sábado, 13 de fevereiro de 2010

O mapa-múndi da devastação

O tempo corre contra a humanidade no que diz respeito às mudanças climáticas causadas pelo efeito estufa. Veja a seguir um resumo do que poderá acontecer nas próximas décadas a partir da elevação da temperatura da terra

POR EDUARDO ARAIA

O presidente norte-americano, Barack Obama, tem mostrado, por palavras e atos, que vai dar à questão ambiental um tratamento muito diferente do dispensado por seu antecessor, George W. Bush. O mundo agradece, apreensivo. Se as medidas antipoluição propostas pelos EUA e outros grandes poluidores demorarem a surtir efeito, os cenários desenhados em relatório do Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU - responsável por avaliar a vulnerabilidade dos sistemas socioeconômicos e naturais perante as mudanças climáticas e as possibilidades de adaptação a elas - tenderão a, lamentavelmente, tornar-se realidade. Confira a seguir os prognósticos feitos para cada região do mundo.





Redução na pesca (acima) e escassez ainda maior de água vão marcar o cenário africano.
As alterações climáticas devem expor, até 2020, entre 75 milhões e 250 milhões de africanos a uma escassez maior de água. Um aumento da demanda pelo líquido teria graves reflexos em termos de subsistência para a população. A agricultura será duramente afetada. Deverá ocorrer uma diminuição da área adequada para plantio e da duração das épocas de cultivo, o que reduzirá o potencial de produção, em especial nas margens das regiões áridas e semiáridas. Em certos países, a queda na produção agrícola irrigada pela chuva poderá chegar a 50% até 2020. Tudo isso pioraria a precariedade da segurança alimentar e da qualidade de nutrição entre os africanos - um quadro agravado pela redução, devido ao calor, dos recursos pesqueiros dos grandes lagos do continente, já ameaçados pela pesca excessiva. No fim do século, a elevação do nível do mar terá impacto nas regiões litorâneas de baixa altitude e com grandes contingentes populacionais. Os cientistas do IPCC estimam que a adaptação custará entre 5% e 10% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países afetados. As alterações nas águas do mar deverão aumentar a degradação de mangues e corais, acarretando consequências negativas para a pesca e o turismo.


Inundações deverão levar transtornos às regiões sul, sudeste e leste da Ásia
O derretimento das geleiras do Himalaia provavelmente aumentará o número de inundações e avalanches (pedras anteriormente presas pelo gelo ficarão desestabilizadas) entre 20 e 30 anos. Essas geleiras abastecem diversas bacias hidrográficas, que deverão apresentar fluxos reduzidos conforme o gelo for diminuindo. As reduções provavelmente afetarão mais acentuadamente as bacias fluviais do centro, sul, sudeste e leste do continente. O incremento populacional e o esforço pela obtenção de melhores padrões de vida poderão levar mais de 1 bilhão de pessoas a enfrentarem problemas ligados à escassez de água até 2050. Inundações causadas pela elevação do nível do mar deverão afetar as áreas litorâneas, em especial as densamente povoadas que ocupam grandes deltas de rios (como Indo, Ganges, Mekong e Yangtsé). Estas últimas também poderão sofrer com eventuais avanços dos rios. Inundações e secas no sul, sudeste e leste deverão incrementar os índices de morbidade e mortalidade endêmicas ligados à diarreia. Outro problema sério de saúde no sul tenderá a ser a cólera, graças à elevação da temperatura da água. Até 2050, a agricultura asiática deverá mostrar mudanças substanciais. As safras poderiam crescer até 20% no Leste e Sudeste, mas cairiam até 30% no Centro e no Sul. Como se prevê que essas regiões continuarão a passar por processos acelerados de aumento populacional e urbanização, há riscos consideráveis de fome em vários países.



Na Austrália, as secas tenderão a aumentar

Massa continental mais seca do mundo, a Austrália terá problemas adicionais nesse aspecto até 2030, em especial nas regiões sul e leste (as mais populosas), em virtude da redução das chuvas e do aumento da evaporação. O extremo norte e áreas do leste da Nova Zelândia deverão passar por situação semelhante. Chuvas mais escassas e o aumento de incêndios deverão prejudicar ao longo das próximas décadas as safras produzidas no leste e na maior parte do sul da Austrália e em áreas do leste da Nova Zelândia. Este país, porém, poderá se beneficiar inicialmente com as mudanças climáticas: as regiões ocidental e meridional e as áreas próximas aos maiores rios passarão por épocas de plantio mais longas, mais chuvas e menos geadas. Espera-se até 2020 uma considerável redução da biodiversidade em redutos de grande fartura ecológica, como a Grande Barreira de Corais, o sudoeste da Austrália, o Parque Nacional de Kakadu (na região norte do país), as áreas alpinas e as ilhas subantárticas australianas e neozelandesas. Países cuja população está espalhada sobretudo pelo litoral, Austrália e Nova Zelândia correrão, até 2050, riscos significativos com a elevação do nível do mar e a multiplicação de tempestades mais violentas na costa.





Os europeus irão conviver com riscos maiores de inundações em áreas costeiras
Os cenários previstos são preocupantes. Tempestades mais frequentes e o aumento do nível do mar deverão aumentar os riscos de inundações em áreas costeiras e a erosão. Com a redução das geleiras e da cobertura de neve, as regiões montanhosas tenderão a sofrer grande perda de biodiversidade (se as emissões de CO2 persistirem altas até 2080, ela poderá chegar a 60% até 2080), com prejuízos para o turismo de inverno. A maior parte dos organismos e ecossistemas europeus terá dificuldade em adaptar-se às novas condições. As diferenças regionais em termos de recursos naturais deverão crescer. O sul será bem prejudicado, pois a tendência é de piora da seca e de redução da disponibilidade de água. Com isso, haverá queda na produção agrícola, no potencial de geração hidrelétrica e no turismo de verão. As ondas de calor e o número maior de incêndios florestais deverão multiplicar os problemas de saúde. O índice pluviométrico deverá cair nas regiões central e oriental, com reflexos negativos no abastecimento de água. As florestas tenderão a passar por um aumento no número de incêndios e uma queda em sua produtividade. Temperaturas mais altas permitirão uma produção agrícola maior no norte europeu, assim como o crescimento das florestas. Mas, com o passar do tempo, também se preveem inundações mais frequentes no inverno, aumento da instabilidade do solo e ameaças aos ecossistemas locais. No fim, os efeitos negativos deverão superar os positivos.



A floresta amazônica será uma das grandes prejudicadas com a elevação das temperaturas e as consequentes reduções do volume de água no solo. Nas regiões semiáridas, a flora local dará lugar a vegetais típicos de zonas secas. As terras situadas nos trópicos correrão riscos consideráveis de perda de biodiversidade. A agricultura e a pecuária também tenderão a sofrer prejuízos com as mudanças climáticas, o que tornará mais frágil a segurança alimentar do continente. Mas a soja poderá avançar em zonas de clima mais temperado. O derretimento e o desaparecimento de geleiras, além de mudanças nos índices pluviométricos, deverão afetar consideravelmente a disponibilidade de água para consumo humano, agricultura e geração de energia. Já a elevação do nível do mar trará riscos mais acentuados de inundações em áreas mais baixas e de prejuízos à saúde dos recifes de corais, o que poderá resultar em alterações da localização dos estoques de peixes do sudeste do Pacífico.




As novas condições do clima favorecerão a ocorrência de incêndios no Norte do Brasil

No Norte, as temperaturas mais quentes levarão a robusta cobertura vegetal do leste da Amazônia a dar lugar a savanas; uma elevação de pelo menos 4ºC poderá matar cerca de 85% das matas. As mudanças incluem ainda aumento de eventos extremos de chuvas e secas no Norte, Centro-Oeste e Sudeste, condições mais favoráveis a incêndios, perdas nos ecossistemas e na biodiversidade (especialmente na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado). As ondas de calor e as elevadas taxas de evaporação no Centro-Oeste e no Sudeste poderão prejudicar a agricultura, a geração de energia e a saúde. No Sul, os principais problemas serão as chuvas, em frequência e intensidade maiores, e as elevadas temperaturas, com reflexos na saúde da população e na sobrevivência das araucárias. No Nordeste, prevê-se a progressiva desertificação do semiárido, prejudicando a agricultura e induzindo a população a migrar para cidades. A elevação do nível do mar ameaçará mais as regiões Nordeste e Sudeste.


