sábado, 30 de julho de 2011

Brasil ~ Os limites do nosso território

Reprodução - Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT
Ronaldo Decicino*

O Brasil é o maior país da América do Sul, com um território que se estende por cerca de 47% da porção centro-oriental do continente sul-americano. Banhado a leste pelo oceano Atlântico, o Brasil possui 23.102 km de fronteiras, sendo 15.735 km terrestres e 7.367 km marítimas.

Com uma área superior a 8.500.000 quilômetros quadrados, antes mesmo de ser uma nação soberana, nosso território começou a ser delimitado pelos tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), que estabeleciam a separação das terras espanholas e portuguesas na América.

A formação do atual território do Brasil, contudo, remonta ao século 14, início da chamada Era dos Descobrimentos, quando as monarquias ibéricas mostravam-se pioneiras nas grandes navegações.

Nossas fronteiras foram definidas com base nas características naturais da paisagem, como rios e lagos, ou em acidentes topográficos, como montanhas, serras e picos elevados. Somente nos lugares em que não havia possibilidade de se aplicar esse recurso demarcatório é que foram utilizadas as linhas geodésicas, que correspondem às linhas traçadas no terreno tendo como referências as coordenadas geográficas: paralelos e meridianos.

A determinação dos nossos limites territoriais - tanto os que separam internamente os estados, quanto os que marcam a separação do Brasil de seus vizinhos - é definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde 1944. A partir de 1991, com a modernização da tecnologia, os limites passaram a ser determinados por satélites de posicionamento, com a criação do Sistema de Posicionamento Global (GPS).

Os definidores das fronteiras brasileiras são: rios = 50%; serras = 25%; lagos = 5%; linhas geodésicas = 20%.

Fronteira terrestre

A fronteira terrestre representa cerca de 68% de toda a extensão dos limites territoriais brasileiros, colocando o Brasil em contato com dez outras nações sul-americanas. Com exceção do Chile e do Equador, todos os países da América do Sul fazem fronteira com o Brasil:

Ao norte: Suriname, Guiana, Venezuela e um território pertencente à França, a Guiana Francesa.

A noroeste: Colômbia.

A oeste: Peru e Bolívia.

A sudoeste: Paraguai e Argentina.

Ao sul: Uruguai.

Os mais de 15.000 km de fronteiras continentais abrangem terras de três grandes regiões brasileiras, sendo a maior delas a Região Norte, que corresponde a cerca de dois terços de toda essa extensão. Os estados que mais se destacam são o Amazonas e o Acre.

A segunda região em destaque é a Região Sul, com uma extensão fronteiriça de quase 2.500 km no continente, tendo como estado que mais se destaca o Rio Grande do Sul. A terceira é a Região Centro-Oeste, sendo o estado de maior extensão fronteiriça o Mato Grosso do Sul.

Fronteira marítima
A fronteira marítima estende-se da foz do rio Oiapoque, no cabo Orange, na divisa do Amapá com a Guiana Francesa, ao norte, até o arroio Chuí, na divisa do Rio Grande do Sul com o Uruguai, ao sul.

A linha costeira do Brasil tem uma extensão de 7.367 km, constituída principalmente de praias de mar aberto, e corresponde a 32% de toda a extensão fronteiriça nacional, o que representa um fator propício ao desenvolvimento econômico, pois a grande diversidade de paisagens litorâneas favorece a instalação de portos, o desenvolvimento da pesca e a exploração de recursos energéticos encontrados nas profundezas marinhas, como petróleo e gás natural.

Com exceção da Região Centro-Oeste, todas as outras regiões têm fronteiras no Atlântico; sendo a Região Nordeste a que tem maior extensão litorânea. O estado brasileiro com o litoral mais extenso é a Bahia, e o que possui menor extensão litorânea é o Piauí. A segunda região de maior extensão litorânea é a Região Sudeste.

Para tratar dos assuntos de limites internacionais, o Ministério das Relações Exteriores mantém na Secretaria de Estado (em Brasília) a Divisão de Fronteiras (DF), que coordena as atividades de duas Comissões Técnicas:

- a Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites (PCDL), sediada em Belém (Pará), encarregada das atividades nas fronteiras do Brasil com Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa; e

- a Segunda Comissão Brasileira Demarcadora de Limites (SCDL), sediada no Rio de Janeiro, encarregada das atividades nas fronteiras do Brasil com o Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia.
*Ronaldo Decicino é professor de geografia do ensino fundamental e médio da rede privada.

Brasil ~ Extensão das fronteiras (km) - 2007

Guiana 1.731
Venezuela 2.078
Suriname 438
Guiana Francesa 664
Uruguai 1.044
Argentina 1.244
Paraguai 1.311
Bolívia 3.338
Peru 2.241
Colômbia 1.532
Oceano Atlântico 10.959

IBGE

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Falésia

Formação Barreiras - Canoa Quebrada - Ceará

As famosas falésias da praia da Guarita em Torres/RS

Falésia em Fernando de Noronha.

Miradouro da Fajã de Fernando Afonso no Parque Florestal das Sete Fontes, Costa Norte da ilha de São Jorge, Açores, Portugal.

Falésia é uma forma geográfica litoral, caracterizada por um abrupto encontro da terra com o mar. Formam-se escarpas na vertical que terminam ao nível do mar e encontram-se permanentemente sob a ação erosiva do mar. Ondas desgastam constantemente a costa, o que por vezes pode provocar desmoronamentos ou instabilidade da parede rochosa.
Com as mudanças climáticas, o nível do mar pode descer, deixando entre a falésia e o mar um espaço plano. Passa-se a chamar, então, uma arriba fóssil.
Segundo o dicionário geológico as falésias são geralmente constituídas de camadas sedimentares ou vulcano-sedimentares, acompanhando a linha costeira. No Nordeste brasileiro são conhecidas como formações do grupo Barreira. Aparecem no litoral meridional do Brasil: no Rio de Janeiro e no litoral do Rio Grande do Sul, como por exemplo na Praia de Torres (proximidade da Serra do Mar com o litoral), há também as famosas Falésias do Rio Grande do Norte, localizadas na Praia de Pipa.
Um litoral de falésias é indicativo de movimentos positivos do relevo, seja por eustasia seja por epirogênese.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sudão do Sul redesenha o mapa da África

Mariana Timóteo da Costa (mariana.timoteo@oglobo.com.br)

Mbikoyesu Moses Poulnino lembra com alegria da infância em Yambio, no Sul do Sudão. Nascido em 1986, primeiro de outros sete irmãos, os pais eram camponeses, "pobres, claro, mas a gente vivia brincando". A segunda guerra civil no país africano já havia começado, mas a violência entre os islâmicos do Norte e os rebeldes do Sul - tribais e cristãos em sua maioria - só eclodiu em Yambio no início dos anos 90, conta Mbikoyesu, por telefone. A família de católicos fugiu em 1993. Primeiro para a República Democrática do Congo, depois para Uganda. Foi em campos de refugiados das Nações Unidas que Mbikoyesu tomou apreço pelos estudos. Em 2005, o Norte e o Sul do Sudão assinam um acordo de paz; três anos depois, Mbikoyesu volta sozinho a Juba, a capital do Sul sudanês. E hoje, 9 de julho de 2011, cursando o primeiro ano de Engenharia na única universidade pública local, Mbikoyesu comemora o nascimento de um novo país, o Sudão do Sul.

- Vou cantar, dançar e pular. Estamos animados com a possibilidade de sermos livres. Temos consciência dos problemas pela frente, mas meu sonho é trabalhar na construção de meu país e ter condições de trazer meus pais e irmãos de volta para cá - conta o estudante.
Dois mil mortos e 270 mil refugiados na fronteira

Salva Kiir - ex-líder do movimento rebelde SPLA (Exército Popular de Libertação do Sudão) - toma posse hoje como presidente do Sudão do Sul, após a separação com o Norte ter sido aprovada num referendo, em janeiro último, por 99,8% da população (a convocação da votação fez parte do acordo de 2005). Kirr e seu Gabinete enfrentam uma série de desafios, como conta, também de Juba, Zechariah Manyok Biar, secretário-executivo do Ministério do Interior de Kiir.

- A principal dificuldade é a relação com Omar al-Bashir - confessa Biar. - Ele vem fazendo muita coisa para impedir o nascimento de nosso país. Os motivos são vários: dinheiro do petróleo, concentração do poder. O ditador não quer ter como vizinho um país democrático como será o nosso - diz o integrante do novo governo, lembrando que Kiir prometeu convocar eleições até 2015.

Bashir é o ditador do Sudão, único líder em exercício no mundo, ao lado do líbio Muamar Kadafi, a ter ordem de prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes de guerra em Darfur, no oeste do país. Desde a aprovação da independência do Sul, o governo de Cartum sob seu comando é acusado pelos sul-sudaneses de perseguir líderes tribais e a população civil na fronteira. A região é volátil - há vários conflitos étnicos e separatistas. Nos anos de guerra civil, os habitantes da região foram vítimas de violência tanto por parte das tropas do Norte quanto do SPLA.

