domingo, 17 de novembro de 2013

Fenômenos polares





Cientistas desvendam os últimos enigmas da formação das luzes polares

As luzes, ou auroras polares, brilham quase sempre, embora em geral sejam fracas demais para serem observadas a olho nu. Só ocasionalmente elas se transformam, em poucos segundos, naqueles espetaculares fenômenos luminosos que parecem cobrir o céu com "cortinas vaporosas de luz".

As luzes coloridas aparecem quando elétrons colidem com átomos e moléculas de gás na alta atmosfera. Os pesquisadores acreditavam já ter desvendado há tempos, de onde os "elétrons celestiais" tiravam a energia necessária para desenvolverem uma "velocidade turbinada": segundo sua teoria, com os elétrons e núcleos de hidrogênio que o formam, o chamado vento solar levaria o campo magnético do Sol até a Terra. Nesse processo, as linhas do campo magnético solar se conectariam às terrestres - no lado diurno do nosso planeta -, separando-se de novo a uma distância entre 100.000 e 200.000 quilômetros da Terra, para se unir novamente entre si. Essa interação libera energia em forma de "ondas de Alfvén", que aceleram a viagem dos elétrons do vento solar rumo à Terra, eletrizando as luzes polares até o ponto da visibilidade a olho nu.

Mas essa explicação apresentava um problema: de acordo com a teoria da Física, as ondas de Alfvén, que transportam as partículas do vento solar, são lentas demais. Para percorrer os 100 mil quilômetros mínimos, elas teriam de gastar cerca de quatro minutos desde o seu ponto de partida até a Terra - mas as medições mostraram que o "modo turbo" da luz polar já é acionado pouco menos de um minuto depois que as linhas do campo magnético se reconectam de novo.

Agora, cálculos simulados realizados por Michael Shay, da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, sugerem que, além das ondas de Alfvén "normais", provavelmente também se formam as chamadas "ondas cinéticas de Alfvén" (KAW, na sigla em alemão): elas transportam os elétrons muito mais rapidamente até a atmosfera terrestre do que as ondas de Alfvén comuns. Como em uma tempestade, primeiro o raio atinge a Terra e só depois se escuta o som do trovão.
Revista GEO

sábado, 16 de novembro de 2013

Negócio tóxico


Em Acra, a capital de Gana, na África, um garoto joga uma TV descartada no chão para conseguir tirar os componentes de metal de seu interior e vendê-los. Na favela local de "Sodoma e Gomorra" - nome baseado nas cidades bíblicas do pecado - o lixo eletrônico dos países industrializados é uma importante fonte de renda. Kai Löffelbein registrou a cena. Quando as crianças desmontam os aparelhos, derretendo uma parte e queimando a outra, elas entram em contato com substâncias tóxicas, como chumbo e selênio e seus vapores, sem nenhuma proteção.
Revista GEO

O perigo cinza

Países asiáticos emergentes estão usando descontroladamente amianto nas construções
Colocação de telhados de amianto em Lakhmapur, na Índia


A Ásia está ameaçada por um "tsunami de amianto", afirma Ken Takahashi, chefe de um grupo de especialistas em Segurança do Trabalho da Organização Mundial de Saúde (OMS). Takahashi teme uma onda de mortes causadas por este material (amianto ou asbesto é o nome comercial de silicato natural hidratado de cálcio e magnésio), empregado em grandes quantidades no recente boom do setor de construção civil. O amianto serve como um barato material isolante e protetor contra incêndios, mas suas fibras podem penetrar no trato respiratório e provocar câncer pulmonar.

Como isso pode levar de 30 a 50 anos, o número de mortes registrado atualmente ainda é relativamente baixo. Além disso, a China não dispõe de estatísticas oficiais sobre o problema. Na Índia, as empresas que trabalham com amianto empregam cerca de 100 mil pessoas, a maioria sem nenhuma proteção trabalhista. O material é adquirido principalmente da Rússia - e do Canadá, onde as exportações de amianto ainda são permitidas, apesar dos protestos.

Revista GEO

A Lua é irrelevante

O satélite terrestre aparentemente teve pouca influência sobre a origem da vida na Terra - uma descoberta com implicações para o resto da galáxia


Até agora, os cientistas consideravam como certo que as formas de vida mais elevadas só puderam se desenvolver na Terra graças à nossa grande lua, porque sua força de atração estabiliza o eixo terrestre. Caso contrário, o eixo oscilaria como um pião de criança pouco antes de cair. O caos climático resultante desse desequilíbrio teria impossibilitado qualquer forma de vida complexa na Terra - bem como em 99% de todos os outros planetas semelhantes ao nosso, que não possuem um "estabilizador" desses.

Agora, entretanto, simulações computadorizadas realizadas por um trio de pesquisadores liderados por Jason Barnes, da Universidade de Idaho, nos Estados Unidos, revelaram que a coisa não é tão simples assim. Os dados mostraram que mesmo sem uma lua, o eixo da Terra só oscilaria de 10º a 20º - em um espaço temporal de meio bilhão de anos. De acordo com Barnes isso ainda teria um impacto sensível sobre o clima, "mas não excluiria o desenvolvimento de vida inteligente".

Os resultados obtidos pela equipe de Barnes sugerem que não é só a Lua que mantém a Terra estável; é especialmente Júpiter, com sua enorme força de gravidade, que exerce um "efeito calmante" sobre o nosso planeta (e a maioria dos outros que existem no sistema solar).

Os novos cálculos também indicaram que a Via Láctea poderia conter muito mais planetas semelhantes à Terra e com vida mais evoluída do que se pensava anteriormente. Um satélite de grandes dimensões simplesmente não parece ser um pré-requisito para uma biologia mais avançada.

Barnes calcula que não é mais apenas um por cento, mas possivelmente 75% de todos os planetas parecidos com a Terra que oferecem as condições para o surgimento da vida complexa. Entretanto, o cientista admite que a Lua tem outras propriedades além de estabilizar o nosso eixo planetário para estimular a vida - por exemplo, o ciclo de marés cheias e vazantes, que intensifica a dinâmica das águas nas zonas costeiras, gerando a produção de ricos nutrientes marinhos.
 Revista GEO

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Dicas de Leituras...

Caravana rumo ao reino dos mortos

A manhã está gelada em uma das regiões mais inóspitas do planeta: o deserto de Taklamakan, no noroeste da China. Daqui a pouco os camelos serão carregados e a expedição prosseguirá em busca de uma necrópole milenar. Na bagagem, os expedicionários levam a esperança de, por uma vez, serem mais rápidos do que os saqueadores de túmulos 
Fred Langer (TEXTO) e Urs Möckli (Diário e FOTOS)



Os pesquisadores exploram uma região que provavelmente nunca foi visitada antes por um arqueólogo. Eles se orientam por satélites e se locomovem como há 100 anos: a pé, com camelos de carga. Essa provavelmente é uma das maiores caravanas a atravessar o deserto de Taklamakan, desde a época dos primeiros exploradores europeus



No passado, verdejantes planícies fluviais cobriam a paisagem hoje coberta pelo mar de areia


O legado em madeira, de um glorioso passado na bacia do Tarim, só sobreviveu graças à extrema secura ambiental


As pessoas que sepultavam seus parentes no cemitério Ayala Mazar usavam remos como estelas funerárias – talvez para uma possível última viagem de barco até a outra margem? Alguns túmulos continham bonecos de madeira, como esses no centro da imagem. Seriam representantes de pessoas desaparecidas? Para esta foto, o fotógrafo colocou de pé os objetos descuidadamente descartados pelos ladrões de túmulos


Esta é a história de uma expedição que se transformou em uma corrida contra ladrões de túmulos
Também é a história de um explorador apaixonado, que procura uma necrópole perdida nas areias do deserto, e de um fotógrafo que documenta a aventura – e se torna testemunha de uma destruição cultural de enormes proporções.

23 de OUTUBRO de 2009. Partimos ao amanhecer em nosso veículo 4x4 e pegamos a nova rodovia do Deserto, que liga Hotan a Aksu. No quilômetro 206 encontramos a caravana e o resto do grupo. Nos meus ouvidos ainda ressoa o barulhento trânsito de Ürümqi; no entanto, já estou no meio do deserto de Taklamakan. O vento varre o mar de areia levantando redemoinhos delicados como véus. Isolados choupos-tremedores (Populus tremula) refletem a luz dourada do pôr do sol. No primeiro acampamento reina um caos de barris d’água, sacos de alimentos, uma parafernália de todos os tipos de equipamentos. É um corre- corre generalizado. “Onde estão os cabos?”, grita um; “Onde estão os legumes?”, grita outro. O fogareiro está aceso e os motores dos geradores roncam. Os uigures levaram seus camelos até o rio, a 10 km de distância, para que os animais possam beber água à vontade. Daqui em diante, eles – e especialmente nós – enfrentaremos marchas exaustivas e desgastantes através da areia fofa e profunda.

