terça-feira, 28 de março de 2017

Como as raízes do Cerrado levam água a torneiras de todas as regiões do Brasil


João Fellet - @joaofellet

Direito de imagem Nelson Yoneda/ICMBio Image caption 
 
Plantas do cerrado atuam como uma imensa esponja, recarregando aquíferos que abastecem rios e reservatórios

O rio São Francisco está secando, haverá cada vez menos água em Brasília e a cidade de São Paulo terá de aprender a conviver com racionamentos.

O alerta é do arqueólogo e antropólogo baiano Altair Sales Barbosa, que há quase 50 anos estuda o papel do Cerrado na regulação de grandes rios da América do Sul.

Ele diz à BBC Brasil que a rápida destruição do bioma está golpeando um dos pilares do sistema: a gigantesca rede de raízes que atua como uma esponja, ajudando a recarregar os aquíferos que levam água a torneiras de todas as regiões do Brasil.

Formado em antropologia pela Universidade Católica do Chile, doutor em arqueologia pré-histórica pelo Museu de História Natural de Washington e professor aposentado da PUC-Goiás, Barbosa conta que a água que alimenta o São Francisco e as represas de São Paulo e Brasília vem de três grandes depósitos subterrâneos no Cerrado: os aquíferos Guarani, Urucuia e Bambuí.

Os aquíferos são reabastecidos pela chuva, mas dependem da vegetação para que a água chegue lá embaixo.

Barbosa afirma que muitas plantas do Cerrado têm só um terço de sua estrutura acima da superfície e, para sobreviver num ambiente com solo oligotrófico (pobre em nutrientes), desenvolveram raízes profundas e bastante ramificadas.

"Se você arrancar uma dessas plantas, vai contar milhares ou até milhões de raízes, e quando cortar uma raiz e levá-la ao microscópio, verá inúmeras outras minirraízes que se entrelaçam com as de outras plantas, formando uma espécie de esponja."

Esse complexo sistema radicular retém água e alimenta as plantas na estação seca. Graças a ele, as árvores do Cerrado não perdem as folhas mesmo nem mesmo no auge da estiagem - diferentemente do que ocorre entre as espécies do Semiárido, por exemplo.

Barbosa conta que, quando há excesso de água, as raízes agem como esponjas encharcadas, vertendo o líquido não absorvido para lençóis freáticos no fundo. Dos lençóis freáticos a água passa para os

O professor diz que essa dinâmica começou a ser afetada radicalmente nos anos 1970, com a expansão da pecuária e de grandes plantações de grãos e algodão pelo Cerrado.

A nova vegetação tem raízes curtas e não consegue transportar a água para o fundo.

Pior: entre a colheita e o replantio, as terras ficam nuas, fazendo com que a água da chuva evapore antes de penetrar o solo. Em alguns pontos do Cerrado, como no entorno de Brasília, o uso de água subterrânea para a irrigação prejudica ainda mais a recarga dos aquíferos.

Em fevereiro, Brasília começou a racionar água pela primeira vez na história - e meses antes do início da temporada seca.

Migração de nascentes

Conforme os aquíferos deixaram de ser plenamente recarregados, Barbosa diz que se acelerou na região um fenômeno conhecido como migração de nascentes.

Para explicar o processo, ele recorre à imagem de uma caixa d'água com vários furos. Quando diminui o nível da caixa d'água, o líquido deixa de jorrar dos furos superiores.

Com os aquíferos ocorre o mesmo: se o nível de água cai, nascentes em áreas mais elevadas secam. 
 
Direito de imagem ICMBio Image caption
 
Especialista afirma que, quando há excesso de água, as raízes agem como esponjas encharcadas

Ele diz ter presenciado o fenômeno num dos principais afluentes do São Francisco, o rio Grande, cuja nascente teria migrado quase 100 quilômetros a jusante desde 1970.

O mesmo se deu, segundo Barbosa, nos chapadões no oeste da Bahia e de Minas Gerais: com a retirada da cobertura vegetal, vários rios que vertiam água para o São Francisco e o Tocantins sumiram.

O professor diz que a perda de afluentes reduziu o fluxo dos rios e baixou o nível de reservatórios que abastecem cidades do Nordeste, Centro-Oeste e Norte.

Em 2017, segundo a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), o número de municípios brasileiros em situação de emergência causada por longa estiagem chegou a 872, a maioria no Nordeste.