As temperaturas mais elevadas se refletirão, como no Ártico, na diminuição da espessura e da área das geleiras e da calota polar. Ecossistemas e hábitats específicos estarão vulneráveis à invasão de espécies antes barradas pelo frio. Segundo estudos recentes, a calota polar na parte ocidental da Antártida pode entrar num processo irreversível de derretimento neste século, caso as concentrações de CO2 continuem a crescer como previsto e a temperatura no mar subir 5 graus centígrados. Esse cenário representaria uma elevação de 5 metros no nível dos oceanos.



O degelo prejudicará ecossistemas no Ártico


O degelo prejudicará ecossistemas na Antártida
A espessura e a extensão de geleiras e da calota polar serão reduzidas, assim como o gelo marinho e o permafrost (área na qual o solo e o subsolo estão permanentemente congelados). Deverá haver ainda um aumento da erosão nos litorais e da profundidade do derretimento do permafrost. Com isso, ecossistemas naturais serão prejudicados. Os seres mais afetados, tanto no Ártico como na Antártida, serão os pássaros migratórios, os mamíferos e, particularmente, os predadores situados em posições mais altas na cadeia alimentar. As mudanças climáticas deverão trazer benefícios e malefícios para as comunidades humanas dessas regiões. As formas de vida tradicionais dos indígenas e a infraestrutura local, por exemplo, seriam afetadas de maneira negativa. Já a abertura de rotas de navegação e a queda nos custos de aquecimento representariam vantagens.



Em qualquer latitude, as pequenas ilhas deverão ser as porções de terra mais vulneráveis ao aquecimento global. A elevação do nível do mar e o aumento de eventos climáticos extremos, como tempestades e furacões, tenderão a castigar as áreas litorâneas, erodindo praias, branqueando corais e prejudicando fazendas de pescado. Temperaturas mais altas favorecerão invasões de espécies animais exóticas. A infraestrutura local também poderá ser afetada severamente, com efeitos muito danosos para o turismo. Em geral com recursos hídricos limitados, essas ilhas correrão o risco de ter uma demanda de água superior à oferta durante os períodos mais secos. De modo geral, a subsistência ficará bem mais difícil.



A elevação da temperatura deverá diminuir a cobertura de neve nas cadeias montanhosas do oeste, além de favorecer a ocorrência de inundações no inverno. A escassez de água se agravará em regiões que já a consomem excessivamente, como a Califórnia, e haverá risco de competição por esse líquido. As florestas poderão ser assoladas por pragas e pelo fogo; o período de risco de incêndios será mais longo e as áreas queimadas tenderão a ser ampliadas. A agricultura seria, em princípio, favorecida por uma mudança moderada no clima. A produtividade das culturas irrigadas pela chuva cresceria entre 5% e 20% no geral, mas os resultados seriam bem variados nas diversas regiões. Os cultivos cuja temperatura local já se aproxima de seu limite máximo de calor e os que dependem do uso intensivo de irrigação deverão passar por grandes desafios. O número, a intensidade e a duração das ondas de calor em centros urbanos deverão subir durante o século, com reflexos negativos para a saúde, especialmente para a população de terceira idade. As regiões litorâneas, nas quais se espera aumento populacional, infraestrutura cada vez mais onerosa e índices de poluição crescentes, terão sua vulnerabilidade ampliada com eventos extremos, em especial o aumento no número de tempestades tropicais.

Revista Planeta

Terra e saúde

As necessidades cada vez maiores de água para as pessoas, a indústria e a agricultura estimulam a exploração das reservas existentes no subsolo. Mas boa parte dos cuidados exigidos para esse aproveitamento ainda não é adotada

A geologia pode parecer distante das questões relativas à saúde humana. Contudo, as rochas são as peças básicas da superfície da Terra, uma vez que estão repletas de importantes minerais e elementos químicos. A maioria desses elementos entra no corpo humano através do ar, dos alimentos e da água. A decomposição ou a destruição das rochas formam os solos nos quais crescem colheitas e animais. A água potável viaja através das rochas e dos solos ao longo do ciclo da água, e muito da poeira, bem como alguns dos gases da atmosfera, tem origem geológica.

A geologia médica diz respeito à relação entre os fatores naturais geológicos e a saúde animal e humana, assim como à melhoria da compreensão da influência dos fatores ambientais na distribuição geográfica de problemas de saúde. Ela reúne geólogos e pesquisadores da saúde clínica e/ou pública na detecção de problemas de saúde causados ou exacerbados por materiais (rochas, minerais e água) e processos geológicos (tais como erupções vulcânicas, terremotos e poeira atmosférica).

A relação entre rochas, minerais e saúde humana é conhecida há séculos. Chineses, egípcios, muçulmanos e gregos já sabiam dos múltiplos benefícios terapêuticos de vários minerais e rochas, assim como dos diversos problemas de saúde que podem causar. Há mais de 2 mil anos, textos chineses descreveram o uso de 46 minerais diferentes com aplicações medicinais.

A lei básica da toxicologia foi enunciada pela primeira vez por Paracelso (1493-1541): “Todas as substâncias são venenos; não há uma única que não o seja. A dose certa diferencia um veneno de um remédio.” Assim, efeitos biológicos negativos podem advir tanto do aumento como da queda da concentração de vários elementos.

COMO IDENTIFICAR essas características geoquímicas de excesso ou carência em solos, sedimentos e água capazes de interferir na saúde, e quais são as ligações críticas entre elas e a saúde de seres humanos e animais? Há vários exemplos disponíveis. O vulcanismo e processos associados trazem metais e outros elementos à superfície a partir das profundezas da Terra. As cinzas vulcânicas introduzem novos elementos no ambiente e podem aumentar a toxicidade na cadeia alimentar. Nuvens dessas cinzas podem trazer importantes riscos para a saúde em nível global, causando problemas a curto ou a longo prazo, desde irritação pulmonar simples até silicose (doença crônica originária da inalação da poeira da sílica, que se fixa nos pulmões e causa degeneração fibrosa).

Os efeitos indiretos dos terremotos também são uma ameaça à saúde. Muitos dos problemas resultam de deslizamentos de terra causados por sismos, que mobilizam elementos químicos e outros potenciais agentes de risco, como o fungo que causa a coccidioidomicose, doença pulmonar também conhecida como febre do Vale de San Joaquin.



A influência de fatores ambientais como erupções vulcânicas , poeira atmosférica e materiais como rochas, minerais e água (acima) na saúde humana são o foco principal de interesse dos geólogos e profissionais de saúde clínica e/ou pública envolvidos na geologia médica.

Os riscos do flúor
O flúor é essencial na dieta humana. Sua ausência tem sido há muito associada à deterioração dos dentes – daí a eficácia das pastas com flúor. Em certos países, ele é adicionado ao abastecimento de água (para aumentar sua baixa concentração natural).

Contudo, também estão bem documentados os efeitos nocivos de doses excessivas (associadas ao consumo de água rica em flúor). Um deles é a fluorose dental, o primeiro sinal visível de que uma criança foi muito exposta a esse elemento. O flúor em excesso danifica os ameloblastos (células que formam o esmalte). O dano dessas células resulta na desordem da mineralização dos dentes, pelo que a porosidade do esmalte aumenta e o conteúdo mineral diminui. Em casos extremos, o esqueleto é também afetado (fluorose esquelética).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 200 milhões de pessoas no mundo bebem água com excesso de flúor. São também graves os problemas causados pelo flúor lançado na atmosfera através da queima de carvão doméstico.

A causa mais provável da fluorose dental e esquelética que afeta mais de 10 milhões de pessoas no sul da China é a secagem do milho em fornos sem ventilação com carvão que apresenta alto teor de flúor. O problema tem origem no uso de argila como elemento de ligação dos tijolos (a argila em questão é um resíduo com alto teor de flúor que processos naturais extraem do calcário).


Os domínios da poeira

Vivemos num mundo de poeira. A poeira que cai no nosso quintal (o “poço”) pode vir de milhares de quilômetros de distância (a “fonte”). É um fenômeno global: tempestades africanas de poeira atingem regularmente os Alpes; nuvens de poeira podem ir da Ásia à Califórnia em menos de uma semana, e chegar à Europa.

• Mudanças no equilíbrio radiativo da Terra (a poeira reflete calor, o que resfria o planeta);
• Transporte de bactérias malignas para regiões densamente povoadas;
• Deposição de sedimentos levados pelo vento em recifes de corais intactos;
• Queda generalizada da qualidade do ar;
• Abastecimento de nutrientes essenciais às florestas tropicais; • Substâncias tóxicas.

Amenizar as conseqüências negativas da poeira exige que a conheçamos melhor, incluindo os processos que controlam suas fontes e transporte, além de seu impacto. Identificar e controlar pelo menos a poeira oriunda de atividades humanas seria um bom começo.

Partículas muito pequenas podem penetrar a fundo nos pulmões e causar silicose, asbestose e outras moléstias pulmonares. Quanto mais densa for a concentração de poeira, mais elevados serão os níveis de doenças respiratórias crônicas e as taxas de mortalidade associadas.

Descoberta em beduínos do Saara em meados do século 20, a silicose natural foi depois identificada em lavradores paquistaneses e californianos, moradores do Ladakh (região dividida por Índia, Paquistão e China), do deserto de Thar (noroeste da Índia) e do norte da China. Estudos mostram que a doença atinge mais de 22% das populações de algumas aldeias do Ladakh e mais de 21% das pessoas acima de 40 anos em colônias no norte da China. Estima-se que ela afete milhões de pessoas na Ásia.

Tanto a superfície da Terra como a poeira do ar terão de ser estudadas mais a fundo se quisermos prever e amenizar os problemas originários da inalação de poeira. Em terra, deve-se identificar as fontes e as zonas de deposição e determinar como o movimento da poeira variou tanto no passado recente quanto sob condições de clima diferentes. Incorporar poeiras em modelos climáticos (desde a fonte até ao poço) melhorará o entendimento e permitirá elaborar previsões em várias escalas cronológicas (de semanas a séculos).


Elevados níveis de arsênico na água de consumo causam graves danos à saúde de milhões de asiáticos. Melhorar essa situação requer um estudo minucioso das rochas das quais o arsênico está sendo extraído, assim como das condições em que esse elemento está sendo mobilizado. As respostas a essas e a outras questões associadas são vitais se as autoridades de saúde pública pretenderem recorrer a outros aqüíferos para água de consumo e para que as populações sob risco de exposição possam ser corretamente identificadas.


Hiperpigmentação, hiperqueratose e doença de Bowen são alguns dos sintomas típicos apresentados por indivíduos do sul da China que sofrem de envenenamento crônico por arsênico. Ao contrário de outras comunidades nas quais o envenenamento é endêmico, o problema não é a contaminação pela água de consumo, mas sim pela pimenta-malagueta. Nessas áreas, a malagueta é habitualmente seca sobre fogões que utilizam carvão local, com alto teor de arsênico. Enquanto a pimenta- malagueta fresca contém menos do que uma parte por milhão (ppm) de arsênico, a seca sobre carvão pode exceder 500 ppm. O arsênico pode também provir de outros alimentos contaminados, da ingestão de poeira e da respiração de ar poluído pela queima de carvão.


As características de produtos como o carvão (à esquerda) e o sal (acima) podem ser responsáveis por problemas orgânicos. O carvão usado no sul da China para o preparo da pimenta-malagueta, por exemplo, tem alto teor de arsênico, que acaba por contaminar os consumidores.

TAMBÉM PERIGOSO é o radônio, um gás radiativo, invisível, incolor e inodoro que escapa facilmente do solo e pode penetrar nas moradias. É a ameaça de saúde potencialmente mais significativa de toda a radiatividade natural. O efeito mais comum associado à exposição ao radônio é o câncer do pulmão.

Outros elementos nas rochas e na água são essenciais para uma vida saudável, e a escassez de alguns deles pode afetar gravemente a saúde. Comunidades em regiões montanhosas comumente sofriam com a deficiência de iodo, pois ele é facilmente extraído, por processos naturais, de áreas com solo exposto e precipitação elevada. A falta de selênio está na origem da doença de Keshan, ligada ao músculo cardíaco e conhecida desde o início do século 20, no nordeste da China. Nos anos 1960 suspeitou-se de uma causa geológica para a moléstia, e, mais tarde, foram descobertas concentrações muito baixas de selênio no substrato rochoso, solos e águas naturais. O tratamento daqueles doentes com selênio suplementar provou ser um grande sucesso.

Os geocientistas podem identificar os elementos presentes (ou ausentes) no ambiente, e as relações-chave são depois definidas em colaboração com profissionais da saúde. O trabalho conjunto de tais especialistas pode dar uma ajuda importante a quem sofre os efeitos prejudiciais desses elementos.

Um Ano Internacional dedicado ao planeta
A União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS), que representa cerca de 250 mil geocientistas de 117 países, tomou a iniciativa de proclamar um Ano Internacional do Planeta Terra 2007–2009 com o subtítulo “Ciências da Terra para a Sociedade”.

Os propósitos salientam a relação entre a humanidade e o planeta, e demonstram quanto os geocientistas são importantes na criação de um futuro equilibrado e sustentável.

Proclamado através da ONU, o Ano Internacional foi considerado atividade central pela Divisão das Ciências da Terra da Unesco. Ele também é apoiado por organizações congêneres da IUGS, como a União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG) e a União Geográfica Internacional (IGU), além do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU).

Segundo as diretrizes da ONU para a proclamação de anos internacionais, os assuntos elegíveis devem corresponder a uma “preocupação prioritária de direitos políticos, sociais, econômicos, culturais, humanitários ou humanos”, envolvendo “todos os países (ou sua maioria), independentemente do sistema econômico e social”, e deve “contribuir para o desenvolvimento da cooperação internacional na resolução de problemas globais”, dando especial atenção aos temas que afetam os países em desenvolvimento.


Autores: Olle Selinus (Swedish Geological Survey), com José A. Centeno (U.S. Armed Forces Institute of Pathology), Robert B. Finkelman (United States Geological Survey), Philip Weinstein (Departament of Public Health, University of Western Australia), Edward Derbyshire (Royal Holloway, University of London).

PARA SABER MAIS
Site: www.yearoftheplanetearth.org

Revista Planeta

A Terra sem gente

O que aconteceria à Terra se a espécie humana sumisse de repente de sua superfície? As respostas de especialistas mostram que o mundo resistiria muito bem a essa mudança. Longe de sofrer com isso, as condições ambientais de nosso planeta iriam melhorar, e muito.
Equipe Planeta

Em tempos de aquecimento global e suas conseqüências - elevação do nível do mar, secas acentuadas de um lado, chuvas torrenciais de outro, furacões e tornados devastadores -, além de terremotos, erupções vulcânicas e alguns insanos ansiosos para apertar um gatilho nuclear, nada mais normal que as velhas profecias apocalípticas estejam de volta. Será o fim da humanidade? O fim do planeta? É difícil responder à primeira pergunta. Mas a segunda, com certeza, tem resposta - e ela é negativa.


...A sobrevivência

Após 200 anos sem humanos, as ruas de grandes metrópoles como a da página ao lado seriam totalmente recobertas pelas folhas de suas árvores, enquanto a grama seca de suas encostas e parques - à essa altura já bastante crescida - incendiaria todo o município, caso fosse atingida por um relâmpago. Como as usinas nucleares também estariam abandonadas, os cientistas não sabem precisar quanto tempo os animais e a vegetação do planeta sobreviveriam ao vazamento de materiais tóxicos.
Ninguém pode desprezar a incrível força regeneradora da natureza. Quem já viu um recife artificial se formar a partir dos restos de um navio afundado conhece bem esse poder. Se ervas brotam até mesmo em uma fresta no asfalto, por que deixariam intocadas as construções humanas? As espetaculares construções de Palenque e Angkor Wat, por exemplo, foram encontradas em meio a densas florestas.

E se a raça humana subitamente desaparecesse da Terra? Pelas projeções desenvolvidas por cientistas, o mundo continuaria repleto de vida, com uma vantagem adicional - seu mais problemático ocupante já não estaria por aqui brincando de deus incompetente.

Para começar, não haveria mais as emissões industriais (e de queimadas propositais) de dióxido de carbono. Ainda abundante na atmosfera, esse gás levaria cerca de 200 anos para se dissipar. A camada de ozônio se recuperaria, reduzindo bastante os efeitos nocivos dos raios ultravioleta.

Eventuais vazamentos de metais pesados e toxinas chegariam à natureza, e alguns deles poderiam exigir todo um milênio para se decompor. Enquanto isso, as represas e barragens ficariam assoreadas e transbordariam, permitindo que os rios voltassem a levar nutrientes para o mar, reduto da maior parte dos seres vivos. Seria, grosso modo, um retorno aos velhos tempos - e a Terra estaria pronta para outra etapa de sua vida.

Imaginar a superfície terrestre sem homens não é pura ficção. Alguns redutos isolados nos dão esse privilégio hoje. Um deles é a Zona Desmilitarizada entre as duas Coréias. Antes da guerra que devastou a península coreana no início da década de 1950, esse território de cerca de 250 quilômetros de comprimento por quatro quilômetros de largura era ocupado há milênios por agricultores de arroz.

Delimitada após o fim do conflito, em 1953, a área já mal apresenta vestígios dos arrozais. Entre os trechos pantanosos em que se transformaram muitas plantações, despontam bandos de grous de cabeça vermelha, uma das espécies mais raras do planeta. Essas aves tocam o solo tão suavemente que nem ativam as inúmeras minas ali enterradas.

Um sumiço dos humanos ali não significaria uma imediata vitória da natureza. Antes disso, as represas que desviam rios para ajudar no abastecimento de água da região metropolitana de Seul (a capital sul-coreana) teriam de entrar em colapso. Nesse intervalo entre 100 e 200 anos, porém, muita coisa aconteceria, imagina o biólogo Edward Wilson, da Universidade Harvard (EUA).


De acordo com o biólogo, ursos negros asiáticos, lontras, almiscareiros e leopardos de Amur voltariam a percorrer aquelas terras, então repletas de carvalhos e cerejeiras. Os tigres siberianos, atualmente restritos à fronteira entre a China e a Coréia do Norte, também se espalhariam pela área. "Poucas espécies de animais domesticados sobreviveriam depois de uns 200 anos", avalia Wilson.


Outro relance da ausência humana no mundo é a Floresta Bialowieza, entre a Polônia e a Belarus (a antiga Bielo-Rússia) - um resto da vastidão verde que já recobriu a Europa desde os Montes Urais, a leste, até o Canal da Mancha.

Seus pouco mais de 200 mil hectares contêm carvalhos de meio milênio e freixos e tílias de mais de 40 metros de altura, em meio a arbustos, samambaias, trepadeiras e fungos. Uivos de lobos e pios de corujas e de pica-paus são ouvidos em meio à densa vegetação. Ficar tanto tempo intacta é uma proeza notável neste planeta, mas a Floresta Bialowieza parece predestinada a isso. Ainda no século 14, um duque lituano declarou- a área de caça exclusiva para a família real. Quando os russos a tomaram, ela foi doada aos czares.

Os alemães usaram a floresta para retirar madeira (e massacrar inimigos) durante a Primeira Guerra Mundial, mas um núcleo permaneceu intocado e foi transformado em parque nacional polonês em 1921. Os soviéticos recomeçaram a retirar madeira, mas, com a chegada dos nazistas, o marechal Hermann Goering, ambientalista fanático, protegeu a área de novo. Depois da Segunda Guerra Mundial, um embriagado Josef Stálin teria aceito, em Varsóvia, conceder à Polônia 40% da floresta.

Destruição por água e plantas

O que aconteceria com o habitat preferido dos humanos - as grandes cidades - se eles sumissem? O modelo escolhido foi nada menos do que Nova York (EUA), a capital do mundo. Segundo Jameel Ahmad, diretor do departamento de engenharia civil da Cooper Union College, os repetidos congelamentos e descongelamentos comuns em meses como março e novembro rachariam o cimento em cerca de dez anos, permitindo a infiltração da água.

O tempo faria essas fendas se alargarem, favorecendo a irrupção de ervas. E, sem ninguém para controlar as árvores, raízes de ailanto (uma espécie que os nova-iorquinos trouxeram da China) invadiriam as calçadas e rachariam a rede de esgoto em apenas cinco anos, afirma Dennis Stevenson, curador do Jardim Botânico da cidade.

Animais cuja sobrevivência depende do homem desapareceriam em dez anos. As baratas, por exemplo, não resistiriam ao frio dos edifícios sem calefação, e os ratos, cujo alimento vem do lixo, virariam refeição para os falcões e os gaviões. Vegetais hoje comestíveis, como a cenoura, o brócolis, a couve-flor e o repolho, voltariam a suas irreconhecíveis formas originais.


...Os desaparecidos
Gatos e outros animais domésticos, cuja sobrevivência dependem do homem, voltariam à vida selvagem.
As fendas no solo ampliariam muito um dos problemas já existentes na cidade de Nova York: a elevação do nível de água subterrânea. Assim como em São Paulo e outras metrópoles do mundo, o oceano de concreto e asfalto não deixa muito espaço para absorver essa água. Sem energia elétrica, as bombas de sucção que impedem inundações no metrô não funcionariam. Em conseqüência, as águas inundariam o solo sob o pavimento, o que originaria crateras nas ruas.

Não é só isso. Se os esgotos fossem destruídos, antigos cursos de água reapareceriam e novos surgiriam, afirma Eric Sanderson, membro da Bronx Zoo Wildlife Conservation Society. Com isso, em duas décadas as colunas de aço que sustentam a rua acima dos túneis de metrô do East Side ficariam encharcadas, sofreriam corrosão e deformariam.


Steven Clemants, vice-presidente do Jardim Botânico do Brooklyn, também dá suas pinceladas no quadro. "Após 200 anos sem humanos" - observa ele -, "toneladas de folhas de carvalhos e de plátanos recobririam as ruas da cidade. Qualquer relâmpago que caísse sobre a grama seca do Central Park - já na altura do joelho - poderia espalhar fogo por todo o município."

Como as pontes da cidade resistiriam por uns 300 anos, em duas décadas, Nova York receberia grandes contingentes de coiotes, seguidos por veados, ursos e lobos. Nos cursos d'água, sapos, arenques e mexilhões marcariam presença.

Ainda não se sabe ao certo quanto tempo os animais e vegetais resistiriam a materiais tóxicos. Sem ninguém para cuidar de lugares como a usina nuclear de Indian Point, cerca de 50 quilômetros ao norte de Times Square, imagina-se que a radioatividade vazaria após 50 anos e contaminaria o Rio Hudson por pelo menos dez milênios. Enquanto isso, os prédios erigidos com pedras - as construções mais resistentes - estariam ficando em ruínas.




...As perspectivas
Segundo as projeções dos cientistas, se a espécie humana sumisse do planeta, o cimento das construções racharia em cerca de dez anos, permitindo a infiltração da água. Suas fendas, com o decorrer do tempo, tornariam-se solo fértil para o nascimento de ervas.
O toque final estaria por conta de uma glaciação, que, como as outras três que atingiram Nova York, varreriam os resíduos da cidade. Quando o gelo recuasse, haveria uma concentração incomum de metais avermelhados, restos de fiação e encanamentos. O futuro dominador das terras poderia explorar essas reservas, mas não teria idéia de como elas surgiram ali. Pena: se soubesse, provavelmente não repetiria a trajetória catastrófica daqueles antigos humanos.

O último reduto da vida selvagem

Para vários cientistas, a responsabilidade humana vai muito além dos males derivados da Revolução Industrial. "Quando o homem deixou a África e a Ásia e chegou a outras partes do mundo, foi o caos", acusa o paleoecologista Paul Martin, da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.

Para ele, a humanidade está por trás do grosso das extinções em massa de seu período, porque elas começaram em todos os lugares com a chegada de nossos antepassados: na Austrália, há 60 mil anos; nas Américas, há uns 15 mil anos; no Caribe, há seis mil anos; e, em Madagascar, há dois mil anos.

Só os oceanos continuam relativamente a salvo da capacidade de destruição humana, simplesmente porque o homem pré-histórico não era capaz de caçar grandes animais marinhos. Até a época de Colombo, por exemplo, pelo menos 12 espécies oceânicas eram maiores do que a maior nau de sua frota, garante o paleoecologista marinho Jeremy Jackson, do Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá.

Mesmo que o atual estrago nos oceanos seja significativo - haja vista a agonia dos recifes de coral e o quase colapso enfrentado pela indústria da pesca do bacalhau -, a situação não é tão dramática quanto a da terra firme, afirma Jackson: "A grande maioria das espécies marinhas está profundamente exaurida, mas ainda existe. Se as pessoas realmente fossem embora, a maioria delas se recuperaria." Julho/2007

Revista Planeta

ISLÃ NA CHINA

Muçulmanos chineses retornam às mesquitas

Por Eduardo Araia/Fotos: Sean Gallagher

O islamismo ressurge na China após décadas de sangrenta repressão. Graças à atual política mais flexível do Partido Comunista Chinês, que permite aos cidadãos maior liberdade de culto religioso, os muçulmanos do país aumentam de número e voltam a freqüentar as mesquitas. Embora modesto, esse renascimento é bem perceptível. Mas os ventos da rebelião já sopram também em meio à comunidade islâmica chinesa, insuflados pelo fundamentalismo importado de países da Ásia Central, como o Afeganistão e o Irã.

O islamismo existe na China como religião estabelecida há cerca de 800 anos. Os contatos iniciais, no entanto, remontam a muitos séculos antes disso. Começaram no ano 650 da nossa Era, apenas 18 anos após a morte do profeta Maomé. Uma delegação enviada pelo terceiro califa do Islã foi visitar o imperador chinês Yung-Wei. A delegação era chefiada por Assad ibn Waqqas, tio do profeta por parte de mãe.

No início, o imperador abriu os braços para o islamismo. Mandou erigir, inclusive, a magnífica mesquita de Cantão, um símbolo da nova religião que se implantava em solo chinês. Desde então, a cultura islâmica foi se for talecendo no país, graças também à presença de mercadores islâmicos que percorriam todo o império através da Rota da Seda e dos portos do Oceano Índico.

Chineses fazem compras no distrito muçulmano de Nui Jie, na capital chinesa.
Dificuldades e resistência eram constantes
Só na época da dinastia mongol, no entanto, entre os séculos 13 e 14, o islamismo conseguiu se estabelecer no país de forma permanente. As dificuldades e resistência contra essa implantação foram muitas e constantes. As relações entre muçulmanos e chineses se mostraram sempre extremamente mutáveis, com períodos de coexistência pacífica e outros caracterizados por conflitos sangrentos. Enquanto alguns imperadores encorajaram a imigração muçulmana, outros oprimiram os muçulmanos com brutalidade. Apenas durante a dinastia Ching (1644 - 1911), cinco guerras foram desencadeadas contra os muçulmanos chineses.

Mas a mais severa repressão ao islamismo na China aconteceu em tempos bem mais recentes, durante a Revolução Cultural, de 1958 a 1976. Sob o moto maoísta "Destruir o velho mundo e construir um novo", o islamismo, como todas as outras religiões implantadas na China, foi suprimido sem dó nem piedade.

Nesse período, quase todas as mesquitas e instituições islâmicas foram destruídas ou privadas das suas funções religiosas, e quase todo o clero eliminado. No oeste da China, onde se concentra a maioria dos muçulmanos do país, o Partido Comunista assentou dezenas de milhares de chineses da etnia han, com o objetivo de difundir a população muçulmana.

Desde então, a situação mudou muito. A atual fase mais liberal do Partido Comunista Chinês, governante do país, permite a prática mais livre das religiões, não somente aquelas autenticamente chinesas, como o taoísmo e o confuncionismo, mas também as que vieram de fora, como o islamismo e o cristianismo.

...Na Paz, a festa
No sentido horário, mulher vende trajes islâmicos, na Praça da Paz Celestial, em Pequim

Região chinesa é área de conflito
Graças à liberalização da política chinesa em relação à liberdade de culto religioso, o islamismo vive hoje um modesto renascimento na China. As informações sobre o número real de muçulmanos no país variam muito, já que não existem estatísticas oficiais. Calcula-se que no país vivam entre 20 e 130 milhões de muçulmanos, a maioria deles no oeste da China. O número de mesquitas é estimado em 35 mil.

Dois grandes grupos da população chinesa professam o islamismo: os uigurs, que moram na província de Xinjiang; e os hui, que estão espalhados por todo o país. Etnicamente, os uigurs não são chineses, e sim um ramo da etnia turcomana. Os hui, por seu lado, são etnicamente e lingüisticamente similares aos chineses han, diferindo deles apenas pela religião.


Fiéis rezam na mesquita durante a festa do Eid-al-Fitr (banquete do término do jejum) que assinala o final do Ramadã
Atualmente, a região onde vive o grupo dos uigurs é uma área de conflito, já que muitos muçulmanos dessa etnia se esforçam para alcançar a independência da região, criando nela o Estado do Turcomenistão do Leste. O governo chinês teme que esse movimento separatista se espalhe para outras províncias, e por isso está adotando duras medidas contra os rebeldes.

Na atual guerra mundial contra o terrorismo, Pequim tenta estabelecer um vínculo entre os rebeldes muçulmanos e o terrorismo internacional. As autoridades chinesas temem que esses separatistas estejam sendo influenciados por muçulmanos fundamentalistas de países da Ásia Central, como o Afeganistão e o Irã. Segundo Pequim, os ânimos dos rebeldes são insuflados pelos acontecimentos dos últimos anos no Iraque e no Afeganistão - entendidos como guerras que objetivam extinguir toda a comunidade muçulmana.


...Fim do jejum
Vista externa da Sede Nacional dos hui no distrito de Nui Jie, em Pequim.

Apesar disso, os muçulmanos na China têm hoje o direito de praticar livremente a sua religião. Embora o governo central não abra mão de certas providências controladoras - o treinamento de imãs só pode ser feito em escolas aprovadas pelo Estado -, ele não impede os muçulmanos de seguirem normalmente suas crenças.


Acrobatas se aquecem para participar da comemoração do Eid-al-Fitr, festival que marca o fim do Ramadã, longo período de preces e de jejum feito pelos muçulmanos.
Depois de um longo período durante o qual o resto do mundo tinha pouco ou nenhum conhecimento sobre os muçulmanos na China, a importância política dessa presença começa agora a ser mundialmente reconhecida. O desenvolvimento do islamismo na China, que atualmente passa por uma fase de grande expansão, tanto política quanto econômica, será um fenômeno de grande interesse para a comunidade global no futuro. Quais serão os resultados do confronto entre a economia que mais cresce no mundo e a religião que mais se expande na atualidade? - Julho/2007

Sean Gallagher é repórter fotográfico inglês, especializado em viagens e documentários fotográficos.

Revista Planeta

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A difícil e esquecida questão do Saara Ocidental



A difícil e esquecida questão do Saara Ocidental
por Pio Penna Filho
21/01/2010
O Saara Ocidental é o único território continental africano que ainda não goza de independência. Trata-se de um problema que vem se arrastando desde 1976, quando os espanhóis deixaram a antiga colônia do Saara Espanhol e, na sequência, o Reino do Marrocos anexou o território, apesar dos protestos e da disposição da Frente Polisário, movimento criado em 1973 e que representa os interesses do povo saaráui, de continuar a luta contra o que entendem ser o novo opressor. Vale lembrar que na época da retirada dos espanhóis também a Mauritânia invadiu o território, disputando-o com o Marrocos, mas retirando-se poucos anos depois (1979). Esse é, portanto, um problema internacional antigo e que continua afligindo milhares de pessoas que são obrigadas a sobreviverem em campos de refugiados em condições precaríssimas.

Em termos econômicos o território não possui grande diversidade de recursos, embora o que possua seja mais do que suficiente para a sua exígua população. Os setores mais importantes resumem-se à exploração dos depósitos de fosfato e atividades de pesca, além da existência de algumas reservas de minérios de ferro. Todavia, especula-se sobre a possibilidade da existência de campos de gás e petróleo off-shore. Caso se confirmem essas reservas o panorama econômico do território pode mudar substancialmente.

O Saara Ocidental entrou na cena política internacional na fase tardia da descolonização, fato que teve implicações para o seu status atual. Assim como Portugal, a Espanha tentou estender ao máximo a sua presença em África, numa perspectiva compatível com o regime ditatorial franquista. Com o fim do regime, as autoridades espanholas retiraram-se do território sem proceder à transferência do poder para o movimento autonomista aceito como representativo do povo saaráui, no caso, a Frente Polisário. A atitude dos espanhóis tornou a situação ainda mais complicada, uma vez que decidiram dividir a administração do território entre o Marrocos (Norte) e a Mauritânia (Sul), o que fez com que a Frente Polisário abrisse duas frentes de combate e derrotasse, por força das armas, a invasão mauritana. Isso foi possível, em parte, pela ajuda que o governo da Argélia concedeu à Frente e pela fragilidade do regime mauritano.

A guerra contra o Marrocos se prolongou por quase duas décadas até que o envolvimento das Nações Unidas fez com que houvesse uma tentativa de encaminhamento político para a questão. Nesse meio tempo muitas atrocidades foram cometidas de lado a lado (mesmo que de forma desproporcional) e o território virou, literalmente, um campo minado. Estima-se que foram enterradas no deserto entre 3 e 7 milhões de minas (de variadas procedências e tipos), dando ao território o indesejável título de possuir o mais longo campo de minas contínuo do mundo. Concomitante a isso, o governo marroquino ergueu um impressionante muro de areia com uma extensão de 2.500 a 2.700 km, conhecido como The Berm, isolando as áreas controladas pela Frente Polisário (aproximadamente 20%) do resto do país. Aliás, esse é mais um dos muros pouco conhecidos e que menos atenção despertou e desperta ao redor do mundo, malgrado seu terrível impacto sobre as populações autóctones (ao contrário, por exemplo, do estardalhaço e de uma certa espécie de glamour que se criou em torno do muro de Berlim). No período de guerra efetiva com o governo marroquino também foram erigidos pelo menos 4 campos de refugiados, cada um contendo cerca de 40 mil pessoas, que tiveram que sobreviver em condições ainda mais severas na difícil vida em regiões desérticas.

Em 1991, após vários anos de negociações entre a Frente Polisário e o governo do Marrocos, intermediadas pela ONU, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, por meio da Resolução 690, estabeleceu a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso). O principal objetivo da Minurso era encaminhar o referendo para uma decisão política sobre a questão do território, que deveria ocorrer até janeiro de 1992, um cronograma considerado irreal tendo em vista a exigüidade do tempo para a tarefa complexa que era a de montar a lista de eleitores e preparar todo o processo de consulta numa região com infra-estrutura precária. Basicamente, a população do Saara deveria responder se desejava a autodeterminação com a criação de um novo país ou se preferia ser integrada ao reino do Marrocos.

A Minurso, todavia, nunca conseguiu criar condições efetivas para que o referendo acontecesse. Inicialmente havia divergências, sobretudo, com relação a quem estaria apto a votar. Os únicos dados populacionais disponíveis à época eram os que constavam no censo realizado pelos espanhóis em 1974, que revelava um total de 74.000 saauaris vivendo no território. Vale lembrar que esses dados eram duvidosos e certamente incompletos, uma vez que uma das características do povo saaráui é o fato de serem nômades. De toda forma, nas negociações iniciais, tomou-se por base esse número, porém com propostas de ajustes.

A Frente Polisário desejava incluir todos os que estavam vivendo no exílio, principalmente em Tindouf (principal campo de exilados saaráuis, localizado na vizinha Argélia), e que não estavam na lista original. Já o Marrocos queria acrescentar cerca de 200.000 pessoas no quadro de aptos a votar, boa parte delas enviadas ao território em 1975 num episódio conhecido com a “Marcha Verde”, quando o governo marroquino estimulou a imigração de colonos a partir do Marrocos, numa deliberada tentativa de alterar a composição demográfica vigente à época do colonialismo espanhol.

A discussão de quem poderia participar do referendo se arrastou por anos e serviu como justificativa para que o referendo nunca fosse realizado, sobretudo por iniciativas do Marrocos, que entrou com um recurso atrás do outro para tornar mais pessoas aptas a votar (na verdade, um subterfúgio), além de ampliar o grau de exigências até o ponto de não admitir mais que na eventualidade da realização do referendo neste constasse a possibilidade de independência do território (o máximo admitido pelo monarca marroquino passou a ser uma relativa autonomia no âmbito do Reino).

A ONU ainda tentou retomar a discussão no final dos anos 1990 e nomeou o ex-Secretário de Estado norte-americano, James Baker III, como Enviado Especial das Nações Unidas para o Saara Ocidental. Pelo seu plano, conhecido como “Plano Baker”, a proposta do referendo seria retomada e o seu cronograma, refeito. Mas, dessa vez enfatizando a consulta por maior autonomia do território, sem admitir, pelo menos inicialmente, a sua independência. De acordo com o Plano Baker, a região seria reconhecida como semi-autônoma e, num período de 4 a 5 anos se realizaria o referendo contando com a participação de todos os habitantes do território, que aí sim poderiam decidir pela independência, a autonomia no âmbito do Reino ou a integração ao Marrocos.

Tanto o governo marroquino quanto a Frente Polisário rejeitaram o plano. O Marrocos, como afirmado, não admitia mais a idéia de independência, aceitando no máximo a autonomia sob soberania marroquina. Já a Frente Polisário o considerava insatisfatório e insuficiente, além de observar que o mesmo fazia concessões demais para o governo do Marrocos. Vale ressaltar que na reformulação do Plano Baker, conhecido como Plano Baker II, de janeiro de 2003, este foi inicialmente rejeitado pelos dois lados, mas a Frente Polisário, pressionada pela Argélia e pela Espanha, e numa tentativa de quebrar o impasse do processo de paz, aceitou o novo plano, que de toda forma não foi implementado.

Na última década verificaram-se novas iniciativas que buscaram resgatar o espírito do referendo e o encaminhamento da questão do Saara Ocidental, mas sem nenhum resultado concreto. Isso se deve em grande medida à falta de compromisso do Conselho de Segurança das Nações Unidas em se engajar efetivamente na solução da questão. Apoiado às vezes discretamente, às vezes mais abertamente, pela França e pelos Estados Unidos, ambos membros permanentes do Conselho, o governo marroquino continua mantendo-se inflexível na anexação pura e simples do território ou, então, sinalizando com uma vaga concessão de mais autonomia para o território.

A questão do Saara Ocidental já se transformou, pode-se dizer, num tipo de conflito esquecido, no qual as esperanças de uma solução vão se esvaindo lentamente, sem que ninguém tome, de fato, uma atitude concreta que leve a uma solução para o problema. Enquanto isso, o governo marroquino é acusado de violação sistemática dos direitos humanos sem que nada aconteça, inclusive segue mantendo-se como aliado dos Estados Unidos, da França e da Espanha. Apesar da presença de uma missão das Nações Unidas (aliás, de difícil definição), também nada de efetivo ocorreu na última década para a realização do referendo, aparentemente o único caminho político para a resolução do conflito. O tempo parece estar jogando a favor do Marrocos, que em meio ao arrefecimento da questão no contexto da onda do “terrorismo” internacional, continua como poder dominante.

Pio Penna Filho é Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo – USP (piopenna@gmail.com).

Meridiano 47

O que causou a crise econômica mundial?

Inadimplência nos Estados Unidos foi responsável pela recessão

No Brasil, crise gerou corte de vagas e manifestações por parte dos
trabalhadores no 1o de maio. Foto: Fotografia/ABr

A causa da crise que vivemos foi o desequilíbrio na maior economia do mundo, os Estados Unidos. E os ataques de 11 de setembro têm a ver com isso. "Depois da ofensiva terrorista, o governo americano se envolveu em duas grandes guerras, no Iraque e Afeganistão, e começou a gastar mais do que deveria", diz Simão Davi Silber, professor do departamento de economia da Universidade de São Paulo (USP). Para piorar a situação, ao mesmo tempo em que o país investia dinheiro na guerra, a economia interna já não ia muito bem – uma das razões é que os Estados Unidos estavam importando mais do que exportando. Em vez de conter os gastos, os americanos receberam ajuda de países como China e Inglaterra. Com o dinheiro injetado pelo exterior, os bancos passaram a oferecer mais crédito, inclusive a clientes considerados de risco. Aproveitando-se da grande oferta a baixas taxas de juros, os consumidores compraram muito, principalmente imóveis, que começaram a valorizar. "A expansão do crédito financiou a bolha imobiliária, já que a grande procura elevou o preço dos imóveis", diz Silber. Porém, depois disso, chegou uma hora em que a taxa de juros começou a subir, diminuindo a procura pelos imóveis e derrubando os preços. Com isso, começou a inadimplência – afinal, as pessoas já não viam sentido em continuar pagando hipotecas exorbitantes quando as propriedades estavam valendo cada vez menos.

Nesse momento, faltou dinheiro aos bancos, que em um primeiro momento foram ajudados pelo governo americano. Só que, ao mesmo tempo, surgiram críticas a essa política de socorro aos banqueiros. Frente à pressão política, a Casa Branca decidiu que não ia mais interferir, deixando o banco Lehman Brothers quebrar. O fechamento do quarto maior banco de crédito dos Estados Unidos causou pânico e travou o crédito. Chegou a crise, que prejudica também o nosso país. "Sem crédito internacional, também diminui o crédito no Brasil, caem as exportações e o preço das nossas mercadorias aumenta o risco e a taxa de juros", explica Silber. O economista também afirma que as recessões são recorrentes, mas essa é maior do que de costume. "Uma crise dessa intensidade não é comum, a mais parecida com ela foi a de 1929", afirma Silber.

Revista Nova Escola

Qual é a participação da China na economia brasileira?


Qual é a participação da China na economia brasileira?
A República Popular da China, que foi fundada há 60 anos, hoje é o país que mais importa produtos brasileiros

Renata Costa
A China, assim como o Brasil, é considerado um país em pleno crescimento. Por isso, as relações comerciais entre ambos têm crescido muito na última década e a China já tem papel importante na economia brasileira. Para começar, nos primeiros três meses de 2009, ela foi o importador número 1 de nossos produtos, ultrapassando os Estados Unidos que, até então, sempre foram os maiores compradores do Brasil. Com isso, os chineses pagaram US$ 3,4 bilhões por produtos brasileiros, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

Os produtos mais comprados são minério de ferro e soja, mas também petróleo, alimentos e carne. Além disso, segundo um estudo da Fundação Dom Cabral, até 2008, pelo menos 10 das 200 maiores indústrias chinesas já haviam se instalado por aqui.

Por outro lado, o Brasil também importa produtos da China, principalmente materiais eletroeletrônicos e carvão mineral. O sapato chinês era um item que preocupava os fabricantes brasileiros do setor, pois custava mais barato que o produzido aqui. Por isso, a partir de setembro, todo par de sapato que vier de lá terá um imposto fixo de US$ 12,47. Isso aumenta o preço do produto e deixa a concorrência mais leal com o produzido no Brasil.

Mas por que, afinal, o produto chinês é tão mais barato que o nosso? O economista João Pedro da Silva, membro do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), explica que o principal motivo é a mão-de-obra chinesa baratíssima. O país tem mais de um bilhão de habitantes, e boa parte está na zona rural, trabalhando com carvão, já que a área propícia para agricultura é muito pequena. Essas pessoas estão loucas para trabalhar na indústria e, por isso, aceitam salários muito baixos, explica o especialista. Segundo ele, um trabalhador em uma fábrica chinesa ganha em torno de US$ 25 mensais, ou seja, cerca de R$ 50. É muito pouco para um custo de vida que não é baixo. Um quilo de frutas, por exemplo, custa o equivalente a R$1,50.

Para o economista, a parceria entre os dois países só tende a crescer. O Brasil é um país de economia estável, por isso o interesse de tantos outros, entre eles a China, de investirem aqui, afirma.
Revista Nova Escola

O lugar da China no comércio exterior brasileiro


O lugar da China no comércio exterior brasileiro
por Diego Pautasso
19/01/2010
A China tornou-se o maior parceiro comercial brasileiro em 2009, superando os EUA depois de décadas. No entanto, as relações entre Brasil e China indicam mais do que a alteração na hierarquia dos parceiros comerciais brasileiros, mas uma mudança tanto das nossas relações exteriores quanto da própria correlação de forças no sistema internacional. O objetivo do presente artigo de conjuntura é, pois, tentar captar o lugar da China no comércio exterior brasileiro em face das transformações sistêmicas que se aprofundam desde o fim da Guerra Fria.

A mudança das relações exteriores do Brasil tem coincidido com grandes transformações da política e dos negócios internacionais. Durante o século XIX, a Grã-Bretanha tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, em substituição a Portugal; e, durante o século XX, os EUA tomaram o lugar da Grã-Bretanha nos negócios com nosso país. Em outras palavras, a ascensão dos pólos hegemônicos do sistema mundial e as reestruturações do capitalismo têm tido repercussão direta sobre a inserção internacional do Brasil. Dessa forma, a virada do século XX-XXI marca a mudança de lugar da China nas relações exteriores brasileiras, indicando transformações que representam desafios e oportunidades de longa duração para o comércio exterior e a diplomacia do Brasil, justamente num quadro de transição sistêmica.

Em 2009, a China tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil, com um fluxo de comércio de 36,1 bilhões de dólares. Isto contribuiu para o país oriental torna-se o principal destino das exportações brasileiras, totalizando um valor de 20,1 bilhões de dólares ou mais de 13,1% do total exportado, enquanto o Brasil é destino de apenas 1,3% das exportações chinesas. E, se considerarmos Taiwan, Hong Kong e Macau, estes últimos que foram integrados real e formalmente à China, em 1997 e 1999 respectivamente, nas estatísticas oficiais do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a importância chinesa tem um acréscimo de quase 6 bilhões de dólares na corrente comercial brasileira.

Em razão da crise financeira, os EUA tornaram-se o segundo maior parceiro brasileiro, com 35,9 bilhões de dólares de fluxo comercial em 2009, bem abaixo dos 53,4 bilhões de 2008, em parte devido ao recuo de 42,4% de nossas exportações para o mercado norte-americano. Na verdade, devido à crise, o comércio internacional foi afetado e o brasileiro recuou 22% em relação a 2008, segundo o MDIC, constituindo-se na maior retração desde o início da série histórica em1950. Dessa forma, a crise contribuiu para acelerar a tendência de superação dos EUA pela China como maior parceiro do Brasil.

Neste ano de crise (2009), a Ásia foi o único continente que apresentou crescimento das exportações brasileiras, com aumento de 5,9%. Para a China, as exportações cresceram 23,1%, fazendo o país asiático subir na hierarquia dos parceiros do Brasil e assumir a liderança. Para outras regiões, a queda das exportações brasileiras foi expressiva, pois além da já citada retração de 42,4% dos EUA, a Europa Oriental recuou 38,6% e o Mercosul, 29,9% (com destaque para o recuo de 30,9% da Argentina).

O lugar da China no comércio exterior brasileiro reflete, portanto, um processo mais amplo de diversificação dos negócios realizados pelo Brasil, bem como de mudança da geografia econômica mundial. No âmbito do comércio exterior brasileiro, as iniciativas do Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, intensificaram as relações exteriores do país com países periféricos desde o início do governo Lula, em 2003. Os países periféricos, excluindo a OCDE, passaram de 40% em 2003 para quase 54% do comércio exterior do Brasil neste ano (2009).

No âmbito das transformações sistêmicas, o lugar da China nos negócios com o Brasil reflete o processo de multipolarização em curso, com destaque para a ascensão estrutural da economia chinesa e da Ásia Oriental no comércio internacional. O comércio exterior chinês passou de 38 bilhões de dólares em 1980 para 2,5 trilhões em 2008, com um crescimento de mais de 67 vezes em menos de três décadas. A participação chinesa no comércio internacional saltou de 1,02% em 1980 para 6,9% em 2008. A China que ocupava apenas a 16ª colocação em 1997, com exportações de 24,5 bilhões de dólares, tornou-se o maior exportador mundial em 2009, com um total de 1,2 trilhões de dólares, 16% menos do que 2008 (PAUTASSO, 2009). A crise fez o comércio chinês recuar 13,9% na comparação com o ano anterior, atingindo 2,21 trilhões de dólares, com superávit comercial chinês de 196,1 bilhão de dólares, 34,2% menor que 2008, conforme informou a agência Xinhua.

No caso das relações com o Brasil, a China partiu de um comércio de 19,4 milhões de dólares em 1974, ano do reatamento das relações diplomáticas, para 1,2 bilhões duas décadas depois (1994), chegando a 36,1 bilhões em 2009. A tendência de aumento da participação chinesa no comércio exterior do Brasil, tornou-se ainda mais evidente em 2002, quando a China suplantou o Japão como principal destino das exportações brasileiras na Ásia. De uma forma geral, o Brasil tem tido superávits no comércio bilateral, exceção ao período de 1996 a 2000, em que acumulamos déficit de cerca de 551 milhões, somente com a China. Somente em 2009, o superávit brasileiro foi de 4,1 bilhões de dólares com o país oriental.

Com efeito, a crescente importância da China no comércio exterior do Brasil, sugere um conjunto de desafios e oportunidades. Os desafios do Brasil ligam-se à primarização das exportações brasileiras e a falta de preparação para lidar com um novo parceiro como a China, tanto do ponto de vista da formulação de políticas industriais, comerciais e tecnológicas (ICT), quanto do amadurecimento das estratégias de negociação com os chineses.

O risco da especialização produtiva em commodities reflete-se na pauta de exportação do Brasil para a China. Cerca de 70% das exportações brasileiras são formadas de minério de ferro (31,4%), soja (31,4%), petróleo (6,6%), sendo que os outros produtos são essencialmente primários ou semimanufaturados. Como a China cresceu sua participação nas exportações brasileiras e estas estão centradas em commodities, consequentemente a pauta de exportação brasileira foi primarizada. Isto é, as exportações de produtos manufaturados recuaram mais (-27,3%) do que os semimanufaturados (-23,4%) e básicos (-14,1%) em relação a 2008, segundo o MDIC. Já a China, que exportava essencialmente petróleo (97%) para o Brasil entre 1980 e 1984, agora tem uma pauta de exportação centrada em manufaturados, sobretudo, componentes e aparelhos eletrônicos e máquinas, com uma diversificação muito grande de itens (BECARD, 2008).