Este é o início do diário de expedição de Urs Möckli. O fotógrafo suíço acompanhou a viagem de 44 dias através de uma das regiões mais inóspitas da Terra. Möckli, de 54 anos, está habituado a situações extremas. Ele conhece os desertos do mundo: antes de se tornar fotógrafo, trabalhou para empresas petrolíferas e viveu durante meses com os beduínos. Além disso, já esteve duas vezes no Taklamakan, esse remoto mar de areia no extremo noroeste da China. Com seus 338.000 km2, ele é o segundo maior deserto de areias movediças (varridas pelos ventos) e dunas gigantescas do mundo, logo após o Rub al-Khali, no sul da Península Arábica.


Membros da expedição escavam um bebedouro: os cursos de rios secos escondem água subterrânea – é preciso apenas saber interpretar os sinais do deserto


26 de OUTUBRO. Levantei quando ainda estava escuro para sair na frente dos outros. Às vezes é o líder da expedição Christoph Baumer, às vezes sou eu quem vai deixando seus rastros na areia logo ao amanhecer. Daqui a umas duas horas, a caravana com seus camelos me seguirá. Nesse trajeto, Baumer e Jean-Daniel Carrard, o terceiro suíço da equipe, sempre desvia um pouco para a direita e a esquerda da rota, para lançar um olhar investigativo sobre a vasta paisagem deserta. Se tudo correr bem, eles me alcançarão à tarde. Nessa região, as dunas têm cerca de 20 m de altura (mais tarde elas chegarão a 60 m); o sobe e desce é suave, mas sempre seguimos pelas cristas mais firmes. A partir das 17 h começo a procurar um lugar ideal para acampar. Escurece tarde. Aqui, a 2.500 km de distância da capital chinesa, ainda vale o fuso horário de Beijing. Encontro uma depressão no terreno com suficiente madeira morta para fazer uma fogueira, e tamargueiras (Tamarix africana) para alimentar os camelos. Aos poucos, os outros vão despontando em meio à areia.

“Os outros” são os dez acompanhantes uigures, um intérprete e um cozinheiro; Urs Möckli e Jean-Daniel Carrard, um apaixonado explorador de desertos e diretor de uma empresa de instrumentos científicos microeletrônicos, além de Christoph Baumer, pesquisador cultural e chefe da expedição.

Aos 57 anos, Baumer sucumbiu ao fascínio do Taklamakan e aos seus enigmas arqueológicos. Esta é sua quinta expedição à região – e mais uma vez ele investiu muito dinheiro privado nessa viagem. Dessa vez ele quer arriscar a travessia com camelos.

A utilização desses animais tem uma razão prática: eles se locomovem em terrenos onde nenhum veículo tracionado consegue avançar– por exemplo, na transposição das elevadíssimas dunas. A perda de um camelo não é trágica, mas a falta de um veículo poderia colocar em risco todo o empreendimento. Em uma caravana as cargas são distribuídas nos lombos de muitos animais e, por mais inóspita e remota que seja a região, sempre é possível encontrar água potável para os camelos – mesmo que subterrânea. “Basta cavar no lugar certo e, a poucos metros de profundidade, já se encontra água”, explica Baumer. A razão para isso é surpreendente: no passado, essa paisagem era toda entrecortada por rios caudalosos e esses cursos subterrâneos são o que restou deles.

A caravana também é uma reminiscência histórico- cultural. Christoph Baumer nutre uma admiração especial por sir Marc Aurel Stein, o arqueólogo que, no início do século 20, investigou as culturas ao longo da Rota da Seda para o Museu Britânico e realizou suas viagens com caravanas de camelos. Baumer já publicou vários livros e é considerado um especialista em civilizações antigas da Ásia Central. Nessa expedição (ele já escreveu para GEO sobre outra, empreendida em 2007/2008) ele quer explorar um território ainda desconhecido e retroceder alguns milênios na história. Sua intenção é afastar-se da Rota da Seda, que se estende em duas vias pelas margens norte e sul do Taklamakan e viveu seu apogeu no século 13, quando supostamente conduziu Marco Polo até a corte de Kublai Khan. Baumer quer encontrar ruínas de assentamentos humanos de 2.500 anos no meio do deserto e prosseguir rumo às relíquias da Idade do Bronze, escondidas nas profundezas inexploradas desse imenso mar de areia.

Ele quer visitar os resquícios de uma misteriosa cultura de nômades camponeses que floresceu há quase 4.000 anos aqui, onde hoje existe apenas um deserto ermo e empoeirado, e da qual até agora só foi descoberto um sítio arqueológico significativo: Xiaohe, 600 km mais a leste, nas proximidades do salar de Lop Nor.


O fato de os camelos saberem poupar suas energias e suportarem o procedimento diário de carga e descarga é vital para a expedição. Os animais carregam, entre outros itens, 50 kg de água e mantimentos que são preparados por cozinheiros uigures


28 de OUTUBRO. Chegamos ao primeiro destino. Montamos nosso acampamento de base durante alguns dias perto de Jumbulakum para explorar os arredores dessa cidade antiga. Ontem mesmo Christoph já encontrou cacos de terracota, alguns artefatos de ferro, resíduos de lenha queimada e carvão – indícios promissores. Agora estamos no delta interior do rio Keriya, que no passado fluía da direção sul e se espalhava pela paisagem, mas hoje recuou 60 km. A área está cheia de detritos de madeira morta – evidência

Por volta de 500 a.C., no apogeu da Atenas helenística, Jumbulakum era uma próspera cidade fortificada, cercada por uma muralha de quatro metros de altura em forma de anel. Sua descoberta por uma expedição sino-francesa, em 1994, foi considerada sensacional porque ninguém acreditava na existência de sítios antigos no interior do deserto.

De um lado, as areias do deserto de Taklamakan preservaram extraordinariamente bem seus tesouros devido à baixíssima umidade do ar e da alta salinidade do solo arenoso, mas as tempestades de areia lixaram e erodiram tudo o que desponta das dunas. Quando a expedição chega a Jumbulakum, Möckli fica decepcionado com o que vê.


29 de OUTUBRO. O local está muito deteriorado. Como é que alguém pode se empolgar com esse monte de areia, quase indistinguível do próprio deserto? O vento erodiu as muralhas de Jumbulakum, transformando-as em pó. Fotografar de modo razoavelmente decente os restos dessa instalação será um desafio!

A manhã está nublada e um vento frio sopra do leste – isso não é um bom sinal. Em pouco tempo somos envoltos por uma poeira finíssima. Uma tempestade de areia. Nessas condições, é impossível fotografar. O panorama está ficando cada vez pior e não se vê mais nada. Voltamos às pressas ao acampamento. Ele está a apenas 600 m de distância, mas sem um GPS poderíamos perdê-lo de vista nessa tempestade que nos deixa praticamente cegos. Às vezes acho chocante como somos dependentes desse pequeno aparelho.E se os satélites, a partir dos quais ele calcula a nossa posição, fossem subitamente desligados?
 Ler mais...
Revista Geo

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

... E o que comeremos amanhã? Conceitos revolucionários para alimentar o mundo

Carne, legumes e frutos do mar em abundância. Muito bonito de se olhar, mas essa fartura só chega à mesa de uma minoria da população mundial. Se a raça humana quiser continuar satisfeita futuramente, ela terá que mudar radicalmente o modo como produz e consome os alimentos. Nas cozinhas experimentais voltadas para o futuro já fermentam novas ideias: salsichas de biorreator, espetinhos de insetos, peixes de fazendas de piscicultura, alface cultivada em arranha-céus e arroz geneticamente alterado 
Por Fred Langer (texto) e Susanne Krieg (texto) Jean-Paul Bertemes, Florian Hanig , Malte E. Kollenberg und Fabian Kretschmer (colaboração)


Carne, legumes e frutos do mar em abundância. Muito bonito de se olhar, mas essa fartura só chega à mesa de uma minoria da população mundial. Se a raça humana quiser continuar satisfeita futuramente, ela terá que mudar radicalmente o modo como produz e consome os alimentos. Nas cozinhas experimentais voltadas para o futuro já fermentam novas ideias: salsichas de biorreator, espetinhos de insetos, peixes de fazendas de piscicultura, alface cultivada em arranha-céus e arroz geneticamente alterado


Espetada em ganchos, a mercadoria animal flui em uma corrente contínua para ser secionada em porções: estação final dos frangos de engorda, que se tornaram um símbolo do tratamento questionável dispensado a essas criaturas quando elas são criadas em escala industrial – mesmo que as fábricas de aves tenham nomes tão idílicos como “Fazenda dos Prados”


“Comam mais insetos!” Este não é o slogan de campanha dos seguidores de alguma seita bizarra, mas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Com boas razões: gafanhotos e seus congêneres são nutritivos e existem em abundância. Só que... Em nossa cultura, o consumo dessas iguarias crocantes é considerado, no mínimo, um ato de coragem


As instalações na Califórnia, lembram as longas fileiras de casas próprias dos Estados Unidos; mas aqui seus habitantes não são pessoas e sim bezerros. Os animais não crescem livremente, mamando nos úberes de suas mães, mas em “condições controladas”. Na foto maior: cordeiros de abate, na Itália

Maastricht, Holanda. Mark Post está de pé ao lado de incubadoras, microscópios e exaustores ainda embalados, mas promete resolver os problemas mais prementes da humanidade: com um hambúrguer. Seu bolinho de 125g de carne moída deverá pôr fim à fome, às epidemias e ao aquecimento global.