A nova onda de violência, segundo a ONU, já provocou mais de 2 mil mortes e 270 mil deslocados de janeiro para cá. Ontem, o Conselho de Segurança aprovou o envio de sete mil soldados e 900 policiais para "ajudar a manter a paz e a segurança" no Sudão do Sul. Outros 4,2 mil soldados etíopes estão em Abyei - a região considerada a mais problemática de todas, rica em petróleo e "palco de uma grave crise humanitária", segundo Raphael Gorgeu, chefe de missão de Médico Sem Fronteiras. O status de Abyei ainda não foi definido, e MSF alerta que a população carece de comida, medicamentos.

- Tem gente dormindo embaixo de árvores porque sua casa foi invadida e eles ficam com medo de retornar. A maioria dos fugitivos ruma ao Sul - relata.
Pelo acordo de 2005, os habitantes de Abyei deveriam votar se pertenceriam ao Norte ou ao Sul. A violência impediu a realização de um referendo e eles estão numa espécie de limbo. Além disso, há outros conflitos em regiões como Kordofan do Sul e Nuba, que pertencem ao Norte mas querem conseguir alguma autonomia.
- O Bashir teme, com a independência do Sul, a eclosão de outros movimentos separatistas e tenta manter sua influência. A violência é preocupante, e a comunidade internacional tenta evitar uma nova Darfur - explica Phillip Clark, da School of Oriental and African Studies (Soas), de Londres.


Outro temor de Bashir é a economia. Produtor de 500 mil barris de petróleo por dia, o Sudão perde a partir de hoje 75% de sua produção para o Sul, já que a maioria dos poços fica ali. Pelo acordo de paz, os dois dividiriam os lucros da exploração, já que o Norte é o detentor de tecnologia e o Sul, de recursos. O maior cliente é a China. Integrantes do Sul já prometeram rever acordos, inclusive com empresas estrangeiras.

- Não descartamos, se Bashir não se portar bem, pedir ajuda à China. Ou construir oleodutos passando por outros países. Bashir precisa ter a consciência de que precisa mais da gente do que nós dele - opina Zechariah Biar que, assim como o novo presidente Salva Kiir, é cristão e ex-soldado do SPLA.

Tendai Marima, colunista da al-Jazeera e autora de um artigo sobre o assunto que vem circulando com força na internet, acha que outro grande desafio será o novo governo do Sudão do Sul se comportar como força política, e não como um grupo rebelde, afinal, o SPLA esteve, nos últimos anos, "envolvidíssimo com movimentos separatistas e usando violência contra civis também". O consenso da comunidade internacional é que os dois lados precisam se entender. Em jogo, a estabilidade do Norte e Leste da África.
- Outro consenso é que esses conflitos separatistas precisam ser abafados, porque a criação de um terceiro ou um quarto país é completamente inviável - salienta Clark.

Delegações internacionais e ditador comparecem à festa
O estudante Mbikoyesu hoje vai dançar nas ruas de Juba. Kiir estará lá, assim como delegações internacionais e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Bashir também prometeu participar da festa pela criação do mais novo país do mundo. O blogueiro sul-sudanês John Akec acha que os dois lados, por enquanto, optam pelo pragmatismo, já que uma nova guerra não faria bem a ninguém. Mas espera que o Sul consiga ser livre e que "o vírus da liberdade se espalhe para o Norte e Bashir caia". Compara a independência de seu país a um casamento.
- Só que geralmente você se casa e aproveita um pouco a vida a dois antes de ter um filho. No nosso caso, o filho nasceu logo depois do casamento. E está dando um trabalho danado.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/07/08/sudao-do-sul-redesenha-mapa-da-africa-924870615.asp#ixzz1RsuuKw9g

Qual será a população mundial em 2100?


Por José Eustáquio Diniz Alves(*)

No século XX, a população mundial passou de 1,56 bilhão, em 1900, para 6,1 bilhões de habitantes, em 2000. Um crescimento de quatro vezes. Este alto crescimento ocorreu em decorrência da transição demográfica, que possibilitou uma grande queda das taxas de mortalidade e uma queda posterior e mais lenta das taxas de fecundidade.

A esperança de vida ao nascer da população mundial estava em torno de 30 anos de idade em 1900 e chegou a cerca de 65 anos no ano 2000. Ou seja, de forma inédita na história da humanidade, a esperança de vida da população mundial mais que dobrou em 100 anos. Este grande salto nunca tinha acontecido antes e provavelmente nunca irá acontecer no futuro, pois a grande conquista foi reduzir significativamente as taxas de mortalidade infantil e, depois de um certo ponto, a longevidade tem limites biológicos.

Como será a dinâmica demográfica no século XXI?

Em maio de 2011, a divisão de população da ONU atualizou os três cenários de projeção para a população mundial no século XXI. Pelo lado da mortalidade, as conquistas vão continuar, mesmo que em ritmo menor, pois a esperança de vida ao nascer, que na média da população mundial, era de 65 anos em 2000, já chegou a 68 anos em 2010 e deve atingir 80 anos em 2100.

A população mundial que vai chegar a 7 bilhões no final de 2011 pode atingir 10,1 bilhões de habitantes ou mesmo 15,8 bilhões em 2100. Ou até mesmo pode cair para 6,2 bilhões de habitantes, em conformidade com os diferentes cenários das taxas de fecundidade. Portanto, a população mundial pode variar de 6,2 bilhões a 15,8 bilhões dependendo do número médio de filhos por mulher e da sua evolução nas próximas décadas.

Pode parecer que esta grande diferença de 6,2 a 15,8 bilhões de habitantes ocorra devido a grandes diferenças nas taxa de fecundidade. Mas, ao contrário, isto é provocado por uma diferença na taxa de fecundidade média de apenas 0,5 (meio filho) por mulher.

No quinquênio 2005-10 a taxa de fecundidade total, na média mundial, estava em 2,52 filhos por mulher. Se esta taxa continuar neste nível a população mundial chegaria a 15,8 bilhões de habitantes em 2100. Se a TFT cair gradualmente em apenas meio filho por mulher (para uma TFT de 2 filhos em 2100) então a população seria 5,7 bilhões a menos, ou seja, de 10,1 bilhões de habitantes em 2100. Se a fecundidade cair mais meio filho abaixo da projeção média (para 1,55 filhos por mulher) então a população mundial ficaria em 6,2 bilhões de habitantes, aproximadamente a mesma população do ano 2000. Nesta hipótese de fecundidade mais baixa, o crescimento demográfico seria zero no século XXI.

Estes três cenários mostram que o tamanho da população mundial em 2100 pode ficar em um leque que varia de 6,2 bilhões a 15,8 bilhões de habitantes. Uma pequena variação média de meio filho por mulher pode fazer a quantidade da população ficar bem acima dos 10,1 bilhões da projeção média ou bem abaixo deste número. Tudo vai depender do comportamento reprodutivo das famílias.

Como é sabido, as taxas de fecundidade estão caindo em quase todo o mundo. O número médio de filhos por mulher cai, em primeiro lugar, porque cai a mortalidade infantil provocando o aumento da sobrevivência do número de filhos em cada família. Assim, com mais filhos vencendo mortalidade infantil, o número ideal de crianças é atingido mais rapidamente e as mulheres e os casais passam a limitar a possibilidade de uma nova gravidez. Além disto, o demanda por filhos se reduz na medida em que o custo das crianças aumenta e os seus benefícios diminuem. Isto acontece devido ao processo de urbanização, do aumento dos níveis de renda e educação, da entrada da mulher no mercado de trabalho, do crescimento dos sistemas de proteção social, etc.

Todos os países do mundo que atualmente possuem alto nível de educação ou alto nível de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) possuem fecundidade abaixo de 2,2 filhos por mulher. Contudo, existem uma certa quantidade de países (especialmente na África Sub-sahariana) que possuem fecundidade acima de 4 fillhos por mulher. Os estudos mostram que a alta fecundidade acontece devido à falta de acesso aos direitos básicos de cidadania (educação, habitação, saúde, liberdades políticas, etc.) e especialmente devido à falta de acesso aos direitos sexuais e reprodutivos. Em geral, a fecundidade é alta onde existe alta percentagem de pessoas pobres e há altas necessidades não-satisfeitas de contracepção.