Nota-se que China e Brasil adotaram opções diversas de inserção internacional no Pós-Guerra Fria. As políticas de ICT no Brasil foram precárias durante o ciclo de liberalização da década de 1990. A abertura comercial sem contrapartidas e planejamento (ou seja, com reforço do protecionismo e apoio às indústrias nacionais nos países centrais), elevação de juros e carga tributária, valorização cambial, restrição do crédito e baixos investimentos em logística reduziram a competitividade do Brasil, dificultando as exportações e favorecendo as importações. O resultando foi uma combinação oposta à opção chinesa de inserção internacional: o fechamento dos mercados externos e a abertura do mercado doméstico. Assim, houve uma quase-estagnação do comércio exterior do Brasil, que passou de 96,4 para apenas 107,6 bilhões de dólares entre 1995 e 2002, sendo que o déficit acumulado foi de cerca de 24,5 bilhões no período da paridade cambial (1995-2000).

Durante o governo Lula, a combinação de ações governamentais com a mudança de conjuntura internacional acabou por favorecer o comércio exterior brasileiro. Ou seja, o governo direcionou o Itamaraty para a busca de novos mercados, atuando em parceria com comitivas de empresários; fortaleceu os quadros técnicos e a dotação orçamentária da APEX; e ampliou o crédito para as exportações através de órgãos como o BNDES. Além disso, capacidade de resposta das empresas brasileiras ao aumento na demanda mundial (PUGA, 2006), combinou-se com a conjuntura internacional de valorização das commodities, como ferro, soja e petróleo, por exemplo, favorecendo a balança comercial. Com isso, o comércio cresceu de 121,5 bilhões de dólares em 2003 para 370,9 em 2008, antes da crise.

Como a China é um parceiro estratégico do Brasil (OLIVEIRA, 2004), as relações bilaterais representam novos desafios nos negócios internacionais do país. Por um lado, os desafios do Brasil nas relações com a China persistem, pois referem-se tanto à adversa política cambial brasileira e ao desvio de comércio com vizinhos (como Argentina), até a falta de preparo da elite brasileira, governamental, intelectual e empresarial, para lidar com esta nova realidade econômica, política e cultural. Por outro lado, abrem-se oportunidades para o Brasil aprofundar sua condição de global player, desbravando o mercado chinês, criando oportunidades de cooperação técnica (como o satélite sino-brasileiro CBERS – Chinese-Brazilian Earth Resources) e diplomática.

O lugar da China no comércio exterior brasileiro reflete, pois, um conjunto de processos de longa duração, representando mais do que uma questão conjuntural ou bilateral. Primeiro, a emergência da China como principal parceiro comercial do país para as próximas décadas, representando desafios e oportunidades inéditos. Segundo, o aprofundamento da diversificação dos negócios internacionais brasileiros, com destaque para a ampliação do peso dos países periféricos. Terceiro, a evolução do processo de multipolarização, cuja emergência dos grandes países da periferia (Brasil, China, Índia) são as principais expressões. Quarto, o fortalecimento de relações Sul-Sul, tornando mais complexo os negócios e as relações internacionais. Quinto, as conseqüentes aproximações sino-brasileiras no campo diplomático, como atestam a criação do Fórum de Cooperação Ásia do Leste-América Latina/FOCALAL (2001), do G20 voltado à OMC (2003) e do grupo BRIC (2009), por exemplo. Em suma, é preciso buscar captar a complexidade das relações sino-brasileiras no século XXI.


Referências bibliográficas
BECARD, Danielly. O Brasil e a República Popular da China. Brasília: FUNAG, 2008.
MDIC. Balança comercial brasileira – países e blocos. Disponível em: [http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=2033&refr=576]. Acesso em: 17/01/2010.
OLIVEIRA, Henrique. Brasil-China: trinta anos de uma parceria estratégica. In: Revista Brasileira de Política Internacional. 47 (1), 2004, pp. 7-30.
PAUTASSO, Diego. O comércio exterior na universalização da Política Exterior da Chinesa no século XXI. In: Meridiano 47 – Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais. Brasília-IBRI v. 113, p. 14-16, 2009.
PUGA, Fernando. Por que crescem as exportações brasileiras? In: TORRES FILHO, Ernani (Org.). Visões do desenvolvimento. Rio de Janeiro, BNDES, 2006.

Diego Pautasso é Mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é pesquisador do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT-UFRGS) e professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM (dpautasso@espm.br).

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Haiti: Humanitarismo e Política Internacional


Haiti: Humanitarismo e Política Internacional
por José Flávio Sombra Saraiva
18/01/2010
O mundo se curvou aos fatos. O esforço humanitário é urgente para garantir o mínimo diante das conseqüências indeléveis do terremoto no Haiti. A cooperação é o lema e todos querem estar junto aos difíceis trabalhos de salvamento e proteção de desamparados pela imperiosa natureza e pela imprudência dos homens.

A tragédia haitiana, no entanto, se faz dentro da reedição das duras disputas da política internacional do momento. Depois de Copenhague, onde pesou o arranjo sino-americano, o Haiti é o novo palco para a exibição dos interesses e das quedas de braço do sistema internacional em momento de redesenho de hierarquias. Abandonadas pelas grandes potências, que minguaram recursos e esforços diplomáticos para o alívio da pobreza no Haiti e em países miseráveis que o mundo ainda abriga, são essas mesmas potências que agora coordenam a operação do aplainar os cemitérios do país caribenho.

Silenciou-se repentinamente o discurso monocórdio do combate irracional e linear ao chamado terrorismo internacional, conceito ainda não bem definido, de Bush a Obama. Tudo agora é humanitarismo nas lágrimas de crocodilos dos líderes cínicos quando apenas agora, já tarde, ouvem-se discursos de desdobrada atenção ao drama do Haiti. Atores e músicos famosos fazem o cordão de proteção ao humanitarismo renovado do Norte. Não faltarão festivais em estádios e cordões de solidariedade romântica aos pobres haitianos.

Politiza-se a ajuda internacional, como no caso do clima, dos direitos humanos, e outros temas da agenda renovada das relações internacionais, quando o que importa é o esforço de salvar vidas. Os chineses foram os primeiros a chegar à ilha caribenha. Inflacionaram o aeroporto combalido da capital do país e deixaram apenas espaço modesto para aeronaves dos Estados Unidos, da Europa, do Canadá e do Brasil. Os Estados Unidos correram atrás dos chineses uma vez que o Caribe é área natural de hegemonia natural e concêntrica dos ianques. Apresentaram-se como os únicos capazes de salvar os flagelados.

Acompanhar a cobertura internacional, das agências britânicas, francesas e alemãs, na Europa desses dias, é hilário. O Haiti preencheu o noticiário monótono do frio polar e da neve. É como se no Haiti não houvesse passado, mas apenas terra arrasada, em descoberta tardia das responsabilidades internacionais antes não reconhecidas. O silêncio das grandes potências em relação aos projetos brasileiros, apresentados anos atrás, de construção de infra-estruturas e autonomia energética no Haiti, é gritante.

O Brasil - em seu esforço de governo, da sociedade organizada e suas ONGs, mas em especial dos sacrifícios pessoais dos militares brasileiros, em missão convertida e gerenciada pela ONU no Haiti – vem sendo apenas discretamente reconhecido. Obama agora quer oferecer os famosos 100 milhões de dólares que o Brasil já havia solicitado para obras de infra-estrutura no país. Aqui, na Europa, nada se sabe acerca da obra de Zilda Arns no Haiti, nem que ministro brasileiro foi a primeira autoridade internacional a pisar o solo tremente da ilha. A lógica é mostrar Obama, Sarkozy e outros líderes do Primeiro Mundo isolados, a domesticar a opinião pública e os interesses eleitorais. Espero que o Brasil não faça o mesmo.

A coordenação dos esforços de construção do Haiti deve ser multinacional, a recordar que o esforço humanitário é apenas uma etapa para o longo prazo, de fortalecimento das instituições e da cidadania, ao lado da reconstrução social e econômica do país. Passada a comoção do momento, valerá acompanhar o dia seguinte. O esquecimento é em geral o que se espera. Pois que se tome uma lição do Haiti para a política internacional: o pêndulo está excessivamente angulado no realismo global e nos egoísmos nacionais. Era hora de movê-lo para a dimensão humana das relações internacionais, que prescinde do humanitarismo, para ser apenas humana a face desejável dos sonhos de um mundo melhor.

José Flávio Sombra Saraiva é Professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI (fsaraiva@unb.br).

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