O médico especialista em fisiologia vascular está construindo um laboratório na Universidade de Maastricht, onde seus alunos doutorandos criarão fibras musculares em placas de Petri. As cerca de 3.000 pequenas tiras fibrosas serão transformadas em bolinhos de carne moída e grelhados – diante “das câmeras do mundo”, como espera Post.

O churrasco público deve marcar o início de uma nova era, pois o cientista quer abolir a produção de carne tradicional. Post acredita que a carne do futuro será produzida a partir de células-tronco de animais vivos e “amadurecida” em biorreatores. “Pois não existem outras alternativas!”

A razão por que o mundo muito em breve não poderá mais se dar ao luxo de alimentar seu desejo de carne é óbvia: de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), a produção de carne gera quase 20% dos gases de efeito estufa – mais do que todos os carros, aviões, trens e navios juntos. Além disso, a engorda de animais ocupa cerca de 80% de todas as áreas agrícolas aproveitáveis do mundo e consome quase um décimo de sua água doce.

A FAO prevê que o consumo de carne dobrará até 2050 – o que não é uma consequência da expansão da população mundial. O problema é sua crescente prosperidade. Na China, Índia e em outros países emergentes, cada vez mais famílias chegam à classe média – e querem consumir carne – não só como um ocasional assado de festa.

Ou então elas querem comer frutos do mar, o que está depauperando os mares. Atualmente, os navios pesqueiros do mundo capturam 80 milhões de toneladas de peixes por ano, provocando o colapso de muitas populações e a ruína da indústria pesqueira, que está perdendo 50 bilhões de dólares anualmente, porque o mar produz cada vez menos.

Por essas razões, especialistas estão investigando com urgência conceitos revolucionários para criar uma nova dieta para humanidade. Quais são as ideias mais promissoras? O que está sendo servido nas cozinhas experimentais da ciência? Para descobrir, visitamos visionários, pesquisadores e profissionais que trabalham no desenvolvimento de receitas para o futuro


A CARNE DE LABORATÓRIO
Na realidade, a mesa global é farta. O mundo poderia produzir alimentos para mais de 10 bilhões de pessoas se todas fossem vegetarianas, afirma Mark Post em seu laboratório holandês. Infelizmente, os não-carnívoros constituem a vasta minoria; Post também não faz parte deles. Por isso, ele se propôs a reinventar a carne.

O médico-cientista diz que até poderia “criar um design” para deixar as pessoas mais saudáveis: por exemplo, ao substituir as gorduras prejudiciais da carne por saudáveis ácidos graxos ômega- 3. “Posso imaginar que futuramente os médicos prescreverão hambúrgueres aos seus pacientes em vez de proibi-los”, declara Post. Então é apenas uma questão de tempo até que a carne moída de laboratório possa ser encontrada na seção refrigerada dos supermercados? Além de Post, uma série de pesquisadores, inclusive americanos, conseguiu reproduzir células musculares de animais vivos em placas de Petri – e todos afirmam em uníssono que os desafios básicos já foram resolvidos.

Ironicamente, Post chama o hambúrguer-maravilha que ele e seus colaboradores pretendem grelhar publicamente dentro de cerca de um ano de “quarter-pounder” (em português, “quarteirão”, sendo que 1/4 de libra corresponde a cerca de 125g) – o que não é uma referência ao peso do hambúrguer, mas à soma de 125 milhões de euros (cerca de R$ 294 milhões).

Essa é a quantia de dinheiro necessária para desenvolver o protótipo. “Ele resulta completamente do trabalho manual de cientistas”, diz Post e explica: primeiro, seus doutorandos terão de isolar células-tronco adultas de músculos de suínos ou bovinos saudáveis. Em seguida, essas células serão cultivadas em uma solução nutritiva em placas de Petri até formarem pequenos músculos. Por fim, esses minimúsculos serão esticados entre diminutos “postes” de polímeros de açúcar, que se decompõem com o tempo, para que eles desenvolvam tônus. O resultado do processo é uma faixa gelatinosa branca e translúcida. E isso terá algum sabor? pergunto.

Post confessa que ainda não provou nenhum pedaço: “Afinal, um doutorando trabalhou durante semanas nele, então não posso simplesmente comê-lo.” De qualquer modo, ele parte do princípio de que o sabor e o aroma terão de ser adicionados artificialmente mais tarde.

Mesmo porque, até hoje não se sabe exatamente o que constitui o sabor da carne: o ferro no sangue, a gordura? Os músculos derivados de células-tronco de bovinos terão um gosto diferente dos músculos de células-tronco de suínos? E mais: será que as pessoas consumirão carnes artificiais como essas?

Em outra área de pesquisa, uma barreira de asco e repulsa faz com que uma fonte abundante de proteínas não tenha sido aproveitada até agora – pelo menos não nos países ricos do Ocidente. Por essa razão, os peritos em alimentação da FAO vêm exclamando em vão: “comam mais insetos!” Eles afirmam que gafanhotos, larvas e formigas são ricos em proteínas e gorduras insaturadas, e cheios de vitaminas e minerais. Além disso, a criação industrial de insetos seria algo quase natural, uma vez que eles constituem um verdadeiro maná da natureza. Uma Terra da Cocanha (país mitológico da abundância e facilidade da Idade Média). O único problema grave é sua aceitação.

Então a solução é a carne de laboratório? Sob a orientação da jovem professora de biotecnologia, Daisy van der Schaft, um grupo de pesquisadores de Eindhoven, no sul dos Países Baixos, procura métodos mais futurísticos ainda: ao contrário de seus colegas dos Estados Unidos, a cientista não quer produzir carne a partir de células-tronco de animais adultos, mas de células-tronco embrionárias. Essas têm a vantagem de se multiplicar muito rápida e quase infinitamente. Dez células poderiam produzir mais de 50.000 toneladas de carne.

Independente do método, ainda há muitos problemas não resolvidos na produção da carne artificial. Os biólogos se questionam, por exemplo, como “treinar” os músculos em desenvolvimento, pois eles precisam se exercitar para acumular proteínas. Experimentalmente, os cientistas aplicaram impulsos elétricos aos retalhos de carne para provocar contrações, mas os resultados dos “exercícios” com choques elétricos foram incompatíveis com um consumo racional de energia.

Outra questão em aberto é como as células-tronco poderiam ser alimentadas com oxigênio e nutrientes – sem veias nem sangue – em uma produção em massa. Na placa de Petri, isso ocorre por difusão; mas quando os músculos atingem uma espessura superior a dois milímetros as células internas ficam subnutridas. Mark Post visualiza uma espécie de sistema capilar ao redor do qual as células se multiplicam e são alimentadas simultaneamente.

Uma coisa é certa: ainda será preciso investir centenas de milhões de euros para que a carne de laboratório possa ser produzida industrialmente, como uma mercadoria. E até que os cientistas consigam um avanço nesse sentido, eles provavelmente ainda passarão dezenas de milhares de horas nos laboratórios – pelo menos no caso da carne.

É necessário dar um grande passo e nós, seres humanos, somos capazes de dá-lo. Nosso último avanço evolucionário ocorreu há aproximadamente 12 mil anos quando, na chamada Revolução Neolítica, o homem progrediu de coletor para agricultor e de caçador para criador de animais. As manadas de gazelas da região do Mediterrâneo e os mamutes do extremo norte haviam sido extintos ou fugiram de uma mudança climática radical. E, em vez de perseguir até os últimos exemplares de suas espécies, o homem preferiu levar para suas aldeias bovinos, suínos, ovinos e caprinos selvagens e domesticá-los.

Agora estamos no início de um processo que alguns peritos consideram igualmente impactante – mas que será mais fácil de ser realizado do que gerar carne em biorreatores: o homem está começando a domesticar as criaturas selvagens dos mares.

Precisamos de 12 milênios para colocar aos nossos serviços 294 espécies de animais e plantas terrestres. Na aquicultura conseguimos fazer isso em poucas décadas com 480 espécies – 106 delas foram acrescentadas só nos últimos dez anos. Embaixo da água, a revolução alimentar já começou.

Chineses já praticam a aquicultura há milênios. Atualmente, a China é o líder mundial da piscicultura. Muito mais modernos são os currais de salmões no lago Fryken, na Suécia – mas eles causam problemas ambientais

A FAZENDA DE PEIXES
Büsum, costa norte da Alemanha. “Precisamos aprender novas maneiras de aproveitar o recurso “peixe”, que frequentemente ainda exploramos do mesmo modo arcaico como há milênios”, diz Carsten Schulz, diretor científico da Sociedade para Aquicultura Marinha (GMA, na sigla em alemão). De sua mesa, ele olha por cima de campinas aluviais desabitadas para o dique do Mar do Norte; ironicamente, o estudo do qual foi coautor é intitulado “Fish in the City” (“Peixe na cidade”).