Já em São Paulo as chuvas de verão aumentaram os níveis das represas e afastaram no curto prazo o risco de racionamento. Mas Barbosa afirma que a maioria dos rios que cruza o Estado é alimentada pelo aquífero Guarani, cujo nível também vem baixando.

O aquífero abastece toda a Bacia do Paraná, que se estende do Mato Grosso ao Rio Grande do Sul, englobando ainda partes da Argentina, Paraguai e Uruguai.
 
Fotografia do passado

Bastaria então replantar o Cerrado para garantir a recarga dos aquíferos?

A solução não é tão simples, diz o professor. Ele conta que o Cerrado é o mais antigo dos biomas atuais do planeta, tendo se originado há pelo menos 40 milhões de anos.

Segundo ele, olhar para o Cerrado é como olhar para uma fotografia do passado. Direito de imagem 
 
Rubens Matsushita, ICMBio Image caption 
 
Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil aponta que 872 cidades ficaram em situação de emergência por causa da estiagem em 2017

"O Cerrado já atingiu seu clímax evolutivo e precisa, para o seu desenvolvimento, de uma série de fatores que já não existem mais."

Ele exemplifica: há plantas do Cerrado que só são polinizadas por um ou outro tipo de abelhas ou vespas nativas, várias das quais foram extintas pelo uso de agrotóxicos nas lavouras. Essas plantas poderão sobreviver, mas não serão mais capazes de se reproduzir.

O Cerrado também é uma espécie de museu porque muitas de suas plantas levam séculos para se desenvolver e desempenhar plenamente suas funções ecológicas. É o caso dos buritis, uma das árvores mais famosas do bioma, que costuma brotar em brejos e cursos d'água.

Barbosa costuma dizer que, quando Cabral chegou ao Brasil, os buritis que vemos hoje estavam nascendo.

Mesmo plantas de pequeno porte costumam crescer bem lentamente. O capim barba-de-bode, por exemplo, leva mais de mil anos para atingir sua maturidade. Barbosa diz ter medido as idades das espécies com processos de datação em laboratório.
Parceria com animais

Sabe-se hoje da existência de cerca de 13 mil tipos de plantas no Cerrado, número que o torna um dos biomas mais ricos do mundo. Dessas espécies, segundo o professor, não mais que 200 podem ser produzidas em viveiros.

Ele conta que a ciência ainda não consegue reproduzir em laboratório as complexas interações entre os elementos do bioma, moldadas desde a era Cenozoica.

Barbosa diz, por exemplo, que muitas plantas do Cerrado têm sementes que são ativadas apenas em situações bem específicas. Algumas delas só têm a dormência quebrada quando engolidas por certos mamíferos e expostas a substâncias presentes em seus intestinos.

Há ainda sementes que precisam do fogo para germinar. Contrariando o senso comum, Barbosa diz que incêndios naturais são essenciais para a sobrevivência do Cerrado e podem ocorrer de duas formas. 
 
Direito de imagem Marcelo Camargo, Agência Brasil Image caption 
 
O Cerrado tem hoje cerca de 13 mil tipos de plantas, número que o torna um dos biomas mais ricos do mundo

Uma delas se dá quando blocos de quartzo hialino, um tipo de cristal, agem como lentes que concentram a luz do sol, superaquecendo a vegetação.

A outra ocorre pela interação entre algumas plantas e animais do Cerrado, entre os quais a raposa, o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e o cachorro-do-mato-vinagre.

Segundo Barbosa, esses mamíferos carregam no pelo uma carga eletromagnética que, em contato com gramíneas secas, provoca faíscas.

O professor diz que o fogo é necessário não só para ativar sementes, mas para permitir que gramíneas secas, que não têm qualquer função ecológica, sejam substituídas por plantas novas.

"Se a gramínea seca fica ali, não tem como rebrotar, então é preciso dessa lambida de fogo natural pra limpar aquele tufo."

Os incêndios também são importantes, segundo ele, para que o solo do Cerrado continue pobre - afinal, foi nesse solo que o bioma se desenvolveu.

"O fogo é paradigma para quem pensa na preservação. Se você pensa como agrônomo, o fogo é nocivo, porque acentua o oligotrofismo do solo."
Estancar os danos

Quando deixa de haver incêndios naturais, os animais e insetos nativos desaparecem e as plantas do Cerrado são derrubadas, é quase impossível reverter o estrago, diz Barbosa.

