terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Aral um mar em agonia

Quarto maior lago do mundo na primeira metade do século 20, o Mar de Aral, na Ásia Central, é um dos mais dramáticos casos de destruição ambiental causada exclusivamente pelo homem


Por Eduardo Araia Fotos: Zhanat Kelenov/Fototeca Unesco

Quando a ecologia for disciplina de primeiro grau nas escolas do mundo, os pequenos alunos com certeza aprenderão sobre a tragédia que se abateu sobre o Mar de Aral.

Dificilmente se encontrará um exemplo tão didático e revoltante da capacidade do homem de intervir desastrosamente na natureza quanto o da agonia desse que chegou a ser o quarto maior lago do mundo.

Localizado na Ásia Central, entre duas antigas repúblicas soviéticas – o Casaquistão e o Usbequistão –, o Aral ocupava originariamente uma área de 68.300 km2, o equivalente a duasHolandas. Suas águas salgadas eram abastecidas principalmente por dois extensos rios, o Syr Darya e o Amu Darya, cujas bacias hidrográficas se estendem por outros países vizinhos – o Tadjiquistão, o Quirguistão e o Turcomenistão, além do Afeganistão e do Irã –, cobrindo uma área total que beira os dois milhões de quilômetros quadrados.

É UMA REGIÃO de terras áridas e semi-áridas, e por isso mesmo a irrigação artificial lá é muito antiga: há indícios de que ela já era usada há mais de dois mil anos, sempre de forma sustentável. Mas a grande mudança nesse sentido começou na década de 1930, quando os governantes soviéticos decidiram transformar a área, economicamente inexpressiva, numa grande produtora de algodão. A fibra, chamada na época de “ouro branco”, era fonte certa de divisas numa época difícil da economia mundial.

As práticas de plantio tradicionais da região deram lugar a uma agricultura de irrigação intensiva, graças à construção de grandes canais – o maior deles, o Kara Kum, foi aberto em 1956 para desviar parte das águas do Amu Darya.

O PROBLEMA começou na década de 1930, quando os governantes SOVIÉTICOS decidiram transformar a ÁREA em uma produtora de algodão

No sudoeste do Casaquistão, carcaças de navios jazem agora sobre o leito seco do Mar de Aral, perto daquilo que foi um grande e profundo porto pesqueiro da região.

Não se pode negar que houve algum sucesso: entre 1960 e 1980, a área respondeu por um aumento de 70% na produção total de algodão da União Soviética, e até hoje o Usbequistão se destaca como potência algodoeira. Mas o custo social, econômico e ambiental desse feito é incalculável.

Até 1960, a situação se manteve relativamente estável, mesmo com a irrigação tomando dos rios (e desperdiçando a maior parte no deserto, por deficiências estruturais das obras e pela evaporação) quase 50% do fluxo de suas águas.

A partir daí, porém, o nível médio do mar começou a cair. Entre 1960 e 1969, eram 20 centímetros anuais, que passaram para 60 centímetros na década de 1970 e um metro nos anos 1980. Foi nos primeiros anos dessa década, aliás, que o volume de água recebido pelo Aral chegou a zero.

Até então, o governo soviético não dava a devida importância ao que andava acontecendo naquele canto da Ásia Central. Falava-se inclusive – com a arrogância típica das ditaduras – em inverter o fluxo do Rio Ob, que deixaria de desembocar no Oceano Ártico para despejar as suas águas na região do Aral.

O então secretário-geral do Partido Comunista, Mikhail Gorbachev, deu um basta nesses devaneios e, em 1988, o Comitê Central estabeleceu que o plantio de algodão seria reduzido de forma a permitir que o Aral voltasse a receber água em quantidades cada vez maiores até 2005.

Da esquerda, em sentido horário: a escola de Aralsk, no Casaquistão – outrora porto pesqueiro – ficava às margens do Mar de Aral. Hoje, ela está sendo soterrada pela areia e o sal trazidos pelos ventos. Velho da região com seu neto. Mais duas carcaças de navios pesqueiros.

Alguma melhora foi observada então, mas a queda de Gorbachev, em 1991, colocou nas mãos das cinco exrepúblicas soviéticas envolvidas o cumprimento dessa determinação. A previsível inércia resultante disso aprofundou o desastre.

Nos anos 1990, a sangria contínua fez o mar dividir-se em dois, com um aumento drástico na salinidade das águas: antes de 10 gramas por litro, ela subiu para 45 gramas por litro – e, em algumas partes do Aral Sul, chegou a espantosos 98 gramas por litro. A média atual gira em torno de 33 gramas por litro.








HOJE EM DIA, a bacia do Aral é assolada pela desertificação (que atingiu mais de 30.000 km2 do leito do mar) e por constantes tempestades de poeira tóxica. A redução do nível do mar pôs à mostra imensos bancos de sal, que os fortes ventos levam até o Himalaia, e a água remanescente da irrigação formou lagos contaminados por agrotóxicos – alguns tão grandes que já receberam nome.

Enquanto os verões ficaram mais quentes e curtos, os invernos passaram a ser mais rigorosos e longos – uma alteração que levou muitos fazendeiros a trocar o algodão pelo arroz, cujo cultivo exige ainda mais água. Das 73 espécies de aves, 70 de mamíferos e 24 de peixes antes encontradas na área, a maioria morreu ou migrou para outros lugares.

A profunda devastação afetou a antes próspera indústria pesqueira, que na primeira metade da década de 1960 empregava cerca de 60 mil pessoas. Diante da visão de várias embarcações encalhadas longe da margem, as autoridades abriram canais para levá-las ao mar aberto – e nada conseguiram, porque o nível do Aral baixava mais rapidamente do que sua capacidade de escavar as valas.

Com isso, a atividade pesqueira esgotou-se em 1982, e as fábricas de processamento de peixe congelado trazidas de outras regiões para manter os pescadores locais empregados foram fechadas em 1991.

O desastre ambiental provocou também um profundo impacto na população local. Com a contaminação da água pelo sal e substâncias existentes nos fertilizantes e pesticidas utilizados nas plantações, a tendência de os moradores da região apresentarem câncer de garganta é nove vezes maior do que a média mundial, e a mortalidade infantil ali observada é a maior entre as antigas repúblicas soviéticas.

Canais de irrigação como os da foto drenam as águas dos rios Amu Darya e Syr Darya ao longo de todo o seu curso, impedindo que eles alimentem o Mar de Aral.

Aproximadamente 80% das mulheres grávidas sofrem de anemia. A incidência de distúrbios respiratórios, tuberculose e problemas oculares na população local também aumenta assustadoramente.

A miséria que impera entre os habitantes da região é atenuada por organizações como a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho, que reforçam a dieta dos mais carentes com uma cesta básica que contém arroz, farinha e óleo. Mas essa ajuda só chega a 10% dos moradores que vivem abaixo da linha da pobreza na região.

O que fazer agora? Nenhuma solução escapa de um investimento gigantesco de dinheiro – em 2004, ele era calculado em US$ 300 bilhões. É muito difícil reunir toda essa dinheirama, mas talvez o maior obstáculo seja mesmo a cooperação entre os cinco países envolvidos, com os seus conflitantes interesses econômicos. Eles já haviam feito um acordo a respeito do Aral em 1992, mas nada de objetivo emergiu dali.

Além disso, há várias disputas étnicas nessa questão. Desde o fim da União Soviética, os direitos do uso da água já opuseram usbeques e quirguizes, turcomenos e usbeques, e quirguizes e tadjiques.

Por enquanto, as ações tomadas (ou a falta delas) indicam que o Aral continuará a encolher na sua parte sul. Já na parte norte, aparentemente o governo do Casaquistão está empenhado em manter sua fração do lago (ver quadro). De qualquer forma, o que resta é um retrato melancólico do poder de destruição que a humanidade pode exercer sobre a natureza.