De acordo com ele, o peixe do futuro viverá em um andar qualquer de uma fábrica urbana e pertencerá a uma raça altamente produtiva que não foi gerada pela natureza, mas pela ciência. Munido com um chip de rádio para identificação individual, ele deslizará em grandes cardumes pelo mundo subaquático de um tanque equipado com sensores. Seu habitat será otimizado para uso industrial, mas funcionará como um ecossistema natural: em tanques conjugados, algas e mariscos se alimentarão dos resíduos da ração dos peixes e de seus excrementos, amadurecendo assim para se tornarem seus alimentos.

Esta certamente é uma inovação, mas a aquicultura praticada de forma muito menos mecanizada já é conhecida há milênios: há 4.000 os rizicultores chineses já “cultivavam” carpas em seus campos alagados. Atualmente, quase a metade dos peixes consumidos no mundo provêm de fazendas de piscicultura – embora essa atividade econômica também produza danos ambientais e riscos à saúde.

Infelizmente, a prática da aquicultura não se manifesta apenas em idílicas paisagens lacustres. Ela também significa desmatar os vastos manguezais das Filipinas, que estão cedendo seu espaço à criação industrial de camarões; a contaminação das águas pelas incontáveis toneladas de pesticidas, desinfetantes e antibióticos que os criadores vietnamitas do peixe pangasius, ou panga, despejam em suas lagoas; e as descargas de fósforo e nitrogênio dos currais flutuantes de salmões do Chile, que estão matando a vida nas baías.

Pelo menos no centro de pesquisa da GMA, dirigido por Carsten Schulz, esses são problemas do passado. Em Büsum, a aquicultura foi concebida como um sistema de circuito fechado – com filtros e bombas que limpam e reciclam as águas residuais e as fazem circular novamente pelos tanques.

Schulz olha para os monitores do painel de controle e vai clicando em várias colunas de números: a temperatura, o teor de oxigênio e salinidade, as condições de fluxo e o desempenho dos filtros têm de ser coordenados. Escumadores (também chamados de skimmers), peneiras de tambor rotativo, e tanques de sedimentação fazem a pré-limpeza mecanizada da água; bactérias a desintoxicam; e a luz ultravioleta e o ozônio, obtidos do ar local, a esterilizam. E ela é sempre reconduzida aos tanques pretos, nos quais crescem linguados e robalos. Nenhuma água suja ou contaminada sai para fora. Além disso, é impossível utilizar medicamentos em um sistema como esse, porque eles matariam os micro-organismos nos biofiltros. É uma máquina de peixes perfeita – só que lamentavelmente muito complicada e cara.

Até 2050, os peixes criados em viveiros de Aquicultura poderiam cobrir 62% da demanda global de proteínas

Vviveiros de enguias na província de Hubei


Portanto, os equipamentos precisam ser simplificados e barateados – um dos problemas básicos da aquicultura ecologicamente correta. Outro é a ração, que precisaria ser reinventada. Atualmente ela consiste principalmente de farinha produzida com pequenos peixes de cardumes, como sardinhas e anchovas. Mas suas populações também estão minguando, o que faz com que o preço da farinha de peixe não pare de subir.

Acima de tudo, porém, os custos ambientais dessa cultura exaustiva são astronômicos: os peixes pequenos deixarão uma lacuna na cadeia alimentar dos oceanos se os criadores continuarem a utilizá-los indiscriminadamente como ração para galinhas, porcos e salmões. O cúmulo do desperdício é a engorda do atum-rabilho: para ganhar um único quilo de peso, ele precisa devorar pelo menos 20 quilos de seus congêneres menores.



Pés de alface são cultivados em camadas verticais, na Coreia do Sul. Os vegetais crescem com luz artificial. O Japão, onde a terra arável é escassa, também está fazendo “agricultura vertical”.


Por essa razão, os cientistas de Büsum estão tentando transformar peixes predadores em variedades vegetarianas. Schulz quer substituir a farinha de peixe da América do Sul por extratos de batatas e colza, que resultam naturalmente da produção de amido ou biodiesel. Para descobrir qual espécie aproveita melhor a nova receita, os cientistas de Büsum examinam os excrementos dos peixes, analisam sua respiração, e medem o nível de seus hormônios de apetência – que controlam o reflexo de abocanhamento.

Eles já alcançaram um primeiro sucesso: “quando preparadas adequadamente, as proteínas de canola funcionam muito bem com trutas, que são comedoras agressivas”, explica Schulz. Comparativamente, o linguado é considerado um peixe “gourmet”, que experimenta uma ração e depois a cospe fora se não a achar palatável. “Para os linguados temos que adicionar sabores especiais aos ‘pellets’ de ração”, informa Schulz.

Mas há um porém: os ácidos graxos ômega-3, que tornam os peixes tão saudáveis para nós, não se formam quando a ração é pobre em óleo de peixe. Por isso, os pesquisadores buscam uma solução de longo prazo para futuros problemas alimentares humanos nas plantas marítimas: em algas e sargaços, que também são colhidos na aquicultura e que poderiam fornecer simultaneamente essas gorduras saudáveis.

Essa aquicultura ecológica, no entanto, ainda é uma visão futurística, pois em comparação com nossa experiência milenar com animais e plantas terrestres, nosso conhecimento sobre os habitantes marinhos ainda é mínimo. “A biologia reprodutiva da maioria das espécies ainda não foi pesquisada”, diz Schulz.

Não se sabe, por exemplo, que temperaturas de água são ideais para o picão-europeu (ou lucioperca) alcançar a maturidade sexual; nem como é possível capturar as larvas de halibutes-do-Atlântico, praticamente invisíveis a olho nu –, antes que elas encontrem um fim precoce nas baterias de filtros do circuito fechado.

Todas essas barreiras são acrescidas de uma deficiência política: a concorrência desleal em que se encontra a aquicultura. A União Europeia está investindo bilhões para modernizar suas frotas pesqueiras, e subvencionando o óleo diesel para navios, a manutenção das docas e também as licenças de pesca. Essa é uma das razões por que, até agora, não existe, em nenhum lugar do continente europeu, uma criação de peixes marinhos capaz de competir com a indústria pesqueira.

Ainda assim, a aquicultura atualmente já é o ramo mais dinâmico da indústria alimentícia. E o conceito básico do “Peixe na cidade” – isto é, produzir safras com rendimento máximo perto dos mercados, ocupando pouco espaço, e sob condições controladas –, poderia beneficiar também outros segmentos da economia: por exemplo, o da “agricultura urbana”.
Ler mais...
 Revista GEO

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Notícias Geografia Hoje

Par de estrelas recém-nascidas brilha intensamente
A dupla a apenas 20 anos-luz da Terra é surpreendentemente jovem


Adric Riedel/CUNY Hunter College/Museu Americano de História Natural
LEGENDA: VIZINHOS RECÉM-NASCIDOS: Localizadas a apenas 20 anos-luz da Terra, as duas estrelas de EQ Pegasi são tão jovens que brilham principalmente devido à gravidade, não a reações nucleares.

Ken Croswell


Ao contrário de muitas galáxias, nossa Via Láctea produz grandes quantidades de estrelas novas. Para estudar essas crianças estelares, observadores frequentemente se concentram em locais como a Nebulosa de Órion, uma nuvem de gás e poeira que fabrica estrelas a 1.350 anos-luz de distância. Agora astrônomos descobriram que um par de estrelas vermelhas próximas, chamadas de EQ Pegasi, é tão jovem que brilha principalmente devido ao calor de sua formação, e não de reações nucleares.

A descoberta pode dar a astrônomos a chance de vislumbrar o brilho de planetas recém-nascidos, já que as EQ Pegasi ficam a apenas 20 anos-luz da Terra – menos de cinco vezes a distância até Alpha Centauri, o sistema estelar mais próximo.

Para esclarecer, as EQ Pegasi não são tão jovens ao ponto de ainda ficarem imersas no gás e poeira que lhes deu vida. “Minha impressão é que elas têm algo entre 50 ou 100 milhões de anos”, estima Benjamin Zuckerman da University of California, Los Angeles, o astrônomos que descobriu as jovens estrelas. Se nosso sol, com 4,6 bilhões de anos de idade fosse um adulto de 46, as EQ Pegasi não teriam mais de um ano de idade.

A descoberta foi um acidente. Zuckerman estava estudando estrelas jovens mais distantes e percebeu que as EQ Pegasi poderiam estar se movendo junto com elas. Em seguida, notou que as duas estrelas tinham uma luminosidade anormal – um sinal de sua juventude.