Mesmo assim, ele defende preservar toda a vegetação remanescente para estancar os danos.

Barbosa diz torcer para que, um dia, a ciência encontre formas de recuperar o bioma. 
 
Direito de imagem Sedec/MT Image caption 
 
Especialista diz que incêndios naturais são essenciais para a sobrevivência do Cerrado

"Claro que você não vai reocupar toda a área que está produzindo [alimentos], mas você pode pelo menos tentar amenizar a situação nas áreas de recarga de aquíferos."

Sua preocupação maior é com a fronteira agrícola conhecida como Matopiba, que engloba os últimos trechos de Cerrado no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Nos últimos anos, a região tem experimentado uma forte expansão na produção de grãos e fibras.

"Se esse projeto continuar avançando, será o fim: aí podemos desacreditar qualquer possibilidade, porque não teremos nem matriz para experiências em laboratório."

Nesse cenário, diz Barbosa, os aquíferos do Cerrado rapidamente se esgotarão.

"Os rios vão desaparecer e, consequentemente, vai desaparecer toda a atividade humana da região, a começar das atividades agropastoris."

"Teremos uma convulsão social", ele prevê.
BBC BRASIL

segunda-feira, 27 de março de 2017

Atualizado pela 1ª vez em 30 anos, atlas traz 12 'novos' tipos de nuvens


Nuvem volutus, baixa e horizontal.

Nuvem silvagenitus, que se formam sobre florestas.

Nuvem murus, nova categoria do Atlas.

Nuvem homomutatus, alteradas por interferência humana

Nuvem Flumen.

Nuvem flammagenitus, originada por queimadas.

Nuvem cavum, uma nova categoria.

Nuvem cauda.

Nuvens cataragenitus, originadas nas quedas d'água.

Nuvens asperitas, um tipo de nuvem que visto desde o solo se parece com as ondulações do oceano

Nuvem fluctus, nova categoria do Atlas


Doze “novos" tipos de nuvens - incluindo uma rara formação semelhante à superfície do oceano - foram reconhecidos pela primeira vez no Atlas Internacional de Nuvens.

Elaborada inicialmente em 1896, a publicação é uma importante referência global na observação e identificação de nuvens, usada por serviços meteorológicos, pela aviação e pela navegação.

A primeira edição trazia 28 fotografias coloridas e regras detalhadas para a classificação de nuvens.

A mais recente era de 1975 e havia sido revisada pela última vez em 1987 - desde então, tornou-se um item de colecionador.

A nova é a primeira edição com uma versão completamente digital e acessível ao público leigo.

Nela, foram incluídas novas classificações, entre as quais a mais conhecida é as asperitas, um tipo de nuvem que visto desde o solo se parece com as ondulações do oceano.

Essas nuvens foram documentadas pela primeira vez no Estado de Iowa, nos Estados Unidos, em 2006.

Logo, vários registros semelhantes foram enviados à Sociedade de Apreciadores de Nuvens, que deu início a uma campanha para que a formação fosse reconhecida oficialmente pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês).

“Achava que isso nunca aconteceria”, diz Gavin Pretor-Pìnney, presidente da sociedade.

"A WMO (Organização Meteorológica Mundial, na sigla em inglês) dizia não ter planos de fazer uma nova edição do atlas, mas percebeu que há um interesse público por nuvens e ser necessário informar adequadamente sobre isso.”

Nuvens são classificadas de acordo com seu gênero, espécie e características suplementares.

A asperitas é uma característica suplementar nova, assim como cavum, cauda, fluctus e murus.

Também foi incluída no atlas um novo tipo, a volutus, que é baixa e horizontal.

Um elemento-chave da evolução do atlas é o avanço da tecnologia - pessoas ao redor do mundo estão registrando e compartilhando imagens de formações inusitadas com seus celulares.

“Não é preciso ser um observador do clima nem um estudioso do tema. Basta fazer a foto e mandar pra gente”, diz Pretor-Pinney.

A nova edição passou a identificar nuvens formadas a partir de processos específicos, como a flammagenitus, que surge em queimadas, as cataractagenitus, originadas em quedas d’água, e silvagenitus, formações encontradas sobre florestas.

Também há aquelas formadas pela ação do homem (homogenitus) e que são alteradas por interferência humana (homomutatus).

“Hoje em dia, você olha para o céu e vê nuvens formadas por aviões, que levam dias para desaparecer”, diz John Hammond, meteorologista da BBC.

Ele diz acreditar que novas classificações serão incluídas no futuro conforme mais pessoas enviem contribuições para o atlas.

Pretor-Pinney afirma que a publicação ajuda a “chamar atenção para o céu”.

“Assim, valorizamos nossa atmosfera e ajudamos a fazer as pessoas refletirem sobre nosso impacto sobre ela.”

Imagens: Atlas Internacional de Nuvens
 BBC Brasil

O que é a projeção Gall-Peters, mapa que promete acabar com '4 séculos de visão colonialista' do mundo


Direito de imagem Reprodução Image caption 
 
A projeção de Gall-Peters mostra proporção mais real dos continentes

Por mais de 400 anos, escolas de todo o mundo usaram mapas com distorções ​​nos tamanhos dos continentes.

As representações do mundo usadas ​​atualmente são baseadas na projeção feita em 1569 pelo cartógrafo Gerardo Mercator, destinada aos navegadores da época. Seus gráficos respeitam a forma dos continentes, mas não os tamanhos - neles, a Europa e a América do Norte são vistas maiores do que realmente são e o Alasca ocupa mais espaço que o México, embora seja menor.

Um dos erros mais significativos é que a África parece menor do que realmente é, quando na verdade tem o triplo da extensão da América do Norte e é 14 vezes maior que a Groenlândia.

Mas agora algumas salas de aula de escolas públicas de Boston, no nordeste dos Estados Unidos, começaram a usar o mapa de Gall-Peters, projeção batizada em homenagem a James Gall, escocês aficionado por astronomia que a desenhou pela primeira vez em 1855, e ao historiador alemão Arno Peters, que a difundiu na década de 1970.

Esse mapa mostra o tamanho e a proporção de países, continentes e oceanos com mais precisão. Na semana passada, cerca de 600 escolas públicas da cidade americana receberam cópias dele, noticiou o jornal The Boston Globe.

Uma das principais mudanças é que a Europa aparece muito menor do que se via antes em comparação com a África, que é muito maior.
Continentes distorcidos

Uma das razões para as distorções cartográficas é a dificuldade de se projetar uma esfera como a Terra - de três dimensões - em uma superfície plana, de duas dimensões, como a de um mapa.

Mas, para os geógrafos, atrás dos erros de Mercator há também outra razão.

"A maioria dos primeiros mapas do mundo foi criada por europeus do norte", disse Vernon Domingo, professor de geografia da Universidade Estadual de Bridgewater e membro da Aliança Geográfica de Massachusetts, em declaração ao The Boston Globe.

"Eles tiveram a perspectiva do hemisfério norte - e também uma perspectiva colonialista." Direito de imagem 
 
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No mapa de Mercator, a Groenlândia é quase do tamanho da África
Descolonizar o currículo

A troca de mapas responde ao desejo de Boston de "descolonizar o currículo", disse ao mesmo jornal Colin Rose, superintendente-assistente do Escritório de Oportunidades das Escolas Públicas de Boston.

"Trata-se de mapas, mas, ao mesmo tempo, não se trata de mapas", disse Rose. "Esta é uma mudança de paradigma. Nós tivemos uma visão que era muito eurocêntrica. E como podemos falar de outros pontos de vista? Esse é um excelente ponto de partida."

Para Hayden Frederick-Clarke, diretor de competências culturais das escolas públicas de Boston, o erro mais grave das projeções de Mercator é o tamanho da África.

"Dos nossos alunos, 86% não são brancos e têm pais e avós que são de locais que são mostrados menores nos mapas", disse Frederick-Clarke ao programa The World, da PRI (Public Radio International) e da BBC.

"Queremos que os alunos se vejam de forma adequada e contestem a narrativa de que muitos desses lugares são pequenos e insignificantes no mundo", disse.

"A Groenlândia parece ter o mesmo tamanho da África e dos EUA. Parece de um tamanho comparável, embora sabemos que isso não é uma verdade absoluta. A África é 14 vezes maior do que a Groenlândia. Além disso, no mapa de Mercator, o México é menor que o Alasca, quando na verdade é muito maior", disse o professor.

"Também há problemas com o Brasil. A Europa, mais especificamente a Alemanha, aparecem perto do centro do mapa. E sabemos que isso não é verdade."

"Da minha experiência como instrutor, sei que as pessoas gostam da verdade e que os professores querem apresentar um produto melhor e mais autêntico", disse Frederick-Clarke.

O jornalista da PRI David Leveille diz que os críticos da iniciativa a veem como "mais uma batalha na guerra de culturas" e insistem que "um mapa é apenas um mapa".

Segundo Leveille, eles perguntam: "nenhum mapa é perfeito, então porque se preocupar?".
BBC BRASIL

sexta-feira, 24 de março de 2017

Na maioria do Brasil, não existem 4 estações. Por que então falamos em primavera, verão, outono e inverno?


Nós trópicos, as estações são uma tão artificial quanto neve no Natal

Redação AH

 Onde você mora, as árvores ficam assim? | Crédito: Pixabay

O número 4 é uma convenção baseada na astronomia, que não reflete necessariamente a temperatura e os fenômenos ambientais, e não é adotada de forma igual em todo o mundo. Tradicionalmente, os indianos consideravam que o ano tem 6 diferentes estações, enquanto os chineses o dividem em 24, e os aborígenes australianos, em 5. Mesmo em lugares onde o número de estações é 4, o dia em que começam não é consenso. Na Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, o verão começa no dia 1º de dezembro, em vez do dia 21 ou 22, como no Brasil.

No Brasil, assim como na maioria dos países, as estações são marcadas pela diferença na duração de dia e noite, ou solstícios e equinócios, que são 4 ao longo do ano. Os solstícios, que caem em 21 ou 22 de dezembro, e 20 ou 21 de junho, são os dias com maior diferença. O dia mais longo do ano é o solstício de verão, e a noite mais longa, o solstício de inverno. Equinócios, caindo em março e setembro, são quando noite e dia têm exatamente a mesma duração. Esses dias marcam o começo das estações, para os países que seguem a regra da Organização Meteorológica Mundial.

Solstícios e equinócios são indicadores confiáveis da incidência de luz solar, mas não do clima. Se dependesse apenas da insolação, o solstício deveria ser o meio e não o começo de verão e inverno - mas há um atraso de semanas por causa do aquecimento e resfriamento dos oceanos.

A divisão pode não ser perfeita em lugar nenhum, mas é muito menos no Brasil. Na maioria do país, ela não serve para nada: entre os trópicos e o Equador, faz calor o ano inteiro e a diferença na duração de dia e noite é irrisível. Tanto que não existe horário de verão nos estados do Norte e Nordeste, já que não há diferença no comprimento do dia. Há duas estações práticas nos trópicos: de chuva ou seca.

Claudio Furukawa, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, explica que primavera e outono, na maioria do Brasil, são só importações da Europa. Tão fútil quanto neve no Natal. "O fato de que colocamos efeitos que simulam neve na árvore de Natal é um dos indícios de que festejamos a data de maneira que não pertence ao nosso clima."
Revista Aventuras na História

terça-feira, 21 de março de 2017

Tráfico de órgãos humanos na China levanta polêmica


RTP

Cartaz de protesto do grupo Falun Gong, contra o transplante forçado de órgãos de prisioneiros | Jameson Wu, Reuters
 
Convidar a raposa para o galinheiro: isso está a fazer, segundo os críticos, o Vaticano, ao acolher um antigo vice-ministro chinês da Saúde numa conferência sobre tráfico de órgãos.


Ao contrário dos vários países em que o tráfico de órgãos humanos é levado a cabo por mafias mais ou menos proscritas, na China esse tráfico é feito legalmente pelo Estado. O seu banco de órgãos é o corredor da morte das prisões.

O número de execuções capitais é um segredo, também ele de Estado. Calcula-se que oscile entre as 3.000 e as 7.000. Uma coisa é certa: a família da pessoa executada não tem direito ao corpo, não pode enterrá-lo e não pode vê-lo.

Os motivos do secretismo tornam-se mais transparentes, se se der crédito a Nicholas Bequelin, director regional da Amnistia Internacional para a Ásia oriental, citado no diário britânico The Guardian. Segundo Bequelin, a grande maioria dos órgãos transplantados na China provém de prisioneiros condenados à morte.

O facilitismo que o sistema de saúde chinês desenvolveu ao apoiar-se nesse "banco de órgãos" poderá mesmo afrouxar a pressão para que se crie um programa nacional de dadores voluntários. O facto é que o programa não existe e a sua criação vai sendo adiada.

Segundo o mesmo Bequelin é também por esse motivo que a China não adere às recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre critérios para determinar quando alguém pode considerar-se morto: para algumas transplantações, retira-se o órgão de um prisioneiro que, segundo os critérios da OMS, ainda seria classificado como vivo.

Além disso, o ritmo e o calendário das execuções está subordinado, segundo aquele responsável da Amnistia, à intensidade da procura: "O timing da execução depende por vezes, segundo pensamos, da necessidade de uma determinada operação de transplantação. Executa-se esta pessoa a tal hora em tal dia, porque é nessa altura que o paciente tem de estar pronto".

A conferência sobre tráfico de órgãos vem na linha de anteriores declarações vaticanas, manifestando preocupação com o alastramento desse flagelo. Especialmente relevante tinha sido uma mensagem do papa Francisco no ano passado, considerando o tráfico de órgãos humanos como "uma nova forma de escravatura".

A conferência organizada pela Academia Pontifícia de Ciências irá realizar-se a partir de amanhã, terça feira, e durará dois dias. Ao convidar o antigo vice-ministro chinês da Saúde, Huang Jiefu, o Vaticano pretende melhorar as suas relações com o Governo de Pequim e espera que isso lhe permita exercer alguma influência no que diz respeito à observância de direitos humanos e de liberdade religiosa.

As vozes mais críticas põem, no entanto, em dúvida que o convite sirva esses propósitos. Segundo Wendy Rogers, um perito em deontologia médica da Universidade australiana de Macquarie, o convite a Huang e a sua visita, já agendada, ao papa Francisco arrisca-se a dar "um ar de legitimidade" à política chinesa de transplantações.

Segundo Rogers, "a Academia Pontifícia de Ciências devia saber como a caução, mesmo indirecta, de prestigiadas entidades estrangeiras é usada pelo aparelho de propaganda da China para polir a reputação do seu sistema de transplantação antiético". E apela à conferência para "que considere o apelo dos prisioneiros encarcerados na China, que são tratados como bancos de órgãos descartáveis".

A Academia respondeu, pela pena do bispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo que a conferência apenas pretende ser "um exercício académico e não um debate sobre tese políticas contrapostas".

Huang notabilizara-se no seu cargo por ter prometido, em 2015, que a China iria deixar de usar órgãos de condenados à morte nas transplantações. A declaração de intenções continua ainda hoje a valer-lhe o aplauso de Francis Delmonico, um professor de cirurgia ao serviço da Academia Pontifícia.

Delmonico afirmou que "a sensibilidade do dr. Huang para a objecção mundial àquela prática impulsionou o seu incansável trabalho pela mudança na China, culminando na proibição, em Janeiro de 2015, do uso de órgãos dos prisioneiros executados".

Mas o mesmo Delmonico, ao prestar depoimento no ano passado perante uma comissão do Congresso dos EUA reconhecera que era impossível dizer se essa prática tinha sido efectivamente eliminada.

Transplantes de órgãos na China



A China tem um dos maiores programas de transplante de órgãos do mundo, com mais de 13 mil transplantes realizados por volta do ano de 2004, e um máximo de 20 mil em 2006. No entanto, por uma questão de cultura e de costume, o país tem taxas extremamente baixas de doação voluntária de órgãos. Entre 2003 e 2009, por exemplo, apenas 130 pessoas se ofereceram para ser doadores de órgãos. Em 2010 a Cruz Vermelha chinesa lançou uma iniciativa de âmbito nacional para atrair doadores voluntários de órgãos, mas apenas 37 pessoas se inscreveram.  Devido ao baixo nível de doação voluntária de órgãos, a maioria dos órgãos utilizados em transplantes veio de prisioneiros. Em 1984, o governo chinês aprovou um regulamento que permitiu a remoção de órgãos de criminosos executados, desde que eles deem consentimento prévio ou se ninguém reclamar o corpo.