Um fim PROVOCADO pela mão do homem

A seqüência das três fotos do Mar de Aral tiradas por satélite mostram o seu progressivo esvaziamento. A primeiro foto, à esquerda, é de maio de 1973; a segunda, de agosto de 1987; a terceira, de julho de 2000. Durante os últimos 40 anos, por decisão das autoridades da ex-União Soviética, as águas do Amu Darya e do Syr Darya – os dois rios centro-asiáticos que alimentavam o Aral – foram desviadas para irrigar milhões de hectares de plantações de algodão e de arroz. Nas últimas duas décadas, o volume de água do Mar de Aral decresceu de 75 %. A linha do litoral encolheu 120 quilômetros. O nível das águas baixou mais de 16 metros e hoje o Aral é um pequeno mar muito raso. Há muitos milhares de anos, ele já secara completamente devido a motivos naturais. A grande controvérsia que acontece hoje em torno do Mar de Aral deve-se ao fato de que seu encolhimento foi causado pela mão humana, e não por uma mudança ambiental natural. Durante os ciclos naturais, tais mudanças acontecem muito lentamente, durante centenas de anos. Ao contrário, mudanças causadas pela atividade humana costumam ser muito rápidas.

Vozrozdenya, a ilha do terror

Na primeira metade do século 20, Vozrozdeniya era uma ilha no meio do Mar de Aral, e essa condição geográfica do isolamento foi aproveitada pelas Forças Armadas, que lá construíram instalações e laboratórios voltados para a pesquisa e o armazenamento de armas biológicas. Com o recuo progressivo das águas do mar, o território da ilha começou a crescer e, em 2001, ela se juntou à terra firme. As instalações militares foram fechadas em 1992, mas o risco de que o material guardado ali – como bacilos de antraz – venha a causar problemas no futuro ainda é alto. Curiosidade típica de humor negro: em russo, Vozrozdeniya significa “renascimento”.

Um sopro de ESPERANÇA

As previsões para a parte sul do que restou do Aral são sombrias, mas a salvação para a parte norte pode estar a caminho. A idéia, já tentada em 1992 e 1997, é construir uma barragem de 14 quilômetros entre as partes norte e sul do mar. Nas outras ocasiões, o material precário usado no dique entrou em colapso, mas na terceira tentativa – feita entre 2001 e 2005 com recursos do Banco Mundial e do governo do Casaquistão –, a obra tem-se mostrado bem mais resistente.

A nova barragem é a peça central de uma ampla reformulação e conserto de 100 quilômetros de obras da era soviética. Esse trabalho aumentou a eficiência da água do Syr Darya, que agora irriga plantações e flui para o Aral Norte. Nos primeiros 12 meses após a conclusão da obra, o nível do Aral Norte subiu seis metros. Com as novas condições, já se observou o ressurgimento de gramíneas e juncos nas margens, além do retorno de pássaros aquáticos e outros animais de maior porte.

Revista Planeta

Budismo - Renasce no coração da Ásia

Os regimes comunistas da China e da União Soviética perseguiram implacavelmente os devotos de todas as religiões e, em especial, os budistas, mas não conseguiram destruir a fé dos povos da Ásia Central


Texto e fotos: Haroldo Castro
Quando a República Popular da China foi criada, em 1949, o Partido Comunista decretou que as religiões eram símbolos do feudalismo e do colonialismo. O go- Q verno baniu as práticas, acuou fiéis e fechou prédios religiosos. Mosteiros e pagodes - e também igrejas e mesquitas - foram transformados em museus, quando não destruídos. O auge da perseguição religiosa aconteceu durante a Revolução Cultural de Mao Tsé-tung, entre 1966 e 1976. O Tibete, anexado em 1951, também foi - e continua a ser - vítima da onda do fanatismo anti-religioso.

Uma procissão levando 108 sutras, textos sagrados tibetanos, caminha ao redor do mosteiro Erdene Zuu, na Mongólia.

Com a abertura econômica na década de 1980, os templos budistas e taoístas na China começaram a receber um maior número de fiéis. A política interna do Partido Comunista chinês manteve a incompatibilidade entre a religião e a associação ao partido, mas a alma supersticiosa do chinês preferiu estar de bem com alguma divindade. Hoje, o censo governamental reconhece que existem mais de 120 milhões de budistas - cerca de 10% da população. No entanto, outras fontes sugerem que a fatia de adeptos do budismo poderia chegar a 80% do total nacional.

O processo de destruição dos valores religiosos na União Soviética teve início algumas décadas antes do que o da China. A "Grande Limpeza" implantada por Stálin nos anos 1930 destruiu os valores espirituais da população. Na Rússia, mais de 50 mil igrejas ortodoxas foram fechadas e cerca de 100 mil fiéis foram executados entre 1937 e 1939.

A Mongólia, no coração da Ásia Central, também sofreu as conseqüências da fúria stalinista. Lá, a "Grande Limpeza" chegou para eliminar os adversários do regime fiel à União Soviética e também para suprimir o poder do budismo e dos lamas. Mesmo sob o regime comunista desde 1924 - ano em que a Mongólia passou a fazer parte do bloco soviético -, a importância dos mosteiros budistas no país superava o poder do governo. O povo preferia seguir conselhos de um lama a adotar as determinações da administração comunista.

Sentindo-se ameaçado, o Partido Comunista aproveitou a proximidade dos sacerdotes budistas com o Japão e acusou a religião de estar alinhada com o inimigo. O expurgo ocorrido na Mongólia entre 1937 e 1939 foi implacável. Calcula-se que, antes da perseguição, havia cerca de 115 mil monges, numa população total de 700 mil habitantes. Em menos de dois anos, todo o sistema foi desmantelado. Os altos sacerdotes foram executados e os que escaparam de uma bala na nuca acabaram na prisão ou na Sibéria. Sobreviveram apenas os meninos com menos de 10 anos, depois devolvidos a seus pais.

Calcula-se que, durante esse período de terror, foram assassinadas 30 mil pessoas, das quais 20 mil teriam sido religiosos. Havia mais de mil mosteiros e templos budistas existentes antes da repressão. Em 1939, apenas três mosteiros haviam sido parcialmente poupados: Erdene Zuu, Amarbayasgalant e Gandan.

Como nenhum mestre sobreviveu, o conhecimento foi suprimido. O alfabeto cirílico russo substituiu a escrita mongol e ninguém mais teve acesso aos textos sagrados. O budismo entrou em um profundo sono forçado por mais de meio século.

É com essa enxurrada de informação que sou recebido no Museu das Vítimas da Repressão Política, em Ulan Bator, capital da Mongólia. Fotos em preto-e-branco mostram dezenas de templos destruídos e textos crus revelam a violência da época. O país é hoje uma democracia, depois de ter passado sete décadas sob o regime soviético.

O RENASCER DA NAÇÃO mongol está ligado à perestroika e a uma sucessão de eventos que causaram a implosão do bloco soviético. O muro de Berlim caiu em novembro de 1989 e, no mês seguinte, os mongóis pediram o fim do sistema de partido único. A primeira eleição livre ocorreu em junho de 1990. Ao longo dessa década, os mongóis, além de arquitetarem as estruturas de um Estado livre baseado na economia de mercado, também empreenderam uma busca por seus novos símbolos e heróis.

Qual seria a identidade cultural da nova Mongólia? Uma das respostas veio do passado remoto: Gêngis Khan, oito séculos atrás, havia saído das estepes para dominar meio mundo. Os mongóis transformaram o conquistador em nobre sábio, erigiram estátuas e publicaram livros com seus conceitos judiciosos. A lacuna espiritual também precisava ser preenchida: o budismo passou de culto proibido a fonte de inspiração para todas as gerações.

Admirado pelo desabrochar da cultura budista, resolvo visitar os três mosteiros que sobreviveram à "Grande Limpeza". Erdene Zuu, situado em Kharkhorin, antiga capital mongol no centro do país, é o mosteiro mais importante da Mongólia. Antes do expurgo stalinista, mais de 1.500 monges viviam no lugar, que também contava com 65 templos.