Uma estrela se forma quando uma nuvem de gás e poeira interestelar colapsa sob seu próprio peso. Conforme a gravidade comprime o gás, ele se aquece, como faz o gás comprimido, até brilhar – assim nasce uma nova estrela, que deve a maior parte de sua luz à gravidade, e não a reações nucleares. Durante a fase da chamada pré-sequência-principal a estrela é maior e, portanto, mais brilhante do que seria se estivesse mais madura. A estrela encolhe lentamente e seu brilho diminui até atingir a sequência principal, o estágio em que o núcleo estelar converte prótons em hélio e fornece toda a energia da estrela.

Nosso Sol brilhou durante 50 milhões de anos como uma estrela pré-sequência-principal. O sistema EQ Pegasi tem duas anãs-vermelhas, estrelas que são muito menores, mais frias e tênues que o Sol. Essas estrelas são muito mais numerosas que todos os outros tipos estelares juntos, mas são tão fracas que nenhuma delas é visível a olho nu. Uma anã-vermelha evolui lentamente e permanece na fase pré-sequência-principal, abastecida pela gravidade, por mais de 100 milhões de anos, com um brilho mais forte que o de estrelas da sequência-principal com a mesma cor. “As duas estrelas do sistema EQ Pegasi parecem ter uma luminosidade maior do que teriam se fossem apenas estrelas comuns da sequência principal”, explica Zuckerman. Como ele e seus colegas relatam no volume de 20 de novembro do The Astrophysical Journal, o sistema EQ Pegasi tem as duas estrelas pré-sequência-principal mais próximas da Terra.

Adric Riedel, astrônomo do Hunter College, acredita que Zuckerman esteja certo. Há dois anos, Riedel descobriu a recordista anterior, uma estrela pré-sequência-principal ao sul da constelação Órion chamada de AP Columbae, que fica a 27 anos-luz da Terra.

Riedel examinou espectros não publicados do sistema EQ Pegasi para verificar a gravidade de superfície de suas duas estrelas. A gravidade na superfície de uma estrela pré-sequência-principal é pequena, já que a estrela é mais extensa que uma da sequência principal. De acordo com Riedel: “As estrelas do sistema EQ Pegasi têm pouca gravidade – de maneira convincente. Então sim, eu diria que elas realmente são jovens.”

Estrelas recém-nascidas perto da Terra empolgam caçadores planetários: “Isso as torna alvos interessantes para buscas de imageamento direto de planetas extrassolares”, observa Sascha Quanz [é um homem], astrônomo do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, em Zurique. Assim como estrelas jovens, planetas gigantes de pouca idade também brilham com o calor de seu nascimento; além disso, devido à sua proximidade com a Terra, os planetas devem aparecer mais longe do brilho de sua estrela, o que os torna mais fáceis de ver. Observar um planeta diretamente dá a astrônomos a chance de estudar sua atmosfera. Quanz procurou planetas ao redor de AP Columbae, mas não conseguiu ver nenhuma. “Nós conseguiríamos ver um planeta gigante gasoso com a massa de Júpiter com uma separação de cinco UA, que é a separação de Júpiter em nosso sistema solar”, descreve Quanz. Uma UA, ou unidade astronômica, é a distância média do Sol à Terra.

O sistema EQ Pegasi fica sete anos-luz mais próximo de nosso planeta que AP Columbae, o que o torna um excelente alvo para caçadores de planetas. Como o EQ Pegasi é um sistema binário, porém, planetas não podem simplesmente existir em qualquer parte dele. As duas anãs-vermelhas ficam aproximadamente tão distantes uma da outra quanto Netuno do Sol. Planetas poderiam ter órbitas próximas de uma das estrelas, para que a gravidade da outra não os atraia. Ou poderiam ter órbitas bem vastas ao redor dos dois tênues sóis.

“Essa descoberta é mais uma prova de que ainda não conhecemos nossos vizinhos mais próximos muito bem”, observa Riedel. “Existem muitas surpresas na vizinhança”.
Scientific American Brasil

Notícias Geografia Hoje


Oceanos absorvem mais calor do que se pensava, diz estudo

Uma pesquisa que analisou dados da temperatura do Pacífico nos últimos 10 mil anos indicou que os oceanos têm absorvido uma parcela de calor muito maior do que se pensava.

O aquecimento das águas mais fundas do Pacífico nas últimas décadas foi maior do que em qualquer momento desde o fim da última Era do Gelo, sendo 15 vezes maior agora do que há 10 mil anos.

"Nós podemos ter subestimado a eficiência dos oceanos como armazéns de calor e de energia", disse Yair Rosenthal, da Universidade Rudgers, um dos autores do trabalho, publicado hoje na revista "Science".

"Pode ser que isso nos dê algum tempo para chegar a um acordo sobre o aquecimento global, mas quanto tempo, eu realmente não sei. Mas isso [a absorção de calor pelo oceano] não irá parar o aquecimento global", completou o cientista.

Para muito dos que negam o aquecimento global, o fato de na última década a temperatura média atmosférica ter aumentado em ritmo menor, ou mesmo diminuído levemente em alguns lugares, indicaria que o homem não é principal o responsável pelo fenômeno.

Com o novo trabalho, os cientistas sabem com mais precisão para onde esse calor está indo.

O trabalho se baseou na análise da quantidade de cálcio e magnésio de um organismo unicelular, o Hyalinea balthica, recolhido em amostras próximo à Indonésia, em uma região onde as águas do Pacífico e do Índico se encontram. Quanto mais quente estivessem as águas quando o organismo se calcificou, maior a proporção de magnésio em relação ao cálcio. 
Folha de S. Paulo

Notícias Geografia Hoje


Relatório da ONU pede esforço global para acelerar redução das emissões de carbono

REUTERS

As emissões de gases do efeito estufa em 2020 serão entre 8 e 12 bilhões de toneladas a mais do que o nível necessário para manter o aquecimento global em apenas 2 graus Celsius e evitar uma grave mudança climática, estimou um relatório da Organização das Nações Unidas nesta terça-feira.

O relatório anual do Pnuma (Programa nas Nações Unidas para o Meio Ambiente) analisou as atuais promessas de países para reduzir as emissões, e se seriam suficientes.

O estudo constatou a diferença de 8-12 bilhões de toneladas por ano entre as promessas e as reduções nas emissões que os cientistas estimam ser necessárias até 2020 para evitar os efeitos potencialmente devastadores do aquecimento global. A estimativa foi pouco diferente do levantamento de 8-13 bilhões do ano passado.

É "cada vez mais difícil" manter o rumo para limitar os aumentos de temperatura, e a ação global é necessária para acabar com a diferença de emissões, diz o relatório.

Em 2010, os países concordaram em agir para limitar o aumento de temperatura, mas muitos não conseguiram fazer as reduções de emissão para respaldar as promessas.

Representantes de mais de 190 países vão se reunir em Varsóvia, na Polônia, na próxima semana para uma conferência da ONU para discutir cortes de emissões sob um novo pacto climático, que será assinado até 2015, mas que só entrará em vigor em 2020.

Cientistas disseram que as emissões anuais não poderiam ser de mais de cerca de 44 bilhões de toneladas (gigatoneladas) por ano até 2020 para ter uma boa chance de limitar o aumento geral da temperatura a menos de 2 graus Celsius.

As emissões totais globais de gases que provocam o efeito-estufa em 2010 já são de 50,1 gigatoneladas, destacando a escala da tarefa adiante.

"Ação adiada significa uma taxa maior de mudança climática no curto prazo e provavelmente impactos climáticos no curto prazo, assim como o uso continuado de infraestrutura intensiva de energia e intensiva de carbono", disse o subsecretário-geral da ONU e diretor executivo do Pnuma, Achim Steiner, em comunicado.

Estudos mostraram que as emissões poderiam ser reduzidas em 14-20 gigatoneladas/ano a um custo de até 100 dólares por tonelada de dióxido de carbono equivalente se as promessas fossem mais ambiciosas e expandidas para incluir todos os países e mais indústrias, dizia o relatório.

O relatório cita o aumento da eficiência energética, energia renovável, melhorias nas práticas agrícolas e a reforma de subsídios ao combustível fóssil como maneiras de diminuir as emissões.

"Conforme seguimos para Varsóvia para a última rodada de negociações climáticas, há uma necessidade real de aumento da ambição por todos os países: ambição que pode levar os países mais rápido e mais longe na direção de resolver as lacunas das emissões e de um futuro sustentável para todos", disse Christiana Figueres, secretária-executiva da Convenção Básica das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, no comunicado. 
Folha de S. Paulo

Descubra as origens do fundamentalismo islâmico contemporâneo

As origens do fundamentalismo islâmico contemporâneo estão no Egito, pátria do atual número 1 da Al-Qaeda

Wagner G. Barreira

Quem viu, ao vivo ou pelas televisões do mundo todo, jamais vai esquecer. Dez anos atrás, as torres do World Trade Center, de Nova York, os prédios mais altos da cidade, despencaram depois de serem atingidas por dois aviões sequestrados por militantes da Al-Qaeda, o grupo fundamentalista islâmico que tem no Ocidente seu maior inimigo. Mas o radicalismo em nome de Alá começou muitos anos antes de as Torres Gêmeas terem sido erguidas. Começou na cidade egípcia de Ismailia, quando o acadêmico e professor Hassan al-Banna e mais 6 operários do Canal de Suez fundaram a Irmandade Muçulmana (IM), em março de 1928. "É da natureza do Islã dominar, e não ser dominado, impor suas leis sobre todas as nações e estender seu poder a todo o planeta", dizia Al-Banna.

