terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Antigua A capital dos vulcões

Antigua, na Guatemala, foi, desde 1543, a capital do império espanhol nas Américas. Quase totalmente destruída por terremotos em 1773, a cidade permanece hoje um solo mágico que preserva um enorme número de tesouros da época colonial


Texto e fotos: Heitor Reali e Silvia Reali

Nas ruas do centro histórico de Antigua, basta um pouco de imaginação para se ver os nobres da corte espanhola e as famílias tradicionais que, nos anos da colônia, por ela desfilavam. A primeira capital do império espanhol nas Américas era um centro elegante e refinado, feito para refletir o poder e a riqueza da coroa hispana no Novo Mundo.

A prosperidade de Antigua durou até 1773, quando terremotos quase a destruíram, fazendo com que a maioria de seus habitantes se mudasse e provocando a decisão do rei de transferir a capital para uma zona mais segura, o Vale de Ermita, onde hoje se localiza a moderna capital do país, a Cidade da Guatemala.

PRATICAMENTE abandonada, Antigua resistiu por longos anos. Aos poucos foi sendo restaurada e hoje é um dos mais importantes monumentos históricos e culturais do período colonial da América Central. Deve, porém, parte de seu atual charme ao antigo isolamento. Afinal, foi ele que contribuiu para a preservação de seu rico passado. A cidade é cheia de tesouros ainda intactos e protegidos pela Unesco.

Tudo em Antigua possui cores vibrantes, como se os habitantes quisessem dizer aosDEUSES DOS VULCÕES que desejam manter com eles essa convivência pacífica

Não sem razão. Muitos de seus monumentos e edificações testemunham a cultura e os costumes das sociedades que ali viveram. Na praça central de Antigua e ao redor dela, por exemplo, parece que os moradores souberam domar o tempo. Tudo ali remete ao passado: as ruas de pedra, os palacetes com arcadas e colunatas e os templos com pórticos entalhados. Essas jóias arquitetônicas contrastam com o despojamento das casas coloniais de desenhos simples, porém pintadas em cores vibrantes, com predomínio do laranja e do terracota.

Por testemunhar o encontro do passado com a correria dos tempos modernos, a região central da cidade é um espetáculo imperdível. Num vaivém constante, mulheres atarefadas equilibram pañuelos – espécie de turbante multicolorido – à cabeça, sempre vestidas com o traje huipil. Vestimenta por excelência dos maias – que constituem hoje cerca de 80% da população guatemalteca –, o huipil é quase um símbolo do país e uma espécie de código de reconhecimento. Cada tribo maia mostra os seus signos bordados nessas roupas, em arabescos, grafismos, animais ou flores. Mas o sentido disso vai além: essas roupas mantêm uma ligação com os deuses antigos e os espíritos dos ancestrais.

VENDEDORES DE RUA, os chiringuitos, cozinham em um fogão improvisado ostamales, pequenas panquecas de farinha de milho que espalham no ar um delicioso aroma. Velhos ônibus também entram na dança das cores. Comprados dos Estados Unidos onde transportavam escolares, foram repintados com as cores vivas da Guatemala e receberam um bagageiro reforçado no teto – os maias costumam viajar com muita bagagem.

Três vulcões – Água, Acatenango e Fogo – rodeiam a cidade, também conhecida como a “Pompéia das Américas”, em alusão à cidade romana soterrada pelo vulcão Vesúvio em 79 d.C. Fogo está sempre coroado com uma fumarola para alertar que está somente hibernando. Água possui um lago dentro da sua cratera. Acatenango está dormindo, mas pode acordar a qualquer hora.

Diferentes tipos de artesanato criados pelos guatemaltecos; rua típica do centro da cidade

Nas casas, nos adereços, nas roupas das pessoas, tudo em Antigua tem cores vibrantes, como os se habitantes quisessem dizer aos deuses dos vulcões que estão vivos e que desejam manter com eles essa convivência pacífica. Precauções espirituais de quem sabe que a cidade já foi abalada por terremotos e teme rompantes, sobretudo os do vulcão Fogo. Alguns historiadores crêem que foi de seu nome no idioma maia – Quhatezmalha – que derivou o nome do país, Guatemala.

Os espanhóis iniciaram a conquista do território de Sacatepéquez, onde se encontra Antigua, a partir de 1523. O povo local, enfraquecido por constantes disputas e guerras tribais, foi facilmente dominado. Na região de Cakchiquel, a cidade de Iximché foi rebatizada pelos colonizadores como La muy noble y muy Leal Ciudad de Santiago de los Caballeros de Guatemala, ou simplesmente La Antigua Guatemala.

Seus habitantes falavam o caqchikel, um dos mais de 30 dialetos maias existentes, que incluem também o quiche, o man, o kekchi e o pocoman. Os nomes maias são musicais, e os historiadores explicam que o idioma é falado com “barulhos e estalos” da boca e da língua, o que os lingüistas chamam de “consoante ejetiva”, um som produzido na glote. Trata-se também de um idioma tonal, no qual a entonação da palavra varia seu significado.

O Arco de Santa Catalina, um dos locais mais fotografados da Guatemala; mulheres nativas

DEPOIS DE DOMINADOS, os nativos tornaram-se súditos da coroa espanhola. Assim nasceu Antigua, uma cidade que foi criada para ser a capital do império espanhol no Novo Mundo, em 1543. Os conquistadores embelezaram a cidade a partir da Plaza Mayor, segundo o traçado de parrilla – em quadrados, o mesmo usado na Espanha. Ao redor da praça situa-se o Palácio dos Capitães Generais. Com fachada de duplos arcos, ele abrigava o representante do rei.

Nas imediações da praça também situa- se o Palácio da Câmara Municipal, edificado em dois níveis de arcos em pedra maciça, e a Catedral, que posteriormente recebeu o título de Metropolitana, outorgado pelo papa Bento 14. Reconstruída várias vezes depois dos terremotos, ela tem a fachada esculpida com ricos entalhes, colunas, pilares e nichos que abrigam santos.

Os conventos e as igrejas de Antigua dão uma mostra da riqueza das ordens religiosas espanholas em território guatemalteco. A Igreja de La Merced é o melhor exemplo da fusão da arquitetura religiosa espanhola com os elementos maias. Isso pode ser visto no delicado trabalho em ataurique (técnica de relevo em gesso) com motivos geométricos, arabescos e frutas. Em seu interior existe ainda uma imagem de Jesus cujo olhar expressivo é bem ao gosto das esculturas coloniais. Uma das mais suntuosas igrejas locais, a de São Francisco, na calle dos Passos, abriga os restos mortais do beato Hermano Pedro de Bethancourt, venerado pelos católicos da América Central.

O vulcão Fogo, cuja fumarola é um constante sinal de alerta à população

O CONVENTO DE Santa Catalina Mártir abrigava religiosas que viviam reclusas. Com o crescimento da cidade, em 1694, foi construída uma passagem sobre a rua para que as freiras chegassem aos jardins e à horta sem serem vistas pelos transeuntes. Hoje, o Arco de Santa Catalina é um dos locais mais fotografados de Antigua.

Construído nos primeiros anos do século 18, o Convento de Santa Clara tem uma fachada simples, que contrasta com a ornamentação do interior. Isso porque as freiras clarissas jamais podiam sair às ruas. Uma galeria com arcos duplos circunda o claustro em tons de ocre-rosado. No centro, há uma fonte em forma de mandala e a intrigante escultura de uma sereia alada.

Quase todas as edificações de Antigua têm paredes largas, colunas, pilares e arcos. Sobretudo, são muito resistentes aos freqüentes sismos que assolam a região. Alguns palácios e casarões hoje sediam museus, como o do Livro, o de Arte Colonial, o de Santiago (abriga uma coleção de armas antigas) e o de Jade. Encontrado em mais de 30 tons de verde, o jade da Guatemala também pode ser rosa ou lilás. Uma curiosidade: o jade era tido como sinal máximo de riqueza.

Um dos ônibus comprados dos Estados Unidos espelha a paixão pelas cores dos guatemaltecos; e loja com produtos tîpicos do país. Os tamales, panquecas de farinha de milho vendidas nas ruas da cidade. Vistas panorâmicas mostram o estilo arquitetônico dos interiores e das fachada das casas da Guatemala.

Os dois mercados da cidade não deixam esquecer que os maias eram comerciantes afamados. No mercado de frutas e vegetais se encontram diferentes qualidades de milho, queijos e doces. Já o Mercado de Artesanato encanta o visitante pelas peças produzidas pelos artesãos: máscaras, objetos entalhados em madeira ou moldados em argila, tecidos feitos em teares manuais e tingidos com pigmentos naturais. Ali estão também cópias das antigas máscaras maias de jade. Outras máscaras retratam os espanhóis: possuem olhos azuis e pele cor-de-rosa. Há também máscaras coloridas com caras de animais, para serem utilizadas nos ritos da religião tradicional dos maias.

ASSIM É A VIDA dos maias e dos descendentes dos espanhóis em Antigua. Vida que flutua numa realidade ancestral, alheia ao contemporâneo. Uma ancestralidade que se reflete em tudo, principalmente nos cultos nativos. Mas esses cultos, de origem pagã, misturam- se às liturgias do catolicismo. Exemplo disso são as celebrações da Semana Santa. Nas procissões, vestidos de roxo (símbolo da penitência), os devotos carregam cruzes e imagens de santos e caminham sobre tapetes de flores que formam desenhos de símbolos cristãos. Ao mesmo tempo, carregam frutas, comidas e bebidas, velas e incensos, que serão doados nas portas e nas laterais das igrejas em oferenda aos antepassados. Tudo sob as vistas tolerantes do clero católico.

Todos estão envoltos pelo aroma do copal, queimado em incensos nas ruas e dentro das igrejas. Essa resina é extraída de várias árvores, como o quauchichiantic, e usada para fins medicinais, religiosos e mágicos. Durante as missas, o copal é queimado em cones para apaziguar os deuses. Na Guatemala, tudo é sincretismo.

Revista Planeta

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