quarta-feira, 1 de abril de 2015

El Niño - Fenômeno climático oficialmente reconhecido

El Niño já chegou, mas está mais fraco que o habitual




NOAA
Em parte devido à sua fraqueza, além de seu momento incomum, espera-se que o El Niño não tenha muito impacto sobre os padrões climáticos dos Estados Unidos.

Andrea Thompson e Climate Central

Muitos já haviam descartado a possibilidade de ocorrência do evento El Niño, que ficou sumido quase um ano, mas ele finalmente emergiu em fevereiro e poderia atravessar a primavera e o verão boreais, de acordo com o anúncio da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) na quinta-feira (05/03).

Esse não é o mesmo El Niño de 1998 que muitos anteciparam quando os primeiros indícios de um evento iminente emergiram há cerca de um ano. Esse El Niño acabou de aparecer no limiar oficial, então não será um evento forte.

Estamos basicamente declarando o El Niño mas infelizmente, não podemos afirmar que é um El Niño fraco” segundo foi a declaração da meteorologista Michelle L’Heureux.

Espera-se que o El Niño não tenha forte impacto sobre os padrões climáticos dos Estados Unidos, em parte porque está mais brando e ocorre em um momento. Não deve trazer também muito alívio para a seca na Califórnia.

Mas meteorologistas declaram que ele poderia afetar padrões climáticos em outras áreas do globo, especialmente se ele persistir ou se intensificar, e poderia aumentar temperaturas globais – seguindo um 2014 que já foi o ano mais quente já registrado.

“Isso realmente aumenta as chances do calor”, aponta L’Heureux.


NOAA
Animação de anomalias subsuperficiais de temperatura no Oceano Pacífico tropical.

A diferença que um ano faz

Meteorologistas do Centro de Previsão Climática da NOAA e do Instituto Nacional de Pesquisa para o Clima e a Sociedade (IRI), na Columbia University, divulgaram um alerta pela primeira vez no início do ano passado de que um El Niño poderia estar se formando. Essa conclusão foi baseada em uma pluma subsuperficial de água quente, chamada de onda Kelvin, que atravessava o Pacífico tropical de oeste a leste. (Foi essa grande pluma que atraiu comparações com o monstruoso El Niño de 1998, que provocou dilúvios e inundações em muitas partes do mundo e aumentou significativamente as temperaturas globais. O ano de 1998 é o único ano do século 20 entre os 10 mais quentes).

Um El Niño é marcado por águas incomumente quentes nas partes central e leste dessa bacia. Ele é oficialmente considerado um evento pelo CPC quando as temperaturas na superfície do mar em uma região-chave do oceano ficam pelo menos 0,5°C mais quentes que a média.

Múltiplas ondas Kelvin já pulsaram pela bacia oceânica em meses recentes e temperaturas oceânicas ficaram repetidamente quentes o bastante naquela região para qualificar um El Niño.

Mas apenas temperaturas oceânicas não definem um El Niño; meteorologistas do CPC também procuram mudanças correspondentes em padrões atmosféricos, especificamente um enfraquecimento dos ventos alísios na região. Esses ventos alterados podem afetar o clima ao redor do globo, e por isso são cuidadosamente observados todos os meses.

Um ano após o primeiro sinal de um El Niño inevitável atravessar o oceano, outra onda Kelvin está cruzando a bacia. Dessa vez, porém, o oceano já está muito mais quente e, ainda mais importante que isso, a atmosfera parece finalmente ter recebido a notícia, com os ventos alísios enfraquecendo.

A relação entre oceano e atmosfera não está seguindo o roteiro normal, e as mudanças típicas em padrões de chuva ainda não emergiram. Mas L’Heureux apontou a raridade de qualquer resposta da atmosfera nessa época do ano. Na primavera, de acordo com ela, é mais difícil que o oceano e a atmosfera consigam “na prática, ver um ao outro”.

“Estamos bastante impressionados”, adiciona ela. 


NOAA
Os impactos climáticos tipicamente associados com um El Niño durante os meses de junho, julho e agosto.

Primavera e verão

Essa emergência do El Niño ao final do inverno boreal significa que os tradicionais impactos sobre os Estados Unidos – condições úmidas e frias no sul do país – não acontecerão.

“Sobre nós, o impacto se tornará muito, muito silencioso” na primavera boreal, declara L’Heureux.