O grupo cresceu rápido. Nos anos 1950, tinha 1 milhão de seguidores, num país com 18 milhões de habitantes. Entre os objetivos da Irmandade estavam a construção de escolas e hospitais. Mas havia outra agenda, que justificava o envio de militantes à Palestina do pós-guerra para combater o recém-criado Estado de Israel e o assassinato de autoridades egípcias. "Deus é nosso objetivo; o Alcorão, nossa Constituição, o Profeta (Maomé) é nosso líder; a Jihad (guerra santa) é nosso caminho e morrer pela glória de Deus é a maior de nossas aspirações." Era esse o lema da Irmandade.



E ele foi seguido ao pé da letra. Al-Banna foi assassinado em 1949 e o controle da IM caiu em mãos de radicais. Em janeiro de 1952, em retaliação a um ataque de forças britânicas a um quartel da polícia, a Irmandade coordenou um assalto ao Quarteirão Europeu do Cairo, que destruiu tudo que lembrava o Ocidente na cidade. Mais de 750 prédios ficaram em ruínas, e 20 mil pessoas, sem abrigo. "O Cairo cosmopolita estava morto", registra o jornalista Lawrence Wright em O Vulto das Torres. No mesmo ano, o general Gamal Abdel Nasser, com o apoio da IM, derrubou o rei Faruk. A questão é que Nasser era um nacionalista, não um defensor de um governo islâmico, e passou a reprimir o grupo.

No ano da morte de Al-Banna, o professor Sayyid Qutb, seu futuro sucessor, vivia nos EUA. E ele não gostou do que viu por lá. Uma de suas conclusões: o sexo é inimigo da salvação. "No início dos anos 1960, Qutb pregava uma guerra total contra todos os que não apoiassem as ideias do grupo", diz a historidora Isabelle Christine Somma de Castro, que estuda a Sociedade dos Irmãos Muçulmanos, o nome oficial da IM. Qutb foi enforcado em 1966. Um dos integrantes da Irmandade nessa época era o médico Ayman al-Zawahiri, de uma família de classe média alta egípcia. Para escapar da repressão do governo, ele buscou refúgio na Arábia Saudita. Ligou-se à Al-Qaeda e hoje, depois da morte de Osama bin-Laden, em 2 de maio, tornou-se seu líder.

Para o professor da UFRJ Francisco Carlos Teixeira da Silva, a primavera árabe, o movimento de oposição em países muçulmanos, trouxe uma nova medida. "A onda islamizante dos anos 1980 e 90 já passou. A maioria prefere abandonar o integrismo por uma distinção clara entre religião e política", afirma. "Os protestos em Túnis e Cairo são modernos e não diferem de ações que derrubaram ditaduras no Ocidente. A IM e o clero integrista não conduziram, e por vezes não apoiaram, o movimento popular."

Saldo dos atentados: 2 996 mortes
• 2753 no World Trade Center
• 184 no Pentágono
• 40 no voo 93
• 19 terroristas

Saiba mais
Livro
O Vulto das Torres - A Al Qaeda e o Caminho Até o 11/9, Lawrence Wright, Companhia das Letras, 2007
Uma das principais obras de referência sobre os acontecimentos daquele dia.

Revista Aventuras na História

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Islamismo: Como surgiu a divisão entre sunitas e xiitas



Como surgiram as diferenças entre sunitas e xiitas e como a divisão entre os muçulmanos tornou-se uma ameaça à paz mundial

Eduardo Szklarz / Design: Villas

Em 12 de março deste 2012, o líder religioso xiita Abdullah Dadou morreu sufocado durante o incêndio de uma mesquita em Bruxelas, na Bélgica. Ele tinha 46 anos e era pai de 4 filhos. Segundo as autoridades, as chamas foram provocadas por um extremista sunita que entrou no templo com uma faca, um machado e um galão de combustível. Ataques desse tipo estão pipocando ao redor do mundo. Em junho, por exemplo, a explosão de uma bomba no Paquistão matou 15 peregrinos xiitas que voltavam de uma viagem ao Irã.

A violência entre grupos xiitas e sunitas também deixou quase 200 mortos no Iraque. Nove deles eram jogadores e torcedores que morreram com a detonação de um artefato perto de um campo de futebol em Hilla, no sul do país. Todos os dias, a violência sectária faz novas vítimas. Por trás de todas essas cifras recentes, contudo, existe um conflito histórico que remonta às primeiras gerações de muçulmanos. Tudo começou com uma desavença política, que sofreu uma transformação gradual nos séculos seguintes. Os dois lados adquiriram diferenças teológicas, colecionaram ressentimentos e hoje protagonizam um confronto geopolítico. É o que você vai ver nesta reportagem.

O sucessor de Maomé

Para entender a disputa entre xiitas e sunitas é preciso voltar ao século 7, quando Maomé fundou o Islã. Segundo a tradição muçulmana, os seguidores do Profeta deixaram a idolatria para seguir Alá, o deus único. Maomé foi perseguido em Meca, sua cidade natal, e migrou para Medina – onde fundou a primeira comunidade islâmica (a umma). Lá, tornou-se um líder religioso, político e militar. E as revelações divinas feitas a ele ficaram registradas no Corão, o livro sagrado dos muçulmanos.

Maomé nunca deixou claro quem seria seu sucessor. Quando morreu, em 632, a comunidade muçulmana tinha um belo abacaxi nas mãos. Como seria escolhido o novo líder? Que funções ele teria? Quanto duraria o mandato? Assim, surgiram dois grupos antagônicos. “O primeiro, minoritário, preferia reservar a honra da linhagem profética à família de Maomé. Seu pretendente era Ali ibn Abi Talib, genro do Profeta, casado com sua filha Fátima”, diz o historiador Peter Demant, autor de O Mundo Muçulmano. “Para a segunda corrente, porém, qualquer fiel poderia ser candidato, desde que fosse aceito por consenso pela comunidade.”

O grupo menor formava o Shiat Ali, ou “partido de Ali”. Seus seguidores ficaram conhecidos como xiitas. A facção majoritária foi chamada de sunita (do termo Ahl al Sunna, “o povo da tradição”). Em meio à emergência de escolher um novo líder, o círculo íntimo dos seguidores do Profeta elegeu Abu Bakr, velho companheiro de Maomé. Abu Bakr usou o título de califa (khalifa khalifa), uma palavra árabe que combina as ideias de sucessor e representante. Os sunitas aplaudiram a escolha, mas o xiitas protestaram: eles
insistiam que Ali era o candidato legítimo.

Pouco antes de morrer, em 634, Abu Bakr apontou Umar ibn Al-Khatab como seu sucessor. As tropas de Umar expandiram o domínio do Islã pela península arábica, Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia e parte do Cáucaso. Em seu leito de morte, Umar nomeou um conselho para decidir quem seria o terceiro califa. E o escolhido foi Uthman ibn Affan, membro de uma família grã-fina de Umaya, em Meca. Uthman derrotou a Pérsia e ampliou ainda mais os domínios do califado, mas os conflitos internos minaram seu governo. As tribos nômades o identificavam com os privilégios dos aristocratas que Maomé havia combatido. A crise desbancou para uma guerra civil e rebeldes muçulmanos assassinaram Uthman em 656, abrindo espaço para que Ali – o preferido dos xiitas – se tornasse califa. “Quando Ali finalmente assumiu, as divisões eram profundas demais para que ele conseguisse impor sua autoridade”, diz Demant. Ali foi morto 5 anos depois – também pelas mãos de um opositor. Os xiitas apoiaram a posse de Hassan, filho de Ali, mas o jovem cedeu ante a oposição de Muawiya ibn Abu Sufyan, governador da Síria. Muawiya fundou então a primeira dinastia de califas: a dos omíadas, sunitas. Os sunitas reconheceram o reinado dos 4 primeiros califas – os Reshidun (“os retamente justos”). Para os xiitas só o reinado de Ali foi legítimo

A mutação do conflito

Nos séculos seguintes, a divisão passou a incluir também agravos e diferenças teológicas. E essas mudanças começaram a tomar forma em 680. Foi quando Hussein, filho caçula de Ali e neto de Maomé, comandou uma rebelião xiita para impedir que o califa omíada Yazid assumisse o trono. Hussein foi degolado e seus aliados acabaram mortos na Batalha de Karbala, no atual Iraque. “O tratamento dado a Hussein motivou ressentimentos entre os xiitas. A celebração de seu assassinato durante a Ashura (o décimo dia do mês de Muharran) se tornou um período emotivo no qual a comunidade xiita compartilha seu sofrimento”, diz Yvonne Haddad, professora de História do Islã na Universidade de Georgetown.