Apesar da ausência de um sistema estruturado de doação de órgãos, os tempos de espera para a obtenção de órgãos vitais na China estão entre os mais curtos do mundo — frequentemente, apenas algumas semanas para órgãos como rins, fígados e corações. Esse fato fez da China um destino internacional para turismo de transplante e um importante local para testes de medicamentos anti-rejeição de órgãos. O comércio de órgãos humanos tem sido também uma fonte lucrativa de receita para estabelecimentos médicos, militares e de segurança pública na China. Por existir nenhum sistema nacional eficaz de doação de órgãos, os hospitais obtém os órgãos de locais tais como centros de detenção e prisões.

Na China, a identidade dos doadores de órgãos e a evidência de seu consentimento por escrito, em geral, não é revelada ou informada aos receptores de transplantes. Em alguns casos, nem mesmo a identidade da equipe médica e dos cirurgiões é informada aos pacientes. Esse problema de transparência é agravado pela falta de diretrizes éticas para os profissionais do transplante e de um órgão disciplinar para os médicos que violam padrões éticos.
Na década de 1990, a crescente preocupação com possíveis abusos da obtenção forçada de consentimento do doador e da corrupção levou as organizações médicas e grupos de direitos humanos a começar a condenar o uso de órgãos de prisioneiros da China. Essa preocupação ressurgiu em 2001, quando um médico militar chinês testemunhou perante o Congresso dos EUA que ele havia participado de operações voltadas a extrair órgãos de prisioneiros executados, mas que no entanto, alguns deles, ainda não estavam mortos. Em dezembro de 2005, o vice-ministro de saúde da China, Huang Jiefu, informou que mais de 95 % de transplantes de órgãos provinham de prisioneiros executados e prometeu medidas para evitar abusos. Huang reiterou essa informação em 2008 e 2010 e afirmou que mais de 90 % dos transplantes de órgãos de doadores falecidos são provenientes de prisioneiros executados. Em 2006, a Associação Médica Mundial exigiu que a China pare de extrair órgãos de prisioneiros, os quais não se considera serem capazes de dar o seu consentimento livremente. Em 2014, Huang Jiefu disse que a dependência chinesa de órgãos extraídos de prisioneiros no corredor da morte estava em declínio e, ao mesmo tempo, defendeu a prática do uso de órgãos de prisioneiros no sistema de transplante.

Além da fonte de órgãos de prisioneiros no corredor da morte, observadores internacionais e pesquisadores têm também expressado a preocupação de que os prisioneiros de consciência - nomeadamente praticantes do Falun Gong, mas também potencialmente tibetanos, uigures e membros de práticas cristãs minoritárias - estão sendo mortos para suprir de órgãos a indústria de transplante. Estes indivíduos não foram condenados por crimes capitais e, em muitos casos, foram presos extrajudicialmente devido às suas crenças políticas ou religiosas.
 Wikipédia

Extração de órgãos de praticantes do Falun Gong na China


Wikipédia

Relatórios sobre a extração de órgãos de praticantes do Falun Gong e de prisioneiros políticos na China têm levantado uma preocupação crescente na comunidade internacional nos últimos anos. De acordo com os relatórios, os prisioneiros na China, principalmente praticantes do Falun Gong, são executados "sob demanda" com o propósito de fornecer órgãos para receptores de transplante. É dito que o tráfico de órgãos é decorrência da perseguição ao Falun Gong pelo partido comunista chinês e dos ganhos financeiros obtidos por instituições e indivíduos envolvidos no comércio de órgãos.

Relatórios sobre a extração sistemática de órgãos de prisioneiros do Falun Gong surgiram em 2006. Acredita-se que tal prática tenha começado seis anos antes. Vários pesquisadores do assunto — mais notavelmente o advogado canadense de direitos humanos David Matas, o ex-parlamentar David Kilgour e o jornalista investigativo Ethan Gutmann — estimam que dezenas de milhares de prisioneiros de consciência do Falun Gong foram mortos para alimentar um lucrativo comércio envolvendo órgãos e cadáveres humanos e que possivelmente esses abusos ainda estejam ocorrendo. Tais afirmações são baseadas em levantamentos estatísticos; entrevistas com ex-prisioneiros, autoridades médicas e agentes de segurança pública; e provas circunstanciais, tal como o grande número de praticantes do Falun Gong detidos extrajudicialmente na China e os lucros obtidos com a venda de órgãos. O governo chinês tem persistentemente negado tais alegações. No entanto, o fracasso das autoridades chinesas em efetivamente responder ou refutar as acusações tem chamado a atenção e a condenação pública de governos, organizações internacionais e sociedades médicas. Os parlamentos do Canadá e da União Europeia e da Subcomissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, aprovaram resoluções condenando a extração de órgãos de prisioneiros de consciência do Falun Gong. Relatores especiais das Nações Unidas têm chamado o governo chinês para dar explicações sobre a origem dos órgão usados nos transplantes na China e a Associação Médica Mundial, a Sociedade Americana de Transplantes e a Sociedade de Transplantação pediram que sejam aplicadas sanções contra as autoridades médicas chinesas. Vários países consideram ou tomaram medidas para dissuadir os seus cidadãos de viajar para a China para obterem órgãos. Um documentário sobre o tráfico de órgãos de praticantes do Falun Gong, Human Harvest (Colheita Humana), recebeu em 2014 o Prêmio Peabody por sua excelência em jornalismo.

quarta-feira, 8 de março de 2017

O que muda na nova ordem executiva de Trump sobre os imigrantes


O que muda na nova ordem executiva de Trump sobre os imigrantes

Presidente dos EUA anuncia novo decreto, mais moderado na forma, mas praticamente igual no conteúdo

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retomou nesta segunda-feira 6 sua ofensiva contra os imigrantes muçulmanos e assinou uma nova ordem executiva para substituir a publicada no mês passado, que provocou uma onda de protestos e de ações judiciais contra a Casa Branca.

Trump diminuiu a fanfarra em torno das novas regras e assinou o documento no Salão Oval, longe das câmeras, ao contrário do que havia feito em fevereiro, e enviou seus secretários para fazerem uma manifestação pública.

"Este decreto se insere nos nossos esforços para limitar as vulnerabilidades exploradas pelos terroristas islâmicos radicais para fins destrutivos", afirmou o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, durante uma declaração à imprensa com seus colegas da Justiça e da Segurança interna.

Na prática, a nova ordem de Trump muda muito pouco a decisão anterior, mas retira de suas disposições medidas que provocaram decisões judicais contrárias. A intenção do governo é aplicar as novas regras mais duras sem enfrentar uma nova onda de clamor popular contra suas medidas.

Quem será afetado pela ordem executiva?

Na ordem anterior, cidadãos de sete países tinham sido temporariamente banidos de entrar nos Estados Unidos. Agora são cidadãos de seis países que continuam visados: Irã, Líbia, Somália, Sudão, Síria, Iêmen. Os pedidos de entradas de pessoas dessas nações será barrados por 90 dias, pendendo uma revisão dos procedimentos de verificação de segurança.

O Iraque não faz mais parte da lista, após o governo de Bagdá aceitar fornecer informações suplementares sobre seus cidadãos requerentes de visas, segundo Washington. Em fevereiro, os casos de ex-intérpretes iraquianos do exército americano detidos nos aeroportos chocaram até mesmo o campo político do presidente.

Quem tem green card será afetado?

Desta vez, as pessoas que possuem o chamado green card, o visto de residência permanente nos EUA, não serão afetadas pela medida. Em fevereiro, a Casa Branca determinou que até mesmo os portadores dessa autorização especial estariam sob os efeitos da ordem executiva, uma medida potencialmente inconstitucional. Desta vez, os detentores de green cards e vistos estão explicitamente protegidos.

Quando o decreto entra em vigor?

O decreto entra em vigor em 16 de março, segundo documentos publicados nesta segunda-feira pelo departamento de Segurança interna. Essa também é uma diretriz que foi posta em prática por conta do caos gerado no mês passado, quando as novas regras tiveram efeito imediato.

Curiosamente, naquela ocasião Donald Trump defendeu a pronta aplicação do banimento alegando que "pessoas más" se aproveitariam de um prazo estipulado caso esse fosse divulgado.

E como ficam os refugiados?

A suspensão da entrada de refugiados por 120 dias permanece na ordem executiva. Essa regra também passará a valer em 16 de março, mas aqueles com viagem aos Estados Unidos já programada poderão entrar no país.

E os refugiados sírios?

Na primeira ordem executiva de Trump, os refugiados sírios tinham um tratamento diferenciado: a entrada deles estava banida indefinidamente e não por 120 dias. Agora, os sírios não serão tratados de forma diferente de outros refugiados.
Revista Carta Capital

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