Meteorologistas acreditam que a atual onda Kelvin e as temperaturas oceânicas já mais quentes indicam que o El Niño vai persistir, e esse foi outro fator levando à declaração do evento.

O CPC prevê uma chance de 50 a 60% de que o El Niño atravesse a primavera e o verão boreais. Se isso realmente acontecer, o evento poderia conter a temporada de furacões do Atlântico e intensificá-la no Pacífico leste, como muitos afirmaram ter acontecido no último verão boreal antes que o El Niño fosse oficializado.

Essa designação oficial já provocou muitos debates na comunidade de cientistas do clima, já que o oceano ficou quente o bastante durante a maior parte de 2014 para qualificar um El Niño.

“Eu tenho certeza de que isso será bastante discutido”, comenta L’Heureux.

Mas se essas temperaturas oceânicas significam que um El Niño estava acontecendo, então elas, além de águas quentes em outras bacias oceânicas, ajudaram a elevar temperaturas globais de superfície em 2014, levando ao ano mais quente já registrado.

Ainda não se sabe se isso poderia acontecer novamente em 2015, ainda que o oceano mantenha temperaturas e não responda a mudanças muito rapidamente. Então é provável que esse calor persista, ou até aumente.

“Se o El Niño se intensificar, ele pode ter um impacto maior sobre as temperaturas globais, como foi observado em eventos anteriores”, explica Jessica Blunden, cientista climática da ERT, Inc, no Centro de Dados Climáticos Nacionais da NOAA. “Mas, no momento, estamos esperando para ver”.
Scientific American Brasil

Corais de águas quentes indicam estratégias de preservação

Características de organismos tolerantes a altas temperaturas podem ajudar a proteger corais vulneráveis

Shutterstock
Reprodução cruzada de corais do Golfo com aqueles de climas temperados e inoculação de corais com simbiontes resistentes a altas temperaturas estão entre as estratégias consideradas para proteger os corais da elevação de temperatura dos oceanos

Michael Casey

Perto da maior torre do mundo, à sombra de gigantescas dunas de areia, biólogos marinhos de todo o mundo clamavam por uma visita a alguns dos recifes de coral do Golfo Pérsico.

As águas costeiras dos Emirados Árabes Unidos (E.A.U.) podem ser escuras e só têm 10% da diversidade de recifes de coral encontrada no Oceano Índico ou na Grande Barreira de Corais. Mas os pesquisadores foram procurar algo ainda mais precioso: indícios que poderiam um dia ajudar recifes de coral de todo o mundo a sobreviver ao aquecimento global.

A maioria dos recifes de coral em climas temperados consegue suportar temperaturas de apenas 29oC antes de branquearem – processo em que corais expelem as algas simbióticas que vivem em seus tecidos, fazendo com que se tornem brancos e aumentando sua vulnerabilidade a doenças e morte.

Corais nos recifes do Golfo Pérsico, no entanto, tipicamente toleram temperaturas de até 36ºC durante o verão e de 13ºC no inverno. “Essas temperaturas excedem o que esperamos em qualquer lugar do mundo nos trópicos durante o próximo século”, declara John Burt, biólogo marinho de um ramo da New York University nos Emirados, que conduziu a visita aos corais em 2012. Burt também ajudou a organizar uma conferência internacional sobre recifes do Golfo Pérsico que reuniu 250 cientistas em fevereiro, na NYU. Os corais do Golfo Pérsico “oferecem esperanças”, afirma ele. Alguns dos mecanismos genéticos que eles usam poderiam ajudar outros a sobreviver a essas temperaturas extremas.

Há muito tempo recifes de coral sofrem com poluição disseminada, sobrepesca e desenvolvimento costeiro, perdendo até 50% de sua cobertura em muitos locais ao redor do globo. Mesmo assim, a maioria dos cientistas alerta que a mudança climática oferece a maior ameaça no futuro. Águas cada vez mais quentes e a acidificação oceânica relacionada a elas iniciam eventos cada vez mais amplos e mais numerosos de branqueamento, tornando difícil que corais se calcifiquem e portanto cresçam e prosperem. A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) alerta que poderia haver um evento global de branqueamento em 2015 devido ao aquecimento das águas – o terceiro nas últimas duas décadas.

Até 2040, cientistas acreditam que a maioria dos recifes de coral estará em risco. O pensamento convencional é que mudanças genéticas em corais e suas zooxantelas – as algas unicelulares também conhecidas como simbiontes que vivem dentro dos tecidos de corais – simplesmente serão lentas demais para acompanhar a taxa de aquecimento que, de acordo com alguns cálculos, poderia variar entre 1,1 e 6,5 graus Celsius até 2100.

Mas cientistas no Golfo e em outras partes do mundo estão desafiando essa ideia, mostrando que recifes de coral podem se recuperar de eventos de branqueamento mais rápido do que se acreditava e podem ser capazes de adquirir simbiontes em um período de tempo relativamente curto. “Nem tudo está perdido para os corais”, declara Andrew Baker, biólogo marinho da University of Miami. Seu artigo de 2004, publicado na Nature, foi um dos primeiros a relatar que os simbiontes tolerantes ao calor conhecidos como clado D eram prevalentes no Golfo, mas que também eram encontrados em menor quantidade em regiões temperadas atingidas pela mudança climática, como o Quênia, as Ilhas Maurício e o Panamá.

Clados são grupos genéticos de vários simbiontes. Baker e outros passaram a última década identificando o mecanismo por meio do qual corais conseguem lidar com temperaturas mais elevadas. Os corais “tem um repertório de respostas”, comenta ele. “A pergunta foi ‘com que velocidade essas respostas podem surgir?’ Eu acho que agora estamos entendendo a ideia de que na verdade, em alguns casos, esses mecanismos podem surgir rapidamente, dentro de alguns anos”. (Scientific American é parte do Nature Publishing Group).

Com base no trabalho de Baker, Burt, Jörg Wiedenmann, professor de oceanografia biológica na University of Southampton e vários outros colegas examinaram, durante os últimos três anos, recifes perto da costa dos Emirados Árabes Unidos e de Omã, pelo Estreito de Hormuz até o Mar Arábico, para conhecer a comunidade de corais e das zooxantelas que abriga.

Os pesquisadores usaram análises genéticas para sugerir que a tolerância térmica no coral cerebral Platygyra daedalea e suas zooxantelas parecem ser exclusivos do Golfo Pérsico. Em um artigo publicado na semana passada na Nature Scientific Reports, Wiedenmann, Burt e vários outros pesquisadores descreveram como usaram quatro marcadores genéticos para determinar que as algas de fato eram novas para a ciência. Elas foram batizadas de Symbiodinium thermophilum por sua capacidade de suportar as temperaturas incomumente altas do Golfo Pérsico.

Esse novo organismo, que os pesquisadores demonstraram ser o simbionte mais prevalente encontrado durante o ano no Golfo Pérsico, pode ter se aclimatado para desempenhar um novo papel nas severas condições do Golfo. A pergunta, de acordo com Wiedemann, é a tolerância ao calor de Symbiodinium thermophilum evoluiu nas águas relativamente isoladas do golfo, que só têm cerca de 15 mil anos, ou se foi trazido por correntes de fora da região e sobreviveram a “um processo de seleção”. De acordo com Wiedenmann: “Se eles não evoluíram no Golfo, devem estar presentes em menor quantidade em populações de diferentes partes do mundo. Isso seria uma boa notícia porque significaria que corais em outras regiões podem ter esses indivíduos tolerantes." 

Se simbiontes existirem em outras regiões, corais que enfrentam o branqueamento poderiam, em teoria, ativá-los conforme as temperaturas aumentam. Para testar essa teoria, Baker repetidamente branqueou corais da espécie Monstastraea cavernosa em seu laboratório na Flórida e permitiu que eles se recuperassem.

Em artigo publicado no ano passado em Global Change Biology, Baker e seus colegas de pesquisa descobriram que, antes do branqueamento, os corais continham simbiontes que não eram tolerantes ao calor. Depois disso, porém, eles foram dominados pelo clado D1a, tolerante ao calor. Esses corais reaparelhados conseguiam lidar com temperaturas 2ºC mais altas que antes. “Esses dois graus são uma notícia muito boa, já que eles podem compensar parte do aquecimento que esperamos ver neste século”, declara Baker. “Por outro lado, estamos prevendo mais de dois graus para a maioria desses ambientes de recifes. Então ainda é uma questão aberta se corais podem continuar a lidar com temperaturas cada vez mais elevadas ou se esse é um tipo de medida temporária”.

Críticos argumentam que é ingenuidade acreditar que qualquer componente individual de uma comunidade diversa e complexa de corais pode ser uma solução para salvá-la. E como a diversidade do Golfo é tão limitada e sua sazonalidade é tão extrema, alguns especialistas acreditam que seria melhor que cientistas procurassem respostas em regiões mais temperadas como o Canal de Moçambique entre a Tanzânia e Madagascar, que já se provaram resistentes a eventos extremos de branqueamento.

Oceanos de grande parte do mundo não se parecem com o Mar Arábico, explica Tim McClanahan, zoólogo sênior da Wildlife Conservation Society que trabalha com corais no oeste do Oceano Índico. “A maior parte dos trópicos tem oceanografia distinta, além de ambientes meteorológicos ou climatológicos diferentes”, explica ele. O trabalho genético sobre simbiontes tolerantes ao calor é interessante “mas é mais uma curiosidade que um análogo para o futuro. Eu não acho que o futuro terá a aparência do Mar Arábico”, adiciona ele.

Ove Hoegh-Guldberg, um dos principais especialistas em coral do mundo e diretor do Global Change Institute na University of Queensland, na Austrália, considera que o trabalho no Golfo Pérsico é intrigante porque mostra que a evolução pode produzir corais que são adaptados a grandes extremos de temperatura. Mas ele aponta que é um erro” esperar que a tolerância térmica ofereça esperança para corais em climas temperados. A evolução é muito lenta em relação a organismos de vida longa como os corais.

Em uma entrevista por email, Hoegh-Guldberg escreveu que “outras projeções, como a troca de seus simbiontes por variedadescom maior tolerância térmica não foram corroboradas por estudos”. Ele também adiciona que projeções são falhas, porque não são apenas os simbiontes que precisam evoluir. “É a combinação de hospedeiro e simbionente que precisa se adaptar rapidamente à mudança nas temperaturas do mar”, escreve ele. Essas dúvidas fizeram pouco para reduzir o entusiasmo para usar os recifes do Golfo Pérsico ou os genes encontrados lá em futuras estratégias de conservação.

Bernhard Riegl, professor do Centro Oceanográfico da Nova Southeastern University na Flórida, que trabalhou com recifes de coral no Golfo Pérsico por 20 anos, sugeriu mover corais para o oceano Indo-Pacífico para “introduzir a adaptação térmica, por meio de hibridização com o material genético residente, em regiões onde ela logo será necessária”. Outros discutem a reprodução cruzada de corais do Golfo com aqueles de climas temperados. Baker considera inocular corais com simbiontes resistentes ao calor em berçários e então replantar áreas em risco.

Ninguém duvida que existam riscos inerentes a essas estratégias – elas são custosas e poderiam introduzir espécies invasivas e doenças. E os corais reintroduzidos podem sequer conseguir lidar com as novas condições ambientais. Mas Madeleine van Oppen, do Instituto Australiano de Ciência Marinha, além de vários outros especialistas, argumenta no volume de fevereiro de Proceedings of the National Academy of Sciences que chegou a hora de considerar a viabilidade de medidas de evolução assistida por humanos, como a reprodução seletiva, para aumentar a tolerância ao estresse ou o cruzamento entre populações diferentes para restauração. “Quando eu comecei a pensar sobre isso, as pessoas diziam ‘isso nunca vai funcionar. Você nunca conseguiria fazer isso na escala necessária’”, escreveu van Oppen. “As pessoas ainda têm essas preocupações, mas agora elas conseguem ver que é importante desenvolver ferramentas e avaliar o que realmente é possível”.

Scientific American Brasil

Notícias Geografia Hoje


Sonda detecta sistema hidrotérmico ativo além da Terra
O interior de Encélado, a lua gelada de Saturno, parece surpreendentemente quente e favorável para vida

NASA/JPL/Instituto de Ciências Espaciais
Construído a partir de imagens de Cassini, esse mosaico de cores aprimoradas revela a superfície gelada de Encélado, uma das luas de Saturno. As fissuras azuladas são os locais de plumas de vapor d’água do oceano de subsuperfície do mundo gelado.

Lee Billings

Usando dados da sonda Cassini, cientistas encontraram evidências de um sistema hidrotérmico ativo dentro da lua Encélado, de Saturno, aumentando as chances de que a vida alienígena poderia estar esperando para ser descoberta nas profundezas aquáticas desse mundo gelado. As aberturas hidrotérmicas de Encélado parecem impressionantemente semelhantes a algumas das encontradas na Terra.

Uma das principais teorias sobre a origem da vida na Terra postula que ela começou em aberturas hidrotérmicas no fundo do oceano, onde a água do mar que passa por rochas porosas quentes criou ambientes ricos em energia e nutrientes, favorecendo a formação das primeiras células. Atualmente, as aberturas hidrotérmicas da Terra são oásis no fundo do mar, abrigando ecossistemas que florescem na escuridão, isolados da superfície do mundo. Encontre outro lugar além da Terra onde água quente interage com rochas e, mesmo que isso seja longe do sol, a vida também pode florescer por lá. Esses sistemas podem ter sido comuns no início da história do sistema solar, quando planetas rochosos e luas geladas ainda estavam relativamente quentes e úmidos após sua formação inicial. Até agora, porém, cientistas não tinham evidências de atividades hidrotérmicas continuadas em nenhum lugar além da Terra.

Essas evidências permanecem circunstanciais, e instigantes, apesar de terem se acumulado lentamente na última década. Em 2005, a Cassini observou plumas de vapor d’água sendo lançadas de misteriosas fissuras aquecidas perto do polo sul de Encélado. Em sobrevoos subsequentes dessa lua – incluindo vários em que a sonda atravessou as plumas – a Cassini quase esteve perto de confirmar que um oceano com 10 quilômetros de profundidade existe entre 30 e 40 quilômetros abaixo do gelo ao redor do polo sul. O vapor que a Cassini encontrou enquanto mergulhava pelas plumas era salgado, como água do mar, e a sonda mediu pequenas variações no campo gravitacional de Encélado, sugerindo a existência de um oceano diretamente sobre o núcleo rochoso da lua.

Mas ninguém sabia como esse oceano estava conectado à fissuras de superfície que lançam água, e muitos pesquisadores acreditavam que o núcleo da lua seria frio demais para sustentar atividades hidrotérmicas. Com o tamanho semelhante ao da Inglaterra, Encélado é muito pequeno em relação a outras luas geladas, sem massa suficiente para reter o calor de sua formação ou ter grandes quantidades de elementos radioativos geradores de calor.

Com base nessas estimativas básicas, a lua deveria estar completamente congelada. Em vez disso, acredita-se que grande parte do calor de Encélado, que sustenta um oceano, venha de sua órbita ao redor de Saturno. Conforme a lua circula o Planeta dos Anéis, interações gravitacionais entre os dois corpos fazem com o que interior de Encélado se flexione, gerando calor por meio da fricção.

Talvez, sugeriram alguns cientistas, as plumas da lua – e até mesmo todo o seu oceano –sejam apenas fenômenos transitórios criados por variações menores na órbita de Encélado, períodos momentâneos de calor e atividade em um mundo inerte e frio. Outros supõem que o oceano de Encélado e suas plumas poderiam ser características ancestrais e persistentes da lua, aumentando as chances de encontrarmos vida por lá. 

De fato, astrônomos já tinham dados para ajudar a resolver alguns desses mistérios mesmo antes de a Cassini encontrar o oceano de Encélado. Em janeiro de 2004, enquanto ela se aproximava do sistema de Saturno pelo espaço interplanetário, os instrumentos da Cassini registraram a sonda atravessando uma difusa chuva de partículas de poeira em escala nanométrica que haviam sido ejetadas pelo sistema de alguma forma. Encontros subsequentes com a poeira, além de trabalhos de modelagem, sugeriram que esse material era proveniente de partículas geladas confinadas no anel “E” do planeta, um toroide tênue de material alimentado pelas plumas de Encélado. No novo estudo, publicado esta semana na Nature, os cientistas planetários Sean Hsu, Frank Postberg, Yasuhito Sekine e vários outros pesquisadores rastrearam as origens e dinâmicas dessa poeira por meio de experimentos em laboratório, modelagem computadorizada e uma análise mais detalhada dos dados originais da Cassini. (Scientific American é parte do Nature Publishing Group.)

Análises anteriores dos dados da Cassini mostraram que as partículas de poeira são compostas principalmente de silício. Hsu e seus colegas argumentam que a poeira rica em silício é especificamente sílica – o principal constituinte do quartzo – em vez de silício puro ou carbeto de silício, elementos que se acreditam ser mais difíceis para uma lua como Encélado produzir.

