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segunda-feira, 20 de junho de 2022

Biodiversidade de árvores tropicais é maior na América do Sul



Florestas úmidas do continente tem quatro vezes mais espécies arbóreas do que na África



Jabuticabeira…Bruno Karklis / Wikimedia Commons

AAmérica do Sul é o continente com mais espécies de árvores conhecidas, cerca de 40% do total do mundo. Boa parte da riqueza em termos de biodiversidade arbórea se concentra em áreas tropicais. Em terras quentes há mais disponibilidade de água e as estações climáticas são pouco definidas, condições mais propícias para o florescimento de novas formas de vida vegetal do que nos ambientes temperados ou frios. Um estudo publicado em março no periódico científico PNAS indica que as florestas úmidas sul-americanas, como a Amazônia e a Mata Atlântica, têm quase quatro vezes mais espécies de árvores do que as matas africanas similares. Com menos intensidade, esse padrão se repete nas formações vegetais com disponibilidade de água mais limitada: biomas da América do Sul, como o Cerrado, abrigam o dobro de espécies arbóreas do que as savanas africanas.

Os pesquisadores não sabem porque a África tem menos espécies de árvores que a América do Sul, cujo território equivale a 59% daquele continente. Entre os possíveis fatores que podem explicar o fenômeno estariam a grande aridez e a redução da área florestal na África, além de uma maior fragmentação de sua cobertura vegetal em razão dos ciclos de glaciação ao longo de sua história geológica. Na América do Sul, a existência de uma maior disponibilidade hídrica e de ambientes naturais mais variados pode ter favorecido o surgimento de mais espécies.

Segundo o trabalho na PNAS, cerca de 50% da maior diversidade de espécies arbóreas tropicais na América do Sul pode ser debitada na conta do excepcional desenvolvimento de apenas oito ou nove grandes famílias de árvores. Nesse grupo, quatro famílias megadiversas se destacam: Fabaceae, as populares leguminosas, como o feijão, a lentilha e a ervilha e até o pau-brasil; Lauraceae, que incluem o abacateiro, a caneleira e o loureiro; Myrtaceae, com muitas espécies frutíferas, como jambeira, pitangueira, goiabeira e jabuticabeira; e Melastomataceae, que reúne espécies com papel de destaque em áreas sob restauro ambiental.

Esse número reduzido de grupos botânicos congrega muitas formas de vida vegetal em ambos os continentes, mas aqui a variedade de plantas tropicais é muito maior: 2.837 espécies na América do Sul ante 657 na África. “A maior parte das espécies dessas quatro famílias é de biomas quentes e úmidos, como a Amazônia e a Mata Atlântica, mas algumas também ocorrem em áreas mais secas”, comenta o biólogo brasileiro Pedro Luiz Silva de Miranda, principal autor do estudo, que atualmente faz estágio de pós-doutorado na Universidade de Liège, na Bélgica. Colegas de outras universidades da Europa e do Brasil também assinam o artigo.

… e Pau-brasil, duas espécies típicas da América do SulMiguel Boyayan / Revista Pesquisa FAPESP

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores consultaram vários bancos de dados internacionais que listam as espécies de árvores tropicais presentes na América do Sul e na África. Eles analisaram a composição de espécies encontradas em 1.444 áreas florestais (722 em cada continente) de biomas úmidos e secos, mas sempre quentes. Nesta margem do Atlântico, contaram 152 famílias e 8.842 espécies de árvores. Na outra, 131 famílias e 3.048 espécies. As famílias presentes nos dois continentes são 99 e abrangem 95% das espécies mapeadas na América do Sul e 97% da África. As famílias encontradas apenas em um dos continentes respondem por somente 5% das espécies de árvores sul-americanas e 3% das africanas.

Em linhas gerais, a flora de cada continente se organiza em torno dos mesmos grupos de espécies arbóreas. Tanto na América do Sul como na África, um número pequeno de famílias botânicas abrange boa parte das espécies de árvores locais. Na América do Sul, o papel daquelas quatro famílias megadiversas em termos de espécies é ainda mais preponderante. “Esse resultado intrigante passa uma importante mensagem para os pesquisadores da biodiversidade: dissecar os processos evolutivos dessas famílias-chave pode ser um caminho efetivo para desvendar os mecanismos por trás da formação e manutenção dos padrões de diversidade de plantas em savanas e florestas tropicais”, afirma o ecólogo Danilo Neves, da UFMG, que não participou do trabalho.

É comum os botânicos pensarem que ambos os continentes têm floras similares por terem formado uma massa continental contígua e única na parte oeste do antigo supercontinente austral Gondwana entre 550 milhões e 130 milhões de anos atrás. Esse longo período de história geológica partilhada teria levado à homogeneização das espécies vegetais antes da abertura do Atlântico Sul e a consequente separação da África da América do Sul.

Mas a análise dos dados de ocorrência de espécies arbóreas feita pelo novo estudo sugere que a realidade pode ter sido diferente. “Constatamos que a maior parte das famílias botânicas partilhadas pelos dois continentes surgiu quando ambos já estavam separados e isolados, depois da grande extinção de espécies ocorrida no final do período Cretáceo, há 65 milhões de anos”, comenta Miranda. “Portanto, as similaridades observadas estão ligadas, provavelmente, à dispersão de plantas da África para a América do Sul e vice-versa por meio de rotas que cruzaram o Atlântico.”

Artigo científico
MIRANDA, P. L. S. et al. Dissecting the difference in tree species richness between Africa and South America. PNAS. v. 19, n. 14. 29 mar. 2022.
Revista FAPESP

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

África e América do Sul: O futuro passa pela biodiversidade

 


Paulo Roberto Feldmann

Introdução

Os países sul-americanos - especialmente o Brasil - foram os primeiros a serem povoados por imigrantes africanos em todo o continente americano. A imigração africana para as Américas pode ter tido início no século XVI, mas mesmo antes de 1500 os negros já tinham navegado com Cristóvão Colombo em sua primeira viagem em 1492, e é provável que os primeiros exploradores espanhóis e portugueses também tiveram a companhia de negros africanos nascidos e criados na Península Ibérica. Nos 500 anos seguintes, milhões de imigrantes africanos foram trazidos para o Novo Mundo como escravos. Hoje seus descendentes são minorias étnicas expressivas em vários países da América do Sul. Ao longo dos séculos, a população negra contribuiu para a diversidade cultural de suas respectivas sociedades e, dessa forma, influenciaram profundamente todos os aspectos da vida na América do Sul. Mas há outros aspectos importantes que os dois continentes possuem em comum: juntos, África e América do Sul são responsáveis por 50% da biodiversidade global: aproximadamente 2 milhões de km2 da África são cobertos por florestas tropicais, enquanto a Amazônia, na América do Sul, abrange 6 milhões de km2.

Existe consenso geral de que a América do Sul e a África deveriam conservar melhor e administrar de forma sustentável sua biodiversidade, porém, a fim de alcançar esses objetivos, ambos os continentes devem encontrar maneiras de gerar receitas com a mesma. Vale lembrar que compostos à base de plantas desempenham um papel crucial na síntese de algumas das moléculas mais complexas produzidas pela indústria farmacêutica e, portanto, uma parte importante dos medicamentos atualmente disponíveis provém de produtos naturais como plantas, micro-organismos e animais, direta ou indiretamente.

Biodiversidade é o conjunto de todos os seres vivos existentes ou que já existiram no planeta. A biodiversidade, ou diversidade biológica, lida com todas as variedades de vida na terra (flora, fauna e micro-organismos), ou seja, todas as variações genéticas de populações e espécies, os diferentes impactos ecológicos desses organismos e a enormidade de comunidades, hábitats e ecossistemas formados pelos seres vivos. Estima-se que o número de espécies conhecidas, incluindo plantas, animais e micro-organismos, ultrapassa os cinco milhões, mas pelo menos 20% desse número entrarão em extinção nas próximas décadas.

A biodiversidade é de suma importância por ser responsável por todos os nossos alimentos e grande parte das roupas e dos medicamentos que utilizamos. A destruição da biodiversidade provoca, dentre outros efeitos adversos, o aquecimento global. Para efeitos deste artigo, daremos ênfase ao fato de que a biodiversidade representa uma enorme fonte de informações que podem ser utilizadas pela biotecnologia. Isso diz respeito às aplicações tecnológicas utilizadas por sistemas biológicos ou organismos vivos na fabricação ou alteração de produtos ou processos para fins específicos.

A biotecnologia é o ramo da ciência que pesquisa a transferência de genes de um organismo para outro a fim de dar ao último características do primeiro. Na verdade, ela é apenas o capítulo mais recente na longa história da produção de alimentos pelo homem. A agricultura organizada teve seus primórdios há cerca de dez mil anos quando os primeiros agrupamentos humanos começaram a se fixar em determinadas áreas e a cultivar lavouras de subsistência. Nesse momento, o homem iniciou seu aprendizado de seleção, reprodução e colheita de sementes, buscando sempre aumentar e melhorar a produção.

Riqueza que poderia ser gerada com a biodiversidade

Nas antigas civilizações egípcia e grega a fabricação de queijos, cervejas e vinhos já era uma forma primitiva de biotecnologia, baseada em processos de fermentação da uva macerada e cevada, além de outros produtos que eram submetidos à exposição de micro-organismos no ar. Podemos dizer que há séculos, desde que o homem aprendeu a domesticar as plantas e usá-las em benefício próprio, o melhoramento genético vem sendo feito com o objetivo de conseguir plantas mais resistentes e alimentos mais saudáveis. A diferença é que até meados do século XX apenas cruzavam-se espécies de melhor qualidade entre si, o que levava ao melhoramento, mas também levava à transferência das características indesejadas de uma planta para outra. A partir das últimas décadas do século XX com o avanço da biotecnologia e da engenharia genética passou a ser possível transferir para a planta apenas o gene desejado, e isso com muita segurança. Ou seja, agora se tornou possível obter plantas mais saudáveis e alimentos mais abundantes e nutritivos. A modificação genética é uma maneira de inserir genes que conferem às plantas resistência às pragas, fungos e vírus que seriam nocivos ou exigiriam a aplicação de agrotóxicos. Os organismos geneticamente modificados também podem ser resistentes aos pesticidas, o que quer dizer que as ervas daninhas poderão ser facilmente exterminadas. Tudo isso deve elevar muito a produtividade da agricultura e, espera-se, reduzir os preços. No futuro a biotecnologia poderá agregar valor nutricional às safras. Sem dúvida, no século XX foi a química que permitiu os maiores avanços havidos na agricultura e na produção de alimentos. Mas, provavelmente, a química já deu à agricultura tudo o que podia com os fertilizantes, os fungicidas, os inseticidas e os herbicidas. Hoje ela custa muito caro em termos de energia e acabou poluindo o solo e as águas. A química agora está sendo substituída pela biotecnologia como o grande fator de avanço na agricultura.

As tentativas de curar as principais doenças que assolam a humanidade datam dos primórdios da civilização, e são facilmente confirmadas quando examinamos registros e dados das primeiras civilizações, entre elas a egípcia, a hebraica, a chinesa e a grega.

No início do século XIX, a morfina pura era extraída das folhas da papoula (Papaver Somniferum). No final desse mesmo século a invenção da aspirina, ou ácido acetilsalicílico, foi resultado direto do conhecimento prévio de que a casca de salgueiro era bastante eficaz para aliviar febre e dores físicas. A descoberta e o isolamento da substância ativa, o ácido salicílico, possibilitaram a fabricação da aspirina.

Um exemplo interessante de informação captada na Floresta Amazônica refere-se ao medicamento conhecido como Captopril, que é indicado para o tratamento de hipertensão e foi patenteado nos Estados Unidos pela Bristol-Myers Squibb. O ingrediente ativo desse medicamento foi descoberto durante estudos sobre o veneno extraído da jararaca, um tipo grande e feroz de cobra brasileira que habita a Floresta Amazônica.

E por que fala-se tanto que a América Latina e a África poderão ter sua grande chance de desenvolvimento por meio da biotecnologia? A resposta se deve ao fato de que a matéria-prima básica da biotecnologia são os genes e o conhecimento que se tem a respeito desses. E por sua vez esses se encontram abrigados, mais do que em qualquer outra parte do planeta, dentro das Florestas Amazônica e Subsaariana. Isso significa que essas florestas têm uma vantagem competitiva inigualável que é a riqueza da suas respectivas biodiversidades.

A indústria farmacêutica é relativamente recente tendo surgido nos Estados Unidos e em alguns países europeus, especialmente a Suíça na metade do século XX. A partir de então, o setor farmacêutico começou a utilizar química sintética para tratar doenças.

Essa época também coincide com o início da interação entre indústrias farmacêuticas e universidades de vários países, que consolidaram as várias etapas necessárias para a descoberta e o desenvolvimento de novos medicamentos.

Assim, as grandes empresas farmacêuticas imediatamente concluíram que precisariam construir grandes laboratórios de pesquisa, empregando milhares de pesquisadores ao redor do mundo.

Hoje, a indústria farmacêutica é o setor que mais investe em pesquisa e desenvolvimento no mundo, e esse valor chega a representar 20% de suas vendas, enquanto a indústria eletrônica e a indústria automobilística investem 6% e 5%, respectivamente.

De acordo com Calixto e Siqueira (2008), um terço dos remédios mais vendidos no mundo foi desenvolvido a partir de produtos naturais. No caso daqueles ligados ao tratamento de câncer e antibióticos, essa porcentagem sobe para 70%.

O fato é que a terapia moderna com esses medicamentos não seria possível sem a contribuição de produtos naturais, principalmente as plantas.

A próxima onda tecnológica será a onda da biotecnologia

Joseph Schumpeter foi um dos economistas mais importantes de todos os tempos e a sua grande contribuição para a Teoria Econômica foi a de relacionar o papel do empreendedorismo e da inovação com o desenvolvimento econômico. Foi um grande defensor da teoria dos ciclos tecnológicos a qual foi concebida inicialmente pelo economista russo Nicolai Kondratiev em 1925. A teoria dos ciclos tecnológicas diz que o crescimento econômico ocorre em ondas, onde cada uma delas tem uma duração aproximada entre 55 e 65 anos. Cada uma dessas ondas está associada a alguma importante mudança tecnológica. Já aconteceram quatro ondas e estamos agora na metade da quinta onda a qual é denominada onda da tecnologia de informação. Kondratiev e Schumpeter diziam que a mudança tecnológica que caracteriza cada onda tem um impacto enorme sobre toda a economia e a sociedade no período da sua vigência. Ao longo dos seus sessenta anos de duração aproximada, cada onda apresenta várias fases que começam com muita euforia e terminam com decadência. Assim sendo, inicialmente a nova onda provoca um grande crescimento econômico e enormes mudanças na sociedade, incluindo quebra de paradigmas e mudanças culturais. A economia mundial passa a depender de forma crescente da nova onda. No entanto, ao final do período a demanda começa a cair, além de haver uma saturação em razão do grande número de empresas que entraram no negócio na fase inicial de sucesso e que acabam competindo fortemente entre si. Nesse momento os investimentos também diminuem, as empresas se concentram em racionalização e o desemprego aumenta. É quando começa a surgir a próxima onda com base no surgimento de alguma nova tecnologia revolucionária. Esse comportamento foi registrado nos últimos 250 anos quando tivemos cinco ondas incluindo a atual, a da tecnologia da informação; as anteriores foram a onda da mecanização, seguida pela onda da força a vapor que terminou em meados do século XIX quando surgiu a onda da eletricidade sucedida no século XX pela onda do automóvel e da produção em massa. A onda atual iniciou-se em meados do século XX e já se encontra em sua etapa final. Para muitos autores a segunda metade do século XXI será dominada pela sexta onda que será a onda da biotecnologia onde predominarão as áreas de medicina, genética, farmacêutica e outras relacionadas.

Dicken (2015), ao analisar os ciclos de Kondratiev, ressalta que em cada uma das fases uma dada mudança tecnológica predominou e permitiu que algumas nações crescessem bem mais que outras. Concluindo assim que só esse fator já seria suficiente para que a questão geográfica fosse mais bem compreendida no sentido de se tentar entender como surgem as inovações tecnológicas. Dicken enfatiza a questão do porquê as inovações tecnológicas serem muito frequentes em algumas regiões e escasseiam ou não existem em outros espaços geográficos. Segundo ele existe uma relação direta entre condições geográficas e surgimento de inovações tecnológicas. Nessa linha, a nossa visão é de que justamente na próxima onda, a onda da biotecnologia ou das ciências da vida, tanto a América do Sul como a África terão finalmente a sua grande oportunidade de se desenvolver graças ao conhecimento embutido na enorme biodiversidade que sediam.

Importância da biodiversidade para o desenvolvimento das duas regiões

Setecentos e cinquenta milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia em áreas rurais e frequentemente dependem de uma ampla variedade de recursos naturais e serviços ecossistêmicos para seu bem-estar. Portanto, elas se tornam mais vulneráveis quando a diversidade é degradada ou destruída. Grande parte da população pobre do mundo vive na América do Sul e na África.

Em razão da Amazônia, a América do Sul é a região do planeta que contém o maior número de espécies conhecidas no planeta. Nesse aspecto, o Brasil é o país mais importante do continente. A África ocupa a segunda posição em termos de biodiversidade.

Ela abriga uma biodiversidade incrivelmente diversa e rica, que fornece serviços ecossistêmicos essenciais, com potencial para impulsionar a economia do continente. Seus organismos vivos constituem-se aproximadamente num quarto da diversidade global e incluem o maior conjunto intacto de grandes mamíferos da terra, que vivem livremente em muitos de seus países. Porém, estima-se que até 2100 a mudança climática poderá provocar a extinção de mais da metade das espécies de pássaros e mamíferos da África e uma grande parcela das espécies de plantas.

A abundante biodiversidade da Amazônia confere a ela uma vantagem competitiva imbatível. A variedade de espécies de animais e plantas que existem no ecossistema da Amazônia representa o maior arquivo biológico conhecido de genes, moléculas e micro-organismos. Isso significa que a biodiversidade da Amazônia é a chave para o desenvolvimento de diversos produtos, como medicamentos, alimentos, fertilizantes, pesticidas, plásticos, solventes, cosméticos, tecidos e fermentos. A Floresta Amazônica abrange nove países - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - e possui aproximadamente 26% do material genético do planeta, ou seja, 26% de todas as sequências de DNA combinadas na natureza.

De um ponto de vista ético, a indústria farmacêutica vem sendo criticada por obter sua matéria-prima mediante pesquisas das regiões mais pobres do mundo - embora seus medicamentos sejam utilizados predominantemente nos países mais desenvolvidos - e por quase nada ser feito para combater as doenças tropicais.

Isso é motivo suficiente para a América do Sul e a África prestarem mais atenção na biotecnologia, apesar de os objetivos dos países mais avançados em relação aos resultados dos estudos de biotecnologia divergirem bastante dos objetivos e das necessidades dos países dos continentes pobres. Muitos autores, como Silveira et al. (2005), consideram que as aplicações no setor agrícola seriam importantíssimas para reduzir os custos na indústria alimentícia, aumentar a produção ou desenvolver o setor rural. Nos países mais desenvolvidos, esses aspectos raramente são prioridade. Suas prioridades são a produção de medicamentos para atender demandas específicas, como aquelas relacionadas ao câncer ou à produção de insulina humana. Em outras palavras, podemos dizer que os países mais desenvolvidos priorizam o aspecto farmacêutico e de assistência médica da biotecnologia. Mesmo assim, eles não possuem referência sobre as questões que afligem a América do Sul e a África. Nesses continentes, em termos de assistência médica, a biotecnologia pode ser vital para diagnósticos, vacinas e prevenção contra doenças transmissíveis nos trópicos, que geralmente afetam as classes mais baixas de suas populações.

Muitos cientistas concordam com a tese de Lovejoy (2006) de que a África e a América do Sul, tendo controle de quase metade da biodiversidade mundial, deveriam investir para aproveitar essa herança natural em prol da economia de seus países.

Descobertas e pesquisas biomédicas, bem como o desenvolvimento de medicamentos frequentemente buscam utilizar materiais naturais em produtos e aplicações. Bioprospecção é o nome desse processo bastante utilizado pelas empresas farmacêuticas. Portanto, muitos medicamentos em potencial provêm do ambiente biodiverso e do conhecimento de nativos de países em desenvolvimento. É exatamente isso que acontece em ambas as regiões, onde nenhum país - nem na América do Sul nem na África -, em razão dos elevados custos de parques tecnológicos, consegue competir no mercado de medicamentos sintéticos. Não há nenhum país sul-americano ou africano atuante na indústria farmacêutica e, se observarmos os nomes das 50 maiores empresas do mundo nesse setor, não encontraremos nenhuma dessas regiões. Isso se deve porque o desenvolvimento de um medicamento sintético demanda investimentos muito altos em pesquisa e desenvolvimento, algo que acaba não sendo viável para os laboratórios farmacêuticos africanos e sul-americanos. Estima-se que entre 40% e 50% dos medicamentos disponíveis no mundo foram desenvolvidos a partir de produtos naturais provenientes de pesquisas realizadas na natureza. É nesse ponto que a biodiversidade da América do Sul e da África poderia reduzir as respectivas despesas de seus países com saúde. É essencial para esses continentes estabelecer políticas que as favoreçam em casos em que os principais ingredientes ativos dos medicamentos são derivados de plantas, micro-organismos ou mesmo animais que fazem parte de seu hábitat.

A biopirataria prejudica tanto a América do Sul quanto a África

A bioprospecção vem sendo amplamente utilizada pelos laboratórios farmacêuticos na obtenção dos ingredientes ativos necessários para produzirem seus medicamentos. No entanto, a bioprospecção quase nunca resulta em benefício para as comunidades em que as plantas são descobertas ou o conhecimento necessário para a produção dos ingredientes ativos é obtido. Isso é a biopirataria.

De forma simplificada, entende-se por biopirataria a utilização de recursos naturais e conhecimento tradicional sem autorização governamental prévia para tanto. O tráfico de animais, a extração de ingredientes ativos de plantas e a utilização do conhecimento de povos indígenas sem autorização prévia são exemplos de biopirataria.

Em razão de sua grande biodiversidade, a África e a América do Sul normalmente são vítimas da biopirataria. Essa prática também aumentou com o avanço da biotecnologia, pois o transporte de recursos genéticos, por exemplo, é mais fácil e rápido que o transporte de animais ou plantas.

Becker (2006) descreve a biopirataria como pesquisadores disfarçados de turistas ou estudantes que vão para a África ou a América do Sul a fim de coletar elementos de sua biodiversidade. Às vezes eles se passam por representantes de Organizações Não Governamentais (ONG) ou por missionários religiosos. Também existem os contrabandistas que chegam à região com um único objetivo: roubar recursos naturais para a produção de novos produtos, que podem ser medicamentos - os mais comuns -, alimentos, maquiagens ou produtos agrícolas.

Em resumo, biopirataria é o roubo de materiais biológicos, tais como genes, sementes e plantas. Algumas importantes multinacionais farmacêuticas obtêm lucros enormes com a biodiversidade da África e da América do Sul, mas não partilham esses lucros com as comunidades que descobrem e transmitem o conhecimento.

O impacto do protocolo de Nagoya em ambas as regiões

Após um intenso debate que durou quase duas décadas, a ECO 92, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente realizada em 1992 no Rio de Janeiro, lançou a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD). A CBD é uma convenção internacional que visa conservar a biodiversidade e promover seu uso sustentável, bem como repartir de forma justa e igualitária seus benefícios. Foi acordado durante essa convenção que os países são soberanos sobre os recursos genéticos encontrados em seus territórios, e estabeleceu-se o direito aos benefícios pelo uso de sua biodiversidade.

Cento e noventa e quatro países assinaram a convenção. A fim de implementar diretrizes e estabelecer regras e sanções operacionais, foi criado e aprovado durante uma conferência da CBD em 2010, no Japão, um Protocolo sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios, conhecido como Protocolo de Nagoya.

De acordo com a CBD, o “Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização para a Convenção sobre Diversidade Biológica” é um acordo internacional que visa repartir os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos de forma justa e igualitária. Ele foi celebrado em 12 de outubro de 2014, noventa dias após a data de depósito do quinquagésimo instrumento de ratificação.

O Protocolo de Nagoya gerou maior segurança jurídica e transparência para fornecedores e aqueles que utilizam recursos genéticos:

  • Estabelecendo condições mais previsíveis de acesso aos recursos genéticos.

  • Ajudando a garantir a repartição de benefícios quando os recursos genéticos deixarem seu país fornecedor.

Ao ajudar a garantir a repartição de benefícios, o Protocolo de Nagoya cria incentivos para a conservação e a utilização sustentável dos recursos genéticos, melhorando assim a contribuição da biodiversidade para o desenvolvimento e o bem estar da humanidade.

O principal objetivo do Protocolo de Nagoya foi criar um sistema internacional de repartição de benefícios entre os países signatários. Dessa forma, os benefícios gerados em qualquer nação deveriam ser encaminhados ao país de origem dos recursos genéticos naturais. Antes do Protocolo de Nagoya, os países de origem desses recursos não dispunham de mecanismos para obter os benefícios derivados do produto final comercializado em outro país. Como resultado do Protocolo de Nagoya, é possível estarmos testemunhando o surgimento de uma nova era, onde países pobres finalmente podem obter vantagens com sua biodiversidade.

Obtenção de vantagem competitiva por países pobres, porém ricos em biodiversidade

Conforme mencionado por Sofia Faruqui (2007) em seu artigo na SSIR - Stanford Social Innovation Review, “mais empresas precisam compreender os efeitos positivos da biodiversidade sobre seus resultados líquidos - e mais governos precisam aprovar leis que protejam a biodiversidade…”. Faruqui também mencionou que o turismo, de forma geral, é a segunda fonte de renda dos países da América do Sul e da África devido às grandes áreas relacionadas à biodiversidade e ao ecoturismo, que geraram US$ 77 bilhões para ambas as regiões em 2016. Entretanto, esse valor é muito baixo quando comparado aos lucros obtidos por vários outros setores que utilizam o conhecimento da biodiversidade. A indústria farmacêutica, por exemplo, teve uma renda global de US$ 1,3 trilhão em 2017. É muito difícil estimar quanto desse volume deriva do conhecimento da biodiversidade, mas o valor com certeza é bastante significativo. O mesmo ocorre com os fabricantes de pesticidas, cujos ganhos somaram mundialmente US$ 52 bilhões no mesmo ano.

No início do século XXI, o surgimento de novas tecnologias químicas combinatórias e de triagem molecular de alta velocidade nas indústrias farmacêuticas indicou o fim da biodiversidade como uma importante fonte de conhecimento. Entretanto, após utilizar essas novas tecnologias por aproximadamente quinze anos, laboratórios e setores farmacêuticos concluíram que a biodiversidade continua sendo vital. Eles entenderam que a aplicação do conhecimento de produtos naturais junto com as tecnologias químicas combinatórias é o caminho para a descoberta de novos medicamentos. Os produtos naturais estão sendo utilizados como modelos para a química combinatória em razão de sua estrutura especial. Como resultado disso, hoje é possível criar grande número de moléculas análogas que permitiriam descobrir de forma mais rápida o princípio ativo de medicamentos. Essa é uma ótima notícia para os países ricos em biodiversidade, principalmente após a assinatura do Protocolo de Nagoya.

Porém, os países sul-americanos e africanos ainda têm muitos desafios pela frente antes de começarem a lucrar com sua biodiversidade. Antes de tudo, é necessário que esses dois continentes juntem forças para que possam trocar experiências e, especialmente, definir mecanismos consoantes com o Protocolo de Nagoya a fim de obter lucros reais. Para tanto, existem alguns dados operacionais e práticos que devem ser estabelecidos:

  • Quanto cobrar das empresas farmacêuticas nos países produtores e de que forma tal cobrança deve ser realizada.

  • Qual metodologia ou processo deve ser utilizado para que as grandes empresas farmacêuticas e de pesticidas transmitam sua tecnologia para as empresas africanas e sul-americanas desses mesmos setores. Isso terá oposição das empresas farmacêuticas no início, mas esse é um dos aspectos mais importantes a serem negociados.

  • Implementação de um processo de intercâmbio entre universidades importantes na área de biotecnologia de países em desenvolvimento e universidades da África e da América do Sul a fim de treinar professores para essas regiões.

  • Desenvolvimento de recursos humanos e criação de infraestrutura na África e na América do Sul para tornar essas regiões competidoras importantes na produção de medicamentos, pesticidas, cosméticos, alimentos e outros produtos agrícolas. A cooperação entre os países dessas regiões é um fator fundamental para atingir esse objetivo.

  • Criação de um fórum para discutir e definir mecanismos de troca de informações entre os dois continentes para que haja um desempenho coletivo na defesa, proteção e preservação da biodiversidade e, principalmente, na obtenção de resultados econômicos dela derivados.

  • Incentivo à criação de pequenas empresas voltadas à exploração da biodiversidade para encontrar novos conhecimentos a partir de plantas, micro-organismos e animais e que poderiam ser vendidos para empresas farmacêuticas.

  • O financiamento de todas essas atividades e processos é um grande desafio para os países dessas duas regiões e será necessário o envolvimento das mais importantes instituições internacionais, como o Banco Mundial, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e outras.

Considerações finais

A América do Sul e a África enfrentam alguns problemas em comum: Ambos continentes têm uma competitividade muito baixa e precisam combater e reduzir a pobreza e a fome. Várias estratégias diferentes foram utilizadas para resolver esses problemas, mas em nenhuma delas foi considerado utilizar como vantagem competitiva uma importante fonte de riqueza disponível em ambas regiões: a biodiversidade.

Tentamos demonstrar que, sem o conhecimento da biodiversidade, não é possível o desenvolvimento de medicamentos, pesticidas, cosméticos e muitos outros produtos. Mesmo com os avanços das tecnologias químicas combinatórias e de triagem molecular de alta velocidade, a biodiversidade continua sendo uma fonte vital de informações. Não é justo que as nações que abrigam tal biodiversidade não possam se beneficiar disso. Essa riqueza deve ser transformada em negócios que garantirão o desenvolvimento econômico e social desses países.

É interessante notar que um dos maiores erros cometidos no passado pelos países africanos e sul-americanos foi ter como base de seu desenvolvimento os vastos recursos naturais de suas regiões. No entanto, por mais contraditório que pareça, é no começo do século XXI que uma enorme janela de oportunidades se abre para boa parte dos países da África e da América do Sul, exatamente por causa de seus recursos naturais. Boa parte do conhecimento que será importante para aprimorar esses novos temas está presente no conhecimento que podemos extrair da flora e da fauna dos dois continentes. A África e a América do Sul nunca foram atores importantes no cenário econômico internacional, mas essas duas regiões jamais tiveram uma oportunidade como essa.

Em suma, esperamos ter demonstrado a existência de muitas possibilidades de medidas e de políticas públicas que deveriam ser consideradas por especialistas de ambas as regiões para que se promova negócios e comércio que poderiam derivar da biodiversidade. Além disso África e América do Sul deveriam trabalhar conjuntamente incentivando discussões e estabelecendo medidas, o que também contribuirá para a criação de oportunidades comerciais a partir de suas respectivas biodiversidades. As indústrias de pesticidas, cosméticos, farmacêutica e alimentícia que quase sempre estão concentradas nos países mais desenvolvidos tiveram grandes benefícios com o conhecimento decorrente da biodiversidade, mas isso não ocorre nas regiões que possuem essa biodiversidade, que em sua maioria são de países pobres. Algumas importantes multinacionais farmacêuticas obtêm lucros enormes com a biodiversidade da África e da América do Sul, mas não partilham esses lucros com as comunidades que detêm, descobrem e transmitem o conhecimento. Em outras palavras, podemos dizer que os países mais desenvolvidos priorizam o aspecto farmacêutico e de assistência médica da biotecnologia. Mesmo assim, eles não possuem referência sobre as questões que afligem a América do Sul e a África. Nas ondas tecnológicas anteriores esses dois continentes não conseguiram um papel de protagonistas, mas dessa vez eles possuem a riqueza da biodiversidade que certamente será um fator fundamental para que ambos passem a ter um papel mais ativo e com isso poderão resolver seus graves problemas de estagnação e pobreza.

Referências

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  • KONDRATIEV, N. The long wave in economic life. Review of Economic Statistics, v.17, p.105- 15, 1925.
  • LOVEJOY, T. E. Climate Change and biodiversity. The energy and resources institute. Michigan: Yale University Press, 2006.
  • PACANARO, R. F. Biopirataria: falta de legislação específica. Piracicaba, 2010. Dissertação (Mestrado) - Unive4rsidade Metodista de Piracicaba.
  • PIMENTEL, V. et al. Biodiversidade brasileira como fonte da inovação farmacêutica: uma nova esperança? Revista do BNDES, n.43, p.41-9, jun. 2015.
  • RABITZ, F. Biopiracy after the Nagoya Protocol: Problem Structure, Regime Design and Implementation Challenges. Revista da Associação Brasileira de Ciência Política, v.19, n.2, p.30-53, 2015.
  • RIFKIN, J. O século da biotecnologia. São Paulo: Makron Books, 1999.
  • SCHUMPETER, J. Capitalism, socialism and democracy. London: Allen& Unwin, 1943.
  • SILVEIRA, J. M. F. J. et al. Biotecnologia e agricultura: da ciência e tecnologia aos impactos da inovação. São Paulo em Perspectiva, v.19, n.2, 2005.
  • WILSON, E. O. The creation: an appeal to save life on earth. New York: W.W. Norton, 2006.
  • Revista Estudos Avançados - USP

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Esses sapos secretam uma substância alucinógena mais forte que o LSD


A inalação das secreções em pó do sapo do deserto produz um estado de euforia superior ao do LSD que dura um mês.



Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Maastricht (Holanda) descobriu que as secreções do sapo do deserto de Sonora ou do rio Colorado (Incilius alvarius), uma substância venenosa com fortes propriedades alucinogênicas cujo uso é proibido, também funciona como alternativa capaz de beneficiar a saúde mental das pessoas, relata o ScienceAlert .


Esta espécie de anfíbio está distribuída por todo o sudoeste dos Estados Unidos e noroeste do México. Seu habitat natural varia de planícies áridas e prados áridos a florestas de carvalhos, sicômoros ou nozes nos desfiladeiros das montanhas.
Efeitos psicodélicos

A pesquisa de cientistas holandeses, publicada recentemente na revista Psychopharmacology , observa que a inalação do composto em pó da secreção chamado 5-metoxi-N, N-dimetiltriptamina (5-MeO-DMT) faz as pessoas se sentirem mais satisfeitas com vida, melhora a atenção e gera uma redução dos sintomas psicopatológicos. Quão mais potente a dose também terá seus efeitos, que podem durar quatro semanas.


Em seu trabalho, os cientistas realizaram testes controlados com esta substância em 42 voluntários em todo o mundo . Isso foi explicado:


A maioria dos participantes mencionou querer 'entender a si próprio' ou 'resolver problemas' como sua motivação para participar das sessões. Outras motivações incluíam autodesenvolvimento, busca de uma experiência espiritual ou cura e curiosidade espirituais.

Entre os entrevistados que relataram sofrer de uma doença psiquiátrica, a maioria relatou que o consumo de 5-MeO-DMT contribuiu para uma redução significativa dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Outros disseram que foram eficazes no tratamento de problemas de alcoolismo e uso de drogas .
Consumo não autorizado

Segundo os pesquisadores, o sapo do deserto produz um efeito psicodélico mais intenso que os compostos alucinógenos baseados em plantas ou fungos . Isso inclui substâncias como LSD (do fungo ergot), mescalina (do cacto peiote), psilocibina (dos fungos) e ayahuasca (do yagé).

No entanto, a equipe alerta que o consumo da substância secretada por esses sapos não é autorizado ou recomendado sem supervisão médica. São necessárias muito mais pesquisas sobre os possíveis efeitos benéficos do consumo de 5-MeO-DMT.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

PÃES DE AÇÚCAR: REFÚGIOS DE ALTA BIODIVERSIDADE



Ao visitar o arquipélago de Galápagos, no oceano Pacífico, em 1835, o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) maravilhou-se com a biodiversidade local. Foram essas ilhas que o inspiraram a escrever A origem das espécies, livro que é um marco da teoria da evolução e que aborda a variação, a adaptação e o papel da seleção natural sobre a vida na Terra.

Durante muitos anos, as ilhas oceânicas chamaram a atenção de diversos pesquisadores por se tratarem de um ótimo modelo para estudos biogeográficos e evolutivos (ver ‘A regra da ilha’, em CH 336). Nas últimas décadas, sabendo desse potencial de estudo de ambientes isolados, cientistas mudaram o foco para outro tipo de ilha, as terrestres, como as montanhas e os afloramentos rochosos. De modo semelhante às ilhas oceânicas, elas também diferem da matriz onde estão inseridas e apresentam baixo intercâmbio de espécies, tanto da fauna quanto da flora.

No Brasil, não é difícil chegar a essa conclusão. Basta lembrar do Pão de Açúcar, da Pedra da Gávea, dos morros Dois Irmãos e do Corcovado para perceber que o Rio de Janeiro é dominado por ilhas terrestres (ver ‘Origem do nome’). Essas formações rochosas são elementos naturais que se destacam entre as praias mais famosas, como Copacabana e Ipanema, e, seguramente, são responsáveis por todo o encantamento da ‘cidade maravilhosa’ e por ela receber o título, em 2012, de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco): ‘Rio de Janeiro, paisagens cariocas entre a montanha e o mar’.

Origem do nome

O nome ‘Pão de Açúcar’ dado ao famoso conjunto de morros da cidade do Rio de Janeiro data da época da colonização portuguesa, em que blocos de açúcar eram transportados do Brasil para a Europa. Durante o processo de fabricação do açúcar, os cristais aglutinados eram retirados de fôrmas cônicas em blocos, que tomavam o formato delas (veja a foto). Esse processo guardava semelhança com a produção do pão, que também era assado em fôrmas, e, assim, por analogia, passou­se a chamar de ‘pão de açúcar’ o cristal obtido.


Posteriormente, o afloramento foi batizado de Pão de Açúcar por causa da semelhança de seu formato com o dos cones de cristais de açúcar. Mais adiante, diversos geólogos, geógrafos e biólogos estenderam o uso do termo – pães de açúcar – para se referirem aos afloramentos rochosos arredondados, de composição especialmente granítica e gnáissica, inseridos no domínio da floresta atlântica.

No ano em que o mundo se volta para os jogos olímpicos no Rio de Janeiro, os autores deste artigo gostariam de sugerir um olhar biológico para os pães de açúcar da mata atlântica. Suas plantas vencem barreiras de um ambiente extremo e sobrevivem perfeitamente adaptadas nesse geossistema tão antigo. Nos jogos olímpicos da natureza, a vegetação desses afloramentos rochosos, com certeza, já está no pódio.

(foto: Leandro Cardoso)


Ícone das olimpíadas

Sem dúvida, o afloramento mais famoso no Brasil é o Pão de Açúcar, ícone das Olimpíadas deste ano, cartão postal e protagonista de várias marcas. Um complexo de rochas inseridas em matriz florestal e urbana, e uma das atrações turísticas mais procuradas no país. Desde 1912, mais de 40 milhões de pessoas já visitaram o local, atraídas pela vista espetacular da baía de Guanabara, das praias e das outras montanhas que se destacam.

No meio científico, esses afloramentos rochosos que surgem abruptamente na paisagem, de composição principalmente granítica e gnáissica, são denominados inselbergs, termo de origem alemã (insel = ilha e berg = montanha). Quando apresentam formato arredondado e estão inseridos em uma matriz florestal, são chamados ‘pães de açúcar’. Essas formações datam de mais de 550 milhões de anos e estão distribuídas em escudos cristalinos por todos os continentes, sendo, nos trópicos, centros de diversidade biológica.

No Brasil, pães de açúcar ocorrem em grande concentração nas regiões Nordeste e Sudeste, especialmente em áreas de caatinga e floresta atlântica. Entretanto, com exceção do Rio de Janeiro, diversos aglomerados magnificentes desses afloramentos são desconhecidos por grande parte da população, como ocorre no nordeste de Minas Gerais e no norte do Espírito Santo. Em termos florísticos e ecológicos, os inselbergs têm relações comuns com outros tipos de afloramentos rochosos no país, como os campos rupestres e as cangas, que enfrentam condições ambientais muito adversas (ver ‘Cangas – ilhas de ferro estratégicas para a conservação’, em CH 295).

Aglomerado de pães de açúcar no nordeste de Minas Gerais. No primeiro plano, se destacam populações de bromélias (do gênero Encholirium) e cactos (do gênero Coleocephalocereus) crescendo diretamente sobre a rocha.
(foto: Luiza F. A. de Paula)

Apesar de essas formações serem frequentes no território brasileiro, estudos biológicos nos pães de açúcar são escassos. Os poucos inventários florísticos disponíveis na literatura apontam para elevada diversidade de espécies vegetais, muitas delas raras e endêmicas.

Nos últimos anos, várias espécies novas para a ciência vêm sendo descobertas nessas áreas, algumas restritas a poucos afloramentos. Esse é o caso de uma gramínea (Axonopus graniticola), um antúrio (Anthurium mucuri) e duas bromélias (Alcantarea longibracteta e A. simplicisticha) encontrados recentemente na divisa dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Outros exemplos são uma espécie da família das violetas (Sinningia bragae) e uma begônia (Begonia ibitiocensis), descritas para áreas menos conhecidas do norte do estado do Rio de Janeiro.


Pães de açúcar ocorrentes no norte do Espírito Santo, região conhecida como Pontões Capixabas.
(foto: Luiza F. A. de Paula)


Estratégias de sobrevivência

De forma geral, os inselbergs apresentam condições ambientais extremas, como altas temperaturas, fina (ou nenhuma) camada de solo e baixa retenção de água. Por essas razões, é comum termos a impressão de que as encostas desses afloramentos são simplesmente rochas nuas. Entretanto, um olhar mais detalhado revela uma diversidade a que poucos estão familiarizados.

Várias espécies de cianobactérias – parte dos primeiros grupos de organismos que colonizaram os ecossistemas terrestres há mais de 400 milhões de anos – formam crostas em toda a extensão da superfície rochosa, conferindo a coloração acinzentada que visualizamos, por exemplo, no Pão de Açúcar e na Pedra da Gávea. Portanto, não existem rochas realmente nuas, mas superfícies cobertas por um manto de micro-organismos capazes de suportar temperaturas que atingem mais de 60°C!

Plantas com diferentes adaptações conseguem crescer sobre os
pães de açúcar, como as bromélias, cactos, palmeiras e
canelas-de-ema, formando verdadeiros tapetes sobre a rocha.
As bromélias são as que mais se destacam, crescendo geralmente
na ausência de solo, em encostas muito íngremes, como a espécie
destacada na foto de baixo, pertencente ao gênero Encholirium.
Os inselbergs são considerados um dos centros de diversidade da
família Bromeliaceae. (fotos: Luísa O. Azevedo)

Os seres vivos capazes de sobreviver nesses locais apresentam diferentes tipos de adaptações. É notável a presença de plantas capazes de se aderir diretamente à rocha, por meio de raízes especializadas, formando extensas populações que se assemelham a tapetes. No Brasil, principalmente na região Sudeste, bromélias, orquídeas e cactos compõem essa ‘malha’ em encostas muito íngremes, desafiando a lei da gravidade.

Diversas também são as estratégias adotadas por esses grupos de plantas para armazenar água. Bromélias pertencentes ao gênero Encholirium e orquídeas do gênero Epidendrum, por exemplo, acumulam água nos seus tecidos vegetais, apresentando folhas suculentas. Já outras bromeliáceas, como Alcantarea e Vriesea, conseguem estocar água como tanques por possuírem uma arquitetura foliar em formato de roseta, o que mantém a umidade das plantas e acaba atraindo uma fauna variada. É importante salientar que a água acumulada nos ‘tanques’ das bromélias não são redutos de larvas do mosquito transmissor da dengue, e, portanto, não devem ser vistas como uma ameaça à população.

Os cactos, por sua vez, não só acumulam água, como apresentam espinhos (folhas modificadas) e pilosidades (revestimentos de finos pelos), especialmente em suas bases, evitando o superaquecimento do contato direto com a rocha, o que pode ser visto em espécies pertencentes ao gênero Coleocephalocereus.

Espécies de cactos, como Coleocaphalocereus buxbaumianus, possuem pilosidades em suas bases para evitar as altas temperaturas da rocha exposta. (foto: Luiza F. A. de Paula)

Outra estratégia espetacular de algumas plantas formadoras de ‘tapetes’ é a tolerância à dessecação (secura extrema). Durante a estação seca, algumas espécies entram em um estado desidratado, como se estivessem mortas. Suas folhas tornam-se enegrecidas e enroladas, chegando a perder mais de 90% de água. Após as chuvas, elas se reidratam, ficando verdes novamente, sem qualquer prejuízo estrutural ou fisiológico. Por essa característica única são chamadas pelos botânicos de ‘plantas de ressurreição’.


A tolerância à dessecação é uma estratégia desenvolvida
por diversas espécies que habitam os pães de açúcar. Em
períodos de seca, elas perdem água e suas folhas ficam
com aspecto ressecado, mas sem perder a viabilidade, como
é possível verificar acima, na população de Barbacenia
tomentosa, da família das velloziáceas (popularmente
conhecidas como canelas-de-ema). Após as chuvas, elas
conseguem se hidratar novamente, e retomam seu vigor
(abaixo). Por esse motivo, as plantas com essa estratégia
são conhecidas como ‘plantas de ressurreição’.
(foto: Luiza F. A. de Paula)

Muitas espécies conseguem sobreviver a esses ciclos, destacando-se as samambaias e licófitas dos gêneros Cheilanthes, Doryopteris e Selaginella. Entre as plantas com flores, as ornamentais canelas-de-ema (pertencentes aos gêneros Barbacenia e Vellozia, da família Velloziaceae) são as que, sem dúvida, mais chamam a atenção. Alguns exemplares de diferentes espécies de Velloziaatingem idades superiores a 500 anos, mostrando a eficácia dessa estratégia para sua sobrevivência.

Diante do aquecimento global, pesquisas recentes vêm dando foco aos genes dessas ‘plantas de ressureição’ envolvidos na tolerância à dessecação. Elas são usadas como modelo para melhor entender esse mecanismo, visando, posteriormente, a sua aplicação em plantas cultivadas.


Por que preservar?

O que poucos sabem é que, quando os portugueses chegaram ao Brasil, a primeira porção de terra avistada foi um inselberg, como relatou Pero Vaz de Caminha na sua famosa carta enviada ao rei de Portugal: “Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz”.

Haviam chegado a uma região exuberante da mata atlântica, que se estendia por aproximadamente 3.300 km ao longo da costa brasileira, e que à época era habitada por numerosas tribos indígenas. Tanto a floresta quanto os primeiros habitantes sucumbiram quase que inteiramente diante dessa paulatina ocupação do litoral brasileiro. Foram os ciclos do ouro, da cana e do café, além da exploração madeireira, os principais responsáveis pela destruição de uma das mais ricas formações vegetais do planeta. Restam somente 11% da cobertura vegetal original, representada por fragmentos pequenos e cada vez mais empobrecidos biologicamente.

Nesse contexto, os inselbergs se destacam por servirem de refúgio para fragmentos florestais praticamente intactos e pouco acessíveis ao ser humano, e por apresentarem plantas altamente especializadas que só ocorrem sobre a rocha exposta. O resultado são ilhas terrestres detentoras de alta diversidade biológica.

Devido ao seu isolamento, os pães de açúcar são considerados ilhas terrestres, abrigando espécies altamente especializadas e servindo de refúgio para fragmentos florestais praticamente intocados. (foto: Leandro Cardoso)

No entanto, nosso panorama atual não é animador. Em diversas regiões do Brasil, esses aforamentos, por não serem considerados áreas prioritárias para conservação, sofrem sérias ameaças. A coleta ilegal de plantas ornamentais, o fogo, as trilhas de turismo e a invasão de espécies exóticas (não originárias desses locais) têm contribuído para a destruição da vegetação natural desses ambientes.

A retirada da cobertura vegetal que ocorre sobre a rocha favorece o deslizamento de terra e enchentes nas áreas vizinhas, o que pôde ser observado em eventos recentes, nos últimos anos, no estado do Rio de Janeiro. O fator complicador é que a regeneração da flora dos inselbergs é muito lenta e ela provavelmente nunca poderá ser recuperada da mesma maneira.

Outro agravante é a crescente exploração do granito. Em diversos locais, o mineral passou a ser usado no lugar da madeira em bancadas, paredes, pisos, entre outros utensílios. Em estados como o Espirito Santo, o ciclo destrutivo de supressão das florestas capixabas foi substituído pela destruição de suas rochas, alimentando um comércio desenfreado e nada sustentável.


Mineradora de granito no estado do Espírito Santo. Grandes blocos são retirados diariamente, levando à extinção diversos pães de açúcar da região. (foto: Luiza F. A. de Paula)

Apesar de óbvio, o importante papel das plantas no nosso dia a dia tem sido negligenciado. Elas são fontes de alimentos, combustíveis, fibras, matérias-primas para a indústria, medicamentos, além de tornarem nossa atmosfera respirável – motivos que bastariam para dedicar mais investimentos e atenção para estudá-las e compreendê-las melhor. Um país como o Brasil, que abriga a maior diversidade de plantas do planeta, deveria ser capaz de preservar minimamente suas espécies.


Sugestões para leitura

DE PAULA, L.F.A.; FORZZA, R.C.; NERI, A.V.; BUENO, M.L.; POREMBSKI, S. Sugar Loaf land in south-eastern Brazil: a centre of diversity for mat-forming bromeliads on inselbergs. Botanical Journal of the Linnean Society, v.181, p.459-476, 2016.

DE PAULA, L.F.A.; VIANA, P.L; MOTA, N.; AUGSTEN, M.; LEITE, F. E STEHMANN, J.R. Plantas Saxícolas em Inselberg no Vale do Mucuri. In: Rapid Color Guides. Chicago: The Field Museum, 2013.

DE PAULA, L.F.A.; FORZZA, R.C.; NERI, A.V.; BUENO, M.L.; POREMBSKI, S. Sugar Loaf land in south-eastern Brazil: a centre of diversity for mat-forming bromeliads on inselbergs. Botanical Journal of the Linnean Society, 2016.

MAUAD, L.P.; BUTURI, F.O.S.; SOUZA, T.P.; NASCIMENTO, M.T. & BRAGA, J.M.A. New distribution record and implications for conservation of the endangered Wunderlichia azulensis Maguire & gm Barroso (asteraceae: Wunderlichieae). Check List, v. 10, p. 706, 2014.

POREMBSKI, S. E BARTHLOTT, W. (org.). Inselbergs – Biotic diversity of isolated rock outcrops in tropical and temperate regions. In: Ecological studies, v. 146. Berlim:Springer-Verlag, 2000.


Luiza F. A. de Paula
Stefan Porembski
Instituto de Biociências, Botânica Especial e Geral
Universidade de Rostock (Alemanha)

Luísa O. Azevedo
João Renato Stehmann
Departamento de Botânica
Instituto de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Minas Gerais

Luana Paula Mauad
Rafaela Campostrini Forzza
Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Revista Ciência Hoje

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A perda de biodiversidade é apenas a ponta do iceberg de uma crise global



Sandor Szmutko / Shutterstock

Estamos a caminho de perder uma em cada oito espécies que habitam o planeta, ou o que é o mesmo, em torno de um milhão de espécies (10% de insetos e 25% de outros animais e plantas) nas próximas décadas (ver Figura 1). ). Esta é uma das conclusões mais alarmantes do primeiro relatório sobre o estado da biodiversidade global e de 18 tipos de contribuições básicas que a natureza oferece à sociedade e ao bem-estar humano em todo o mundo. Ambas as contribuições materiais e imateriais e aquelas que regulam o funcionamento dos ecossistemas.


O documento, que nós desenvolvemos para a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES), patrocinada pelas Nações Unidas, foi baseada no desempenho voluntário de centenas de cientistas de mais de 50 países. Analisamos cerca de 15 000 estudos publicados desde 1970 e temos tido em conta o conhecimento das comunidades locais e indígenas, que continuam a guardar grande parte da biodiversidade global.

Embora o enorme impacto da mídia que o aumento na taxa de extinção das espécies tenha sido positivo, em certa medida, deixou outras mensagens semi-prontas, talvez ainda mais importantes. Estas são as relacionadas com as razões socioeconômicas que estão escondidas por trás dessa crise socioecológica e as soluções estruturais necessárias para enfrentá-la.Figura 1. Uma grande proporção das espécies avaliadas está ameaçada e as tendências gerais estão se deteriorando. IPBES , Autor fornecido

O papel da economia

Os resultados do relatório destacaram que a crise climática é a ponta do iceberg de uma crise sócio-ecológica estrutural na qual a degradação da natureza e o impacto nas contribuições que gera para o bem-estar social estão intimamente ligados à fé cega. no crescimento econômico como base para o desenvolvimento, as regras e normas institucionalizadas que favorecem esse paradigma de desenvolvimento e as políticas econômicas que o sustentam.Figura 2. Caminhos de crescimento desde 1970 para vários indicadores sobre a interação entre a sociedade e o meio ambiente em nível global. IPBES , Autor fornecido

As mesmas razões que levaram a população mundial a multiplicar-se por duasnas últimas cinco décadas , a economia mundial medida pelo seu produto interno bruto multiplicou-se por quatro e o comércio internacional por dez. Assim, os indicadores de interação entre a sociedade e o ambiente global que consideramos mostram um crescimento significativo da economia global e seus impactos na natureza com diferenças regionais (Figura 2).

Estas últimas cinco décadas, portanto, colocaram grande pressão na natureza devido a um aumento muito significativo na demanda por energia e materiais.



Figura 3. As forças motrizes diretas e indiretas (subjacentes) responsáveis ​​pela degradação da natureza globalmente. IPBES , Autor fornecido

Por sua vez, os incentivos econômicos favoreceram o crescimento da atividade econômica em detrimento do seguro de vida do planeta, a biodiversidade.

É paradoxal que o desenvolvimento econômico de curto prazo exija o desperdício de capital natural que sustente o bem-estar da sociedade a longo prazo. Algo que estamos fazendo errado. Nesse sentido, o relatório enfatiza que é necessário levar em consideração os múltiplos valores das funções dos ecossistemas e das contribuições da natureza ao bem-estar social, além dos valores econômicos de curto prazo (Figura 3).
Biodiversidade, no centro das atenções

O relatório de avaliação global representa um marco que vai além do interesse científico. O facto de ter sido aprovado por unanimidade pelos 132 estados membros do IPBES apoia a sua importância e legitimidade política. Como no contexto dos relatórios do IPCC sobre a crise climática, o último relatório do IPBES oferece uma ferramenta poderosa para a sociedade conhecer a situação em que estamos e, assim, legitimar a pressão para buscar e iniciar de soluções. A falta de informação não pode mais ser uma desculpa para ficar de braços cruzados.

A cobertura da mídia das conclusões do relatório foi espetacular e conseguiu, pela primeira vez, colocar a questão da emergência em relação à perda global acelerada da biodiversidade no auge da crise climática .

Até o momento, existem mais de 6.000 referências informativas ao relatório em 151 países e em 45 idiomas. Embora devamos nos congratular por este impacto, a informação centrou-se principalmente numa manchete específica ligada a uma das conclusões do relatório: a perda de um milhão de espécies.
A política antes da emergência socioecológica

Os grandes partidos políticos não fizeram eco do relatório. E isso faz você pensar. Será porque acreditam que nas eleições esta é uma questão que não interessa aos cidadãos? O impacto da mídia demonstraria o contrário. Ou é porque a mensagem sobre a necessidade de uma transformação do modelo socioeconômico é desconfortável? Os formuladores de políticas sabem, ou deveriam saber, que as administrações públicas deveriam ser uma das pontas de lança dessa transformação carente.

Como muitas questões primárias (o social e política), a inércia do passado, olhar para o mundo com lentes que poderiam servir por décadas, mas já não revelar ou mesmo distorcer a realidade, é um dos principais freios para a transformação necessária . É por isso que temos de compreender que a política, em letras maiúsculas, o que fazemos todos, todos os dias. Toda vez que compramos comida, toda vez que usamos o transporte, fazemos política. Em cada decisão que tomamos política de consumo e produção. É também partilha política e usando os resultados do relatório da IPBES como alavanca transformadora.

Os cidadãos devem ser capacitados, sabendo o que estamos fazendo para o planeta, especialmente para saber que o modelo de desenvolvimento atual não funciona e que as soluções estruturais são necessárias para poder viver em harmonia com a natureza. Mudanças estruturais, como na luta pelos direitos dos trabalhadores e das mulheres, não são doadas. Há interesses poderosos que não querem transformação socioecológica. A palavra mudança já foi desnaturada. Precisamos exigir direitos para uma natureza que está sendo difamada para proteger os interesses econômicos de alguns.

É preciso pressionar governos, partidos políticos, sindicatos e organizações sociais em favor de uma economia ecológica que contribua para o bem-estar humano sem erodir as bases da vida: a biodiversidade.


Unai Pascual , Pesquisador Professor Ikerbasque, bc3 - Centro Basco de Mudanças Climáticas

Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation . Leia o original .

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