Por José Eustáquio Diniz Alves(*)
No século XX, a população mundial passou de 1,56 bilhão, em 1900, para 6,1 bilhões de habitantes, em 2000. Um crescimento de quatro vezes. Este alto crescimento ocorreu em decorrência da transição demográfica, que possibilitou uma grande queda das taxas de mortalidade e uma queda posterior e mais lenta das taxas de fecundidade.
A esperança de vida ao nascer da população mundial estava em torno de 30 anos de idade em 1900 e chegou a cerca de 65 anos no ano 2000. Ou seja, de forma inédita na história da humanidade, a esperança de vida da população mundial mais que dobrou em 100 anos. Este grande salto nunca tinha acontecido antes e provavelmente nunca irá acontecer no futuro, pois a grande conquista foi reduzir significativamente as taxas de mortalidade infantil e, depois de um certo ponto, a longevidade tem limites biológicos.
Como será a dinâmica demográfica no século XXI?
Em maio de 2011, a divisão de população da ONU atualizou os três cenários de projeção para a população mundial no século XXI. Pelo lado da mortalidade, as conquistas vão continuar, mesmo que em ritmo menor, pois a esperança de vida ao nascer, que na média da população mundial, era de 65 anos em 2000, já chegou a 68 anos em 2010 e deve atingir 80 anos em 2100.
A população mundial que vai chegar a 7 bilhões no final de 2011 pode atingir 10,1 bilhões de habitantes ou mesmo 15,8 bilhões em 2100. Ou até mesmo pode cair para 6,2 bilhões de habitantes, em conformidade com os diferentes cenários das taxas de fecundidade. Portanto, a população mundial pode variar de 6,2 bilhões a 15,8 bilhões dependendo do número médio de filhos por mulher e da sua evolução nas próximas décadas.
Pode parecer que esta grande diferença de 6,2 a 15,8 bilhões de habitantes ocorra devido a grandes diferenças nas taxa de fecundidade. Mas, ao contrário, isto é provocado por uma diferença na taxa de fecundidade média de apenas 0,5 (meio filho) por mulher.
No quinquênio 2005-10 a taxa de fecundidade total, na média mundial, estava em 2,52 filhos por mulher. Se esta taxa continuar neste nível a população mundial chegaria a 15,8 bilhões de habitantes em 2100. Se a TFT cair gradualmente em apenas meio filho por mulher (para uma TFT de 2 filhos em 2100) então a população seria 5,7 bilhões a menos, ou seja, de 10,1 bilhões de habitantes em 2100. Se a fecundidade cair mais meio filho abaixo da projeção média (para 1,55 filhos por mulher) então a população mundial ficaria em 6,2 bilhões de habitantes, aproximadamente a mesma população do ano 2000. Nesta hipótese de fecundidade mais baixa, o crescimento demográfico seria zero no século XXI.
Estes três cenários mostram que o tamanho da população mundial em 2100 pode ficar em um leque que varia de 6,2 bilhões a 15,8 bilhões de habitantes. Uma pequena variação média de meio filho por mulher pode fazer a quantidade da população ficar bem acima dos 10,1 bilhões da projeção média ou bem abaixo deste número. Tudo vai depender do comportamento reprodutivo das famílias.
Como é sabido, as taxas de fecundidade estão caindo em quase todo o mundo. O número médio de filhos por mulher cai, em primeiro lugar, porque cai a mortalidade infantil provocando o aumento da sobrevivência do número de filhos em cada família. Assim, com mais filhos vencendo mortalidade infantil, o número ideal de crianças é atingido mais rapidamente e as mulheres e os casais passam a limitar a possibilidade de uma nova gravidez. Além disto, o demanda por filhos se reduz na medida em que o custo das crianças aumenta e os seus benefícios diminuem. Isto acontece devido ao processo de urbanização, do aumento dos níveis de renda e educação, da entrada da mulher no mercado de trabalho, do crescimento dos sistemas de proteção social, etc.
Todos os países do mundo que atualmente possuem alto nível de educação ou alto nível de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) possuem fecundidade abaixo de 2,2 filhos por mulher. Contudo, existem uma certa quantidade de países (especialmente na África Sub-sahariana) que possuem fecundidade acima de 4 fillhos por mulher. Os estudos mostram que a alta fecundidade acontece devido à falta de acesso aos direitos básicos de cidadania (educação, habitação, saúde, liberdades políticas, etc.) e especialmente devido à falta de acesso aos direitos sexuais e reprodutivos. Em geral, a fecundidade é alta onde existe alta percentagem de pessoas pobres e há altas necessidades não-satisfeitas de contracepção.
Os estudos mostram que existe uma relação inversa entre IDH e fecundidade. Quando um sobe a outro cai. Assim, para garantir a continuidade da redução da pobreza e das taxas de mortalidade, a ONU aprovou, no ano 2000, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. As 8 metas dos ODMs são:
# 1. Erradicar a extrema pobreza e a fome
# 2. Atingir o ensino básico universal
# 3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
# 4. Reduzir a mortalidade na infância
# 5. Melhorar a saúde materna
# 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças
# 7. Garantir a sustentabilidade ambiental
# 8. Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento
No ano de 2005, a ONU realizou a Cúpula do Milênio + 5 para avaliar o andamento das iniciativas e corrigir eventuais lacunas existentes. Após diversos estudos e avaliações sobre as principais fraquezadas dos ODMs, foi feito um acréscimo fundamental para melhorar a qualidade de vida da população, que é a meta # 5B: “Alcançar, até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva”.
Acesso à saúde reprodutiva integral é fundamental para se garantir os direitos sexuais e reprodutivos, conforme aprovado na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada na cidade do Cairo, em 1994. Também é fundamental para a redução da gravidez indesejada.
Infelizmente, a maior parte da população pobre do mundo não tem acesso integral aos serviços de saúde reprodutiva. Os ricos possuem acesso à saúde reprodutiva, pois podem pagar via mercado privado. Mas a população de baixa renda precisa contar com o apoio do Estado, que por seu lado, precisa garantir os direitos de cidadania.
Se os 8 ODMs forem efetivados em todos os países do mundo é de se esperar que as taxas de fecundidade continuem a cair, especialmente naqueles países com menor grau de inclusão social. Quanto mais rápido os países avançarem na qualidade de vida dos seus cidadãos e cidadãs mais rápido as taxas de fecundidade vão ficar próximas de dois filhos por mulher (que é o número mais citado quando se pergunta o número ideal de filhos que as pessoas querem ter).
Desta forma, o avanço da qualidade de vida das pessoas e dos direitos reprodutivos de mulheres e homens, caso se efetive, deve possibilitar a continuidade da queda das taxas de fecundidade e, em consequência, a população mundial, no final do século XXI, pode ficar abaixo de 10 bilhões de habitantes. (Fonte/ Site EcoDebate).
(*) José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE.
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