quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Estudo associa desmatamento e queda de produtividade da pesca na Amazônia

Destruição de florestas adjacentes aos rios reduz abrigo e alimento dos peixes, levando a declínio do rendimento pesqueiro; trabalho foi liderado por pesquisador brasileiro da Virginia Tech, nos EUA 

Fábio de Castro, O Estado de S.Paulo

A conversão da floresta amazônica em áreas de plantio e de pasto tem sido apontada como responsável por redução das chuvas, aumento das secas e degradação dos ecossistemas aquáticos. Agora, um novo estudo liderado por um cientista brasileiro nos Estados Unidos mostra que o desmatamento também tem impactos na produção comercial de peixes. 

A pesquisa, publicada na revista científica Fish and Fisheries, revela uma queda na produtividade da produção pesqueira em rios adjacentes a áreas desmatadas. O trabalho foi liderado por Leandro Castello, professor da Faculdade de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Virginia Tech (Estados Unidos), especialista em ecologia e conservação da pesca na Amazônia. 

De acordo com Castello, a pesquisa mostra que a qualidade de conservação das áreas de florestas adjacentes aos rios - as chamadas várzeas, ou planícies de inundação da Amazônia - têm um papel fundamental para a produção de peixes.

Pescador mostra um tambaqui, espécie de peixe da Amazônia com alto valor econômico, que se alimenta principalmente das frutas de árvores das planícies de inundação da flroesta amazônica; estudo mostra que desmatamento reduz produtividade pesqueira. Foto: Leandro Castello / Virginia Tech

"As florestas em planícies de inundações podem fornecer estruturas que protegem os peixes e servem como habitat para insetos que são o alimento de muitas das espécies de peixes. Essas florestas também produzem plantas que fornecem comida para alguns deles", afirmou Castello.

Para descobrir se a destruição das florestas de planícies de inundação tem influência nas populações de peixes e na produção pesqueira, os cientistas cruzaram dois conjuntos de dados. 

O primeiro deles incluiu informações sobre a produtividade pesqueira em um período de 12 anos ao longo de uma área de mil quilômetros quadrados, o mapeamento de 1500 lagos e entrevistas com pescadores locais. Com isso, foi possível mapear o rendimento da pesca nessas áreas ao longo dos anos. "Compilamos dados de cerca de 36 mil pontos diferentes e, com isso, produzimos um mapa que mostra de onde vinham os peixes", explicou Castello.

Essas informações foram então cruzadas com dados de satélites da Nasa sobre características do habitat nessas áreas, para determinar se a presença de florestas tinha impacto sobre a produtividade pesqueira.

"Queríamos saber, essencialmente, se a nas áreas com florestas de várzea a produtividade da pesca é maior, se é a mesma, ou se é menor do que em áreas onde essas florestas foram devastadas", explicou Castello.

"Nossos resultados indicam que os lagos com florestas de várzea fornecem aos pescadores uma produtividade maior. Isso nos permite inferir que, quando as florestas são cortadas, o rendimento da pesca nesses lagos é reduzido. O desmatamento não é apenas uma questão terrestre - ele pode reduzir o número de peixes disponíveis para uma das populações mais pobres do mundo", disse o cientista.

De acordo com Castello, para manter a produção de alimentos e a renda das populações ribeirinhas, é necessário proteger esses habitats. 

"As planícies de inundação produzem mais peixe que qualquer outro sistema de água doce no mundo. Neste momento, a Amazônia é um caso único, já que a maior parte das suas várzeas ainda está intacta. Mas, se as florestas continuarem sendo derrubadas e os habitats modificados, isso reduzirá a quantidade de peixes que as pessoas têm para se alimentar e ganhar a vida. Se não protegermos essas áreas, vamos perder os rios e os peixes", afirmou Castello.


Pescadores descansam às margens de um lago desmatado, onde as florestas foram substituídas por gramíneas. Foto: Leandro Castello / Virginia Tech

Gado e pesca. "O conflito entre a criação de gado e a gestão da pesca é uma preocupação compartilhada pelos habitantes das planícies de inundação, mas até agora não haviam sido feitos estudos rigorosos de como a perda de florestas afeta a produtividade da pesca nessas áreas", disse outro dos autores do estudo, David McGrath, diretor do Instituto de Inovação da Terra (Estados Unidos).

"Esse estudo nos dá as ferramentas que precisamos para mostrar as trocas que existem entre a criação de gado e a gestão da pesca em planícies de inundação. Podemos utilizar esse trabalho para mostrar às comunidades o que elas perdem quando não há controle da densidade de gado nas várzeas e da conversão das florestas em pastos", disse McGrath.

O estudo tem implicações diretas para a gestão e a conservação da Amazônia, de acordo com outra das autoras do estudo, Victoria Isaac, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), que foi responsável pela coleta de dados sobre a pesca.

"O uso da terra sem planejamento e outras interferências humanas estão modificando drasticamente a paisagem da Amazônia. As políticas para proteção do meio ambiente e para evitar o desmatamento deveriam ser mais robustas, para garantir a segurança alimentar das populações locais e a produtividade da pesca", afirmou Victoria.

"Um estudo dessa escala sobre a pesca e a cobertura florestal ainda não havia sido feito na Amazônia. Foi muito importante descobrir uma forte evidência de associação entre desmatamento e queda no rendimento da pesca", declarou outra das autoras da pesquisa, Laura Hess, pesquisadora do Instituto de Pesquisas da Terra, da Universidade da Califórnia (Estados Unidos).
Jornal  O Estadão

domingo, 29 de outubro de 2017

Ciência cidadã reage às mazelas do império dos transgênicos

Entidades latino-americanas se organizam para construir conhecimento e propor saídas ao atual modelo que despreza riscos à saúde humana e promove a escalada da crise socioambiental
Cida de Oliveira
 RBA

FACEBOOK/SUDAMÉRICA RURAL - IPDRS

Incapaz de matar a fome e curar doenças, a produção de conhecimento dominante envenena as pessoas e o meio ambiente, semeia violência e aprofunda desigualdades


São Paulo – De braços dados com o poder econômico, a ciência convencional virou as costas para os interesses da sociedade. E não é na América Latina, marcada por um histórico de colonialismo e exploração, que seria diferente. Os cientistas, que deveriam colocar a serviço do bem público todo o conhecimento construído principalmente nos laboratórios de universidades mantidas com dinheiro do contribuinte, são intransigentes na defesa dos interesses das grandes corporações.

A contrapartida, entre outros mimos, são financiamentos para pesquisas, viagens e indicações para postos importantes em espaços de decisão, como as comissões técnicas de biossegurança, como no caso brasileiro, onde vão aprovar, sem o menor constrangimento – e com a maior cara de pau – pedidos de aprovação de sementes e outros organismos geneticamente modificados desenvolvidos por essas mesmas empresas.

Muito comum, essa relação promíscua, que recebe o nome de 'conflito de interesses', permeia praticamente todos os processos na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que tem por tradição aprovar todos os pedidos que chegam ao órgão, inclusive aqueles que o próprio dono do projeto nem chega a implementar depois, porque conhecem os problemas que passaram pelo crivo dos cientistas. É o caso do feijão da Embrapa, que pelo jeito continua de molho. 

Ainda no caso brasileiro, a ciência convencional tem sido pródiga em argumentos como a preocupação com a gravidade da situação, como quando os cientistas da CTNBio aprovaram um mosquito transgênico que supostamente reduziria a população do Aedes aegypti mas que está sendo questionado até no Reino Unido. Ou quando, convictos da segurança e efetividade dessas biotecnologias pouco estudadas, ignoram pareceres contrários, relevam pesquisas incompletas, com falhas metodológicas, e dão seu aval sem nem sequer levantar questionamentos. As dúvidas, diga-se, são responsáveis pelo desenvolvimento da ciência. E não as certezas e convicções, ainda mais quando se trata de um caráter perfeito, infalível e repleto de boas intenções de empresários capitalistas.

FACEBOOK/SUDAMÉRICA RURAL - IPDRSAgricultoras bolivianas: resistência a tecnologias transgênicas, que como no Brasil, são aprovadas por cientistas que fazem vista grossa aos riscos e às falhas nas pesquisas das indústrias

Omissão

Esse perfil de cientista totalmente alinhado com interesses privados até mesmo no expediente público tem feito estragos também na Bolívia. Assim como no Brasil, os transgênicos são aprovados com base em pesquisas insuficientes, conforme constatou a vice-presidenta da Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (Socla), a agrônoma boliviana Georgina Catacora. Da análise de 1.200 artigos na literatura científica, ela chegou a conclusões no mínimo preocupantes.