Os estudos mostram que existe uma relação inversa entre IDH e fecundidade. Quando um sobe a outro cai. Assim, para garantir a continuidade da redução da pobreza e das taxas de mortalidade, a ONU aprovou, no ano 2000, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. As 8 metas dos ODMs são:

# 1. Erradicar a extrema pobreza e a fome
# 2. Atingir o ensino básico universal
# 3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
# 4. Reduzir a mortalidade na infância
# 5. Melhorar a saúde materna
# 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças
# 7. Garantir a sustentabilidade ambiental
# 8. Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento

No ano de 2005, a ONU realizou a Cúpula do Milênio + 5 para avaliar o andamento das iniciativas e corrigir eventuais lacunas existentes. Após diversos estudos e avaliações sobre as principais fraquezadas dos ODMs, foi feito um acréscimo fundamental para melhorar a qualidade de vida da população, que é a meta # 5B: “Alcançar, até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva”.

Acesso à saúde reprodutiva integral é fundamental para se garantir os direitos sexuais e reprodutivos, conforme aprovado na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada na cidade do Cairo, em 1994. Também é fundamental para a redução da gravidez indesejada.

Infelizmente, a maior parte da população pobre do mundo não tem acesso integral aos serviços de saúde reprodutiva. Os ricos possuem acesso à saúde reprodutiva, pois podem pagar via mercado privado. Mas a população de baixa renda precisa contar com o apoio do Estado, que por seu lado, precisa garantir os direitos de cidadania.

Se os 8 ODMs forem efetivados em todos os países do mundo é de se esperar que as taxas de fecundidade continuem a cair, especialmente naqueles países com menor grau de inclusão social. Quanto mais rápido os países avançarem na qualidade de vida dos seus cidadãos e cidadãs mais rápido as taxas de fecundidade vão ficar próximas de dois filhos por mulher (que é o número mais citado quando se pergunta o número ideal de filhos que as pessoas querem ter).

Desta forma, o avanço da qualidade de vida das pessoas e dos direitos reprodutivos de mulheres e homens, caso se efetive, deve possibilitar a continuidade da queda das taxas de fecundidade e, em consequência, a população mundial, no final do século XXI, pode ficar abaixo de 10 bilhões de habitantes. (Fonte/ Site EcoDebate).

(*) José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Da fome à obesidade



O Brasil começa a viver o drama de países ricos. Com maior consumo de alimentos industrializados ricos em sódio, açúcares e gorduras, mais da metade da população apresenta sobrepeso ou é obesa. As classes C e D são as maiores vítimas.

Por Adriana Delorenzo

Uma epidemia surge no Brasil e o Sistema Único de Saúde não está preparado para atender todas as suas vítimas. O sobrepeso e a obesidade, somados, já atingem cerca de 60% da população adulta brasileira. Levantamento do Ministério da Saúde mostra que 48,1% dos adultos estão acima do peso e 15% são obesos. Os dados são da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2010, para a qual foram entrevistadas 54.339 pessoas em todas as capitais do país. Desde 2006, quando a Vigitel começou a ser realizada anualmente, os números vêm crescendo. Há cinco anos, 42,7% da população estava com excesso de peso e 11,4%, com obesidade. Em 1975, apenas 2,8% dos homens e 7,8% das mulheres eram obesos, segundo o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef) realizado naquele ano.
Enquanto parte do Brasil ainda tem fome, outra reproduz hábitos alimentares não saudáveis, provocando uma epidemia comum em países ricos. O Brasil ocupa a 19ª posição no ranking mundial entre os homens, e está em 15º quando se trata de mulheres, segundo pesquisa da revista médica americana The Lancet. Nos EUA, país líder mundial no ranking de obesidade, 25% da população é obesa. “Infelizmente conseguimos copiar o que eles têm de pior: o padrão alimentar”, diz a conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e professora da Universidade de Brasília (UnB), Elisabetta Recine.
Mas tanto no caso do excesso, como da escassez, quem tem menos renda é o mais afetado. Se o Brasil já apresenta esse grande contingente de pessoas acima do peso, o índice é maior entre as classes C e D. “Quando consideramos a faixa de renda e de escolaridade, temos mais obesos entre os mais pobres e menos escolarizados”, afirmou o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em entrevista concedida a blogueiros progressistas, em 21 de maio. Uma série de fatores faz com que as pessoas cujo gasto com alimentação até pouco tempo pesava no orçamento hoje estejam no grupo de risco de desenvolverem as chamadas doenças crônicas não transmissíveis, tais como hipertensão, diabetes e cardiovasculares.
O aumento do consumo de alimentos industrializados ricos em sódio, açúcares e gorduras é apontado como o principal elemento causador dessa situação. Além disso, o sedentarismo é cada vez maior entre a população, principalmente de baixa renda. “A pesquisa Vigitel mostrou que 30% das pessoas com mais de 12 anos de escolaridade fazem atividade física em seu tempo de lazer. Com menos de oito anos de escolaridade, só 14% praticam alguma atividade”, diz Padilha. “Isso porque às vezes a pessoa não vive num lugar seguro para fazer atividade física e não tem dinheiro para pagar academia.”
Por outro lado, para atender a chamada “nova classe média”, que em 2014 deve ser 57% da população entre 18 e 69 anos, com acesso a alimentos industrializados, o Sistema Único de Saúde (SUS) terá que se reorganizar. “Mas não é só o sistema de saúde, a sociedade também tem que se organizar, tem que ter ação da escola relacionada a isso, é preciso associar esporte com ação de lazer”, alertou o ministro da Saúde. Segundo Padilha, o Ministério convocou toda a indústria de alimentos para assinar um acordo para que a concentração de sódio seja reduzida. “O acordo visa à redução imediata em média de 15%, chegando até 30% naqueles produtos com maior concentração de sódio. No segundo semestre, será cobrada a redução de gorduras, ou seja, tem que ter o compromisso da indústria com isso”, diz ele.
Para Elisabetta, é importante que a indústria altere a composição dos alimentos para toda a população, não apenas para nichos de mercado. Hoje as classes A e B, que dispõem de mais recursos e acesso à informação compram alimentos diet, light, ricos em fibras, sem gorduras trans, orgânicos etc. Segundo ela, com o aumento de renda, as classes C e D estão consumindo alimentos supercalóricos, com baixa qualidade nutricional. “Temos que pensar alternativas de deixar os alimentos saudáveis mais acessíveis”, diz. “Essa é uma vantagem do alimento industrializado, ele é relativamente muito barato, sacia com muito pouco recurso.”
A indústria já tem estratégias de marketing para atingir esse novo mercado consumidor. A Nestlé, por exemplo, tem um programa de revenda porta a porta. Ele é destinado a mulheres que passam com um carrinho vendendo para comunidade kits com produtos da empresa. Elas ganham até um salário mínimo e meio.

Além do ato individual
“Os fatores ligados ao acesso à propaganda e a informações, além da necessidade de alimentação rápida, são determinantes no estado que estamos: um quadro de obesidade crescente e preocupante”, afirma a presidente do Conselho Federal de Nutricionistas, Rosane Nascimento. Para ela, os acordos com a indústria são muito tímidos: “Falta muito para a indústria ser entendida como uma real parceira. Ainda predomina a questão econômica acima de todos os outros interesses, não há uma preocupação com a saúde pública. A indústria vende alimentos da mesma forma que vende um sapato, ou qualquer coisa. Sem medir as consequências do que o alimento pode causar à população consumidora”.
Grandes cadeias de fast food, segundo Rosane, passaram a incluir em seus cardápios opções de salada e outros alimentos mais saudáveis, dando a impressão de que a responsabilidade é só do consumidor. “O indivíduo tem um papel, mas o ambiente tem que colaborar, precisa haver um ambiente saudável”, explica Elisabetta. Para ela, quando uma pessoa vai ao supermercado e escolhe algum produto alimentício não se trata de um ato tão individual assim, já que o as pessoas são sensíveis diante da pressão da publicidade. “Como a culpa pode ser individual se o indivíduo é bombardeado por propaganda?”, questiona.
Tanto o Consea quanto a CFN, e diversas outras entidades da sociedade civil, defendem a regulação da publicidade de alimentos, especialmente para o público infantil. Seria uma forma de intervir na construção de um ambiente mais saudável para que o indivíduo decida o que deve comer. “As classes C e D se viram diante de uma nova realidade e não foram preparadas para fazer boas escolhas. Precisamos de medidas regulatórias e o governo não pode se omitir”, afirma Rosane, que sugere ainda campanhas educativas.
“A obesidade é causada por uma questão multifatorial. É uma questão dos hábitos, de sedentarismo, genética, mas também do impacto da publicidade de alimentos”, avalia Isabela Henriques, coordenadora do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana. Segundo ela, é preciso intervir nessas três frentes. “O aumento da obesidade está numa curva ascendente; se nada for feito, a tendência é aumentar.”
Mas, como mostrou a experiência da Resolução 24/10, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a regulamentação enfrenta pressões contrárias. “É um cabo de força complicado, não só no Brasil, mas globalmente”, avalia Elisabetta. A Resolução 24 previa que a indústria teria que colocar alertas nas embalagens com informações sobre os eventuais riscos que o consumo em excesso dos alimentos poderia causar. Mas a indústria alimentícia se juntou e conseguiu, através de liminar, anular a resolução, cujo conteúdo ainda é bem mais tímido do que países como a Inglaterra estão fazendo. Lá, uma lei de 2006 proibiu propagandas de alimentos com alto teor de sódio, açúcares e gorduras em programas televisivos destinados à faixa etária abaixo de 16 anos. O parlamento do Chile aprovou em 21 de abril um projeto de lei que cria regras para a publicidade de alimentos, proíbe para crianças menores de 14 anos e só permitindo a veiculação após as 22 horas. Nos EUA, foram lançadas diretrizes no início de maio também com o objetivo de restringir a publicidade destinada ao público infantil.