Passo o dia perambulando e encontro várias famílias locais que querem participar da cerimônia de cânticos e receber bênçãos dos monges. Mais tarde, um grupo de 20 lamas sai em procissão para dar uma volta ao redor das quatro muralhas do mosteiro. Um número ainda maior de fiéis junta-se aos religiosos. Os mais devotos carregam uma caixa retangular, embrulhada em um tecido sedoso amarelo. São 108 textos tibetanos sagrados.

Ao som de conchas, pratos e mantras, o cortejo sai do mosteiro pela porta do norte e começa a contornar, em sentido horário, a longa muralha branca, adornada de 108 estupas. Um dos monges dá a volta bem rente à muralha, beijando a parede de cada estupa.

O mosteiro Gandan é considerado o principal pólo do budismo do país; fiéis budistas reverenciam um dos 108 sutras, textos sagrados tibetanos, no mosteiro Erdene Zuu, em Kharkhorin, excapital mongol.

A procissão leva 40 minutos para circundar, em passo lento, o quadrilátero de 400 metros de lado. O colorido das vestimentas vermelhas e amarelas contrasta com o branco da muralha, o azul do céu e o verde das estepes.

Antes de sair do mosteiro, converso com Natsagnyam. Ela trabalha no museu de Erdene Zuu e é budista praticante. Aluna de doutorado em cultura budista, explica que eu tivera muita sorte em assistir à procissão. "Estamos no quinto dia do mês lunar, um dia auspicioso que marca o terceiro sermão de Sidarta Gautama, o Buda", afirma. "Essa volta ao redor do mosteiro somente acontece uma vez por mês."

Meu próximo destino é Amarbayasgalant. Construído por um imperador da Manchúria em 1737, o conjunto segue uma arquitetura chinesa. O mosteiro está a 360 km ao norte da capital, num contexto rural diferente. Aqui não existem desertos ou estepes, mas vastos campos verdes, dos mais férteis do país. Durante as seis horas de trajeto, cruzo colinas com bosques, vales produtivos e intermináveis monoculturas de cereais. As montanhas são gentis, parecem uma aquarela.

O mosteiro se situa ao pé de um morro. No século 19 abrigava 2 mil monges, mas hoje são apenas 30 - número que cresce lentamente. Também aumenta a quantidade de visitantes locais, pois os mongóis têm interesse em redescobrir a sua própria história. Diariamente, às 8 horas, os noviços cantam textos sagrados.

Entro no templo principal, ornamentado de longas bandeirolas com as cinco cores do budismo e com colunas decoradas por dragões. Sento ao lado de uma família mongol, fecho os olhos e me deixo embalar pelas vozes.

Quando saio do templo, vejo uma jovem rastejando. Ela passa embaixo de uma estupa adornada de longos lenços azuis. Fico intrigado com a cena e indago a razão. "Quem passa por baixo dessa pedra abandona suas vibrações negativas. É uma limpeza da alma", responde Zula.

"Antes de conhecer Amarbayasgalant, eu não me interessava por espiritualidade. Mas o mosteiro é fascinante e começo a apreciar mais o budismo." Zula, de 29 anos, tem um mestrado em biologia e é um perfeito exemplo do renascimento do budismo no país.

Dois monges na porta de entrada da escola budista, no mosteiro Gandan Tegchenling, em Ulan Bator. Erguido em 1853, o complexo de Gandan possui dez templos e abriga 900 monges.

De volta à capital, vou ao monastério Gandan Tegchenling. O complexo de Gandan, construído em 1853, possui dez templos e abriga 900 monges. Entro no pátio e meus olhos não param de seguir os noviços de 10 ou 12 anos, de cabeça raspada e vestes chamativas. Eles me levam até o edifício principal Migjed Janraisig, onde descubro uma gigantesca estátua do Buda da Compaixão, com 26,5 metros de altura. A estátua original foi destruída pelos soviéticos em 1938. O novo Buda, de cobre e recoberto de ouro, foi inaugurado em 1996.

As cinco décadas de obscurantismo russo provocaram uma grande lacuna de conhecimento. A maioria dos monges mongóis recita textos sem dominar o tibetano. Um esforço enorme é realizado hoje para treinar monges na Índia. Gandan, considerado o pólo principal do budismo no país, já recebeu de volta alguns de seus estudantes, os quais ensinam os que não tiveram a oportunidade de viajar.

O monge budista norte-americano Konchog Norbu vive na Mongólia há três anos para dar apoio a esse renascimento espiritual. Depois de despachar 19 estudantes mongóis para o mosteiro Namdroling, no sul da Índia, ele promove agora a visita de importantes lamas à Mongólia. "Queremos restabelecer as práticas e tradições que foram perdidas durante esse meio século", afirma Konchog

Revista Planeta

Cambará do sul travessia dos cânions gaúchos

De beleza indescritível, os cânions Itaimbezinho e Fortaleza são uma atração à parte da região de Cambará do Sul (RS). Originados entre 130 e 135 milhões de anos atrás, esses imensos penhascos foram sendo esculpidos com capricho pela natureza ao longo dos anos


Texto e fotos: Luiz Carlos Erbes

Imagens dos cânions Itaimbezinho e Fortaleza, na região de Cambará do Sul (RS), correm soltas pela Internet – uma pesquisa no Google Imagem mostra uma oferta de mais de 1,5 mil fotografias. Mas nenhuma delas revela a grandiosidade e a beleza reais desses penhascos. O tamanho gigante dos cânions torna difícil fotografá-los. Eles se originaram há cerca de 130 milhões de anos e foram esculpidos com capricho pelo tempo. Essas fotos também não mostram o rico ecossistema da região, protegido pelos dois parques nacionais onde os cânions se encontram, o Parque Aparados da Serra e o Parque da Serra Geral, ambos administrados pelo Ibama.

É preciso persistência para chegar lá. Até o pequeno centro urbano de Cambará do Sul, a viagem, por rodovias asfaltadas, é tranqüila. Depois, é preciso percorrer longos quilômetros de estradas de terra em estado precário até chegar aos parques nacionais. Os imensos paredões de rocha dos cânions assombram os turistas. Do ponto mais alto do Cânion Fortaleza, 1.157 metros acima do nível do mar, podem ser vistos penhascos de mais de 900 metros de altura, quase todos dentro do Parque Aparados da Serra.

Esse parque – criado em 1959, com área de 10.250 hectares e perímetro de 63 quilômetros – vive um curioso processo de renovação natural, sinal de que a natureza livre do seu maior predador, o homem, é capaz de se regenerar sozinha, sem que precisemos fazer nada. Pinheiros aparecem em todo canto no interior do parque. Há araucárias enormes, mas poucos exemplares são mais velhos do que o próprio parque.

“Quando o Aparados da Serra foi criado, quase não existiam pinheiros nele. Poucas árvores tinham resistido às madeireiras. No auge da exploração, havia nove serrarias na área do parque”, conta o analista ambiental Willem Andries Kempers. Ele conheceu os parques de Cambará do Sul em maio de 2006, quando trocou o calor da Estação Ecológica Jari, no Amapá, pelo frio da Serra Gaúcha.

Hoje, os parques se livraram da exploração e da depredação desenfreada, mas alguns problemas persistem. Parte da área é ocupada por propriedades particulares cujos donos ainda não foram devidamente indenizados pelo governo. É comum ver o gado pastando no interior dessas reservas. A não-desapropriação dificulta a preservação e é uma das causas dos incêndios que, nos períodos de seca, devastam setores dos parques. Apenas em 2006, entre 500 e 600 hectares foram queimados. Neste ano, um grupo de brigadistas se juntou aos funcionários do Ibama e permanece nos parques para combater os incêndios, comuns entre julho e dezembro.

Na área protegida – cerca de 30 mil hectares, somados os dois parques –, a vida animal silvestre prolifera, embora nem sempre visível ao turista. Há várias espécies em risco de extinção, como a onça-pintada, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira. A biodiversidade da região é grande. O leão-baio (Puma concolor, ou suçuarana) vive escondido nas matas. De hábitos noturnos, esse felino evita o homem.