Só existem duas maneiras de produzir partes tão pequenas de sílica – “de cima para baixo”, por meio de colisões que pulverizem grãos maiores, ou “de baixo para cima” por meio de alguma reação química microscópica. Todas as partículas de poeira de silício que a Cassini encontrou parecem ter entre 2 e 8 nanômetros de tamanho, uma distribuição tão limitada que praticamente elimina a formação de cima para baixo. Supondo que as partículas observadas pela Cassini sejam feitas de sílica, a única fonte plausível de baixo para cima é o núcleo rochoso de Encélado, onde a sílica poderia ser absorvida pela água do mar e lançada para a superfície.

Hsu reconhece que existem outros métodos de formação de baixo para cima, mas aponta que eles só funcionam em laboratório sob condições bem controladas. “Então, a menos que haja algo muito bizarro acontecendo, acreditamos que nossa interpretação seja sólida”, declara ele. 

Em uma série de experimentos laboratoriais projetados para simular condições plausíveis no interior de Encélado, Hsu e seus colegas só foram capazes de produzir partículas semelhantes de sílica por meio de condições térmicas e químicas muito específicas. Extrapolados para o interior de Encélado, os experimentos sugerem que a interface entre o núcleo e o oceano da lua deve ser quase quente o bastante para ferver água, e que essa água é levemente mais salgada e mais alcalina que a dos oceanos da Terra.

Uma vez absorvida do leito oceânico, a sílica se cristalizaria segundos após sair da água enriquecida perto do leito oceânico, formando nanopartículas que então se elevariam com o fluído quente e convectivo para chegar às fissuras da superfície em uma questão de vários meses ou alguns anos.

Se tudo isso for verdade, as plumas poeirentas e geladas de Encélado não são um fenômeno superficial, mas uma expressão de processos profundos ocorrendo por toda a extensão da lua. A Cassini está agendada para realizar mais três encontros com Encélado, incluindo um último mergulho por uma pluma, antes de ser enviada para uma morte flamejante na atmosfera de Saturno para evitar contaminar a lua gelada. Analisar as plumas para descobrir mais sobre prospectos de vida em Encélado – passados e presentes – será a tarefa de missões futuras. Atualmente a Nasa está ponderando uma missão na década de 2020 até Europa, na órbita de Júpiter, outra lua gelada com um oceano subsuperfícial muito maior e mais misterioso. As próximas notícias de Encélado poderiam influenciar essa decisão – em breve alguns cientistas poderão a defender a minúscula lua de Saturno como sendo sua preferida para receber uma visita da próxima emissária da humanidade ao sistema solar exterior.

Uma nova missão também poderia estudar outros mistérios revelados pelas últimas descobertas. A alcalinidade e salinidade inferidas ao oceano de Encélado se alinham com as medidas anteriores que a Cassini realizou da pluma, mas a temperatura estimada de seu núcleo é uma surpresa. Mesmo com uma fricção gravitacional substancial, temperaturas tão altas e constantes são difíceis de explicar, uma vez que o frio oceano poderia dissipar grande parte do calor do núcleo com eficiência.

O cenário mais provável é que o núcleo de fato é estruturado e poroso, com seu calor sendo fornecido por alguma combinação de fricção gravitacional e serpentinização, uma reação química geradora de calor entre água e rocha. Ou seja, o núcleo crepitante de Encélado pode se parecer um pouco com um coração partido, mantido vivo por forças gravitacionais que enviam água do mar continuamente por suas veias fraturadas. Mas apenas observações adicionais da lua poderão testar essa ideia. 

De acordo com os modelos dinâmicos de Hsu e seus colaboradores, após as partículas de poeira serem ejetadas pela água das plumas, eles se congelam e as mais rápidas escapam da gravidade de Encélado para chegar ao anel E. Lá elas permanecem durante anos, até que colisões com íons de plasma presos no poderoso campo magnético de Saturno as espalhe pelo espaço interplanetário. Quando a Cassini detectou a poeira ejetada nos arredores de Saturno, ela estava vendo o que Hsu chama de “a pegada de silício de Encélado”. A partir daí, de acordo com ele, as partículas podem ser carregadas pelo vento solar para “se tornarem poeira interestelar – a pegada de silício de nosso sistema solar”.

A pegada de silício de Encélado, de acordo com Hsu, mostra que a poeira também merece ser considerada, assim como a própria luz, como uma das ferramentas mais vitais da astronomia. Algum dia, comenta ele, nós poderemos ter um “telescópio de poeira” em um “observatório espacial de poeira”, coletando flocos espalhados e rastreando-os por distâncias inimagináveis até outros mundos e épocas.
Scientific American Brasil

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos