicas de cultivo (técnicas conservacionistas) e de urbanização que evitem a ação direta dos agentes erosivos sobre os terrenos, o Homem tem se constituído no principal fator causal dos gigantescos e catastróficos processos erosivos que acontecem hoje em todo o mundo, especialmente incidentes nos países em desenvolvimento, onde se dá uma permanente expansão das fronteiras agrícolas e urbanas.
No Brasil, o principal agente erosivo é a água de escoamento superficial associada a chuvas torrenciais. A erosão pluvial pode ser laminar, quando não sulca os terrenos, ou linear, quando age concentradamente sobre o terreno, escavando-o em sulcos, ravinas (sulcos mais profundos) ou voçorocas.
As voçorocas são ravinas que se aprofundaram a tal ponto que atingiram o lençol freático.
Quando o lençol freático é atingido há uma combinação potencializada entre erosão pluvial superficial e o solapamento dos taludes provocados pelo encharcamento da base e por fenômenos de “piping”, quando a saída da água subterrânea traz consigo grãos do próprio solo, processo que provoca o contínuo descalçamento dos horizontes superiores.
As voçorocas evoluem remontantemente com energia e velocidade muito grandes, podendo alcançar profundidades de várias dezenas de metros.
Zonas rurais e cidades brasileiras que, adicionalmente, se assentam sobre solos arenosos pouco coesivos, e por isso mais erodíveis, são testemunhas do enorme poder de destruição das voçorocas.
As voçorocas, por sua gênese, estão sempre associadas à retirada da vegetação protetora, à remoção (por terraplenagem) ou ao revolvimento e desagregação da camada de solo superficial mais argilosa e, isso é muito importante, a alguma intervenção humana que propiciou um escoamento concentrado de águas superficiais. Tanto as atividades agrícolas e pecuárias, como a ação de expansão urbana, caso não sejam tomados os devidos cuidados técnicos, são pródigas em propiciar escoamentos concentrados de água superficial. É essa concentração de água superficial de escoamento que vai abrir os primeiros sulcos e vai aprofundá-los até se transformarem em imensas voçorocas.
A partir do perfeito conhecimento de sua dinâmica de formação, as recomendações técnicas para que tanto no meio rural como no urbano as voçorocas sejam preventivamente evitadas e corretivamente estabilizadas surgiram com clareza e naturalidade no meio técnico. Diversas alternativas estão à disposição para que se alcancem esses objetivos; discuti-las não está nos objetivos desse artigo, mas pode-se aqui apontar uma orientação conceitual de primeira ordem: os escoamentos concentrados de água produzidos por algum tipo de ação humana, no caso da impossibilidade de evitá-los, não podem ser lançados diretamente sobre os terrenos desprotegidos. Devem ser conduzidos em estruturas construídas de alvenaria, dutos, escadas d’água, dissipadores de energia hidráulica, etc., até o curso d’água natural ou lago mais próximo, ou estruturas especiais de infiltração (o aqüífero agradece).
Uma estrutura artificial que pode ser usada como exemplo auxiliar a esse conceito são os pequenos açudes laterais a estradas rurais para onde, de trecho em trecho, é desviada a água que se concentra sobre a estrada. Esses pequenos açudes propiciam a interrupção do escoamento, a acumulação e uma maior infiltração das águas de superfície (o aqüífero também agradece).
No caso da estabilização de uma voçoroca já desenvolvida, a primeira medida essencial está justamente em impedir que águas superficiais concentradas continuem a escorrer para dentro de sua “cabeça” principal e das “cabeças” de suas eventuais (e comuns) ramificações. Quanto ao interior da voçoroca, a medida essencial é impedir que as águas do lençol e as águas de chuva que ainda aí incidam continuem transportando o solo para jusante. Para tanto são providenciais estruturas transversais auto-drenantes (por exemplo, diques de gabião), quantas se fizerem necessárias, que retenham o material eventualmente transportado e permitam que a água se escoe livremente.
Essas estruturas não devem ser rígidas (concreto), pois que sofrerão algum natural acomodamento e, sendo rígidas, irão sofrer danos comprometedores. Interrompidos esses dois processos, o externo e o interno, a voçoroca tenderá a um natural processo de estabilização, que irá evoluir para a recuperação vegetal do terreno afetado. Obviamente o Homem poderá acelerar em muito essa recuperação vegetal. No entanto, especialmente no meio urbano impõe-se que além da estabilização também se promova a recuperação urbanística do terreno comprometido pela voçoroca. Essa recuperação normalmente é conseguida com o preenchimento da voçoroca por materiais inertes e ambientalmente neutros disponíveis: abatimento dos taludes laterais, solos, entulho de construção civil, resíduos industriais, etc. Vários técnicos, incluído o autor desse artigo, já não recomendam a instalação no talvegue da voçoroca de um dreno longitudinal de fundo, primeiro por ser desnecessário para a estabilização, e depois porque com o preenchimento se terá a oportunidade de recuperar a posição original do nível d’água subterrâneo local, antes rebaixado pelo próprio processo de aprofundamento da voçoroca.
A escolha de uma forma de recuperação urbanística da voçoroca dependerá de sua profundidade e tamanho, em uma relação simples de custo-benefício. Uma voçoroca muito grande, de dezenas de metros de profundidade, com várias ramificações, sugere uma recuperação por abatimento de seus taludes naturais e por intenso florestamento, o que lhe permitiria ser transformada em parque de lazer e esportes, por exemplo. Já, voçorocas menores, podem ser recuperadas topograficamente permitindo a instalação de praças públicas, parques infantis, ou equipamentos urbanísticos mais elaborados como quadras esportivas, por exemplo. De forma alguma se deve utilizar uma voçoroca (como infelizmente é comum se ver) para descarte de resíduos industriais ambientalmente nocivos ou para lixo urbano. Esse absurdo significa uma contaminação direta das águas superficiais e subterrâneas.
No Brasil, há hoje dezenas de milhares de voçorocas ativas. Um programa de estabilização imediata seria hoje financeiramente impraticável. Mas em termos de cuidados preventivos há todo um arsenal de medidas técnicas (rurais e urbanas) para que se interrompa a “produção” de novas voçorocas. Como também outro arsenal da mesma ordem permite a implementação de um programa de estabilização gradativa e recuperação ambiental das atuais voçorocas. Os custos financeiros, sociais e patrimoniais da atual inação são por demais exorbitantes para que autoridades públicas e privadas continuem a ignorar essa tragédia geológica, triste marca cultural da ocupação do território nacional.
Revista ECO 21 - 2008-jan
Um comentário:
Como assim você fala um absurdo desses?? Preenchimento com resíduos industriais inertes? e quais são eles só pra desencargo?
Materiais da construção civil? Não coloca isso na internet, senão daqui a pouco tem uns tonto jogando entulho de reforma dentro do corpo d´água, mas junto com saco plastico, saco de cimento e cal, restos de tubulação e fiação, tenha cuidado nas postagens, se for ter preguiça de especificar detalhadamente o que pode e o que não pode, é melhor não colocar frases mal elaboradas, por favor...
Ajude a cuidar do MA, e não a destruir o mesmo!
Grato
Fabiano Del Bianco
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