A NÃO-DESAPROPRIAÇÃO prejudica a preservação e, na seca, é uma das causas dos INCÊNDIOS que devastam os parques

ACHO QUE O leão-baio já me viu, mas eu ainda não vi nenhum”, conta o guia Andrews Mohr, 24 anos, que desde os 16 anos acompanha turistas em passeios pelo parque. Outros mamíferos encontrados nas imediações dos cânions são o veado-campeiro, o bugio e a capivara. Há cerca de 150 espécies de aves. Destacam-se a gralha- azul e o papagaio-de-peito-roxo.

Convém reservar pelo menos dois dias para visitar os parques e cânions com calma. É bom dedicar um tempo para a contemplação, para se sentar e observar as rochas, a mata nebular – caracterizada pela presença freqüente de nevoeiros –, as cachoeiras, os riachos, os pássaros. Igualmente importante: calce um tênis apropriado para caminhar por trilhas irregulares no mato; leve uma garrafa de água e, se quiser, um lanche.

O cânion Itaimbezinho é o único com infra-estrutura. O Parque Nacional Aparados da Serra, que abriga o cânion, foi ampliado em 1972 e estruturado para receber turistas nos anos 90. O local reabriu em 1998. Para chegar à entrada do parque, é preciso percorrer 18 quilômetros de uma estrada de piso irregular. No parque, há estrada asfaltada, estacionamento, banheiros, lanchonete e até algumas trilhas com piso de cimento ou lajota.

...Paisagem natural
À esquerda, visão panorâmica do Cânion Fortaleza. Nesta página, a partir da esquerda, em sentido horário: aviso no parque informa que o acesso em veículos é proibido; guia turístico aponta pegada de um veado-campeiro, nas margens do Arroio Segredo; e vista da Cachoeira do Tigre Preto, com cachoeira de 200 metros.

UMA EXPERIÊNCIA inusitada: na saída lateral do prédio que sedia a administração do parque há um círculo, com um ponto central. Basta se posicionar nele, em direção a um semicírculo, e falar. Ouve-se um eco no ouvido. É uma sensação estranha, como se alguém estivesse sussurrando as palavras que você acaba de pronunciar.

Logo à frente, começa a Trilha do Vértice, com cerca de 1.400 metros (ida e volta). Pelo caminho o visitante conhece a vassoura – vegetação rasteira típica da região – e não demora a alcançar os mirantes do Itaimbezinho, cânion com extensão de 5,8 quilômetros e uma profundidade de 700 metros. A trilha permite ver as cascatas Véu da Noiva e Andorinhas.

Preste atenção quando entrar na mata nebular. Em geral, ela se desenvolve nas proximidades dos penhascos. O fenômeno da viração – uma densa neblina que se forma especialmente no verão, devido ao choque de correntes de ar frio e quente – produz muita umidade e faz crescer a vegetação. Musgos, orquídeas e pequenos arbustos crescem não apenas no solo, mas também em árvores e troncos caídos.

Várias trilhas no interior da mata são oferecidas. A Trilha do Cotovelo, com 6,3 mil metros (ida e volta), leva o visitante a ficar de frente para os enormes paredões que marcam a divisa entre o Rio Grande do Sul (a parte superior) e Santa Catarina (o vale abaixo). Existe ainda a Trilha do Rio do Boi. Com mais de oito quilômetros (ida e volta), ela leva o visitante a percorrer a parte inferior do cânion. Dura de cinco a sete horas, tem um grau de dificuldade grande e requer a presença de um guia especializado.

Visitar o Cânion Fortaleza é uma experiência e tanto. Diferentemente do seu vizinho, o cânion Itaimbezinho, o local não oferece nenhuma infra-estrutura de apoio ao visitante. Apenas um banheiro na entrada do parque, onde dois guardas fazem o controle dos turistas, anotando as placas dos carros e o número de passageiros. Mas o cânion, com 7,5 quilômetros de extensão, impressiona mais. Talvez por isso, receba cada vez mais turistas: só em 2006, 29 mil o visitaram.

DISTANTE 22 quilômetros de Cambará do Sul, o Cânion Fortaleza é a principal atração do Parque Nacional da Serra Geral, criado em 1992, com 17 mil hectares. O parque é, na verdade, uma extensão do Aparados da Serra, ampliando a área protegida nos lados sul e norte. “O Aparados ocupava uma área pequena para proteger as belezas da região. Fez-se, então, um segundo parque, porque era mais fácil criar um novo espaço do que ampliar o Aparados”, diz Kempers.

Explorar o Fortaleza exige fôlego. Se há alguns anos era possível dirigir até a beira do penhasco, agora é preciso caminhar cerca de 500 metros até chegar lá. É só o começo. Depois de apreciar o Pico Fortaleza de frente, é hora de se dirigir até o topo, pela trilha do Mirante. A caminhada, num terreno em aclive, leva o visitante a ver o cânion de um lado e, se o tempo for bom, os litorais catarinense e gaúcho do outro. Uma dica: vale a pena sentar numa pedra e apreciar a vista panorâmica do cânion.

Há um segundo passeio no Fortaleza: o da trilha que leva à Pedra do Segredo. É preciso retornar cerca de dois quilômetros de carro. Uma placa no lado direito de quem está retornando indica o início da trilha. A primeira atração é o Arroio do Segredo, com águas límpidas. Margeando o arroio, chega-se à Cachoeira do Tigre Preto. O visitante passa sobre ela e, após contornar uma pedra, fica a poucos metros da queda d’água.

Avançando, chega-se a um mirante improvisado, com vista frontal da cachoeira, localizada na “garganta” do Fortaleza. No total, a água despenca de pelo menos 200 metros de altura. Seguindo a trilha, o visitante alcança a Pedra do Segredo, uma rocha com peso estimado em 30 toneladas que se sustenta em uma base de 50 centímetros. É uma maravilha da natureza esculpida pelo vento e pela água por milhões de anos. Depois, é voltar pela trilha e registrar, com o olhar, as últimas lembranças do cânion que se estende no lado esquerdo, com os seus paredões e a mata verde e densa em seu interior.

... Desafio à natureza
No sentido horário, a Cascata da Andorinha é uma das atrações do Cânion Itaimbezinho. Em um intrigante e curioso desafio à natureza, araucárias – pinheiros bastante abundantes na região – crescem a poucos metros dos penhascos do Cânion Itaimbezinho; a funcionária do Ibama mostra a maquete do parque, feita por alunos da Universidade Federal do Paraná; e uma bromélia que cresce no tronco de uma árvore, numa harmoniosa convivência.

Vestígio da separação

Os cânions dos parques nacionais Aparados da Serra e da Serra Geral se formaram entre 130 e 135 milhões de anos atrás. “Quando a África e a América do Sul se separaram, houve uma grande fratura, que é hoje o Oceano Atlântico, e fraturas secundárias. Essas secundárias são os cânions”, afirma o professor de geologia Roberto Cunha, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

As fraturas, no início, se estendiam por grande parte da costa brasileira, mas o tempo e a erosão trataram de lapidar a paisagem. Os cânions localizados na divisa do Rio Grande do Sul e Santa Catarina resistiram ao tempo e permanecem como um vestígio da separação dos continentes.

Os dois parques abrigam vários cânions. O Parque Nacional Aparados da Serra abriga, além do Itaimbezinho, o Faxinalzinho. O da Serra Geral conta, fora o Fortaleza, com os cânions Malacara (3,5 quilômetros de extensão e profundidade média de 780 metros), Churriado (paredões de até 700 metros), Corujão e Rio-Leão (ambos com dois quilômetros de extensão e 1.000 metros de altura).

SERVIÇO

Como chegar – Cambará do Sul fica a uns 200 km de Porto Alegre (segue-se em direção a Novo Hamburgo, Taquara, São Francisco de Paula, Tainhas e Cambará do Sul) e a 130 km de Caxias do Sul (pela RST 453, ou Rota do Sol, até Tainhas, e depois Cambará). No centro de Cambará, é fácil se localizar. Há placas indicando o caminho. Para ir ao Itaimbezinho, dobra-se à direita logo depois da igreja. Para o Fortaleza, é só seguir reto.

Visitação – O Itaimbezinho funciona de quarta-feira a domingo, das 9h às 17h. O Fortaleza abre diariamente, das 8h às 17h. O Itaimbezinho é pago. O ingresso custa R$ 6 por pessoa (crianças até sete anos não pagam) e o estacionamento para carro pequeno, R$ 5. No Fortaleza, o acesso é livre.

Dica de viagem – Para aproveitar melhor o passeio, é interessante contratar um guia. Há uma associação de guias que funciona no Centro de Informações Turísticas, no centro de Cambará do Sul. Tel.: (54) 3251-1320.

Na Internet – O site www.cambara online.com.br traz informações detalhadas sobre os parques nacionais, pousadas e outros atrativos turísticos da cidade de Cambará do Sul.

Revista Planeta

Groelândia

País emergente, graças ao aquecimento global


Por Luis Pellegrini / Maíra Lie Chao

Trenó puxado por cães husky no fiorde Kangia. Esse tipo de transporte é comum na Groenlândia.

Do Glaciar de Jakobshavn, em Ilulissat, ainda surgem icebergs maiores que os superpetroleiros ancorados na Baía Disko. Mas o ar polar que todos os anos varria o território groenlandês, vindo do norte para o sul, e respondia por sua fama de lugar gélido, não tem mais aparecido. O clima está cada vez menos frio na Groenlândia, e a multimilenar camada de gelo que a recobria está derretendo em ritmo acelerado, fazendo aparecer áreas de terra cada vez mais extensas. Isso é visível a olho nu.

A Groenlândia é a maior e mais setentrional ilha do mundo. Há alguns anos, era habitada por uns poucos milhares de pessoas. Com uma área total de 2.166.086 quilômetros quadrados, é hoje o lar de uma população de 56,3 mil habitantes. O clima é frio no inverno (40°C negativos), mas no verão, na parte sul da ilha, atinge facilmente os 15°C. Novos imigrantes chegam a cada dia. Foi lá que nasceu e cresceu Aleqa Hammond, groenlandesa legítima, filha de uma família de caçadores.

Além de ministra das Relações Exteriores da Groenlândia, agora ela também é uma das líderes de um movimento cada vez mais forte pela independência da ilha. Dominada durante séculos pela Noruega, a Groenlândia ainda é uma província da Dinamarca. Mas já possui governo próprio. Antes, era considerada economicamente fraca para se auto-sustentar. Mas esse quadro está mudando.

A independência econômica da Groenlândia logo acontecerá. Para sobreviver, a ilha recebe R$ 1,3 bilhão anualmente do governo de Copenhague. Com a exploração dos minerais existentes embaixo da camada de gelo, a dependência financeira acabará como num passe de mágica. As negociações já começaram. A ilha discute um acordo com nove multinacionais que querem licença para explorar petróleo na região. Além disso, está cheia de prospectores de minério em busca de um novo Eldorado.

Foto: Eric Baccega/Age Fotostock/Keystone
No Aeroporto Kangerlussuak, um poste de informações mostra as distâncias entre a capital, Nuuk, e outros lugares do mundo.

A Alcoa, empresa norte-americana de extração de metais, já assinou um memorando de entendimento. A implantação dessa siderúrgica poderá empregar mais de três mil pessoas, um décimo de toda a força de trabalho groenlandesa. Em Ilulissat, os pescadores batem recordes de pesca do linguadogigante. Para completar, o número de turistas aumenta a cada ano, contribuindo para a receita do país.

O Ártico, onde se situa a Groenlândia, tem sido palco de um crescente jogo de interesses das grandes potências. A possível exploração de minérios na região e a Passagem do Noroeste - rota marítima que encurta o caminho entre a Europa e a Ásia, recémaberta com o derretimento do gelo da calota polar - já despertou o interesse de diversos países na região. O Canadá e a Noruega querem estabelecer acordos para reivindicar sua autonomia no Ártico.

A Rússia já enviou um submarino para cravar uma bandeira de titânio no solo submerso do norte magnético. Os Estados Unidos não ficam atrás e querem ratificar a Lei da Convenção dos Mares, das Nações Unidas, para reivindicar seus interesses em relação ao Pólo Norte. A tensão entre Moscou e Washington espalha o temor de uma nova militarização do Ártico.

Derretimento do gelo pode elevar o nível do mar
O nível dos oceanos pode aumentar sete metros se a calota polar da Groenlândia derreter inteiramente devido ao aquecimento global. Os gelos da Groenlândia, segunda reserva de água doce congelada do mundo, depois da Antártida, derretem mais rapidamente na costa, embora até agora tenham se mantido intactos no centro da calota polar, informa Garry Clarke, professor da Universidade da Colúmbia Britânica. Em sua avaliação, o aquecimento global poderá gerar um derretimento maior do que o que já foi registrado na região até agora.

"Isso poderia se traduzir no desaparecimento total da calota polar da Groenlândia", diz Clarke. Ainda não se sabe quando isso ocorrerá, mas o processo já está em andamento. Os especialistas consideram que o derretimento total do gelo da Groenlândia teria conseqüências catastróficas para as regiões costeiras e algumas ilhas oceânicas.

As conseqüências da última corrida armamentista ainda estão frescas na memória dos groenlandeses. A base aérea dos Estados Unidos em Thule, no noroeste da Groenlândia, foi estabelecida durante a Segunda Guerra Mundial e se tornou um posto estratégico para o armamento nuclear do país durante a Guerra Fria. Em 1968, um bombardeiro norte-americano B-52, carregado com bombas atômicas, caiu na região. Uma das suas bombas nunca foi encontrada. Acredita-se que esteja até hoje no fundo do mar. Mas sua radiação provocou conseqüências gravíssimas para a população inuit - esquimós nativos do Ártico. Parte deles não consegue ter filhos.

A multimilenar camada de gelo que recobre a GROENLÂNDIA está se derretendo a vista d'olhos. É o aquecimento GLOBAL
Barco cruza a Baía Disco, em meio a enormes icebergs.Nuuk, capital da Groenlândia. As casas são pintadas com cores fortes, dando algum colorido à paisagem.
No verão, no sul da ilha, áreas outrora cobertas pelo gelo hoje oferecem pastagens. Graças ao aquecimento global, há cada vez mais árvores na Groenlândia.

Outros fatores, no entanto, ameaçam a Groenlândia tradicional. As mudanças que ocorrem no local têm gerado tensão social. Na capital, Nuuk, moram pouco mais de 15 mil pessoas, mas seus problemas são os mesmos de qualquer cidade grande. Alcoolismo, desemprego e suicídio constroem um cenário urbano depressivo. Além disso, muito se debate sobre a possível perda de identidade nacional devido à crescente entrada de estrangeiros na ilha. Rapidamente, os groenlandeses legítimos poderão ser minoria em seu próprio país.

Foto: Superstock/Keystone
Zona arqueológica de L'Anse aux Meadows, no Labrador (Canadá), com construção deixada pelos antigos vikings. Séculos antes de Colombo, eles partiram da Groenlândia em canoas para alcançar as costas dos atuais Canadá e Estados Unidos.

Foto: Martin Rugner/Pixtal/Keystone

Nesse cenário que em muitos aspectos se assemelha à corrida ao ouro dos velhos tempos do faroeste norte-americano, as primeiras vítimas das conseqüências ruins do aquecimento global na Groenlândia parecem ser os inuits. Aqqaluk Lynge, renomado poeta e político inuit, e um dos principais representantes do seu povo no governo groenlandês, já lançou o alerta: "Muitosanimais desapareceram, outros apareceram, os mares e gelos mudaram, as correntes marítimas se alteraram. Nosso mundo, como o conhecíamos, está chegando ao fim."

A vida em condições extremas
A Groenlândia (em groenlandês, Kalaallit Nunaat, que significa "a nossa terra") é uma região autônoma dinamarquesa que ocupa a ilha do mesmo nome e ilhas adjacentes, ao largo do litoral nordeste da América do Norte. As suas costas dão, ao norte, para o Oceano Glacial Ártico, a leste, para o Mar da Groenlândia, a leste e sul, para o Oceano Atlântico e, a oeste, para o Mar do Labrador e a Baía de Baffin.

A história da Groenlândia é a da vida sob as extremas condições árticas: uma capa de gelo cobre 84% do território da ilha, restringindo a atividade humana às costas. A Groenlândia era desconhecida da Europa até o século 10, quando foi descoberta por vikings islandeses. Antes desse "descobrimento", a ilha havia sido ocupada por povos árticos, embora estivesse desabitada quando da chegada dos vikings: os ancestrais diretos dos modernos iInuits (anteriormente chamados esquimós) só chegaram à ilha ao redor do ano 1200. Os inuits foram o único povo que habitou a ilha durante séculos, mas, lembrando a colonização viking, a Dinamarca reclamou a soberania sobre o território e o colonizou a partir do século 18. Obteve, assim, privilégios, tais como o monopólio comercial.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Groenlândia se separou de fato, tanto social como economicamente, da Dinamarca, aproximando-se mais dos Estados Unidos e do Canadá. Depois da guerra, o controle da ilha voltou à Dinamarca, retirando-se seu status colonial. Embora a Groenlândia continue sendo parte do Reino da Dinamarca, é autônoma desde 1979. A ilha possui o status de Estado associado à União Européia.

A pesca domina a economia do território. A caça à foca marca a vida dos habitantes do norte. A descoberta de petróleo, zinco e ouro, em 1994, promete mudar a economia, ainda bastante dependente da Dinamarca, que também responde por sua defesa e relações externas.

Revista Planeta

Antigua A capital dos vulcões

Antigua, na Guatemala, foi, desde 1543, a capital do império espanhol nas Américas. Quase totalmente destruída por terremotos em 1773, a cidade permanece hoje um solo mágico que preserva um enorme número de tesouros da época colonial


Texto e fotos: Heitor Reali e Silvia Reali

Nas ruas do centro histórico de Antigua, basta um pouco de imaginação para se ver os nobres da corte espanhola e as famílias tradicionais que, nos anos da colônia, por ela desfilavam. A primeira capital do império espanhol nas Américas era um centro elegante e refinado, feito para refletir o poder e a riqueza da coroa hispana no Novo Mundo.

A prosperidade de Antigua durou até 1773, quando terremotos quase a destruíram, fazendo com que a maioria de seus habitantes se mudasse e provocando a decisão do rei de transferir a capital para uma zona mais segura, o Vale de Ermita, onde hoje se localiza a moderna capital do país, a Cidade da Guatemala.

PRATICAMENTE abandonada, Antigua resistiu por longos anos. Aos poucos foi sendo restaurada e hoje é um dos mais importantes monumentos históricos e culturais do período colonial da América Central. Deve, porém, parte de seu atual charme ao antigo isolamento. Afinal, foi ele que contribuiu para a preservação de seu rico passado. A cidade é cheia de tesouros ainda intactos e protegidos pela Unesco.

Tudo em Antigua possui cores vibrantes, como se os habitantes quisessem dizer aosDEUSES DOS VULCÕES que desejam manter com eles essa convivência pacífica

Não sem razão. Muitos de seus monumentos e edificações testemunham a cultura e os costumes das sociedades que ali viveram. Na praça central de Antigua e ao redor dela, por exemplo, parece que os moradores souberam domar o tempo. Tudo ali remete ao passado: as ruas de pedra, os palacetes com arcadas e colunatas e os templos com pórticos entalhados. Essas jóias arquitetônicas contrastam com o despojamento das casas coloniais de desenhos simples, porém pintadas em cores vibrantes, com predomínio do laranja e do terracota.

Por testemunhar o encontro do passado com a correria dos tempos modernos, a região central da cidade é um espetáculo imperdível. Num vaivém constante, mulheres atarefadas equilibram pañuelos – espécie de turbante multicolorido – à cabeça, sempre vestidas com o traje huipil. Vestimenta por excelência dos maias – que constituem hoje cerca de 80% da população guatemalteca –, o huipil é quase um símbolo do país e uma espécie de código de reconhecimento. Cada tribo maia mostra os seus signos bordados nessas roupas, em arabescos, grafismos, animais ou flores. Mas o sentido disso vai além: essas roupas mantêm uma ligação com os deuses antigos e os espíritos dos ancestrais.

VENDEDORES DE RUA, os chiringuitos, cozinham em um fogão improvisado ostamales, pequenas panquecas de farinha de milho que espalham no ar um delicioso aroma. Velhos ônibus também entram na dança das cores. Comprados dos Estados Unidos onde transportavam escolares, foram repintados com as cores vivas da Guatemala e receberam um bagageiro reforçado no teto – os maias costumam viajar com muita bagagem.

Três vulcões – Água, Acatenango e Fogo – rodeiam a cidade, também conhecida como a “Pompéia das Américas”, em alusão à cidade romana soterrada pelo vulcão Vesúvio em 79 d.C. Fogo está sempre coroado com uma fumarola para alertar que está somente hibernando. Água possui um lago dentro da sua cratera. Acatenango está dormindo, mas pode acordar a qualquer hora.

Diferentes tipos de artesanato criados pelos guatemaltecos; rua típica do centro da cidade

Nas casas, nos adereços, nas roupas das pessoas, tudo em Antigua tem cores vibrantes, como os se habitantes quisessem dizer aos deuses dos vulcões que estão vivos e que desejam manter com eles essa convivência pacífica. Precauções espirituais de quem sabe que a cidade já foi abalada por terremotos e teme rompantes, sobretudo os do vulcão Fogo. Alguns historiadores crêem que foi de seu nome no idioma maia – Quhatezmalha – que derivou o nome do país, Guatemala.

Os espanhóis iniciaram a conquista do território de Sacatepéquez, onde se encontra Antigua, a partir de 1523. O povo local, enfraquecido por constantes disputas e guerras tribais, foi facilmente dominado. Na região de Cakchiquel, a cidade de Iximché foi rebatizada pelos colonizadores como La muy noble y muy Leal Ciudad de Santiago de los Caballeros de Guatemala, ou simplesmente La Antigua Guatemala.

Seus habitantes falavam o caqchikel, um dos mais de 30 dialetos maias existentes, que incluem também o quiche, o man, o kekchi e o pocoman. Os nomes maias são musicais, e os historiadores explicam que o idioma é falado com “barulhos e estalos” da boca e da língua, o que os lingüistas chamam de “consoante ejetiva”, um som produzido na glote. Trata-se também de um idioma tonal, no qual a entonação da palavra varia seu significado.

O Arco de Santa Catalina, um dos locais mais fotografados da Guatemala; mulheres nativas

DEPOIS DE DOMINADOS, os nativos tornaram-se súditos da coroa espanhola. Assim nasceu Antigua, uma cidade que foi criada para ser a capital do império espanhol no Novo Mundo, em 1543. Os conquistadores embelezaram a cidade a partir da Plaza Mayor, segundo o traçado de parrilla – em quadrados, o mesmo usado na Espanha. Ao redor da praça situa-se o Palácio dos Capitães Generais. Com fachada de duplos arcos, ele abrigava o representante do rei.

Nas imediações da praça também situa- se o Palácio da Câmara Municipal, edificado em dois níveis de arcos em pedra maciça, e a Catedral, que posteriormente recebeu o título de Metropolitana, outorgado pelo papa Bento 14. Reconstruída várias vezes depois dos terremotos, ela tem a fachada esculpida com ricos entalhes, colunas, pilares e nichos que abrigam santos.

Os conventos e as igrejas de Antigua dão uma mostra da riqueza das ordens religiosas espanholas em território guatemalteco. A Igreja de La Merced é o melhor exemplo da fusão da arquitetura religiosa espanhola com os elementos maias. Isso pode ser visto no delicado trabalho em ataurique (técnica de relevo em gesso) com motivos geométricos, arabescos e frutas. Em seu interior existe ainda uma imagem de Jesus cujo olhar expressivo é bem ao gosto das esculturas coloniais. Uma das mais suntuosas igrejas locais, a de São Francisco, na calle dos Passos, abriga os restos mortais do beato Hermano Pedro de Bethancourt, venerado pelos católicos da América Central.

O vulcão Fogo, cuja fumarola é um constante sinal de alerta à população

O CONVENTO DE Santa Catalina Mártir abrigava religiosas que viviam reclusas. Com o crescimento da cidade, em 1694, foi construída uma passagem sobre a rua para que as freiras chegassem aos jardins e à horta sem serem vistas pelos transeuntes. Hoje, o Arco de Santa Catalina é um dos locais mais fotografados de Antigua.

Construído nos primeiros anos do século 18, o Convento de Santa Clara tem uma fachada simples, que contrasta com a ornamentação do interior. Isso porque as freiras clarissas jamais podiam sair às ruas. Uma galeria com arcos duplos circunda o claustro em tons de ocre-rosado. No centro, há uma fonte em forma de mandala e a intrigante escultura de uma sereia alada.

Quase todas as edificações de Antigua têm paredes largas, colunas, pilares e arcos. Sobretudo, são muito resistentes aos freqüentes sismos que assolam a região. Alguns palácios e casarões hoje sediam museus, como o do Livro, o de Arte Colonial, o de Santiago (abriga uma coleção de armas antigas) e o de Jade. Encontrado em mais de 30 tons de verde, o jade da Guatemala também pode ser rosa ou lilás. Uma curiosidade: o jade era tido como sinal máximo de riqueza.

Um dos ônibus comprados dos Estados Unidos espelha a paixão pelas cores dos guatemaltecos; e loja com produtos tîpicos do país. Os tamales, panquecas de farinha de milho vendidas nas ruas da cidade. Vistas panorâmicas mostram o estilo arquitetônico dos interiores e das fachada das casas da Guatemala.

Os dois mercados da cidade não deixam esquecer que os maias eram comerciantes afamados. No mercado de frutas e vegetais se encontram diferentes qualidades de milho, queijos e doces. Já o Mercado de Artesanato encanta o visitante pelas peças produzidas pelos artesãos: máscaras, objetos entalhados em madeira ou moldados em argila, tecidos feitos em teares manuais e tingidos com pigmentos naturais. Ali estão também cópias das antigas máscaras maias de jade. Outras máscaras retratam os espanhóis: possuem olhos azuis e pele cor-de-rosa. Há também máscaras coloridas com caras de animais, para serem utilizadas nos ritos da religião tradicional dos maias.

ASSIM É A VIDA dos maias e dos descendentes dos espanhóis em Antigua. Vida que flutua numa realidade ancestral, alheia ao contemporâneo. Uma ancestralidade que se reflete em tudo, principalmente nos cultos nativos. Mas esses cultos, de origem pagã, misturam- se às liturgias do catolicismo. Exemplo disso são as celebrações da Semana Santa. Nas procissões, vestidos de roxo (símbolo da penitência), os devotos carregam cruzes e imagens de santos e caminham sobre tapetes de flores que formam desenhos de símbolos cristãos. Ao mesmo tempo, carregam frutas, comidas e bebidas, velas e incensos, que serão doados nas portas e nas laterais das igrejas em oferenda aos antepassados. Tudo sob as vistas tolerantes do clero católico.

Todos estão envoltos pelo aroma do copal, queimado em incensos nas ruas e dentro das igrejas. Essa resina é extraída de várias árvores, como o quauchichiantic, e usada para fins medicinais, religiosos e mágicos. Durante as missas, o copal é queimado em cones para apaziguar os deuses. Na Guatemala, tudo é sincretismo.

Revista Planeta

sábado, 11 de dezembro de 2010

Do campo à mesa - Nanotecnologia é utilizada para produzir filmes comestíveis e fertilizantes

Dinorah Ereno

© EDUARDO CESAR
Embalagem comestível de goiaba e quitosana

Frutas, plantas e resíduos da agricultura, quando trabalhados em escala nanométrica, têm mostrado grande potencial para serem usados em filmes comestíveis para proteção de vegetais, plásticos reforçados e biodegradáveis, fertilizantes e até mesmo na degradação de pesticidas. O universo que se descortina para a nanotecnologia aplicada à alimentação e à agricultura é muito vasto. No Brasil, grupos de pesquisa têm conseguido resultados bastante promissores, alguns com aplicação imediata, como um biofilme com nanopartículas de prata – estruturas com diâmetro na faixa de 10 a 40 nanômetros – sintetizadas a partir do extrato de uma planta regional indiana (Ocimum sanctum) e nitrato de prata, desenvolvido no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com pesquisadores da Universidade Amravati, na Índia. A mistura do polímero obtido a partir de um vegetal e das nanopartículas de prata resulta em uma solução na qual são imersas as frutas que precisam ser protegidas para prolongar o tempo de prateleira.

Após a imersão no líquido, elas ficam recobertas por um filme fino, que funciona como uma barreira de proteção ao reduzir a quantidade de oxigênio que entra e a de gás carbônico que sai, o que evita a perda de água. Quando a fruta é lavada em água corrente, o biofilme é totalmente eliminado. “É uma plataforma excelente para proteção de frutas e vegetais transportados por longos períodos em climas tropicais como a Índia e o Brasil”, diz o professor Nelson Durán, da Unicamp, coordenador da pesquisa, que no Brasil teve a colaboração do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC, em Santo André.

O biofilme foi testado em algumas frutas, entre elas a goiaba. Entre os itens avaliados estavam perda de peso, de proteínas e infecção bacteriana. “A fruta protegida não perdeu quase nada de peso e de proteínas e não teve infecção durante os 15 dias de estudo”, diz Durán. Ela amadureceu, mas não apodreceu. Conhecidas por suas propriedades bactericidas, as nanopartículas de prata utilizadas na composição do biofilme foram obtidas por síntese biológica, enquanto as comerciais são químicas ou obtidas por processos físicos. “O biopolímero usado é comestível e não tóxico e foi aprovado pela Food and Drug Administration, órgão governamental norte-americano de regulação de alimentos e medicamentos, e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, diz Durán.

As nanopartículas de prata biogênicas foram testadas pelos pesquisadores tanto em relação à citotoxicidade in vitro e à toxicidade in vivo, em ensaios com animais, como em relação à penetrabilidade em tecidos humanos. “Nas concentrações usadas elas não penetram na pele e não são tóxicas.” A pesquisa em parceria com os pesquisadores indianos faz parte de uma colaboração binacional aprovada em 2008 e iniciada em 2009, como parte de um projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) envolvendo pesquisas com nanopartículas de prata geradas por fungos, bactérias e plantas.

Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também trabalham no desenvolvimento de filmes para revestimento baseados em frutas tropicais, resíduos do processamento do algodão e do coco, quitosana e outras matérias-primas. Um dos filmes desenvolvidos pela pesquisadora Henriette Azeredo, da Embrapa Agroindústria Tropical, de Fortaleza, no Ceará, tem como base a polpa de manga com a adição de nanofibras de celulose obtidas da fibra do algodão. “O componente mais resistente da fibra vegetal e da própria madeira é a celulose”, diz o pesquisador Luiz Henrique Mattoso, chefe-geral da Embrapa Instrumentação Agropecuária, de São Carlos, no interior paulista. No estudo Henriette testou a adição de nanofibras de celulose em várias concentrações, com o máximo de 36%, para avaliar o comportamento dos filmes. “Com cerca de 10%, os resultados já foram muito bons”, diz a pesquisadora, que fez a pesquisa durante seu pós-doutorado no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, encerrado em 2008, como parte de um convênio com a Embrapa. Os filmes de polpa de manga que receberam a adição de nanofibras apresentaram melhor resistência mecânica, melhor barreira à umidade e melhor estabilidade térmica. “A tecnologia ainda não pode ser aplicada porque não se conhecem os possíveis efeitos adversos que as nanofibras, ainda que de celulose, possam ter sobre o organismo humano”, diz. Por isso, um outro projeto, conduzido pela pesquisadora Morsyleide Rosa, também da Embrapa Agroindústria Tropical, tem como objetivo fazer a análise toxicológica do novo material.

A regulamentação do uso da agronanotecnologia é uma discussão que vem sendo feita há alguns anos em vários países do mundo. Na Europa, por exemplo, já foram realizadas cinco conferências para tratar do assunto, a última delas em novembro de 2009. Durante a Conferência Internacional para Aplicação das Nanotecnologias na Alimentação e Agricultura, realizada em junho em São Pedro, no interior paulista, o pesquisador Steven Robert, do Instituto para a Política Agrícola e Comercial dos Estados Unidos, destacou três abordagens que devem ser consideradas na questão da regulação do uso da agronanotecnologia. A primeira depende da orientação voluntária do governo e da apresentação voluntária de dados de produtos da nanotecnologia para regulamentação das agências, a segunda refere-se à submissão obrigatória dos produtos desenvolvidos pela indústria aos órgãos reguladores e a terceira, mais radical, propõe a suspensão e não aprovação de comercialização dos produtos até haver dados suficientemente revisados para realizar as avaliações de riscos necessárias a um marco regulatório apropriado.

© TINA WILLIAMS / DEPARTAMENTO DE AGRICULTURA DOS ESTADOS UNIDOS
Nanofibras feitas com resíduos do coco

Morsyleide trabalha ainda com resíduos de indústrias regionais – como do coco-verde e algodão – para obtenção de nanofibras de celulose de várias fontes. “Outra matéria-prima interessante para obtenção de nanocelulose é a torta que sobra da prensagem da palma para obtenção do biocombustível de dendê”, diz. O pseudocaule da bananeira, com alto teor de celulose, também apresentou resultados bastante promissores para a produção de filmes nanocompósitos que podem ser usados em embalagens e em outras aplicações. Uma das linhas de pesquisa é coordenada pelo pesquisador José Manoel Marconcini, da Embrapa Instrumentação Agropecuá­ria, que mistura plásticos com fibras vegetais ou com nanossílicas extraídas da casca do arroz, para aumentar a resistência mecânica dos plásticos tanto convencionais como reciclados. Resultados preliminares apontam que esses materiais nanoestruturados mudam as propriedades ópticas e melhoram as propriedades mecânicas dos materiais. “No caso da celulose, a região cristalina apresenta resistência mecânica e elasticidade semelhantes às fibras de Kevlar, material mais forte que o aço”, diz Marconcini. “É uma tecnologia que o mundo inteiro está tentando dominar.” O Canadá saiu na frente. Em julho, a empresa canadense Domtar e o instituto de pesquisas FPInnovations lançaram um projeto para construir uma fábrica só para produção de celulose nanocristalina, com previsão de produção de uma tonelada por dia.

Marconcini também trabalha com plásticos biodegradáveis reforçados com fibras de nanocelulose que podem ser empregados em tubetes usados na produção de mudas, em filmes para proteção de plantações ou mesmo para repelir insetos da lavoura com o uso de feromônios. Para essa aplicação, basta amarrar uma fita de um plástico biodegradável na plantação para que ela libere as substâncias desejadas no ambiente. Na Universidade de Marburg, na Alemanha, por exemplo, os pesquisadores estão testando no campo um protótipo feito com fios nanométricos a partir de plásticos biodegradáveis. Esses fios foram fabricados por um processo conhecido como eletrofiação, baseado na aplicação de corrente elétrica. O protótipo, que é parecido com uma teia de aranha em miniatura, ao ser colocado no solo vai liberando os princípios ativos selecionados e com o tempo se desmancha.

Desde 2006, a Embrapa coordena a Rede de Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio, que tem sede na unidade de São Carlos e conta com a participação de 150 pesquisadores de 53 instituições, sendo 14 vinculados a centros de pesquisa e 39 a universidades. No ano passado, foi lançado o Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio, um investimento de mais de R$ 10 milhões, mantido com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e FAPESP. As linhas de pesquisa englobam desde nanobiossensores e sensores eletroquímicos para monitorar processos e produtos agropecuários, nanofilmes comestíveis, produção de fertilizantes, pesticidas e fármacos para animais. Pesquisadores da Embrapa Gado de Corte, de Campo Grande (MS), e da Instrumentação Agropecuária em colaboração com a Universidade de São Paulo em São Carlos estão trabalhando em nanobiossensores para detecção de patógenos em animais, como febre aftosa e outros vírus, que causam grandes prejuízos aos produtores.

Outra nanotecnologia para aplicação direta no campo é a de fertilizantes encapsulados em zeólitas, um grupo de minerais que possui cavidades nanométricas em sua estrutura porosa. “Quando o fertilizante é colocado no solo, a liberação é feita gradualmente”, diz Marconcini. O objetivo do projeto, coordenado pelo pesquisador Alberto Bernardi, da Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos, é melhorar a dispersão e a absorção de nutrientes pelas plantas. Uma nova fronteira de pesquisa é o uso de nanocompósitos baseados nesses materiais para liberação controlada de fertilizantes, projeto coordenado pelo pesquisador Cauê Ribeiro, da Embrapa Instrumentação Agropecuária, em colaboração com a Pecuária Sudeste. “Ainda não existe um produto no mercado para fertilização tanto do solo como das folhas”, diz Marconcini. Na área de adubos foliares, a tendência aponta para as nanoemulsões. “Como o tamanho da gota é menor, utiliza-se menos quantidade de princípio ativo”, relata Mattoso.

As mesmas nanoestruturas são utilizadas em pesticidas que já se encontram no mercado. “Uma garrafinha de um litro substitui um tambor de 20 litros de veneno”, compara Marconcini. A nanotecnologia também tem sido utilizada para degradação de pesticidas convencionais. Uma das tecnologias em estudo na Embrapa é o uso de catalisadores feitos à base de óxidos de titânio e estanho em tamanho nanométrico, em conjunto com a luz ultravioleta, para quebrar mais rapidamente as moléculas dos pesticidas presentes na água.

Artigos científicos

1. DURÁN, N.; MARCATO, P.D. et al. Potential use of silver nanoparticles on pathogenic bacteria, their toxicity and possible mechanisms of action. Journal of the Brazilian Chemical Society. v. 21, p. 949-59. 2010.
2. AZEREDO, H.M.C; MATTOSO, L.H.C. et al. Nanocomposite edible films from mango puree reinforced with cellulose nanofibers. Journal of Food Science. v. 74, n.5, p. 31-35. 2009.

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Quente e imprevisível
© MARLITH / WIKIMEDIA COMMONS
Pacífico: águas quentes longe do Equador

Quem já nadou no Pacífico talvez veja com bons olhos o possível aquecimento de suas águas em consequência de mudanças no clima do planeta. Mas pode não ser tão bom assim. Simulações coordenadas por Emanuele Di Lorenzo, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, indicaram que as alterações de temperatura na superfície do Pacífico central típicas do El Niño causam mudanças na circulação atmosférica, que, por sua vez, aumentam as flutuações climáticas com ciclos de 20 a 30 anos, conhecidas como Oscilação Decenal do Pacífico (Nature Geoscience). Ambos os efeitos são caracterizados por um aquecimento no Pacífico central que se estende para a costa oeste dos Estados Unidos e o resfriamento na porção norte do oceano. As mudanças do clima em curso devem tornar mais imprevisíveis essas flutuações, aumentando as oscilações de temperatura no Pacífico. Os efeitos, os autores preveem, deverão ser sentidos em aspectos físicos e biológicos.

Revista FAPESP

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