Direito à alimentação adequada
Para 79% dos pais, a publicidade de alimentos não saudáveis prejudica os hábitos alimentares das crianças. Esse foi o resultado de pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pelo Instituto Alana. Foram entrevistadas 596 pessoas, pais e mães de crianças de até 11 anos. Segundo o levantamento, 78% dos entrevistados acreditam que a publicidade desses produtos levam as crianças a “amolarem” seus pais para que comprem produtos anunciados e 76% disseram que os comerciais dificultam o esforço de educar os filhos a se alimentarem de forma mais saudável.
Segundo Isabela, a população é lesada por uma publicidade enganosa, que atinge principalmente o público infantil. Além de a criança não ter discernimento para escolher, seu paladar está sendo formado por produtos que contêm realçadores de sabor e muitas vezes muito açúcar. “A indústria precisa assumir o impacto que gera na saúde pública”, afirma.
O Instituto desenvolve uma série de ações no Espaço Alana, no Jardim Pantanal, na periferia de São Paulo (SP). Segundo a nutricionista do Instituto, Micheli Rangel Albuquerque, em 2010, 33,7% das 240 crianças atendidas pela creche apresentavam obesidade. “Apesar de oferecermos uma alimentação balanceada, na casa dessas crianças elas não têm acesso a frutas e outros alimentos saudáveis”, explica.
“Projetamos uma situação absolutamente descontrolada. Não haverá recursos para tratar pessoas que ficarão ou já estão doentes. São doenças que começam de forma silenciosa e trazem consequências sérias: perda da qualidade de vida, da capacidade de trabalho do indivíduo. Há um custo alto”, diz Elisabetta. Ela alerta que quando se discute a regulamentação, “há um mito de que se quer acabar com a indústria ou cercear a liberdade de expressão”. “Certamente a indústria de alimentos trouxe ganhos. Mas hoje temos uma situação onde ela oferece produtos num cenário sem regulamentação, sendo que antes não tínhamos consciência e nem vivíamos os impactos que essas doenças trazem”.

Elisabetta explica que o direito à alimentação, incluído no ano passado entre os direitos sociais na Constituição, prevê não só a garantia de um país livre da fome e desnutrição, mas também de alimentação adequada. “Não podemos acabar com a fome e gerar doenças”, diz. “Hoje qualquer criança está tendo violado seu direito à alimentação adequada, pois há um conjunto de informações distorcidas formando seus hábitos alimentares.”
Revista Fórum

Commodities - As raízes da crise


As raízes da crise
Longe de representar apenas os efeitos da oferta e da demanda, a alta dos preços das commodities agrícolas mostra que a especulação e a estrutura do comércio mundial precisam ser repensadas.

Por Glauco Faria

Em fevereiro deste ano, os preços mundiais dos alimentos atingiram o maior nível de uma série histórica, iniciada em 1990 e apurada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Aquele foi o oitavo mês consecutivo de alta e o índice superou o de junho de 2008, quando o planeta vivia uma crise alimentar com impressionantes elevações de preços: em três meses, o arroz, por exemplo, chegou a subir 50% e em um período menor que dois anos, o aumento chegou a 180%. Os grãos de primeira necessidade, entre março de 2007 e abril de 2008, tiveram seus preços elevados em 88%.

Nem mesmo a interrupção de uma sequência de oito elevações mensais, com o recuo de preços em março e o índice praticamente estável de abril, fez o cenário se tornar mais favorável. Hoje, estima-se que 925 milhões de pessoas em todo o mundo estão em situação de fome crônica. Como a organização calcula que 40 milhões de pessoas teriam passado a essa condição no período crítico de 2007-2008, os resultados dessa nova elevação de preços podem fazer com que um outro grande contingente de pessoas passe à subnutrição. Mas, afinal, o que está por trás da recente alta?

São diversos os fatores que podem explicá-la. Dois que são bastante difundidos atribuem a elevação a quebras de safras e ao aumento do consumo de alimentos no planeta. O escritor Vincent Boix, autor do livro O parque das redes e responsável pela área de Ecologia Social do site www.belianis.es, em um artigo da série “Crise agroalimentícia”, usa alguns dados que desmitificam essa explicação. A FAO prevê, para o ciclo 2010-2011, que o balanço mundial entre a produção e o consumo de cereais apresente um déficit de 43,1 milhões de toneladas. No entanto, as reservas, que estariam próximas de 483 milhões, correspondem a quase 11 vezes essa diferença. No biênio 2003-2004, essa relação era de seis vezes, mesmo assim, os preços não chegavam à metade do que se apresentam agora.

“Essa crise é sistêmica, não conjuntural, e não é mera expressão de um desajuste de oferta e demanda. Há pressões de demanda, sem dúvida, tem havido também problemas de disponibilidade de alimentos em razão de insucesso de safras, mas a questão não se esgota nisso”, analisa Renato Maluf, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). “Há um componente especulativo muito forte, sobretudo pela extrema mercantilização do comércio de commodities no mundo a partir de instrumentos como o mercado futuro, que extrapolaram a sua função e se tornaram um elo entre as commodities e a especulação financeira em geral”, explica. “Há novos atores incidindo nesse mercado, que não são os tradicionais.”

Segundo Maluf, os objetivos da criação do mercado futuro eram justamente garantir liquidez e promover uma proteção contra a flutuação de preços, já que os preços dos produtos agrícolas estão sujeitos a sazonalidades e condições muito específicas. No entanto, hoje esse sistema funciona de forma bem distinta. Não é à toa que o estouro da crise dos subprimes e a alta de preços aconteceram na mesma época. “À medida que outras bolhas foram 'secando' ou rebentando (novas tecnologias, mercado imobiliário, subprime), os especuladores (fundos de investimento, hedge funds, fundos de pensões, grandes bancos) se concentraram nas commodities, incluindo os produtos alimentares. Aos olhos dos especuladores, trata-se de uma bolha difícil de "secar", já que, ao contrário do que sucede com outras mercadorias mais ou menos dispensáveis, as pessoas terão sempre que comer”, pondera o biólogo português e eurodeputado João Ferreira, em artigo publicado em Odiario.info. “Muitos dos que ganham milhões especulando com os produtos alimentares não tocam sequer num único grão de milho ou bago de arroz. A FAO estima que apenas 2% de todos os contratos de futuros resultem na entrega da mercadoria física subjacente”, aponta.

Conforme Vincent Boix, há fundamentalmente dois tipos de agentes nessa cadeia especulativa. “Os fundos de investimento, de pensões, de cobertura etc., que, segundo o Observatório da Dívida na Globalização, '...compram e vendem contratos de futuros esperando tirar benefícios em qualquer uma das transações, independentemente de estes contratos se materializarem.' Depois estão os intermediários (destacando as transnacionais agroexportadoras como Cargill e Monsanto), que manejam grandes quantidades de produtos como o cacau, cereais etc., o que lhes confere influência na oferta de alimentos, não hesitando em armazenar grandes quantidades para desabastecer o mercado e forçar uma subida de preços. Esses intermediários também especulam com contratos de futuros.” Na mesma linha, Renato Maluf também observa que o enorme poder das corporações, em todas as etapas da cadeia que leva os alimentos à mesa das pessoas, lhes dá um grande poder na definição de preços, já que permite que se apropriem do controle de parte do processo especulativo.

Desigualdade no campo

Uma outra questão que merece reflexão diante do cenário de crise alimentar é a do modelo agrícola adotado por cada país. Boix lembra uma declaração de Olivier De Schutter, relator da ONU para o Direito à Alimentação. “Os países africanos se beneficiaram de colheitas relativamente boas em 2010 e não enfrentam risco imediato [...] Os países que importam a maior parte da comida que necessitam são mais vulneráveis. Os menos desenvolvidos compram 20% de seus alimentos, e sua conta se multiplicou por cinco ou seis desde os anos 1990. Esta dependência dos mercados internacionais é muito perigosa.”