Do total de estudos, 19% deles nem sequer se referem ao tipo de cultivo em que a tecnologia será utilizada; 21% não indicam a característica que foi modificada na planta em processo de aprovação; 31% não esclarecem em que país foram feitos os testes; e 10% não mencionam o grupo populacional que participou das pesquisas. 

“Esses estudos, mesmo com falhas metodológicas, concluem que os transgênicos não causam impactos. E mesmo assim foram publicados em revistas científicas indexadas”, destaca Georgina. “Muitos deles não apresentam nem o método de comparação utilizado. Há uma manipulação metodológica, o que faz com que cheguem à conclusão que os transgênicos não causam problemas. Como afirmar se sequer são feitos estudos comparativos com sistemas de produção orgânica ou agroecológica?”

Com respaldo da ciência convencional, fabricantes lapidam seus discursos. "A propaganda dos transgênicos, segundo a qual essas biotecnologias preservam a natureza – quando isso não acontece –, substitui o antigo discurso da mesma indústria, que já fabricava agrotóxicos, de que esses produtos são ferramentas para produzir alimentos para todos e combater a fome, que não acabou por diversas razões", destaca o assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e integrante da Comissão Nacional de Política de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), o agrônomo Gabriel Fernandes.

Segundo ele, a expansão dos transgênicos a partir da década de 1990, marcou a mudança do contexto global e abriu caminho para novas tecnologias agrícolas. “O poder do estado foi reduzido pela globalização neoliberal e pelo poder das empresas. Esse modelo, que modificou as relações sociais e de poder por meio das técnicas, introduziu um regime global de proteção intelectual. Os genes se tornaram então uma mercadoria dentro do império das sementes”, diz.

Coordenadora do Centro Ecológico Assessoria e Formação em Agricultura Ecológica, do Rio Grande do Sul, a agrônoma Maria José Guazelli lembra que os riscos do conjunto de tecnologias existentes hoje, entre elas a nanotecnologia, nem sequer foram dimensionados.

"Na agricultura, essa tecnologia vem sendo utilizada nos chamados nano-agrotóxicos, como em películas para prolongar a vida das frutas. Essa espécie de embalagem, que pode ser comida, é pouco estudada e não é regulamentada no Brasil e em nenhuma outra parte do mundo", diz Maria José Guazelli.

"Há tecnologias modernas também em produtos alimentícios feitos a partir de materiais transgênicos, incluídas no preparo de doces e queijos, por exemplo, e que as pessoas nem sabem que existem. Isso é preocupante porque sabemos que as nanopartículas são capazes de atravessar as barreiras do cérebro e da placenta.” 

Ela adverte para o avanço desses produtos artificiais geneticamente manipulados em substituição de alimentos naturais, produzidos na agricultura. "São vendidos como saudáveis, mas o objetivo é substituir os agricultores. Isso é preocupante porque as modificações genéticas têm um impacto muito maior na saúde e no meio ambiente", diz.

ARQUIVO/KARINA BOEGEAncestralidade mexicana deixou o legado da domesticação de mais de 200 espécies de milho

Legado ancestral

A impossível coexistência entre os organismos geneticamente modificados (OGM) e o chamado patrimônio biocultural – constituído pela diversificação genética do sistema alimentar em todo o mundo está no centro das reflexões do professor e pesquisador da Universidade Veracruzana, do México, Eckart Boege. 

Quinto país com maior diversidade biocultural do mundo, o México deixou como legado para a humanidade a domesticação de mais de 200 espécies de milho. "Mesmo assim, isso tudo não tem muita importância para o Estado e nem pela ciência convencional, que está à mercê dos efeitos do totalitarismo tecnocientífico da agricultura industrial, onde se destacam os transgênicos, que oferecem riscos aos milhos crioulos”.

“Os transgênicos e outras biotecnologias são processos que modificam e transformam a vida. Mesmo assim são pouco estudados, em pesquisas cheias de falhas, conduzidas em condições otimizadas que não reproduzem a diversidade das situações em condições reais. E praticamente não são feitas pesquisas sobre impactos à saúde e ao meio ambiente, sendo liberadas para comercialização com facilidade, após cinco anos de avaliação, o que é um curto período”, destaca o agrônomo Leonardo Melgarejo, coordenador do grupo de trabalho de agrotóxicos e transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), integrante do Movimento Ciência Cidadã e ex-integrante da Comissão Técnica Nacional de Nacional de Biossegurança (CTNBio),

A cada ano, essas tecnologias causam novos problemas, segundo ele. "Levam à criação de outras com o intuito de resolver os problemas causados pelas tecnologias anteriores. Tudo isso dentro de uma produção científica em que 40% dos estudos mostram conflitos de interesses entre as empresas e instituições.”

"As promessas transgênicas se apresentam como uma proposta política ao pregar que é possível produzir mais e sem prejudicar o meio ambiente. O discurso é que a população cresce e é necessário produzir mais. Há nesta fala dos defensores da transgenia um apelo político 'devido' e aceito pela maioria da população, dentre outros aspectos. Em todo caso, vê-se os processos de biotecnologia fugindo do rumo previsto, a exemplo da soja transgênica que já apresenta resistência ao glifosato.", diz o bioquímico e bioquímico e integrante da Rede Amigos de La Tierra, Pablo Galeano, "por trás das novas promessas do mercado da biotecnologia existem apenas interesses comerciais".

Como os demais países latino-americanos, o Uruguai também enfrenta o avanço voraz das biotecnologias. Entre os que fazem o enfrentamento está um grupo interdisciplinar da Universidade Nacional, que tem promovido uma agenda de luta e que trabalha na construção de um plano nacional de agroecologia.
JAVIER ALBEA/INSSA-UNIVERSIDAD NACIONAL DE ROSARIOCampo de soja em Córdoba, Argentina. Crianças brincam em campo que periodicamente recebe pulverização aérea de agrotóxicos
Argentina

A cada dia, em vários países, novos estudos reforçam os efeitos nocivos desses venenos sobre a saúde e meio ambiente. A exemplo do que acontece no Brasil e em outros vizinhos, os agrotóxicos deixam um rastro de doenças e mortes na Argentina.

Ali, o mapa da incidência de diversos tipos de câncer coincide com o do cultivo da soja, onde o glifosato é pulverizado. Coincidência ou não, medicamentos para tratamento de doenças da tireoide e ansiolíticos, juntamente com anti-hipertensivos, são os mais vendidos nessas mesmas regiões – o que sugere fortes correlações entre o uso de agrotóxico nessas culturas com a alta prevalência de problemas endocrinológicos e depressão, entre outros. Os dados são de uma pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nacional de Rosário.

De acordo com o professor Javier Albea, a esses resultados se soma a tendência de sobrepeso (38% das crianças), provavelmente associada ao herbicida triazina. A suspeita, que ainda tem de ser confirmada por meio de novos estudos, são semelhantes aos encontrados por pesquisadores dos Estados Unidos em trabalho semelhante.

O docente chama atenção ainda para a falta de pesquisas sobre impactos de nanopartículas, como aquelas presentes em cosméticos, por exemplo, que podem causar inflamação e alterar o DNA das células – o que está na causa de muitos tipos de câncer.

“Mas se sabe que o fígado, pulmões e rins são possíveis alvos de acumulação, assim como o sistema imunológico. É necessário regulamentar essas partículas, para que sejam liberadas somente após a investigação dos perigos para a saúde. Vivemos hoje uma revolução industrial que funde tecnologias e sua interação com sistemas biológicos. Somos poucos os que fazemos uma ciência contra hegemônica e que estudamos tudo isso. Por isso temos de começar a trabalhar em redes. Unidos somos mais fortes”.

PORTAL BRASILSem limite seguro: agrotóxicos, que deveriam ser banidos, estão entre os maiores causadores de câncer
Agrotóxicos

Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e integrante da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, Karen Friedrich desconstroi um dos principais argumentos da indústria dos agroquímicos: o dos limites seguro para a utilização dos venenos. De acordo com ela, que também participou da programação do Agroecologia 2017, “quem define esse aceitável é um grupo muito pequeno de pessoas”. “Não existem limites seguros e não existe risco aceitável para o uso de agrotóxicos”, afirma.