A tragédia também ajuda a entender por que os xiitas valorizam tanto a noção de martírio. Segundo Haddad, a principal distinção entre os grupos vem de sua visão de mundo. Sunitas acreditam que o Corão é a palavra eterna de Deus que coexistia com Ele antes da Criação. Já para os xiitas, o Corão foi criado no tempo e passou a existir quando Deus se revelou à humanidade. Isso faz toda a diferença na maneira como eles leem o livro sagrado. “Xiitas consideram que precisam ser guiados para interpretar o Corão na vida diária, pois o livro depende da época e do lugar. Assim, precisam um imã (líder religioso) para ajudá-los a entender a mensagem do Corão”, diz Haddad. “Os sunitas, por sua vez, acreditam que a palavra de Deus é a mesma e vale para qualquer tempo e lugar. Portanto, as opiniões dos clérigos sunitas não são tomadas muito seriamente. E aqueles que clamam por um retorno às interpretações originais são levados muito a sério. Sunitas tendem a ser mais doutrinários.”

Os dois grupos também seguem diferentes coleções de Hadith, as narrativas sobre atos e palavras do Profeta. Isso porque cada lado confia em narradores diferentes. Sunitas preferem aqueles que eram próximos de Abu Bakr, enquanto os xiitas confiam nos que pertenciam ao grupo de Ali. Aisha, por exemplo, é considerada uma fonte importante pelos sunitas e desprezada pelos xiitas por ter lutado contra Ali.

Aqui é possível fazer uma comparação com o cisma cristão, pois ele também deriva de um embate sobre a autoridade religiosa.

Católicos defendiam que a Igreja tinha o poder de definir o que é o cristianismo, enquanto os protestantes deixavam essa decisão na mão dos indivíduos. No caso do cisma muçulmano, a discussão é um pouco diferente. Sunitas creem que a autoridade está calcada na tradição, isto é, nas práticas do Profeta e de seu círculo íntimo tal como eles a definiram.

Já para os xiitas a autoridade está nas “fontes de emulação” – os líderes supremos da hierarquia religiosa xiita, como os aiatolás. Sunitas também consideram que o imã é simplesmente a pessoa que lidera a congregação, como o pastor dos cristãos. Já para os xiitas, o termo Imã (com letra maiúscula) assumiu um significado totalmente diferente. Ele se refere aos verdadeiros sucessores espirituais do Profeta Maomé, começando por Ali. Os xiitas veem os Imãs como uma espécie de santos – o que para muitos sunitas é uma verdadeira heresia.

Além disso, os xiitas cultivam uma expectativa messiânica sobre a vinda do Mahdi (Redentor), o que não se observa tanto na outra corrente. Ou seja: os sunitas são ancorados no passado, ao passo que os xiitas são mais experimentadores e olham mais para o futuro. O título de aiatolá, aliás, é bastante recente. E – veja só que ironia – acaba reproduzindo no Islã xiita a estrutura do clero cristão. “Os líderes do Irã já dotaram seu país dos equivalentes de um pontificado, de um colégio de cardeais, um conselho de bispos e, principalmente, de uma inquisição, coisas que eram todas alheias ao Islã”, diz o historiador britânico Bernard Lewis, da Universidade de Princeton, EUA. “É possível que acabem provocando uma Reforma.”

Assassinos: os avós dos terroristas

O martírio é uma noção fundamental entre as seitas xiitas. Mas nenhuma delas levou a ideia tão a sério quanto a Ordem dos Assassinos, que espalhou o terror na Pérsia e na Síria nos séculos 11 e 12. Seus integrantes eliminavam gente graúda: monarcas, ministros, generais e religiosos – do bando rival, claro. “O inimigo era o sistema político, militar e religioso sunita. Os assassinatos eram planejados para aterrorizá-lo, enfraquecê-lo e, finalmente, derrubá-lo”, diz o historiador Bernard Lewis no livro “Os Assassinos”. Executar a vítima significava um ato de devoção e envolvia um belo ritual. Segundo os relatos do explorador Marco Polo, que esteve na Pérsia em 1273, os chefes da seita ofereciam haxixe aos jovens convocados para matar – daí o nome Haxaxin, que depois derivou para Assassinos. A droga lhes dava um gostinho antecipado das delícias do Paraíso.

É que nenhum deles esperava sair vivo da missão. “Depois de matar, os Assassinos não tentavam fugir nem cometiam suicídio. Eles esperavam morrer na mão dos inimigos”, diz Lewis. Sempre usavam a adaga em vez de veneno ou armas de arremesso, o que tornava a operação muito mais arriscada. Atacavam em mesquitas, mercados ou palácios, agiam sob absoluto sigilo e muitos se vestiam de mulher para garantir o sucesso da emboscada. O fundador da seita teria sido o persa Hassan i-Sabah, conhecido como Velho da Montanha. Ele teria recrutado os primeiros Assassinos depois de se converter ao ramo ismaelita do xiismo no século 11 – época em que o Oriente Médio foi invadido pelos cruzados.

Disputa virou geopolítica

Atualmente, os sunitas representam cerca de 90% do Islã e os xiitas, 10%. A velha rixa é travada por governos cujos interesses vão além da tradição religiosa. “O que vemos hoje é um conflito geopolítico”, diz o escritor Reza Aslan, especialista em história do Islã. Para ele, há dois polos de influência no mundo islâmico: Arábia Saudita (sunita) e Irã (xiita). “Vemos diversos grupos fundamentalistas, como o sunita Al Qaeda, que acusa os xiitas de infiéis. Mas de onde vem a Al Qaeda? Da Arábia Saudita, que enxerga o Irã como a principal ameaça”, diz .

O conflito é alimentado com o dinheiro do petróleo. O Irã patrocina grupos terroristas xiitas, como o libanês Hezbollah. A monarquia saudita fomenta uma versão extremista sunita, o wahhabismo, ensinado em escolas e mesquitas ao redor do mundo. “O wahhabismo exerce uma influência tremenda sobre a diáspora muçulmana”, diz Lewis. “Em países não-islâmicos não existe controle sobre o que é ensinado nessas escolas. Há um ensino muito mais extremo em colégios muçulmanos da Europa e da América que na maioria dos países islâmicos.”

O Iraque virou palco perfeito para o embate entre os polos muçulmanos. Desde a retirada das tropas americanas do país, em dezembro, a violência sectária explodiu com atentados quase diários. A maioria xiita deseja vingar as atrocidades do ditador Saddam Hussein, um sunita. O Irã apoia as milícias xiitas. Os sauditas e a Al Qaeda atuam no campo rival. A dinâmica se repete pelo Oriente Médio. No Barein, por exemplo, a maioria xiita se rebela contra rei Hamad, que é sunita. Na Síria, principal aliada do Irã, a Primavera Árabe motivou uma rebelião contra o regime alauíta, da minoria xiita.

Segundo as Nações Unidas, os confrontos já produziram mais de 9 mil mortos no país. Isso não significa que o conflito seja mais violento hoje. Nos primeiros séculos do Islã, houve guerras massivas. “Nos séculos 7 e 8, os omíadas construíram um império sunita. E quem não fosse sunita era massacrado”, diz Aslan. “No século 8, os abássidas assumiram o poder. Eles descendiam de Maomé através de Fátima (filha do Profeta e mulher de Ali). Eram xiitas. E seu império massacrou sunitas.”

Livro
O Oriente Médio, Bernard Lewis, Jorge Zahar, 1996
Revista Aventuras na História

Conheça a história da rodovia Transamazônica


A Transamazônica foi criada sem planejamento e construída a toque de caixa durante a ditadura militar. Depois de 40 anos e nenhum objetivo alcançado, a pergunta é: para que ela serve? 
João Pedro Netto, de Brasília | edição Wagner Gutierrez Barreira

No dia 6 de junho de 1970, o general Emílio Garrastazu Médici, depois de visitar frentes de trabalho e testemunhar uma das secas mais devastadoras da história do Nordeste brasileiro, fez um discurso no Recife. “Com o velho hábito de comandante de tropa que vela pelo seu último soldado, o chefe da nação não pode compreender a existência de compatriotas vivendo em condições tão precárias”, registrou o presidente da República.

“Não, não me conformo. Isso não pode continuar.” Médici vislumbrou ali a solução para o flagelo da seca. Para usar uma frase que ficou famosa na época, o jeito era levar “homens sem terra para uma terra sem homens”. O caminho de um lugar a outro se chamaria Transamazônica.

Do discurso de Médici à inauguração da estrada, o processo correu em velocidade de Fórmula 1. Dez dias depois da fala presidencial em Pernambuco, foi criado o Plano de Integração Nacional (PIN), no qual a Transamazônica era o projeto prioritário. A concorrência foi lançada no dia 18 de junho e as obras começaram em 1º de setembro, menos de 3 meses após o comício. Foi de estalo. A Superintendência de desenvolvimento da Amazônia (Sudam) fez uma lista dos principais projetos de construção de estradas em 1969. No documento, não havia menção à Transamazônica.

Para conseguir dinheiro para a obra, Médici raspou metade do orçamento da Sudam e da Sudene. Uma estrada, já ensinavam os engenheiros de Roma antiga, serve basicamente para duas coisas. É uma estrutura militar, no sentido de permitir a rápida movimentação de tropas, e também liga áreas de comércio e garante a integração do território. A BR-230, o nome oficial da estrada, não fez uma coisa nem outra. A principal justificativa dos militares, a de integração nacional e a de criação de espaço para o desenvolvimento do homem nordestino, não colou. “Seria mais fácil promover a integração do Sul – desenvolvido, rico, industrial – com o Norte – subdesenvolvido, pobre, agrícola”, escreveram Robert Goodland e Howard Irwin em A Selva Amazônica: do Inferno Verde ao Deserto Vermelho?, de 1975. “A integração do pobre e populoso Nordeste com a pobre e quase despovoada Amazônia só se tornará exequível se os migrantes puderem sustentar a si próprios.”

O governo, porém, sonhava alto. Queria instalar na floresta 500 mil colonos (e esperava-se outro meio milhão de pessoas, que seriam atraídas para a região). Assentar essa multidão ao longo da estrada gerou uma das grandes ficções urbanísticas do Brasil. Os colonos ficariam em agrovilas, implantadas a cada 10 km da via. Os planejadores imaginavam que cada uma teria entre 48 e 64 casas, escola primária, capela ecumênica, armazém, clínica e farmácia. Havia até tamanho definido para cada terreno (de 20 x 80 m a 25 x 125 m).

Além disso, cada família teria uma gleba de 100 hectares, na qual teriam de deixar metade do terreno preservado. A cada 50 km, haveria uma agrópole, que teria 4 agrovilas sob sua jurisdição (cada agrópole teria 500 casas e no máximo 2,5 mil habitantes). Ali funcionariam uma escola secundária, olaria e pequeno comércio – claro, com um posto de gasolina. Por fim, a cada 150 km haveria uma rurópole, com duas agrópoles em sua jurisdição. Parece planejamento soviético, não? Pois nada deu certo. Hoje, existem apenas 20 agrovilas espalhadas pela Transamazônica. “Num primeiro momento, as vilas se estabeleceram em função da mão de obra necessária para a abertura da rodovia”, afirma Geraldo Alves de Souza, da Universidade Federal de Manaus.

“O pessoal foi indo embora junto com o canteiro. Os que continuaram ficaram perdidos, com dificuldades.” Os colonos não tinham crédito, acesso a mercados produtivos e muitas vezes nem terra. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) só conseguiu dar lotes e infraestrutura a 900 famílias. Segundo Pedro Petit, professor da

Universidade Federal do Pará (Ufpa), a propaganda do governo “favoreceu a vinda para a Amazônia, sem nenhuma ajuda oficial, de milhares de camponeses sem terra e minifundistas de diversas regiões do Brasil”.

Sem nem chegar perto do que havia sido planejado, a Transamazônica foi inaugurada por Médici em agosto de 1974. Em sua extensão, havia menos de 10% dos colonos imaginados. O marco da inauguração da estrada é um retrato de seu projeto. Sobre o toco de uma grande árvore centenária, em Altamira, no Pará, uma placa de metal dá a notícia do que se fez ali: “Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o sr. Presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a verde”. Pelo menos 4 mil operários trabalharam na construção da estrada.

E enfrentaram uma dura realidade: solo miserável, chuvas torrenciais e doenças tropicais. “A medicina terá de enfrentar a malária, tuberculose, lepra, filariose, verminose, febre amarela e febre tifoide, endemias que nem sempre podem ser controladas, e também as doenças desconhecidas, causadas por vírus ainda não isolados”, alertou o jornalista Alberto Tamer em Transamazônica – Solução para 2001, de 1970.

A estrada, entregue em tempo recorde, segue inacabada até hoje. De acordo com o plano original, ela seria um grande escoadouro da produção brasileira para o Pacífico. De Cabedelo, na Paraíba, o estradão iria até a cidade de fronteira de Benjamin Constant, no Amazonas (e de lá, pelo Peru e Equador, até o Pacífico). Mas seu ponto final foi em Lábrea, 687 km antes. Não há planos de expansão.

Para construir os 4 073 km da Transamazônica, o governo gastou 1,5 bilhão de dólares na época (hoje 7,7 bilhões de dólares). Não foi tarefa de pouca monta. A obra foi quase toda em mata fechada e a extensão da estrada poderia cobrir todo o continente europeu, de Lisboa, em Portugal, a Kiev, na Ucrânia. Mais da metade da estrada, 2,2 mil km, não é asfaltada. Durante o período de chuva, de 6 meses, é quase impossível transitar ali. A maior parte da via não tem sinalização e iluminação. A partir de Marabá, no Pará, quando começa o trecho de floresta, surgem os problemas. No Amazonas, dos 1,5 mil km de estrada, só 14 km são asfaltados. Nos anos 90, caminhoneiros indignados incendiavam as pontes de madeira, que costumavam ceder sob o peso das carretas. A maior parte dos rios da região é atravessado por balsas. Em muitos trechos, a “estrada da integração nacional” é só uma picada. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) vai gastar este ano, nos 1,56 mil km do trecho da estrada no Pará (metade deles pavimentado), 700 milhões de reais. Na briga entre homem e natureza, nossa espécie perde por goleada (ainda que cada gol que marque represente uma séria devastação no frágil ecossistema amazônico). A floresta parece não admitir grandes obras.

Foi assim na construção da Madeira-Mamoré, idealizada no meio do século 19, cuja construção foi de 1907 a 1912 e tinha o mesmo objetivo do estradão: fazer a ligação com o Pacífico. A hidrelétrica de Tucuruí, de 1984, é a maior usina 100% brasileira, mas seu lago causou uma tragédia ecológica depois que as árvores submersas começaram a apodrecer e gerar CO2.

A Zona Franca de Manaus, de 1967, enfrenta problemas de logística para abastecer o sul do país. A Transamazônica, que atravessa 7 estados brasileiros, gerou outros convenientes.

As estradas vicinais que partem de seu traçado ajudam a devastar a floresta. “É inegável a relação direta entre desmatamento e a construção de rodovias”, afirma o professor Alves de Souza. “O Brasil precisa decidir se quer uma Amazônia ligada por estradas ou uma Amazônia preservada.” O maior meio de transporte da região ainda é o barco. A Amazônia tem mais de 80 mil km de trechos navegáveis. Um transatlântico poderia avançar 3,7 mil km rio Amazonas adentro. Como dizem os autores de A Selva Amazônica, “de todos os paradoxos da Amazônia, o mais espantoso é o manto de silêncio e ignorância que a envolve”.

Livros
A Selva Amazônica: Do Inferno Verde ao Deserto Vermelho?, Robert Goodland e Howard Irwin, Itatiaia/Edusp, 1975


Revista Aventuras na História

domingo, 3 de novembro de 2013

Por que os russos têm cosmonautas e os americanos, astronautas?


Por causa da Guerra Fria, cada país usou uma palavra diferente

As expressões "astronauta" e "cosmonauta" se consagraram no início da década de 60, durante a corrida espacial entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos. As duas palavras são usadas para designar o piloto ou passageiro de um veículo espacial que viaja para fora da atmosfera terrestre. Os soviéticos escolheram a variante por causa da Guerra Fria.


Para falar dos viajantes espaciais da antiga União Soviética e da atual Rússia, dizemos cosmonauta (do russo cosmonaut), enquanto os do resto do mundo são astronautas. Em ambos os casos, o "nauta" deriva do grego nautes, que significa "marinheiro". A palavra astronauta apareceu pela primeira vez na ficção científica, obra do autor Neil R. Jones, em 1930, e acabou entrando para o vocabulário americano antes de ser empregada pela Nasa. Cosmonauta foi invenção da Agência Espacial Soviética. Em cosmonauta, o começo da palavra vem do grego cosmos, universo. Em astronauta, de ástron, estrela. Foi depois da viagem de Iuri Gagarin, o primeiro homem no espaço, no dia 12 de abril de 1961, que o termo cosmonauta passou a ser oficialmente empregado na ex-União Soviética. Em 1988, com a estreia da China em viagens espaciais, surgiu uma nova terminologia: taikonauta, da palavra chinesa taiko (espaço). Em 2006, o paulista de Bauru Marcos Pontes foi ao espaço num foguete russo, após ser treinado pela Nasa. Será que ele é o primeiro cosmonauta ou astronauta brasileiro? (Em seu site, Pontes crava astronauta).
Revista Aventuras na História

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos