terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Cambará do sul travessia dos cânions gaúchos

De beleza indescritível, os cânions Itaimbezinho e Fortaleza são uma atração à parte da região de Cambará do Sul (RS). Originados entre 130 e 135 milhões de anos atrás, esses imensos penhascos foram sendo esculpidos com capricho pela natureza ao longo dos anos


Texto e fotos: Luiz Carlos Erbes

Imagens dos cânions Itaimbezinho e Fortaleza, na região de Cambará do Sul (RS), correm soltas pela Internet – uma pesquisa no Google Imagem mostra uma oferta de mais de 1,5 mil fotografias. Mas nenhuma delas revela a grandiosidade e a beleza reais desses penhascos. O tamanho gigante dos cânions torna difícil fotografá-los. Eles se originaram há cerca de 130 milhões de anos e foram esculpidos com capricho pelo tempo. Essas fotos também não mostram o rico ecossistema da região, protegido pelos dois parques nacionais onde os cânions se encontram, o Parque Aparados da Serra e o Parque da Serra Geral, ambos administrados pelo Ibama.

É preciso persistência para chegar lá. Até o pequeno centro urbano de Cambará do Sul, a viagem, por rodovias asfaltadas, é tranqüila. Depois, é preciso percorrer longos quilômetros de estradas de terra em estado precário até chegar aos parques nacionais. Os imensos paredões de rocha dos cânions assombram os turistas. Do ponto mais alto do Cânion Fortaleza, 1.157 metros acima do nível do mar, podem ser vistos penhascos de mais de 900 metros de altura, quase todos dentro do Parque Aparados da Serra.

Esse parque – criado em 1959, com área de 10.250 hectares e perímetro de 63 quilômetros – vive um curioso processo de renovação natural, sinal de que a natureza livre do seu maior predador, o homem, é capaz de se regenerar sozinha, sem que precisemos fazer nada. Pinheiros aparecem em todo canto no interior do parque. Há araucárias enormes, mas poucos exemplares são mais velhos do que o próprio parque.

“Quando o Aparados da Serra foi criado, quase não existiam pinheiros nele. Poucas árvores tinham resistido às madeireiras. No auge da exploração, havia nove serrarias na área do parque”, conta o analista ambiental Willem Andries Kempers. Ele conheceu os parques de Cambará do Sul em maio de 2006, quando trocou o calor da Estação Ecológica Jari, no Amapá, pelo frio da Serra Gaúcha.

Hoje, os parques se livraram da exploração e da depredação desenfreada, mas alguns problemas persistem. Parte da área é ocupada por propriedades particulares cujos donos ainda não foram devidamente indenizados pelo governo. É comum ver o gado pastando no interior dessas reservas. A não-desapropriação dificulta a preservação e é uma das causas dos incêndios que, nos períodos de seca, devastam setores dos parques. Apenas em 2006, entre 500 e 600 hectares foram queimados. Neste ano, um grupo de brigadistas se juntou aos funcionários do Ibama e permanece nos parques para combater os incêndios, comuns entre julho e dezembro.

Na área protegida – cerca de 30 mil hectares, somados os dois parques –, a vida animal silvestre prolifera, embora nem sempre visível ao turista. Há várias espécies em risco de extinção, como a onça-pintada, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira. A biodiversidade da região é grande. O leão-baio (Puma concolor, ou suçuarana) vive escondido nas matas. De hábitos noturnos, esse felino evita o homem.

A NÃO-DESAPROPRIAÇÃO prejudica a preservação e, na seca, é uma das causas dos INCÊNDIOS que devastam os parques

ACHO QUE O leão-baio já me viu, mas eu ainda não vi nenhum”, conta o guia Andrews Mohr, 24 anos, que desde os 16 anos acompanha turistas em passeios pelo parque. Outros mamíferos encontrados nas imediações dos cânions são o veado-campeiro, o bugio e a capivara. Há cerca de 150 espécies de aves. Destacam-se a gralha- azul e o papagaio-de-peito-roxo.

Convém reservar pelo menos dois dias para visitar os parques e cânions com calma. É bom dedicar um tempo para a contemplação, para se sentar e observar as rochas, a mata nebular – caracterizada pela presença freqüente de nevoeiros –, as cachoeiras, os riachos, os pássaros. Igualmente importante: calce um tênis apropriado para caminhar por trilhas irregulares no mato; leve uma garrafa de água e, se quiser, um lanche.

O cânion Itaimbezinho é o único com infra-estrutura. O Parque Nacional Aparados da Serra, que abriga o cânion, foi ampliado em 1972 e estruturado para receber turistas nos anos 90. O local reabriu em 1998. Para chegar à entrada do parque, é preciso percorrer 18 quilômetros de uma estrada de piso irregular. No parque, há estrada asfaltada, estacionamento, banheiros, lanchonete e até algumas trilhas com piso de cimento ou lajota.

...Paisagem natural
À esquerda, visão panorâmica do Cânion Fortaleza. Nesta página, a partir da esquerda, em sentido horário: aviso no parque informa que o acesso em veículos é proibido; guia turístico aponta pegada de um veado-campeiro, nas margens do Arroio Segredo; e vista da Cachoeira do Tigre Preto, com cachoeira de 200 metros.

UMA EXPERIÊNCIA inusitada: na saída lateral do prédio que sedia a administração do parque há um círculo, com um ponto central. Basta se posicionar nele, em direção a um semicírculo, e falar. Ouve-se um eco no ouvido. É uma sensação estranha, como se alguém estivesse sussurrando as palavras que você acaba de pronunciar.

Logo à frente, começa a Trilha do Vértice, com cerca de 1.400 metros (ida e volta). Pelo caminho o visitante conhece a vassoura – vegetação rasteira típica da região – e não demora a alcançar os mirantes do Itaimbezinho, cânion com extensão de 5,8 quilômetros e uma profundidade de 700 metros. A trilha permite ver as cascatas Véu da Noiva e Andorinhas.

Preste atenção quando entrar na mata nebular. Em geral, ela se desenvolve nas proximidades dos penhascos. O fenômeno da viração – uma densa neblina que se forma especialmente no verão, devido ao choque de correntes de ar frio e quente – produz muita umidade e faz crescer a vegetação. Musgos, orquídeas e pequenos arbustos crescem não apenas no solo, mas também em árvores e troncos caídos.

Várias trilhas no interior da mata são oferecidas. A Trilha do Cotovelo, com 6,3 mil metros (ida e volta), leva o visitante a ficar de frente para os enormes paredões que marcam a divisa entre o Rio Grande do Sul (a parte superior) e Santa Catarina (o vale abaixo). Existe ainda a Trilha do Rio do Boi. Com mais de oito quilômetros (ida e volta), ela leva o visitante a percorrer a parte inferior do cânion. Dura de cinco a sete horas, tem um grau de dificuldade grande e requer a presença de um guia especializado.

Visitar o Cânion Fortaleza é uma experiência e tanto. Diferentemente do seu vizinho, o cânion Itaimbezinho, o local não oferece nenhuma infra-estrutura de apoio ao visitante. Apenas um banheiro na entrada do parque, onde dois guardas fazem o controle dos turistas, anotando as placas dos carros e o número de passageiros. Mas o cânion, com 7,5 quilômetros de extensão, impressiona mais. Talvez por isso, receba cada vez mais turistas: só em 2006, 29 mil o visitaram.

DISTANTE 22 quilômetros de Cambará do Sul, o Cânion Fortaleza é a principal atração do Parque Nacional da Serra Geral, criado em 1992, com 17 mil hectares. O parque é, na verdade, uma extensão do Aparados da Serra, ampliando a área protegida nos lados sul e norte. “O Aparados ocupava uma área pequena para proteger as belezas da região. Fez-se, então, um segundo parque, porque era mais fácil criar um novo espaço do que ampliar o Aparados”, diz Kempers.

Explorar o Fortaleza exige fôlego. Se há alguns anos era possível dirigir até a beira do penhasco, agora é preciso caminhar cerca de 500 metros até chegar lá. É só o começo. Depois de apreciar o Pico Fortaleza de frente, é hora de se dirigir até o topo, pela trilha do Mirante. A caminhada, num terreno em aclive, leva o visitante a ver o cânion de um lado e, se o tempo for bom, os litorais catarinense e gaúcho do outro. Uma dica: vale a pena sentar numa pedra e apreciar a vista panorâmica do cânion.

Há um segundo passeio no Fortaleza: o da trilha que leva à Pedra do Segredo. É preciso retornar cerca de dois quilômetros de carro. Uma placa no lado direito de quem está retornando indica o início da trilha. A primeira atração é o Arroio do Segredo, com águas límpidas. Margeando o arroio, chega-se à Cachoeira do Tigre Preto. O visitante passa sobre ela e, após contornar uma pedra, fica a poucos metros da queda d’água.

Avançando, chega-se a um mirante improvisado, com vista frontal da cachoeira, localizada na “garganta” do Fortaleza. No total, a água despenca de pelo menos 200 metros de altura. Seguindo a trilha, o visitante alcança a Pedra do Segredo, uma rocha com peso estimado em 30 toneladas que se sustenta em uma base de 50 centímetros. É uma maravilha da natureza esculpida pelo vento e pela água por milhões de anos. Depois, é voltar pela trilha e registrar, com o olhar, as últimas lembranças do cânion que se estende no lado esquerdo, com os seus paredões e a mata verde e densa em seu interior.

... Desafio à natureza
No sentido horário, a Cascata da Andorinha é uma das atrações do Cânion Itaimbezinho. Em um intrigante e curioso desafio à natureza, araucárias – pinheiros bastante abundantes na região – crescem a poucos metros dos penhascos do Cânion Itaimbezinho; a funcionária do Ibama mostra a maquete do parque, feita por alunos da Universidade Federal do Paraná; e uma bromélia que cresce no tronco de uma árvore, numa harmoniosa convivência.

Vestígio da separação

Os cânions dos parques nacionais Aparados da Serra e da Serra Geral se formaram entre 130 e 135 milhões de anos atrás. “Quando a África e a América do Sul se separaram, houve uma grande fratura, que é hoje o Oceano Atlântico, e fraturas secundárias. Essas secundárias são os cânions”, afirma o professor de geologia Roberto Cunha, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

As fraturas, no início, se estendiam por grande parte da costa brasileira, mas o tempo e a erosão trataram de lapidar a paisagem. Os cânions localizados na divisa do Rio Grande do Sul e Santa Catarina resistiram ao tempo e permanecem como um vestígio da separação dos continentes.

Os dois parques abrigam vários cânions. O Parque Nacional Aparados da Serra abriga, além do Itaimbezinho, o Faxinalzinho. O da Serra Geral conta, fora o Fortaleza, com os cânions Malacara (3,5 quilômetros de extensão e profundidade média de 780 metros), Churriado (paredões de até 700 metros), Corujão e Rio-Leão (ambos com dois quilômetros de extensão e 1.000 metros de altura).

SERVIÇO

Como chegar – Cambará do Sul fica a uns 200 km de Porto Alegre (segue-se em direção a Novo Hamburgo, Taquara, São Francisco de Paula, Tainhas e Cambará do Sul) e a 130 km de Caxias do Sul (pela RST 453, ou Rota do Sol, até Tainhas, e depois Cambará). No centro de Cambará, é fácil se localizar. Há placas indicando o caminho. Para ir ao Itaimbezinho, dobra-se à direita logo depois da igreja. Para o Fortaleza, é só seguir reto.

Visitação – O Itaimbezinho funciona de quarta-feira a domingo, das 9h às 17h. O Fortaleza abre diariamente, das 8h às 17h. O Itaimbezinho é pago. O ingresso custa R$ 6 por pessoa (crianças até sete anos não pagam) e o estacionamento para carro pequeno, R$ 5. No Fortaleza, o acesso é livre.

Dica de viagem – Para aproveitar melhor o passeio, é interessante contratar um guia. Há uma associação de guias que funciona no Centro de Informações Turísticas, no centro de Cambará do Sul. Tel.: (54) 3251-1320.

Na Internet – O site www.cambara online.com.br traz informações detalhadas sobre os parques nacionais, pousadas e outros atrativos turísticos da cidade de Cambará do Sul.

Revista Planeta

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