Ela lembra que os agrotóxicos estão presentes no trabalho, na mesa, no ambiente, no campo e na cidade. E causam doenças, mortes e suicídios através da ingestão da água e de alimentos. "Podem ser inalados e absorvidos pela pele, e causam danos mais sérios grupos populacionais mais vulneráveis, como gestantes e crianças. E os agrotóxicos que passam para o leite materno podem contaminar bebes. Como contaminam a água e rios e aquíferos, se espalham por toda parte e contaminam o meio ambiente".

O mito do uso seguro é confrontado também pelo pesquisador Pedro Abreu, doutorando que atualmente pesquisa o tema em seu doutorado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Após o mestrado, em que pesquisou os agrotóxicos no contexto da agricultura familiar brasileira, ele produziu o documentário O agricultor familiar e o uso (in)seguro de agrotóxicos.

Segundo ele, "uma ferramenta de uso público e irrestrito para ser utilizada em toda forma de luta, educação/formação e busca por mudanças do contexto injusto, manipulado e falacioso do uso de agrotóxicos pelos verdadeiros responsáveis pela alimentação em nosso país, os pequenos agricultores."


Ciência cidadã

O exercício da ciência cidadã é um dos principais objetivos da Rede de Avaliação Social de Tecnologias na América Latina (Red Tecla), que aglutina parceiros em torno do estudo de questões relativas aos riscos das novas tecnologias à saúde humana e ambiental. Entre eles, a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nacional de Rosário, na qual Javier trabalha. Criada há 10 anos, e com sede no Uruguai, a rede tem entre seus parceiros a Rede por uma América Latina Livre de Transgênicos (Raalt), e outras entidades nacionais, como o Movimento Ciência Cidadã e o Centro Ecológico, do Brasil. 

A aliança entre essas e outras entidades foi reforçada entre os dias 12 e 15 de setembro, durante o Congresso Brasileiro de Agroecologia. Agricultores e profissionais das mais diversas áreas com atuação em fóruns, entidades e sindicatos se reuniram para compartilhar cada vez mais informações e ações para agilizar a construção de alternativas para as questões mais urgentes nas lutas sociais que travam nos campos da agricultura, alimentação, habitação, saúde e meio ambiente. 

Entre eles, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos, Instituto Nacional do Câncer (Inca), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Rede de Médicas e Médicos Populares e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). 

Na pauta inserida na programação da Agroecologia 2017, uma agenda para o setor e também para atualizar iniciativas de resistência e enfrentamento. É o caso dos avanços na construção de um plano estadual de agroecologia na Bahia, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do legislativo baiano, bem como projetos de lei para acabar com a pulverização aérea e aumentar o controle sobre os agrotóxicos, que têm utilização cada vez maior sobretudo no oeste do estado. "A população brasileira está sendo envenenada e não tem a menor ideia do que isso significa", disse o agrônomo e deputado estadual Marcelino Galo (PT), que comanda a Frente Parlamentar Ambientalista.

Uma política estadual de agroecologia e produção orgânica é objeto de projeto de lei também em São Paulo. De autoria dos deputados Ana do Carmo (PT) e Aldo Demarchi (DEM), o PL 236/2017 já tramita no legislativo paulista.

A construção coletiva da agenda e os passos para a implementação das ações segue diretrizes estabelecidas na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, realizada em 2012, no Rio de Janeiro. A temática esteve presente também em outros debates do evento que reuniu mais de 4.200 pessoas em Brasília, entre os dias 12 de 15 de setembro.

"A luta contra os agrotóxicos é algo irreversível, pois a população já se deu conta de que está comendo veneno, e não vai aceitar isso", avalia o coordenador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Alan Tygel. "Por todo o Brasil estamos assistindo iniciativas no campo legislativo, como leis para incentivar a agroecologia, reduzir os agrotóxicos ou proibir a pulverização aérea. Há ainda iniciativas de produção de dados, como análise da água, e de contaminação no sangue e urina de populações expostas. E estas evidências são muito importantes para forçar o poder público a tomar iniciativas".

Para ele, igualmente importantes são as iniciativas no campo da educação. "A população ainda tem muitas dúvidas sobre os agrotóxicos e as formas de produção agroecológica.E se por um lado a bancada ruralista tem muito poder e freia o avanço no nível federal, nos níveis estaduais e municipais as iniciativas são muito numerosas, e as chances de sucesso são maiores".

ARQUIVO PESSOAL/AGUSTÍN INFANTE LIRAAgustín em reunião com pequenos produtores chilenos: agroecologia fortaleceu povos tradicionais vítimas de tragédias naturais e pressões do poder econômico


Restauração

Historicamente castigado por eventos naturais, como tsunamis, tufões, vulcões, terremotos, e climáticos, como secas e geadas, entre outros – sem contar a monocultura do trigo –, o Chile viu a devastação ambiental tomar conta de várias regiões. Muitas dessas paisagens inóspitas foram recuperadas.

A boa nova foi trazida pelo agrônomo Agustín Infante Lira, presidente regional da Socla no Chile. Com a parceria de pequenas comunidades Mapuche, que resistem a históricas pressões de empresas apoiadas por governos para deixar suas terras, conseguiu muito mais do que modificar a paisagem. Com a adoção de sistemas agroecólogicos, conseguiu fortalecer a produção e a comercialização. "Temos hoje feira de troca de sementes entre um grupo de mulheres chilenas. E a partir dessa organização, todo um agrossistema foi restaurado. A biodiversidade voltou, a produção aumentou e o manejo melhorou."

Para Agustín, há muitos desafios pela frente. Entre eles, a maior independência financeira para esses empreendimentos. "Mas creio que possamos, sim, começar a mudar o mundo agora”.
Revista Brasil Atual

Expansão do cultivo de cana-de-açúcar brasileira poderia reduzir emissão global de CO2

Áreas ambientalmente sensíveis não precisariam ser afetadas

Depositphotos/Jaykayl

Uma expansão em larga escala da lavoura de cana-de-açúcar no Brasil com o intuito de aumentar a produção de etanol poderia reduzir as emissões globais atuais de dióxido de carbono em até 5,6%, relatam cientistas em artigo publicado na revista Nature Climate Change.

Uma expansão na escala proposta envolveria a conversão de milhões de hectares em plantações de cana-de-açúcar. Mas, garantem os pesquisadores, ela poderia ocorrer sem afetar áreas ambientalmente sensíveis do Brasil, e permitindo também a expansão de outras culturas, bem como o uso da terra para atender outras necessidades humanas. A análise incluiu também os custos, medidos em carbono, da conversão do uso da terra para o plantio de cana-de-açúcar.

A pesquisa se baseou em uma nova abordagem para modelar com precisão o comportamento das culturas de cana-de-açúcar, que crescem em regiões onde há grandes variações da composição do solo, temperatura, precipitação e muitos outros parâmetros, disse Stephen P. Long, professor de ciências de cultura e botânica da Universidade de Illinois que liderou a análise com uma equipe internacional, incluindo cientistas da Universidade de São Paulo (USP).

“A maioria dos modelos utilizados para prever a produção futura das culturas são estatísticos, e não levam realmente em conta a forma como mudanças na água, no dióxido de carbono e na temperatura interagem para afetar a produção de cana-de-açúcar”, disse Long. “Usamos um modelo mecanicista que se baseia na ação, a cada hora, dos elementos que promovem o crescimento da planta.”

O governo do Brasil já mapeou as áreas ecologicamente sensíveis que não podem ser usadas para agricultura, indústria ou outros tipos de atividades produtivas, segundo Long. “Restringimos a proposta de produção de cana-de-açúcar às áreas que podem ser legalmente convertidas”, ele disse.

O Brasil já conquistou muito com sua indústria de conversão de cana-de-açúcar em etanol, disse Amanda de Souza, co-autora do estudo e pós-doutoranda em Illinois e na USP.

“Diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil utiliza quase toda a planta da cana-de-açúcar para produzir energia, extraindo o açúcar para fazer etanol, mas também queimando o resíduo do caule - conhecido como bagaço - para alimentar o moinho. O excesso é usado para gerar e vender eletricidade”, disse de Souza. “A conversão dos componentes de celulose do bagaço para etanol provavelmente também se tornará economicamente viável no país.”

“A produção brasileira de etanol baseada em cana-de-açúcar de hoje é muito mais eficiente do que a baseada em milho, e gera apenas 14% das emissões de dióxido de carbono do petróleo”, disse de Souza. A maioria dos carros no Brasil são flex, o que significa que podem usar como combustível etanol, gasolina ou uma mistura dos dois. Em 2012, os postos de gasolina do Brasil vendiam um volume maior de etanol do que de gasolina, segundo ela.

“A produção de cana-de-açúcar do Brasil é provavelmente a mais avançada do mundo”, disse Long. E para reduzir a sua pegada de carbono ainda mais, o governo de São Paulo, principal estado produtor de etanol do país, recentemente proibiu a queima de cana antes da colheita. Prática ainda comum na indústria de cana-de-açúcar dos EUA, a queima remove as folhas e reduz o volume do material que deve ser transportado ao moinho, porém acrescenta poluição particulada à atmosfera e reduz a matéria orgânica do solo, segundo os pesquisadores.

“Nossa conclusão é que esta indústria poderia se expandir um pouco e fazer uma contribuição significativa para a descarbonização do combustível”, disse Long.

A equipe analisou três cenários que gerariam um aumento na pegada da cana-de-açúcar no Brasil entre 37,5 milhões e 116 milhões de hectares.

“O maior cenário é semelhantes à área destinada a milho e soja nos EUA”, disse Long. “Temos cerca de 90 milhões de hectares de milho e soja no país - a maior parte, é claro, no Centro-Oeste.”

O acordo climático de Paris de dezembro de 2015, assinado por 196 nações, pretende limitar o aumento na temperatura global média a menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais, segundo Long.

“A única maneira de conseguirmos isso é termos uma enorme redução no valor líquido das emissões de CO2”, ele disse. “Nenhuma solução sozinha conseguirá isso. Precisaremos implementar toda uma série de passos incrementais. Estamos tentando mostrar que esse poderia ser um incremento muito importante, que poderia ser realizado em tempo hábil.”

“Esta expansão não precisa se restringir ao Brasil”, ele disse. “Muita terra onde já se cultivou cana-de-açúcar - do Caribe ao Havaí - hoje está ociosa. A produção de cana para produção de etanol daria novamente um uso para essas terras.”

Universidade de Illinois em Urbana-Champaign

Revista Scientific American Brasil

Crise no Rio de Janeiro


EFEITO DO GOLPE
Lava Jato e desmonte do pré-sal: a combinação que levou o Rio à falência
Estado enfrenta déficit orçamentário de R$ 19 bilhões neste ano, curva-se aos bancos para captar R$ 3,5 bilhões e já eliminou milhares de postos de trabalho desde que o golpe institucional e a Lava Jato tomaram conta do país
Maurício Thuswohl
DIVULGAÇÃO

Comperj: empreendimento enfraquecido com as investigações sobre a corrupção na Petrobras

Rio de Janeiro – Qual a relação entre o desmonte do setor de petróleo e gás no Rio de Janeiro, a falência financeira do estado e o avanço da Operação Lava Jato? Com déficit orçamentário de R$ 19 bilhões previsto para 2017 e obrigado a tomar emprestado agora em outubro recursos da ordem de R$ 3,5 bilhões junto a bancos internacionais para buscar uma momentânea recuperação fiscal, o estado é também a principal vítima de uma política que reverteu completamente as expectativas de desenvolvimento econômico e social do Rio – e do país – a partir do fortalecimento da cadeia produtiva do pré-sal.

Já o rumo das investigações sobre a corrupção na Petrobras, segundo os críticos, aprofundou esse quadro de desmonte do setor ao perseguir deliberadamente o objetivo de enfraquecer a empresa. Isso afugentou investimentos e debilitou projetos importantes para a economia fluminense, como, por exemplo, o Complexo Petroquímico de Itaboraí (Comperj).

“Há um impacto violento da Lava Jato na indústria de petróleo e gás, sobretudo no Rio de Janeiro. Foram fechadas centenas de empresas, desde companhias grandes da área naval, que estava indo muito bem até 2015, passando por empresas médias de equipamentos, bens e serviços e chegando a lojas comerciais, restaurantes e botecos que foram abertos, por exemplo, nos arredores do Comperj para atender a seus trabalhadores. Foi uma perda brutal para uma economia que já estava fragilizada. O ápice do emprego no Rio foi em 2014, quando começou a baixar. Aí, chegou a Lava Jato e arrasou tudo”, afirma o economista José Carlos de Assis, que este ano apresentou, em nome dos petroleiros, uma versão alternativa ao Plano de Negócios e Gestão elaborado pela atual direção da Petrobras.

Segundo o economista, o desmonte do setor de petróleo e gás é a razão central da atual crise do Rio de Janeiro: “O estado já enfrentava problemas para pagar uma injusta dívida com a União criada no governo Fernando Henrique Cardoso, quando houve a onda de privatizações de bancos estaduais, mas a recente crise do petróleo foi um golpe definitivo, porque a economia fluminense de alguns anos para cá foi estruturada para atender à indústria de petróleo e gás. Então, a base industrial do estado foi toda ela solapada pela crise nesse setor, sobretudo com a contribuição da Lava Jato”, diz.

Assis ressalta que o impacto foi ainda maior na medida em que tudo parecia ir muito bem no Rio há pouco mais de dois anos: “O colapso no setor de petróleo foi uma coisa súbita, a destruição de um setor inteiro da economia fluminense. Isso foi terrível, sobretudo, no caso do Comperj, que ia de vento em popa e tinha investimentos extremamente relevantes para a economia do estado e para a economia do Brasil. Houve danos não somente no investimento de ponta, mas também na cadeia produtiva, sobretudo no que se refere ao emprego. Milhares de empregos de qualidade foram destruídos pela Lava Jato”.

Segundo dados levantados pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), cerca de 25 mil postos de trabalho já foram suprimidos no estado desde o início do desmonte do setor há três anos.

Setores desenvolvimentistas da sociedade afirmam que os rumos da Lava Jato, principalmente em relação à Petrobras, caminham de mãos dadas com o desmonte do setor de petróleo capitaneado pelo governo de Michel Temer. “Há claramente o intuito de interferir na política e na economia brasileiras”, diz o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). “Já foi demonstrado por inúmeros economistas, por inúmeros estudiosos, que essa operação chamada Lava Jato, que se diz de combate à corrupção, tem tido um efeito devastador sobre o setor produtivo brasileiro, sobretudo na cadeia de petróleo e gás, o que atinge em cheio a economia do Rio de Janeiro. Empresas importantes como a Odebrecht foram quebradas e isso atingiu profundamente também a Petrobras”, diz.

Fernando Siqueira, que é vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), avalia que o rumo das investigações contribui para o desmonte do setor: “A Lava Jato é uma importante fonte de combate à corrupção, mas teve uma falha: deixou a entender que a Petrobras é um antro de corrupção. Confundiu a instituição com meia dúzia de gerentes fracos de caráter. E a grande mídia, que defende o interesse dos seus patrocinadores, as multinacionais do petróleo, exacerbou os fatos. Chegou a ponto de ignorar o terceiro prêmio internacional de melhor empresa de desenvolvimento de tecnologia em águas profundas do mundo, em fevereiro de 2015. Nesse aspecto, a Lava Jato contribuiu”, diz.

TÂNIA REGO/RBATrabalhadores do setor de petróleo são contra a gestão de Parente na Petrobras: entrega de ativos estratégicos

Namoro com a Exxon

E o desmonte do setor de petróleo no Rio e em todo o país deve continuar. Segundo previsões do mercado, a segunda e a terceira Rodadas de Licitação de Partilha de Produção do pré-sal, que serão realizadas simultaneamente e têm sua apresentação pública de ofertas prevista para 27 de outubro, deverão reduzir ainda mais a participação nacional em campos do pré-sal, o que traz consequências diretas às receitas fluminenses pelo enfraquecimento de uma cadeia que inclui siderúrgicas, estaleiros, fabricantes de peças e equipamentos e fornecedores de bens e serviços.

Sob o pretexto de reduzir a dívida da Petrobras, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou o leilão de áreas do pré-sal. Elas acontecerão, já sob o regime de concessão e com participação reduzida da empresa, menor que os 30% de participação mínima obrigatória estabelecida pelo marco regulatório do pré-sal criado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Essa mudança foi explicitada na 14ª Rodada de Licitação, realizada pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) em 27 de setembro, quando, tendo o ministro Moreira Franco como mestre de cerimônias, foram ofertados 287 blocos de exploração, entre eles três campos do pré-sal na Bacia de Santos e dois na Bacia de Campos. A nova política se materializou na formação de um consórcio entre a Petrobras e a petroleira norte-americana ExxonMobil, que arrematou os blocos CM-346 (R$ 2,2 bilhões) e CM-411 (R$ 1,2 bilhão).

Após a rodada, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, o mesmo que estava à frente entre 2000 e 2002, quando o governo FHC tentou privatizar partes da empresa e chegou a sugerir a mudança de seu nome para Petrobrax, comemorou a realização do consórcio: “Nosso parceiro é simplesmente a maior empresa de petróleo e gás do mundo. As conversas com a Exxon foram as mesmas que travamos com outras grandes empresas do setor. Não é surpresa que tenhamos construído essa parceria. Provavelmente outras virão nos próximos leilões, com outras empresas”, disse aos jornalistas.

Parente foi nomeado para a presidência da estatal após indicação do senador José Serra (PSDB-SP), que também é autor do Projeto de Lei 4567/2016, aquele que determinou o fim do regime de partilha na exploração do pré-sal. Em junho, ele anunciou o planejamento estratégico da Petrobras, que congela investimentos pelos próximos cinco anos e pretende arrecadar até o fim do ano que vem US$ 21 bilhões com a venda de ativos, de subsidiárias e da participação brasileira nos campos do pré-sal.

Privatização

O mercado tem reagido bem à nova orientação do governo brasileiro para o setor de petróleo e gás. Um de seus principais porta-vozes, a agência de análise de riscos Moody’s, elevou o conceito da Petrobras de B2 para B1, pois “a estatal brasileira apresenta maior liquidez e demonstra maior capacidade de honrar seus compromissos com investidores”.

Já os trabalhadores do setor de petróleo têm outra visão: “O senhor Parente foi nomeado presidente com o objetivo de entregar a Petrobras. Com carta branca, ele vem vendendo ativos altamente estratégicos como a malha de gasodutos do Sudeste, que escoa o gás do pré-sal, para um grupo canadense que tem fama internacional de corrupção, o grupo Brookfield, ex-Brascan, que na década de 80 vendeu a Light e a Eletropaulo para a União por US$ 1,5 bilhão no último ano da concessão”, diz Siqueira. O vice-presidente da Aepet ressalta que, na direção da empresa,“Parente, junto com Philippe Reichstul, dividiu a Petrobras em 40 unidades de negócio para serem vendidas gradualmente”.

Simbolicamente, o 17º Congresso Nacional da Federação Única dos Petroleiros (FUP), realizado em agosto, retomou a bandeira de luta “Privatizar faz mal ao Brasil”, que havia sido adotada pela entidade em 2000, ainda durante o governo FHC. Segundo a FUP, desde o início da Lava Jato e da instalação da “crise da Petrobras”, cerca de 55 mil postos de trabalho já foram desativados pela atual direção da empresa, grande parte no Rio de Janeiro.

De acordo com um levantamento feito pelo Grupo de Estudos Estratégicos de Propostas da FUP, a atual direção da Petrobras já vendeu US$ 13,6 bilhões em ativos da estatal. Também foram reduzidos, segundo a entidade, 75% dos investimentos realizados entre 2013 e 2016, saindo de US$ 48,8 bilhões para US$ 11,5 bilhões.

Os petroleiros também denunciam a venda de 74 unidades de exploração e produção de petróleo em cinco estados do país. Estimam que apenas na Bacia de Campos, que teve 14 áreas anunciadas na mais recente rodada e tem efeito direto sobre a economia do Rio, outros 10 mil empregos estão ameaçados. Além disso, segundo a FUP, “o governo Temer quer vender subsidiárias que sempre geraram lucro para a Petrobras, como é o caso da Liquigás, já vendida, e da BR Distribuidora”.

Carcará

A entrega de ativos teve início em julho do ano passado, com a venda da participação da Petrobras no bloco exploratório BM-S-8 no campo de Carcará, localizado no pré-sal da Bacia de Santos, para a empresa norueguesa Statoil. Segundo um levantamento feito pela Aepet, desde que Parente assumiu a presidência, a Petrobras já vendeu 66% do campo, que tem capacidade estimada em cerca de dois bilhões de barris, por US$ 2,5 bilhões (US$ 1,25 por barril). Os cálculos apresentados pela Aepet mostram que o bloco valeria pelo menos dez vezes mais: “É o melhor campo do pré-sal, pois tem uma pressão maior que permite produzir mais tempo sem injetar água ou gás para restabelecer a pressão do reservatório”, diz Siqueira. A Aepet também denuncia a venda de parte dos campos de Iara e Lapa por cerca de US$ 2 por barril.

No final de setembro, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF), em Recife, derrubou o processo de suspensão de segurança da União que permitia a continuidade da venda de Carcará. A decisão ocorreu após um pedido conjunto feito pela Federação Nacional dos Petroleiros e pelos sindicatos de petroleiros de Alagoas e Sergipe. O governo já recorreu.

Conteúdo nacional

Um dos instrumentos mais efetivos de desmonte do setor de petróleo e gás é a flexibilização das exigências de utilização de conteúdo local pelas empresas operadoras dos campos. Essa obrigatoriedade foi inicialmente estabelecida pelo marco regulatório do pré-sal aprovado no governo Lula, como forma de fortalecer as empresas brasileiras que integrassem a cadeia produtiva do pré-sal. Por intermédio da ANP, no entanto, o atual governo reduziu essa cota obrigatória a 25%, o que agradou as petroleiras estrangeiras: “Sem dúvida, as mudanças previstas nas regras de conteúdo local foram importantes para a formação do consórcio com a ExxonMobil”, disse Pedro Parente.

Após um período de consulta pública de dois meses, a ANP realizou em 3 de outubro uma audiência pública para discutir os critérios e procedimentos que devem ser utilizados pelas empresas para a isenção, mesmo nos contratos em vigor, do cumprimento das antigas exigências de utilização de conteúdo local. Essa redução já está sendo aplicada desde a sétima Rodada de Licitações realizada pela Agência. A flexibilização atinge os contratos vigentes desde 2005.

A oposição à redução da exigência de conteúdo local tem sido fortemente criticada até mesmo pelos setores empresariais ligados à cadeia de bens e serviços da Petrobras. Entidades como Fiesp, Firjan, Abemi, Abimaq, ABCE e Aço Brasil, entre outras que apoiaram as mudanças no governo e na Petrobras, querem agora que a ANP aumente para 40% a obrigatoriedade mínima de conteúdo nacional e já avisaram que pretendem levar essa disputa à Justiça.

Interesses

Mas, a quem interessa esse desmonte do setor de petróleo brasileiro? O deputado Wadih Damous se arrisca a responder, mais uma vez ressaltando o papel da Lava Jato: “Na verdade, há interesses estrangeiros por trás disso. Tanto o juiz Sergio Moro quanto o ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, têm ligações com o Departamento de Justiça norte-americano, então há algo por trás disso que obviamente não é só o combate à corrupção”.

Fernando Siqueira segue a mesma linha: “O desmonte do setor no Brasil interessa aos Estados Unidos e demais países hegemônicos que são altamente dependentes do petróleo e não têm reservas. E também ao cartel internacional do petróleo, que corrompe, depõe governos ou mata, como fez com Saddam, Jaime Roldós e Kadafi. Os Estados Unidos já dominaram 90% das reservas mundiais e, hoje, controlam menos de 5%. Sem petróleo, as suas empresas, as maiores do mundo, sucumbem. O pré-sal, segundo dois geólogos da Uerj, se situa entre a terceira e a quarta reserva mundial. Por isso, é altamente cobiçado”, diz.

Estes mesmos interesses obscuros levam ao enfraquecimento deliberado da Petrobras, diz Damous: “O que eles fizeram foi desmoralizar a empresa. Nós sabemos que o que aconteceu no ano passado, e que hoje chamamos de crise da Petrobras, se deveu à queda do preço do petróleo internacionalmente. Nada justifica o que a Lava Jato está fazendo com a Petrobras”, diz.

José Carlos de Assis também cita os EUA. “O combate à corrupção é uma atribuição da polícia, da Justiça. Mas, economia é outra coisa. Em termos econômicos, você tem que salvar as empresas. Nenhum país do mundo faz o que o Brasil está fazendo, que é destruir as empresas em nome de, supostamente, combater à corrupção. Em 2009, na fase mais aguda da crise das hipotecas nos Estados Unidos, os bancos Citigroup e Bank of America foram pegos em fraudes gigantescas no mercado imobiliário, mas o governo entrou em campo para que, apesar da corrupção, essas duas importantes instituições do sistema bancário americano não fossem destruídas. O governo sabia que a quebra dos dois bancos destruiria Wall Street e o próprio sistema financeiro do país”.

Já aqui no Brasil... “A Justiça resolveu punir as empresas junto com os empresários, o que é uma estupidez”, continua o economista: “Liquidamos a Odebrecht e a Andrade Gutierrez. Por que punir desse jeito as maiores empresas de construção do Brasil, empresas que geram empregos em um país em desenvolvimento? Corruptas não são as empresas, corruptos são os empresários. Há que se punir os indivíduos. Não só o Rio de Janeiro, mas a economia brasileira como um todo está sendo vítima desse processo”.

Retomada?

Há luz no fim do túnel para o setor de petróleo no Rio e no Brasil? Não com essa orientação política e econômica que está no poder, concordam os críticos: “Haveria uma retomada desde que um governo nacionalista fosse instalado no país. Este governo que aí foi imposto, integrado por delinquentes, recebeu como orientação para governar uma coletânea de programas entreguistas”, diz Siqueira. Ele vai além: “A meu ver os atos desse governo corrupto, ilegítimo, criminoso e obstrutor da justiça têm que ser invalidados, pois criminosos não podem conduzir o futuro de uma nação”.

Damous concorda: “Para uma retomada, primeiro é preciso derrubar esse governo e colocar em seu lugar um governo desenvolvimentista e que vá novamente priorizar a Petrobras e entender o setor de petróleo e gás no estado como um instrumento de desenvolvimento econômico e social”, diz o deputado.

“O atual governo fulminou com uma parte relevante da economia”, diz Assis. “O investimento na Petrobras era em 2015 quase 70% do investimento do Brasil. Quando você liquida com esse investimento, liquida com a economia. Esse foi um efeito deletério da Lava Jato. Fechar o Comperj, como foi feito virtualmente, liquidando dezenas de milhares de empregos, é um crime contra a economia nacional e contra todo o povo brasileiro. Isso pode ser debitado na conta da Lava Jato, da inexperiência daqueles promotores e na arrogância daquele juiz. Simplesmente fulminaram com a economia do Rio e do Brasil. Estamos vivendo o terceiro ano seguido de contração. Isso é um absurdo”.
Revista  Brasil Atual

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Al-Shabab, o grupo acusado pelo maior ataque da história da Somália, que matou mais de 300 pessoas



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Militantes do Al-Shabab foram responsabilizados por ataque mais letal da história da Somália

A organização extremista Al-Shabab foi apontada pelo governo da Somália como responsável pela explosão que deixou pelo menos 300 mortos e centenas de feridos na capital do país, Mogadíscio.

O ataque, que aconteceu no sábado em uma movimentada área da cidade, é o mais letal da história do país desde que o grupo surgiu, há cerca de dez anos.

A explosão foi tão forte que destruiu hotéis, edifícios do governo e restaurantes.

"Foi a maior explosão que eu já vi na vida. Destruiu toda a área", disse uma testemunha à agência de notícias AFP.

Um dos mortos foi uma estudante de medicina que colaria grau no dia seguinte.

Seu pai havia viajado a Mogadíscio para comparecer à solenidade, mas acabou participando de seu enterro.

"O incidente de hoje foi um ataque horrível do Al-Shabab contra civis inocentes", disse o presidente Mohamed Abdullahi Mohamed à imprensa local.

Somalis foram às ruas protestar contra o grupo e pedir doação de sangue. Os hospitais estão superlotados de feridos e há falta de medicamentos e de bolsas de sangue.

Um avião militar da Turquia chegou com ajuda médica. Horas depois, voltou ao país carregando 40 feridos.

Nenhum grupo ainda reivindicou a autoria do atentado.

O Al-Shabab, que tem ligações com a Al-Qaeda, vem realizando ataques violentos, em especial no Quênia, há anos.

A organização extremista chegou a controlar parte da Somália, mas foi expulsa das principais cidades que dominava no sul e no centro do país.

Ainda assim, o grupo permanece como uma ameaça em potencial ao governo local, que conta com o apoio da ONU (Organização das Nações Unidas) e da União Africana (UA), e a países vizinhos.

Quem é o Al-Shabab?

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Ataque da sábado deixou mais de 250 mortos e 300 feridos

Al-Shabab significa 'A Juventude' em árabe. O grupo surgiu como uma ala radical da hoje extinta União das Cortes Islâmica da Somália em 2006, enquanto combatia forças etíopes que invadiram o país para apoiar o fraco governo interino.

Nas áreas sobre seu controle, impôs uma versão rígida da sharia (lei islâmica), desde o apedrejamento até a morte das mulheres acusadas de adultério, passando pelo amputamento dos acusados de roubo.

Estima-se que, atualmente, o grupo tenha de 7 mil a 9 mil combatentes, incluindo estrangeiros.
Qual é a orientação religiosa do Al-Shabab?

O Al-Shabab defende a versão wahabista do islã, inspirada pela Arábia Saudita, enquanto a maioria dos somalis segue a linha do sufismo.

Por destruir um grande número de santuários sufistas, o grupo insuflou o descontentamento popular.

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Forças lideradas pela União Africana expulsaram Al-Shabab das principais cidades do país

Quanto da Somália o Al-Shabab controla?

O Al-Shabab foi expulso da capital do país, Mogadíscio, em agosto de 2011.

Apesar de ter perdido o controle das principais cidades e povoados, o grupo ainda tem influência sobre áreas rurais da Somália.

Analistas acreditam que a organização extremista vem se focando cada vez mais em táticas de guerrilha para conter o poder de fogo das forças da UA.

Mas o grupo está sob pressão de várias frentes, tanto na Somália quanto no Quênia e na Etiópia.

Em agosto deste ano, Mukhtar Robow Mansuur, porta-voz da organização e um de seus ex-líderes, se entregou ao governo da Somália e pediu aos integrantes do Al Shabab para abandonarem a organização.

Quem é o líder do Al-Shabab?

Por anos a fio, Ahmed Abdi Godane liderou o grupo. Também conhecido como Mukhtar Abu Zubair, ele era originário da região separatista da Somalilândia, ao norte do país.

Godane, uma figura reclusa que era amante de poesia e assumiu o comando do grupo, foi morto em 2014 em um ataque aéreo americano assim como seu antecessor, Moalim Aden Hashi Ayro, morto 2008.

Ahmad Umar, que também é conhecido como Abu Ubaidah e teria cerca de 40 anos, é apontado como um dos cabeças da organização. Em 2014, ele foi indicado por unanimidade entre os comandantes para liderar o Al-Shabab.

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Al Shabab tem realizado vários ataques no Quênia | foto: Bernard Kamuen

Quais foram os principais ataques do grupo?

Antes do atentado na capital da Somália, as ações do Al-Shabab que haviam recebido mais cobertura internacional foram ataques no país vizinho Quênia.

Em abril de 2015, o Al-Shabab atacou o campus de uma universidade na cidade de Garissa, no noroeste do Quênia, e deixou mais 147 estudantes mortos.

Dois anos antes, o grupo havia assumido a responsabilidade pelo ataque que deixou dezenas de mortos num shopping de Nairóbi, também no Quênia.

Anteriormente, foi responsabilizado por um ataque suicida duplo na capital de Uganda, Kampala, que matou 76 pessoas que assistiam pela televisão à final da Copa do Mundo de futebol, em 2010.

O ataque aconteceu porque Uganda - junto com o Burundi - forneceu grande parte das tropas da UA na Somália antes de o Quênia entrar no conflito.

Quem são os apoiadores do Al-Shabab?

A Eritreia é o único aliado regional, mas nega prover armas para o Al-Shabab. A Eritreia apoia o grupo para conter a influência da arquiinimiga Etiópia, de que se tornou independente em 1993.

Com o apoio dos Estados Unidos, a Etiópia enviou tropas para a Somália em 2006 para combater os islamistas. As forças etíopes se retiraram em 2009 após sofrer fortes baixas.

Num vídeo de 2012, o ex-líder da organização disse que obedecia ao comando da organização terrorista Al-Qaeda. Analistas acreditam que por anos os dois grupos atuaram juntos.

Há ainda a suspeita de que o Al-Shabab tenha ligação com outros grupos extremistas da África como o Boko Haram, da Nigéria. Contudo, não se sabe qual o nível de relacionamento do Al-Shabab com o autoproclamado Estado Islâmico.

Quais são as redes de recrutamento?

Assim como outros grupos extremistas, o Al-Shabab também usa redes sociais como o Facebook e o Twitter para recrutar combatentes e disseminar informações sobre as atividades da organização.

A editora do serviço africano da BBC, Mary Harper, afirma que o Al-Shabab é muito ativo na internet e usa vídeos com rap e imagens de campos de treinamento na tentativa de atrair seguidores.

*Esse texto foi publicado originalmente em 21 setembro de 2013 e atualizado depois do novo ataque na capital da Somália, Mogadíscio.
BBC Brasil

Abrasão


Erosão costeira em Algarve


Processo erosivo ou de desgaste de rochas pelo impacto e/ou atrito/fricção de partículas ou fragmentos carregados por correntes eólicas, glaciais, fluviais, marinhas, de turbidez, pelo vai e vem de ondas.
GLOSSÁRIO GEOLÓGICO ILUSTRADO

Estudo indica áreas favoráveis para explorar a energia solar no Brasil


Para aproveitar o Sol



A produção de energia elétrica por meio de tecnologia solar fotovoltaica no Brasil está crescendo em ritmo acelerado, embora ainda represente menos de 0,02% da matriz de energia elétrica do país. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a potência instalada no território nacional no primeiro trimestre deste ano atingiu 107,6 megawatts (MW), 15 vezes mais do que a registrada no mesmo período em 2015. Para orientar a expansão da exploração desse tipo de energia no país, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) lançou a segunda edição do Atlas brasileiro de energia solar, que reúne um conjunto de informações acumuladas nos últimos 17 anos sobre a incidência de radiação e os locais mais propícios para a instalação de módulos fotovoltaicos. O documento substitui a primeira versão do Atlas, lançada em 2006, que reunia um espectro de informações menor, referentes à década anterior.

Produzido em colaboração com instituições como as universidades federais de São Paulo e de Santa Catarina, a Tecnológica Federal do Paraná e o Instituto Federal de Santa Catarina, o Atlas identificou um potencial de geração de energia solar no Brasil que chega a 2.281 quilowatts-hora por metro quadrado por ano (kWh/m²/ano), o suficiente para produzir o equivalente a três vezes o consumo residencial anual nos estados da Bahia e de Pernambuco. O estudo reafirma que os maiores valores de irradiação solar ocorrem no chamado Cinturão Solar, faixa que vai do Nordeste ao Pantanal (ver mapa), em especial no sertão da Bahia e em boa parte de Minas Gerais. Uma novidade é a recomendação de que os investimentos em novas plantas de geração de energia fotovoltaica busquem também áreas mais ao sul, que abranjam o sudoeste de Minas Gerais, passando pelo noroeste de São Paulo e o norte do Paraná. Embora apresentem níveis de irradiação solar um pouco mais baixos que os do Nordeste, essas áreas têm acesso a mais pontos de conexão com o sistema interligado de transmissão de energia elétrica do país.

“Os estados do Nordeste têm alta incidência solar, mas estão em uma região com menos opções de conexão com a rede nacional de distribuição de energia elétrica . Isso pode inviabilizar projetos na região, porque torna mais cara a interligação dos sistemas fotovoltaicos às redes de distribuição”, explica o físico Enio Pereira, pesquisador do Laboratório de Modelagem e Estudos de Recursos Renováveis de Energia do Inpe e coordenador do estudo. Procura-se com isso evitar problemas como os enfrentados na produção de energia eólica no país. “Alguns parques eólicos foram instalados no Nordeste sem linhas de transmissão suficientes. Essa situação acabou impondo a necessidade de novos investimentos no transporte de energia.” O custo de implantação da energia solar ainda é alto. Atualmente, são necessários aproximadamente R$ 8 milhões para erguer uma central solar com potência instalada de 1 megawatt (MW). Esse investimento representa em média três vezes mais do que o necessário para construir uma central eólica com a mesma capacidade. O Brasil conta com algumas centrais solares, como a Usina Solar de Tauá, no sertão cearense, e a Usina Solar Cidade Azul, no município de Tubarão, em Santa Catarina.

Monitoramento atualizado
Assim como aconteceu com o Atlas de 2006, a nova edição se propõe a orientar a elaboração de políticas para o setor de energia solar. “O primeiro Atlas foi lançado em uma época em que a energia solar fotovoltaica dava seus primeiros passos e ajudou a Empresa de Pesquisa Energética [EPE, empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia] a implementar os primeiros projetos”, afirma Pereira. O novo estudo traz um conjunto maior de dados e análises. “Refinamos os dados e aperfeiçoamos as metodologias. O Atlas funciona como uma ferramenta para incentivar os investidores a implementar mais projetos de energia solar, agora com uma base mais confiável de evidências”, ressalta. As informações foram coletadas em mais de 500 estações solarimétricas espalhadas pelo território nacional e no monitoramento por satélite dos índices de irradiação solar dos últimos 17 anos.

O Brasil, mostra o estudo, tem uma distribuição bastante uniforme de irradiação solar, que varia pouco na geografia do país. Uma exceção é a região amazônica, que tem muitas chuvas durante o ano e, por isso, não desperta interesse para grandes empreendimentos em energia solar. “A nebulosidade na Amazônia tem impacto negativo sobre a geração de energia em centrais solares”, afirma Pereira.

Isso não impede que projetos de microgeração fotovoltaica, modelo baseado em painéis instalados nos telhados das casas, sejam implementados na região, alerta. A física Izete Zanesco, pesquisadora do Núcleo de Tecnologia em Energia Solar da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), salienta que o planejamento do setor deve levar em consideração as áreas que ficaram de fora do Cinturão Solar. “Como o Brasil tem níveis favoráveis de irradiação solar em todo o território, módulos fotovoltaicos podem ser instalados em residências ou empresas em qualquer lugar do país”, afirma. Já no caso de grandes centrais fotovoltaicas, ela reconhece que é mais produtivo seguir as informações do Atlas e instalá-las nas regiões com maior incidência solar.
A Aneel projeta para 2024 mais de 800 mil residências no Brasil produzindo a própria energia elétrica por meio de fonte solar. No caso da microgeração, com potência instalada menor ou igual a 75 kW, havia, no primeiro trimestre de 2015, 556 sistemas de microgeração de energia solar instalados no país. Em agosto de 2017, esse número havia saltado para 12.977. A maioria desses sistemas concentra-se nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. Um dos motivos do crescimento são as recentes mudanças na legislação e a regulamentação do setor, que permitiram que o excedente de captação de energia solar gerado, por exemplo, em residências, possa ser distribuído para a rede de eletricidade, gerando um desconto na fatura de energia dos produtores domésticos. Algumas empresas já transformam esse excedente em um crédito a favor do consumidor, como é o caso da CPFL Energia na região de Campinas.

Outro fator é que o preço dos sistemas fotovoltaicos caiu significativamente na última década, em parte devido à entrada da China no mercado fornecedor. “Hoje, mais de 80% dos módulos fotovoltaicos são produzidos na Ásia, especialmente na China, que também é o país que mais instala esses equipamentos”, explica o físico Arno Krenzinger, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com ele, o barateamento das placas pode favorecer a consolidação de mais empreendimentos no país, caso haja também políticas de incentivos mais fortes. “O Brasil depende da importação de células solares, um componente tecnológico dos módulos. Há grupos de pesquisa desenvolvendo esse material no país, mas não em escala industrial.” Mesmo mais acessível, trata-se de uma tecnologia cara para o consumidor comum. “O investimento para quem quer instalar um sistema fotovoltaico de 2 kilowatts na residência é de aproximadamente R$ 15 mil”, estima Izete Zanesco. Isso representaria, em média, uma economia de aproximadamente R$ 200 reais por mês na conta de luz, variando de acordo com o estado.

O Atlas identificou uma tendência de aumento da irradiação solar em quase todas as regiões do país. No Sudeste, por exemplo, a média diária de irradiação solar em 2006 foi de 5 kWh/m²/ano; em 2014 houve um leve aumento, para 5,2 kWh/m²/ano. A exceção é a região Sul, que apresentou uma redução da incidência de radiação solar. Em 2006, a média era de 4,7 kWh/m²/ano e, em 2014, havia caído para aproximadamente 4,5 kWh/m²/ano. “Ainda assim, mesmo no local menos ensolarado do Brasil é possível gerar mais eletricidade solar do que no local mais ensolarado da Alemanha, um dos países mais avançados no uso dessa energia”, afirma Enio Pereira. De acordo com o pesquisador, os mecanismos físicos associados ao fenômeno ainda são pouco compreendidos.



Com potência instalada de 3 MW, a Usina Solar Cidade Azul, no município de Tubarão, em Santa Catarina, é uma das maiores centrais do país

O estudo do Inpe também aponta tendências tecnológicas ligadas à energia solar que poderiam ser mais exploradas no país. Uma delas é a energia heliotérmica, em que a radiação solar é captada e armazenada em forma de calor – Espanha e Estados Unidos são alguns dos países que usam essa tecnologia. “Trata-se de um processo em que se utiliza a energia solar para aquecer um fluido, que passa por uma caldeira e gera vapor na usina termelétrica”, explica Enio Pereira, do Inpe. O Atlas também recomenda a expansão do uso da energia solar para aquecimento de água a temperaturas abaixo de 100 °C, em substituição a sistemas de aquecimento elétrico ou a gás, como chuveiros.
Revista FAPESP

Nível do mar na costa brasileira deve subir



O nível do mar na costa brasileira, onde vive 60% da população, tende a subir nas próximas décadas. Nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, já têm sido registradas taxas de aumento do nível médio do mar de 1,8 milímetro (mm) a 4,2 mm por ano desde a década de 1950. No entanto, estudos sobre o impacto das mudanças climáticas no litoral ainda são escassos, segundo relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), lançado em junho no Rio de Janeiro. “Os impactos mais evidentes da elevação do nível do mar são o aumento de inundações costeiras e a redução da linha de praia. Mas há outros não tão perceptíveis, como a intrusão marinha, em que a água salgada penetra aquíferos e ecossistemas de água doce”, disse José Marengo à Agência FAPESP (5 de junho), coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e um dos autores do relatório.
Revista FAPESP

segunda-feira, 19 de junho de 2017

O ITER


Reator termonuclear em desenvolvimento desde 2006 é promessa de solução para o problema energético global.




A previsão é de que as instalações do novo reator estejam prontas em 2025. (foto: © ITER Organization)

Talvez, o leitor nunca tenha ouvido falar sobre o ITER, acrônimo, em inglês, para ‘Reator Experimental Termonuclear Internacional’. Mas esse é um dos projetos mais ambiciosos em andamento, que poderá ser o primeiro passo para resolver o problema energético do mundo.

Usinas nucleares convencionais usam como combustível o urânio 235, isto é, o elemento químico cujo núcleo tem 92 prótons e 143 nêutrons. Ao ser bombardeado com nêutrons, o urânio 235 se parte em núcleos mais leves, que se movem rapidamente. Essa energia de movimento acaba sendo usada para aquecer a água de um reservatório, que, por sua vez, move turbinas, gerando energia elétrica.

Apesar de a energia nuclear já ser responsável por mais de 10% da matriz energética mundial, há o perigo de acidentes graves, e os resíduos radioativos deixados ao final do processo são um problema constante.

Ao contrário de usinas nucleares convencionais, o ITER espera extrair energia da fusão de núcleos leves – mais precisamente, de dois isótopos do hidrogênio: o dêuteron (próton mais nêutron) e o trítio (próton mais dois nêutrons). Ambos são relativamente abundantes na natureza. O dêuteron, por exemplo, pode ser extraído da água do mar.

Quando o dêuteron e o trítio se fundem, são gerados um núcleo de hélio (dois prótons e dois nêutrons) e um nêutron. Nesse processo, por volta de 0,4% das massas do dêuteron e trítio se converte em energia. Pode parecer pouco, mas isso é o triplo do que se obtém em usinas nucleares convencionais, que já são milhões de vezes mais eficientes que termoelétricas, as quais queimam combustíveis fósseis gerando gás carbônico (CO2). Por sua vez, as usinas de fusão liberarão hélio, que é um gás inofensivo.




As partes da máquina estão sendo construídas em diferentes países, incluindo Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Rússia, Itália e Alemanha. (foto: © ITER Organization)

Em resumo, o ITER seria o primeiro passo rumo a uma fonte de energia limpa e abundante. O grande desafio é que, para que a fusão aconteça, o ITER terá que aquecer os isótopos do hidrogênio a temperaturas de 150 milhões de graus Celsius, ou seja, uns 10% da temperatura no centro do Sol. Esse plasma infernal, formando uma ‘sopa’ quentíssima de partículas, terá que ser mantido longe de tudo, por meio de campos magnéticos megapotentes. Não devemos subestimar os desafios tecnológicos envolvidos na fusão, mas eles podem ser superados.

O ITER é encabeçado pela União Europeia, China, Coreia do Sul, pelos EUA, pela Índia, pelo Japão e pela Rússia desde 2006. À época, o valor estimado para a construção foi de 5 bilhões de euros (hoje, cerca de R$ 18 bilhões), e o tempo para sua conclusão era de 10 anos.

Infelizmente, o projeto está atrasado em uma década. Contudo, as coisas começaram a melhorar desde o fim do ano passado, quando o gerenciamento do projeto passou para as mãos do francês Bernard Bigot. Mesmo assim, Bigot estima que a máquina não estará concluída antes de 2025, e que, depois disso, ainda serão necessários vários anos para que o objetivo original de gerar energia pela fusão de dêuterons e trítios seja alcançado.

A nova estimativa de custo quase que duplicou, passando a ser de 9,6 bilhões de euros (cerca de R$ 35 bilhões), o que levou o Departamento de Energia dos EUA a não garantir seu apoio ao projeto além de 2018 – mas esperemos que essa ajuda continue até o final. Dez bilhões de euros é o que custa um porta­aviões. Se podemos construir vários desses para nos matar, será que não podemos construir um ITER para (ajudar a) nos salvar?

George Matsas
Instituto de Física Teórica
Universidade Estadual Paulista
Revista Ciência Hoje

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Notícias Geografia Hoje


Rupturas nos canais da Transposição

 
“Mais uma vez o canal do Eixo Leste da Transposição do São Francisco se rompeu nesse fim de semana. (...) As orelhas estão em pé. Vamos acompanhando os desdobramentos”. Leia artigo completo de Roberto Malvezzi (Gogó).

(Por Roberto Malvezzi, Gogó* / Foto: Carmelo Fioraso).

Mais uma vez o canal do Eixo Leste da Transposição do São Francisco se rompeu nesse fim de semana. As imagens e vídeos da ruptura estão pela internet.

Diante desses fatos até mesmo o jornalismo paraibano começa questionar a qualidade técnica da obra realizada. Afinal, com os canais expostos há tantos anos ao sol do sertão, sendo remendados várias vezes, sempre restava uma interrogação sobre a funcionalidade desses canais e barragens.

Os responsáveis estão dizendo que a correção será feita rapidamente e que não há maiores problemas. Quem sabe seja verdade e o assunto morra aqui.

Mas, os sucessivos problemas apresentados desde seu curto funcionamento, comprometendo inclusive a chegada da água ao açude do Boqueirão, em Campina Grande, reforçam as dúvidas de quem já sabia das imensas dificuldades operacionais de uma obra desse porte, sobretudo a longo prazo.


Tempos atrás se elogiava muito a engenharia brasileira por realizar uma obra de tamanho porte. Agora há um silêncio e os problemas vão se acumulando. Segundo o hidrólogo João Abner, dos 9 m3/s bombeados do São Francisco, apenas 3 m3/s estão chegando ao açude do Boqueirão, em Campina Grande. Portanto, uma perda hídrica de 70%. Quem recebe essa pouca água fica contente, mas poderia chegar muito mais com uma obra infinitamente mais barata e eficiente.

Nosso receio sempre foi que essa obra fosse inviável também tecnicamente, além de tantos outros problemas de ordem econômica, ambiental, social e até éticos.

As orelhas estão em pé. Vamos acompanhando os desdobramentos. O pior será se essa obra mostrar-se mesmo inviável. Aí teremos que recomeçar tudo do zero, pensando novamente nas adutoras, sem falar na situação do rio São Francisco.

Mas, não há como sair do zero. Já houve muito tempo e muito recurso público perdidos. Pior, muita ilusão vendida para fins que nunca ficaram devidamente claros.

* Atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Conselho Pastoral dos Pescadores na região do São Francisco. Articulista do Portal EcoDebate, e possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais.
 https://www.cptnacional.org.br

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