O depoimento de De Schutter mostra algo que parece bastante óbvio: para assegurar a soberania alimentar de suas populações, os países deveriam produzir a maior parte daquilo que consomem. Mas não é isso que acontece em muitos lugares. “Vale destacar que muitos organismos como o Banco Mundial pressionaram e estimularam nações pobres para que apostassem na agroexportação, afogando sua própria agricultura campesina. Também o desaparecimento das tarifas sob a 'lógica do mercado' facilitou que excedentes subsidiados pelos Estados Unidos penetrassem em países pobres, aniquilando a produção local, o que gerou uma dependência das importações.”

Em meio à crise de 2007-2008, o Brasil sofreu menos o impacto da alta do que outros países, justamente por ter instrumentos domésticos para se proteger, embora tenha havido alteração de preços, como agora. Mas o papel desempenhado pela agricultura familiar, responsável por aproximadamente 70% da alimentação do brasileiro, foi fundamental para que a situação não fosse pior. “Muitos países asiáticos e latino-americanos em que a agricultura familiar tem baixa capacidade de produção foram mais afetados”, pontua Maluf. Mas o cenário pode se alterar em um futuro próximo, já que o modelo do agronegócio, voltado para exportação, cresce em ritmo mais rápido que a agricultura familiar.

De acordo com o relatório do Consea, divulgado em novembro de 2010, “a expansão do agronegócio e das formas privadas de apropriação dos recursos naturais a ele associadas contribuíram para acentuar a já elevada concentração da propriedade da terra no Brasil e para limitar o avanço das políticas de reforma agrária. A concentração fundiária e a morosidade na implantação da reforma agrária constituem, hoje, um dos principais obstáculos ao desenvolvimento e à consolidação dos sistemas familiares de produção rural no Brasil. O desenvolvimento da agricultura familiar e do agroextrativismo é estratégico para a soberania e a segurança alimentar e nutricional das populações do campo e da cidade”.

“A expansão do agronegócio vem sendo viabilizada com a atuação do que chamo de tríplice aliança: latifúndio-Estado-agronegócio. Nesse sentido, o agronegócio reúne o que há de mais moderno em termos tecnológicos com o que há de mais arcaico em termos de estrutura fundiária e de relações de trabalho”, avalia Christiane S.S. Campos, doutora em Geografia e professora da Universidade Federal de Santa Maria. Além de não assegurar o abastecimento interno, parte das vantagens propaladas pelo agronegócio, como a geração de empregos, deve ser relativizada.

Além de gerar menos empregos – pesquisa realizada por Rosemeire Aparecida de Almeida, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, constata que, no estado, as áreas de menos de 50 hectares geram uma ocupação a cada 6,7 ha, enquanto aquelas acima de mil hectares geram uma ocupação a cada 411,56 ha –, a qualidade dos postos também não é elevada. “Em relação especificamente às condições de trabalho, observa-se que onde se expande o agronegócio se intensifica a precarização, uma vez que se reduzem os empregos fixos, se ampliam empregos temporários e se intensifica muito o ritmo de trabalho, o que amplia a quantidade e a gravidade das doenças que atingem a população trabalhadora”, explica Christiane. “Isso sem falar do contato direto dos trabalhadores com os agrotóxicos, pois à medida que cresce a produção e a produtividade agrícola, cresce o consumo dos agrotóxicos no país.”

A geógrafa realizou uma pesquisa sobre a pobreza feminina em meio à riqueza do agronegócio, baseada em um estudo de caso da cidade de Cruz Alta, interior do Rio Grande do Sul. Ela entrevistou empregadores de diferentes segmentos da cadeia produtiva da soja no município, e os resultados mostraram que as desigualdades geradas por esse tipo de monocultura em larga escala se dão em diferentes níveis. “O perfil do emprego gerado pelo agronegócio pode ser sintetizado em quatro palavras: masculino, formal, temporário e precário. É masculino porque 78% dos postos de trabalho gerados pelos empregadores entrevistados eram ocupados por homens. É formal porque 97% dos empregos tinham contrato de trabalho. É temporário porque 66% dos empregos são oferecidos por um período predeterminado, geralmente de três meses. É precário devido ao curto período de tempo da maioria das vagas e à baixa remuneração para a maior parte das funções, especialmente no caso das mulheres.”

Os dados colhidos por Christiane levaram à constatação de que, em Cruz Alta, o agronegócio contribui decisivamente para retroalimentar a pobreza, mas não de forma homogênea. As mulheres têm muito mais dificuldade de se inserir no mundo do trabalho em um território do agronegócio como a cidade gaúcha. A justificativa dos empregadores é que os postos gerados são de “serviço pesado”. Entretanto, mesmo os cargos de vendedores, gerentes, entre outros que não exigem força muscular, são, na sua quase totalidade, ocupados por homens. “Ironicamente, entre os postos que as mulheres conseguem vaga estão o trabalho agrícola temporário e os serviços de limpeza nas empresas, que não podem de maneira alguma ser caracterizados como 'serviço leve'”, explica.

A pesquisa mostra também que há uma segregação ocupacional por gênero, já que as mulheres se concentram em funções sem poder de tomada de decisão, além da desigualdade salarial, apesar de elas terem melhor escolaridade. “Nos locais pesquisados, a maior parte dos homens recebe entre dois e cinco salários mínimos. No caso das mulheres, a maioria dos estabelecimentos paga entre um e dois salários mínimos. Há inclusive empresas em que o salário das trabalhadoras não chega ao mínimo nacional”, conta Campos. “Com base nesses dados e em estudos realizados por pesquisadoras em outras cadeias do agronegócio, como a cana em São Paulo e a fruticultura irrigada em estados do Nordeste do País, concluímos que onde se territorializa o agronegócio se intensifica a desigualdade social, em geral, e, em particular, a desigualdade de gênero no mundo do trabalho.” E esse cenário se torna mais preocupante quando se considera que, em um número crescente de famílias, o trabalho feminino é a principal ou até a única fonte de rendimento. Em Cruz Alta, a mulher é a principal responsável pela renda em 40% dos domicílios.

Rosa Maria Vieira Medeiros, do Núcleo de Estudos Agrários da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembra que o agronegócio, por ser altamente mecanizado, não faz uso de tanta mão de obra e, conforme a região em que ele se instala, há problemas de elevação do desemprego. “No Rio Grande do Sul, tanto a soja como o arroz, ao terem sua produção mecanizada, liberaram um enorme contingente de mão de obra, que foi engrossar a população de outros locais, como a região calçadista do estado. Nos anos 1980, havia linhas diretas de ônibus que saíam do norte do Rio Grande do Sul”, relembra a professora.

Agronegócio x Agricultura familiar

Além de alterar as relações sociais, o agronegócio interfere espacialmente nos locais onde se insere. “Se você olhar o mapa do Brasil, vai visualizar um processo que não está baseado na diversidade de produção ou na preocupação de se ter uma estrutura descentralizada, com aproximação dos centros de produção e de consumo. Não tem o menor sentido, por exemplo, que o arroz, sendo consumido no Brasil todo, tenha sua produção tão concentrada no Sul”, observa Renato Maluf. Efeito óbvio desse modelo é a concentração de terras. “O último censo agropecuário, realizado em 2006, cujos resultados foram publicados em 2009, mostra que houve um aumento do índice de Gini quando comparado com a década de 1980. Em 1985, o índice de Gini da área total dos estabelecimentos agropecuários do Brasil era de 0,857 e, em 2006, passou para 0,872 (quanto mais próximo de 1 fica o índice, maior a concentração)”, explica Christiane Campos. “Isso significa que nossa estrutura fundiária, que já era extremamente concentrada, ficou ainda pior com a expansão do agronegócio.”

A professora Rosa Medeiros remete novamente ao exemplo do Rio Grande do Sul para mostrar os efeitos da expansão da monocultura de soja. “O início da cultura de soja no estado data dos anos 1960 e se fortalece nos anos 1970, e essas áreas já foram redesenhadas. Antes, elas tinham policultura, criação de aves, porcos e o processo de modernização da agricultura, que fez parte de um grande projeto que trouxe uma quantidade enorme de subsídios, com créditos a juros baixíssimos, modificou esse cenário”, analisa. “Os muito pequenos acabaram absorvidos pelos grandes.”

Outra consequência do domínio do agronegócio é que a agricultura familiar passa a tentar se integrar na cadeia produtiva de acordo com os interesses dos grandes. “Em Cruz Alta, por exemplo, não se percebe mudança na paisagem rural quando se está numa área da agricultura familiar e em uma lavoura de um grupo do agronegócio, porque em ambas predomina a soja, e nas lavouras se usa sementes transgênicas e o plantio direto”, destaca Christiane. “Até porque os grupos do agronegócio controlam as estruturas de armazenagem e de insumos, encarecendo o custo de produção de produtos diferentes daqueles que consideram prioritários.”

Rosa Medeiros realizou uma pesquisa no município de Tupanciretã, interior gaúcho, e constatou que muitos assentamentos no local já produzem soja transgênica, o que vai contra os princípios da sustentabilidade e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que tem forte presença na região. Segundo ela, há três hipóteses possíveis para que assentados repitam tais práticas: a boa qualidade da terra, que atrai os interesses do capital para o cultivo da soja; a disponibilidade de linhas de crédito incentivando a produção do grão e a necessidade de menos mão de obra com a utilização de agrotóxicos e máquinas. “Muitos estão inseridos nessa lógica, eles se organizam em cooperativas e associações e entram no sistema de competição para aluguel de máquinas. Não existe uma prática ecológica.”

No entanto, alguns assentados estão optando por uma prática sustentável: a produção do arroz ecológico, que dispensa a utilização de agrotóxicos ou adubos químicos. “É muito difícil para quem planta. O arroz ecológico requer um outro tipo de envolvimento, todo um desejo e uma filosofia de vida. Se essas pessoas pensarem só no rendimento, na primeira quebra de safra acabam largando”, pondera. Mesmo assim, a cada ano mais agricultores assentados estão optando por produzir esse tipo de arroz, que, segundo dados do MST, envolve aproximadamente 400 famílias no estado e deve produzir 344 mil sacas na safra 2010/2011, ante 170 mil, da safra 2009/2010.

Nesse contexto, a contraposição entre a agricultura familiar e o agronegócio, no que diz respeito à soberania alimentar, invoca o debate sobre o papel exercido pelo poder público. A primeira, como já dito anteriormente, é fundamental para a alimentação da população, mas o peso econômico do agronegócio é significativo. Desde a década de 1990, a participação das commodities na pauta de exportações brasileira ficava em torno dos 40%, mas, entre 2007 e 2010, ela passou para 51%. E é bom lembrar que o fenômeno não se deve exclusivamente à valorização das commodities.

“Trata-se de uma questão de políticas públicas, temos dois Ministérios, um da Agricultura e outro do Desenvolvimento Agrário. A ideia é a coexistência do agronegócio e do desenvolvimento da agricultura familiar, mas a menina dos olhos é o agronegócio, porque representa muito na balança comercial do País”, acredita Rosa Medeiros. “A dinâmica do agronegócio é muito poderosa e conta com o beneplácito da história brasileira, na qual uma das características mais marcantes em todos os regimes que tivemos é essa presença importante e poderosa da grande produção e da estrutura agrárias concentradas, e que são uma reprodução da raiz da nossa desigualdade social”, avalia Renato Maluf, que reconhece o importante papel do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), mas alerta sobre a necessidade de aprimorar o sistema de financiamento. “O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é inovador e percorre o mundo, mas tem que ganhar mais amplitude do que tem hoje, é preciso decisão política e um tempo para que essa produção seja organizada.”

E a proteção contra os movimentos especulativos também já pauta as ações governamentais. A secretária de Segurança Alimentar, Maya Takagi, conta que já há uma discussão sobre a elaboração de um sistema de monitoramento dos preços, tanto dos insumos quanto dos preços dos produtores e os que chegam aos consumidores. “Ainda em fase inicial, a ideia é juntar os diversos índices de preço que existem e elaborar um sistema para acompanhar as oscilações e comparar com anos anteriores. Assim, é possível planejar várias formas de intervenção, verificando onde a elevação se concentra, no atacado ou no varejo, ou se é no nível dos insumos, por exemplo”, explica Maya. “Um segundo ponto é fortalecer a armazenagem, já que, com ela, é possível atuar para enfrentar uma eventual elevação de preços.”

Maluf atenta para a necessidade de um diálogo global e ressalta que é preciso agir no cerne do problema: a especulação. “A rodada de Doha caiu, e hoje a regulação financeira é fundamental, mas nem todos querem implementá-la. O Brasil tem regulação, mas os EUA, o principal mercado do mundo, resistem a ela, e o que acontece ali em Chicago repercute no mundo todo”, aponta. “Mas a regulação da especulação financeira depende de um acordo entre as nações e, sobretudo, dos principais países.” Não será fácil.

Revista Fórum

Notas sobre a água


[Por Luana Copini para o EcoDebate] Nas cartilhas escolares distribuídas pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN) aprendemos que: 12% da água doce do mundo está no Brasil.

Além de abrigar o maior rio em extensão e volume de água, o Amazonas, mais de 90% do território brasileiro recebe chuvas abundantes durante o ano e as condições climáticas e geológicas propiciam a formação de uma extensa e densa rede de rios.

O que incide no Brasil, porém, é a má distribuição desta água. Enquanto a Amazônia com baixos índices populacionais possui 78% da água superficial, o sudeste que possui a maior concentração de população do país tem disponível apenas 6% do total da água.

De acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA) a água no país representa apenas 0,3% do total de água do planeta em mais de 8,5 milhões de Km², vários biomas e quase metade do território ocupado pela floresta Amazônica.

Como em toda lógica natural, ou econômica, todo recurso natural é escasso, não seria diferente com a água.

Para Maria de Lourdes Davies de Freitas, pesquisadora e Secretaria Executiva da Rede Brasileira de Agrofloresta, a sociedade ao invés de evoluir está “involuindo”. “O índio no passado sabia aonde ir, era nômade (ainda alguns os são), aonde não existia água, eles não ficavam”.

No Brasil 50% da água captada para uso é destinada à irrigação, em apenas 5% da área total, segundo relatório divulgado pela ANA. Para onde vai o restante, nem o brasileiro sabe, segundo a pesquisadora.

Sem água não há vida, afirma Maria de Loudes acrescentando que a sociedade brasileira tem que acordar para questões que dizem respeito à sustentabilidade e ao uso da água, não apenas quanto ao desperdício mas também quanto ao não desmatamento das florestas.

Levando em consideração a preocupação com a escassez de água, a ANA criou o Atlas Brasil de Abastecimento Urbano de Água que faz o mapeamento e aponta as vulnerabilidades de todas as regiões metropolitanas e de todos os municípios do País.

E o último Atlas (2010) aponta a necessidade de investimentos que ultrapassam R$ 20 bilhões. Indica ainda que se efetuadas as obras, o Brasil terá oferta de água suficiente até 2025. Caso contrário, até 2015 pode faltar água em muitos municípios brasileiros.

Luana Copini é participante do Projeto Repórter do Futuro, que visa à interação de alunos de jornalismo e da sociedade civil sob estudos e experiências com relação à Amazônia e ao meio ambiente
Revista Eco Debate

Os oceanos à beira da catástrofe


Os oceanos à beira da catástrofe
A vida marinha encara a extinção em massa "dentro de uma geração humana" O estado dos mares é "muito pior do que pensávamos", diz um painel global de cientistas.
Por Michael McCarthy

Os oceanos do mundo encaram uma perda de espécies sem precedentes, comparável às grandes extinções em massa da pré-história, sugere hoje um importante relatório. Os mares estão se degenerando muito mais rapidamente do que qualquer um havia previsto, diz o relatório, por causa do impacto cumulativo de um número de severas agressões individuais, que vão do aquecimento do clima e a acidificação da água marinha até a poluição química disseminada e a grosseira sobrepesca.
A combinação desses fatores agora ameaça o ambiente marinho com uma catástrofe “sem precedentes na história humana”, de acordo com o relatório de um painel de cientistas marinhos de ponta, reunidos em Oxford no começo deste ano pelo Programa Internacional sobre o Estado do Oceano (IPSO) e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
A dura sugestão feita pelo painel é que a extinção potencial de espécies, de peixes grandes, num extremo da escala, até minúsculos corais, na outra, é diretamente comparável às cinco grandes extinções em massa do registro geológico, durante as quais boa parte da vida do mundo morreu. Elas vão do “evento” Ordoviciano-Siluriano de 450 milhões de anos atrás à extinção Cretáceo-Terciária de 65 milhões de anos atrás, que foi aquela que, acredita-se, extinguiu os dinossauros. Acredita-se que o pior desses eventos, no fim do período Permiano, 251 milhões de anos atrás, eliminou 70% das espécies terrestres e 96% de todas as espécies marinhas.
O painel de 27 cientistas, que levou em consideração as pesquisas mais recentes em todas as áreas da ciência marinha, concluiu que “uma combinação de agressões está criando as condições associadas a todas as principais extinções de espécies na história da Terra”. Eles também concluíram que:
A intensidade e a rapidez da degeneração dos oceanos é muito maior que qualquer um havia previsto.
Muitos dos impactos negativos que foram identificados são piores que as piores previsões.
Os primeiros passos de uma significativa extinção global já podem ter sido dados.
“As descobertas são chocantes”, disse o Dr. Alex Rogers, professor de biologia da conservação na Universidade Oxford e diretor científico do IPSO. “Quando consideramos o efeito cumulativo do que a humanidade faz aos oceanos, as implicações tornam-se muito piores do que havíamos percebido individualmente”.
“Esta é uma situação séria, que exige ação inequívoca em todos os níveis. São consequências para a humanidade que terão impacto durante o nosso tempo de vida e, pior, durante o tempo de vida dos nossos filhos e das gerações vindouras”. Ao considerar as pesquisas recentes, o painel de especialistas “encontrou indícios firmes” de que os efeitos da mudança climática, junto com outros impactos induzidos pelos humanos, como a sobrepesca e o esgotamento de nutrientes devido à agricultura, já provocaram um declínio dramático na saúde dos oceanos.
Não apenas há declínio severo em muitas espécies de peixes, ao ponto de extinção comercial em alguns casos, e uma extinção regional de alguns tipos de habitat em ritmo “sem paralelo”, como é o caso dos mangues e pradarias marinhas, mas alguns ecossistemas inteiros, como os recifes corais, podem desaparecer dentro de uma geração.
O relatório diz: “A crescente hipoxia [baixo nível de oxigênio] e anóxia [ausência de oxigênio, conhecida como zonas marinhas mortas], combinadas com o aquecimento do oceano e a acidificação, são os três fatores que estiveram presentes em todos os eventos de extinção em massa na história da Terra”.
“Há fortes indícios científicos de que esses três fatores estão se combinando no oceano novamente, exacerbados por múltiplas agressões severas. O painel científico concluiu que um novo acontecimento de extinção é inevitável se a atual trajetória de danos continua”.
O painel apontou uma série de indicadores de como a situação é grave. Disse, por exemplo, que um único descoloramento em massa de corais em 1998 matou cerca de 16% de todos os recifes corais do mundo, e apontou que a sobrepesca já reduziu alguns estoques de peixes comerciais e populações de espécies “bycatch” (capturadas involuntariamente) em mais de 90%.
O painel também revelou que novas pesquisas científicas sugerem que os poluidores, incluindo-se os químicos que retardam a combustão e os almíscares sintéticos encontrados em detergentes, estão sendo acompanhados nos oceanos polares e que esses químicos podem ser absorvidos por partículas plásticas minúsculas no oceano que são, por sua vez, ingeridas pelos peixes que se alimentam nas profundezas.
As partículas plásticas também ajudam no transporte de algas, aumentando a ocorrência de florescimentos algais tóxicos – que também são causados pelo influxo de poluição rica em nutrientes vindas das terras agricultadas.
Os especialistas concordaram que, quando estas e outras ameaças se somam, o oceano e seus ecossistemas são incapazes de se recuperar, já que são constantemente bombardeados com ataques múltiplos.
O relatório estabelece uma série de recomendações e convoca Estados, corpos regionais e as Nações Unidas para que coloquem em vigor medidas de conservação dos ecossistemas oceânicos, e em particular exige a adoção urgente de melhor governança dos altos-mares que estão, em larga medida, desprotegidos.
“Os principais especialistas do mundo em oceanos estão surpresos com a magnitude e a intensidade das mudanças que estamos observando”, diz Dan Laffoley, conselheiro sênior de ciência marinha e da conservação no IUCN. “Os desafios para o futuro dos oceanos são vastos mas, ao contrário das gerações anteriores, nós agora sabemos o que deve acontecer. A hora de proteger o coração do nosso planeta é agora, hoje e urgente”.
As conclusões do relatório serão apresentadas na ONU esta semana, quando os delegados iniciarem as discussões sobre a reforma da governança dos oceanos.
Michael McCarthy é editor de meio ambiente do jornal inglês "The Independent".
TRadução de Idelber Avelar. Foto de http://www.flickr.com/photos/jeffgunn/.
Revista Fórum

sábado, 23 de julho de 2011

Notícias Geografia Hoje


População asiática no Brasil cresce 173%

O Brasil viveu, na última década, uma explosão da população de origem asiática, explicada em grande parte pelo retorno de brasileiros que moravam no Japão e pela chegada de imigrantes vindos principalmente da China. Dados do Censo 2010 apontam 2,084 milhões de residentes no País que se declararam de cor ou raça amarela - um aumento de 1,322 milhão de habitantes em relação ao ano 2000, equivalente ao município de Guarulhos. Em dez anos, os "amarelos" cresceram 173,7%. Embora a proporção ainda seja muito pequena, os orientais e seus descendentes passaram de 0,45% para 1,09% da população.
No novo desenho da distribuição dos asiáticos, o Nordeste, e não mais o Sudeste, apresentou a maior proporção de população amarela, embora em números absolutos a concentração continue no Sudeste. São Paulo, que tem a maior comunidade japonesa do País, deixou de ser o Estado com maior porcentual de asiáticos e descendentes e caiu para sétimo lugar, apesar de ter tido aumento no número absoluto.
A atração pelo Nordeste pode ser explicada pelo aquecimento econômico, com investimentos em infraestrutura e serviços e aumento da demanda por mão de obra. Na população nordestina, o número de amarelos subiu quase dez vezes: passou de 67 mil em 2000 para 631 mil em 2010. O Piauí passou a ser o Estado com maior proporção de asiáticos, com 2,3% da população total. Em Fortaleza, o aumento também foi impressionante, de 3,5 mil para 33 mil.
Embora detalhes do Censo 2010 sobre nacionalidade ainda não estejam disponíveis, alguns números oficiais dão pistas para o aumento da população amarela. Segundo o Ministério da Justiça, o número de chineses legalmente residentes no Brasil aumentou 25% entre 2009 e 2010, passando de 28,5 mil para 35,2 mil. O Censo 2000 registrou a presença de 15 mil chineses. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 23 de julho de 2011
Diário do Grande ABC

domingo, 17 de julho de 2011

O muro que dividiu o século


Denis Russo Burgierman

O jovem operário Peter Fechter, 18 anos, sabia que era proibido pular o muro que separava Berlim Ocidental de Berlim Oriental. Sabia também que o governo de seu país — a Alemanha Oriental — estava empenhado em evitar que milhares de emigrantes continuassem deixando o país todos os dias em busca de salários melhores e de mais liberdade do outro lado. Mas certamente não calculou direito o risco de afrontar as regras. Era o dia 17 de agosto de 1962. Fechter ultrapassou as cercas de arame farpado e se aproximou do paredão para pulá-lo.
O que se seguiu — uma saraivada de balas, 24 das quais cravadas no corpo do rapaz — marcou profundamente a história deste século. Fechter se tornou a primeira das mais de 800 vítimas do Muro de Berlim. Sangrou por quase 1 hora, até morrer. Nenhum dos soldados autores dos disparos ousou aproximar-se. Queriam que servisse de exemplo. Aquela fronteira era para valer.
Um ano antes, em 13 de agosto de 1961, ela fora levantada literalmente da noite para o dia. Não separava só a Alemanha Oriental da Ocidental. Até 9 de novembro de 1989 cortou o mundo em dois. De um lado, um bloco sob a influência capitalista dos Estados Unidos; do outro, os países comunistas liderados pela União Soviética.
Ambas as superpotências consolidaram-se em 1945 com a vitória na Segunda Guerra Mundial sobre a Alemanha. Mas a história da fronteira berlinense é bem mais antiga. Começou em 1918, no fim da Primeira Guerra, quando a União Soviética já adotara o comunismo; continuou com a Guerra Fria, o confronto permanente, embora não consumado, entre comunismo e capitalismo; e foi até 1989, quando finalmente caiu, sob os gritos de "viva!" da população. Símbolo de uma era, seus últimos nacos hoje são disputados em leilões. Custam milhares de dólares. Grupos de artistas também lutam para manter de pé os poucos trechos que não caíram. Claro, trata-se de uma ruína preciosa: conta, como nenhuma outra obra humana, a história tumultuada do século que está por terminar.

drusso@abril.com.br
O Muro de Berlim, com 155 quilômetros de extensão, rodeava toda a parte ocidental da cidade. Media 3 metros de altura e era vigiado do alto de 302 torres por 14 000 soldados. Cruzava um rio, dois lagos, quatro linhas de metrô e cinco trilhos de trem.
Um mundo separado do outro
Para ser bem preciso mesmo, é necessário estabelecer o início da história do Muro de Berlim em 1918, quando a capital alemã era ainda uma só, à mercê dos bombardeios ingleses. A Primeira Guerra Mundial, que deixou a Alemanha destruída e sedenta de vingança, estava no fim, a União Soviética já era comunista e os Estados Unidos temiam sua expansão.
Em 1933, um atentado terrorista até hoje não esclarecido incendiou o prédio do Parlamento alemão — o Reichstag —, que fica muito próximo da linha onde seria construída a fronteira de tijolos. Foi o pretexto que o primeiro-ministro Adolf Hitler esperava para se tornar um ditador de verdade.

Tiro pela culatra
Cinco anos depois, ele começa a invadir os países vizinhos da Alemanha, pensando em construir seu próprio império. Mesmo com as selvagerias que praticou, perdeu a guerra e acabou suicidando-se em 1945, depois de passar meses escondido em um buraco no chão. Bem abaixo de outro local perto de onde passaria o muro.
O ditador sonhava fazer de Berlim a capital do mundo, mas o tiro saiu pela culatra. A Segunda Guerra transformou Washington e Moscou nos centros de um planeta polarizado. A Berlim coube o menos nobre e mais terrível dos papéis — o de fronteira.
No fim da guerra, quase toda a Europa estava destruída. Estados Unidos e União Soviética se apressaram em recolher os cacos. A Alemanha, derrotada, foi fatiada entre os aliados. Berlim também. "O plano era transformar a Alemanha em um país agrário para sempre", diz Christian Lohbauer, especialista em política alemã da Universidade de São Paulo (USP).
Só que, temendo o crescimento da influência soviética, que já se espalhava por todo o leste da Europa, os americanos mudaram de tática. Começaram a dar dinheiro para os germânicos, ex-inimigos, reconstruírem seu país. "A idéia era fortalecer os países sob sua influência", diz a cientista política Cristina Soreanu Pecequilo, da USP. "Tentavam provar que ser capitalista era mais vantajoso que ser socialista." Deu resultado. Milhões de alemães da área soviética espiavam a prosperidade por cima do muro, então invisível, e corriam para o outro lado.

Saída para o oeste
Para frear o êxodo, em 1949 os alemães do Leste transformaram a área sob influência soviética em um país, a Alemanha Oriental, e fecharam suas fronteiras. Berlim Ocidental ficou ilhada na nova nação. Só que os alemães orientais, descontentes, continuaram cruzando a fronteira em massa.
A solução encontrada para estancar a sangria foi prosaica e, ao mesmo tempo, apavorante. Construiu-se um muro de 3 metros de altura, fatiando praças em duas, deslocando túmulos de cemitérios, cortando lagos, interditando avenidas movimentadas, separando famílias e impedindo que trabalhadores chegassem aos seus empregos. Em 1967, o governo comunista recuou uns 100 metros em seu território e fez um segundo muro, "por segurança". Qualquer um que entrasse nessa "terra de ninguém" entre os muros era fuzilado sem direito a explicações.
Ele era "maciço, como se tivesse sido construído para sempre", escreveu o escritor alemão Günter Grass, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura deste ano. Mesmo assim, não resistiu ao assoprão do premiê russo Mikhail Gorbatchev, que, no final de 1988, liberou os países aliados para decidirem seu próprio destino. Em setembro de 1989, a Hungria acatou as recomendações do líder soviético e abriu a fronteira com a Áustria. Na mesma hora, centenas de milhares de alemães orientais se precipitaram para a Hungria para fugir para o Ocidente por lá. De repente, a muralha indevassável tornara-se inútil. Não houve outro remédio senão derrubá-la. E isso foi feito. Sem guerra nem sangue, em meio à festa dos berlinenses novamente reunidos.
O muro caiu! Salve o muro!
Imagine uma parede rasgando a praça central de sua cidade. Pense na avenida mais movimentada deixada às moscas e aos soldados, a fronteira entre dois Estados inimigos passando entre vizinhos. Por 38 anos, os cidadãos de Berlim conviveram com essa situação. Uma década não bastou para cicatrizar a ferida. "Até hoje, existe um muro psicológico", atesta Lohbauer. "São povos diferentes, criados sob ideologias distintas. Até os sotaques são fáceis de notar."
Uma das vozes mais ácidas que se levantaram contra a festejada união das Alemanhas foi a do ex-alemão oriental Grass, um dos mais célebres inimigos do muro. Ele acusou os ocidentais de terem exultado com a queda porque queriam comprar as empresas estatais comunistas a preço de banana.
Como souvenir de luxo, o Muro de Berlim continua um bom símbolo dessa nova ordem que surgiu quando as picaretas o pulverizaram. Seus pedaços, já no Natal de 1989, eram vendidos por 20 dólares na Bloomingdale’s, em Nova York, uma espécie de Politburo (comitê central, em russo) do consumismo. E a região por onde ele passava tornou-se a área mais valorizada de Berlim. A especulação imobilária varreu do mapa quase toda a muralha. Os mesmos artistas e ambientalistas que lutaram pela queda brigam para manter em pé os pedaços que restam — pouco mais de 1 quilômetro, ao todo, forrado de grafites. Querem, agora, preservar a memória histórica. O garoto Peter Fechter hoje teria 55 anos. O que será que ele pensaria disso tudo? Um Campo Vasto, Günter Grass, Record, Rio de Janeiro, 1998.

Berlim, um Muro na Cara, Roberto Menna Barreto, Summus, São Paulo, 1988.
Entre 1949 e 1989, Berlim Ocidental ficou isolada dentro da Alemanha Oriental, na fronteira entre capitalismo e comunismo. 1945 - O bolo dividido
Os tanques soviéticos invadem Berlim, derrotam os nazistas e ocupam a sua capital. Como chegaram antes dos outros aliados, os russos escolheram as melhores fatias da cidade. Ficaram com todo o centro velho. Os americanos, franceses e ingleses assumiram depois suas áreas e o país foi oficialmente dividido em dois em 1949 — soviéticos de um lado, franceses, ingleses e americanos do outro. Até 1989, as duas partes da cidade permaneceram sob ocupação militar estrangeira.

1961 - Ninguém passa
O governo da Alemanha Oriental decide construir o muro para brecar a saída dos descontentes com o regime comunista para o outro lado. Entre 1949 e 1961, foram 2 milhões de fugas, o que era muito em um país com 18 milhões de habitantes. Na foto à esquerda, berlinenses orientais fogem pela janela para a parte ocidental da cidade. Acima, um soldado pula o arame farpado, durante a construção do muro, transformando-se no primeiro desertor dos novos tempos.

1962 - Mortes e fugas
O alemão oriental Peter Fechter, 18 anos, é assassinado ao tentar cruzar a barreira (à esquerda). Outros 800 morreriam nos 37 anos seguintes, embora o número oficial de vítimas seja 180. Mas houve quem passasse — num porta-malas, num ultraleve, nadando sob o arame farpado, cavando um túnel (à direita), escondido em materiais de construção transportados por caminhões (acima) ou simplesmente pulando o muro.

1963 - Tribuna
John Kennedy é o primeiro presidente americano a visitar o símbolo da Guerra Fria. Discursou na beirada, para ser ouvido do outro lado, e condenou o comunismo. As duas cidades transformam-se em um centro estratégico para o mundo todo. Berlim infestou-se de espiões. Quem queria saber os rumos da Guerra Fria tinha que bisbilhotar o que acontecia por lá.

1970 - Protestos
Enquanto o lado oriental era cuidadosamente vigiado, no ocidental cresciam os protestos contra a divisão. O muro transformou-se em tela para registrar o descontentamento. Este grafite famoso mostra Leonid Brejnev, então dirigente soviético, beijando Erich Hönecker, o chefe do Partido Comunista alemão que ordenou a construção do Muro de Berlim. Embaixo está escrito "Deus me ajude a sobreviver a esse amor fatal".

1989 - Tijolos abaixo
Após uma alucinante sucessão de surpresas, o muro cai. Em 1987, o presidente americano Ronald Reagan vai até lá e discursa: "Senhor Gorbatchev, derrube este muro". No ano seguinte, o soviético permite que seus aliados abram as fronteiras. Hungria e República Checa são as primeiras a fazê-lo, em meados de 1989. Em 9 de novembro, o governo oriental libera a travessia entre as duas Berlins. No dia seguinte, a população espontaneamente demole o monumento opressor com picaretas e martelos. Kurfurstendamm
Como o velho centro da cidade ficou no lado oriental, os ocidentais tiveram que criar um novo. Ironicamente, ele surgiu lá na periferia, ao lado do antigo zoológico. A prosperidade de Berlim Ocidental fez com que esse segundo centro se tornasse mais movimentado que o primeiro.

Reichstag
O prédio do Parlamento, queimado em 1933, foi abandonado na área de segurança vizinha ao muro, aonde ninguém podia ir. Até hoje conserva as pichações dos soldados russos que tomaram a cidade em 1945. Em setembro de 1999, reformado, sediou a primeira sessão do novo Congresso.

Ponte Glienicke
Conhecida como a Ponte dos Espiões, era por onde ocidentais e orientais trocavam prisioneiros, geralmente agentes secretos. Por dentro da água passava o arame farpado e o muro prosseguia pelas margens.

Área de risco
Os dois muros eram separados por 100 metros em média. Entre eles havia arame farpado, minas, metralhadoras acionadas por células fotoelétricas, pedaços de trilhos de trem para obstruir a passagem de carros e cães treinados.

Potsdamer Platz
Esta praça era o centro econômico da antiga capital. Foi destruída nos tempos do muro, tornando-se "terra de ninguém" entre as duas Berlins. Restaurada, ela agora abriga a sede de algumas das mais importantes empresas alemãs
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