sábado, 13 de fevereiro de 2010

Terra e saúde

As necessidades cada vez maiores de água para as pessoas, a indústria e a agricultura estimulam a exploração das reservas existentes no subsolo. Mas boa parte dos cuidados exigidos para esse aproveitamento ainda não é adotada

A geologia pode parecer distante das questões relativas à saúde humana. Contudo, as rochas são as peças básicas da superfície da Terra, uma vez que estão repletas de importantes minerais e elementos químicos. A maioria desses elementos entra no corpo humano através do ar, dos alimentos e da água. A decomposição ou a destruição das rochas formam os solos nos quais crescem colheitas e animais. A água potável viaja através das rochas e dos solos ao longo do ciclo da água, e muito da poeira, bem como alguns dos gases da atmosfera, tem origem geológica.

A geologia médica diz respeito à relação entre os fatores naturais geológicos e a saúde animal e humana, assim como à melhoria da compreensão da influência dos fatores ambientais na distribuição geográfica de problemas de saúde. Ela reúne geólogos e pesquisadores da saúde clínica e/ou pública na detecção de problemas de saúde causados ou exacerbados por materiais (rochas, minerais e água) e processos geológicos (tais como erupções vulcânicas, terremotos e poeira atmosférica).

A relação entre rochas, minerais e saúde humana é conhecida há séculos. Chineses, egípcios, muçulmanos e gregos já sabiam dos múltiplos benefícios terapêuticos de vários minerais e rochas, assim como dos diversos problemas de saúde que podem causar. Há mais de 2 mil anos, textos chineses descreveram o uso de 46 minerais diferentes com aplicações medicinais.

A lei básica da toxicologia foi enunciada pela primeira vez por Paracelso (1493-1541): “Todas as substâncias são venenos; não há uma única que não o seja. A dose certa diferencia um veneno de um remédio.” Assim, efeitos biológicos negativos podem advir tanto do aumento como da queda da concentração de vários elementos.

COMO IDENTIFICAR essas características geoquímicas de excesso ou carência em solos, sedimentos e água capazes de interferir na saúde, e quais são as ligações críticas entre elas e a saúde de seres humanos e animais? Há vários exemplos disponíveis. O vulcanismo e processos associados trazem metais e outros elementos à superfície a partir das profundezas da Terra. As cinzas vulcânicas introduzem novos elementos no ambiente e podem aumentar a toxicidade na cadeia alimentar. Nuvens dessas cinzas podem trazer importantes riscos para a saúde em nível global, causando problemas a curto ou a longo prazo, desde irritação pulmonar simples até silicose (doença crônica originária da inalação da poeira da sílica, que se fixa nos pulmões e causa degeneração fibrosa).

Os efeitos indiretos dos terremotos também são uma ameaça à saúde. Muitos dos problemas resultam de deslizamentos de terra causados por sismos, que mobilizam elementos químicos e outros potenciais agentes de risco, como o fungo que causa a coccidioidomicose, doença pulmonar também conhecida como febre do Vale de San Joaquin.



A influência de fatores ambientais como erupções vulcânicas , poeira atmosférica e materiais como rochas, minerais e água (acima) na saúde humana são o foco principal de interesse dos geólogos e profissionais de saúde clínica e/ou pública envolvidos na geologia médica.

Os riscos do flúor
O flúor é essencial na dieta humana. Sua ausência tem sido há muito associada à deterioração dos dentes – daí a eficácia das pastas com flúor. Em certos países, ele é adicionado ao abastecimento de água (para aumentar sua baixa concentração natural).

Contudo, também estão bem documentados os efeitos nocivos de doses excessivas (associadas ao consumo de água rica em flúor). Um deles é a fluorose dental, o primeiro sinal visível de que uma criança foi muito exposta a esse elemento. O flúor em excesso danifica os ameloblastos (células que formam o esmalte). O dano dessas células resulta na desordem da mineralização dos dentes, pelo que a porosidade do esmalte aumenta e o conteúdo mineral diminui. Em casos extremos, o esqueleto é também afetado (fluorose esquelética).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 200 milhões de pessoas no mundo bebem água com excesso de flúor. São também graves os problemas causados pelo flúor lançado na atmosfera através da queima de carvão doméstico.

A causa mais provável da fluorose dental e esquelética que afeta mais de 10 milhões de pessoas no sul da China é a secagem do milho em fornos sem ventilação com carvão que apresenta alto teor de flúor. O problema tem origem no uso de argila como elemento de ligação dos tijolos (a argila em questão é um resíduo com alto teor de flúor que processos naturais extraem do calcário).


Os domínios da poeira

Vivemos num mundo de poeira. A poeira que cai no nosso quintal (o “poço”) pode vir de milhares de quilômetros de distância (a “fonte”). É um fenômeno global: tempestades africanas de poeira atingem regularmente os Alpes; nuvens de poeira podem ir da Ásia à Califórnia em menos de uma semana, e chegar à Europa.

• Mudanças no equilíbrio radiativo da Terra (a poeira reflete calor, o que resfria o planeta);
• Transporte de bactérias malignas para regiões densamente povoadas;
• Deposição de sedimentos levados pelo vento em recifes de corais intactos;
• Queda generalizada da qualidade do ar;
• Abastecimento de nutrientes essenciais às florestas tropicais; • Substâncias tóxicas.

Amenizar as conseqüências negativas da poeira exige que a conheçamos melhor, incluindo os processos que controlam suas fontes e transporte, além de seu impacto. Identificar e controlar pelo menos a poeira oriunda de atividades humanas seria um bom começo.

Partículas muito pequenas podem penetrar a fundo nos pulmões e causar silicose, asbestose e outras moléstias pulmonares. Quanto mais densa for a concentração de poeira, mais elevados serão os níveis de doenças respiratórias crônicas e as taxas de mortalidade associadas.

Descoberta em beduínos do Saara em meados do século 20, a silicose natural foi depois identificada em lavradores paquistaneses e californianos, moradores do Ladakh (região dividida por Índia, Paquistão e China), do deserto de Thar (noroeste da Índia) e do norte da China. Estudos mostram que a doença atinge mais de 22% das populações de algumas aldeias do Ladakh e mais de 21% das pessoas acima de 40 anos em colônias no norte da China. Estima-se que ela afete milhões de pessoas na Ásia.

Tanto a superfície da Terra como a poeira do ar terão de ser estudadas mais a fundo se quisermos prever e amenizar os problemas originários da inalação de poeira. Em terra, deve-se identificar as fontes e as zonas de deposição e determinar como o movimento da poeira variou tanto no passado recente quanto sob condições de clima diferentes. Incorporar poeiras em modelos climáticos (desde a fonte até ao poço) melhorará o entendimento e permitirá elaborar previsões em várias escalas cronológicas (de semanas a séculos).


Elevados níveis de arsênico na água de consumo causam graves danos à saúde de milhões de asiáticos. Melhorar essa situação requer um estudo minucioso das rochas das quais o arsênico está sendo extraído, assim como das condições em que esse elemento está sendo mobilizado. As respostas a essas e a outras questões associadas são vitais se as autoridades de saúde pública pretenderem recorrer a outros aqüíferos para água de consumo e para que as populações sob risco de exposição possam ser corretamente identificadas.


Hiperpigmentação, hiperqueratose e doença de Bowen são alguns dos sintomas típicos apresentados por indivíduos do sul da China que sofrem de envenenamento crônico por arsênico. Ao contrário de outras comunidades nas quais o envenenamento é endêmico, o problema não é a contaminação pela água de consumo, mas sim pela pimenta-malagueta. Nessas áreas, a malagueta é habitualmente seca sobre fogões que utilizam carvão local, com alto teor de arsênico. Enquanto a pimenta- malagueta fresca contém menos do que uma parte por milhão (ppm) de arsênico, a seca sobre carvão pode exceder 500 ppm. O arsênico pode também provir de outros alimentos contaminados, da ingestão de poeira e da respiração de ar poluído pela queima de carvão.


As características de produtos como o carvão (à esquerda) e o sal (acima) podem ser responsáveis por problemas orgânicos. O carvão usado no sul da China para o preparo da pimenta-malagueta, por exemplo, tem alto teor de arsênico, que acaba por contaminar os consumidores.

TAMBÉM PERIGOSO é o radônio, um gás radiativo, invisível, incolor e inodoro que escapa facilmente do solo e pode penetrar nas moradias. É a ameaça de saúde potencialmente mais significativa de toda a radiatividade natural. O efeito mais comum associado à exposição ao radônio é o câncer do pulmão.

Outros elementos nas rochas e na água são essenciais para uma vida saudável, e a escassez de alguns deles pode afetar gravemente a saúde. Comunidades em regiões montanhosas comumente sofriam com a deficiência de iodo, pois ele é facilmente extraído, por processos naturais, de áreas com solo exposto e precipitação elevada. A falta de selênio está na origem da doença de Keshan, ligada ao músculo cardíaco e conhecida desde o início do século 20, no nordeste da China. Nos anos 1960 suspeitou-se de uma causa geológica para a moléstia, e, mais tarde, foram descobertas concentrações muito baixas de selênio no substrato rochoso, solos e águas naturais. O tratamento daqueles doentes com selênio suplementar provou ser um grande sucesso.

Os geocientistas podem identificar os elementos presentes (ou ausentes) no ambiente, e as relações-chave são depois definidas em colaboração com profissionais da saúde. O trabalho conjunto de tais especialistas pode dar uma ajuda importante a quem sofre os efeitos prejudiciais desses elementos.

Um Ano Internacional dedicado ao planeta
A União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS), que representa cerca de 250 mil geocientistas de 117 países, tomou a iniciativa de proclamar um Ano Internacional do Planeta Terra 2007–2009 com o subtítulo “Ciências da Terra para a Sociedade”.

Os propósitos salientam a relação entre a humanidade e o planeta, e demonstram quanto os geocientistas são importantes na criação de um futuro equilibrado e sustentável.

Proclamado através da ONU, o Ano Internacional foi considerado atividade central pela Divisão das Ciências da Terra da Unesco. Ele também é apoiado por organizações congêneres da IUGS, como a União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG) e a União Geográfica Internacional (IGU), além do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU).

Segundo as diretrizes da ONU para a proclamação de anos internacionais, os assuntos elegíveis devem corresponder a uma “preocupação prioritária de direitos políticos, sociais, econômicos, culturais, humanitários ou humanos”, envolvendo “todos os países (ou sua maioria), independentemente do sistema econômico e social”, e deve “contribuir para o desenvolvimento da cooperação internacional na resolução de problemas globais”, dando especial atenção aos temas que afetam os países em desenvolvimento.


Autores: Olle Selinus (Swedish Geological Survey), com José A. Centeno (U.S. Armed Forces Institute of Pathology), Robert B. Finkelman (United States Geological Survey), Philip Weinstein (Departament of Public Health, University of Western Australia), Edward Derbyshire (Royal Holloway, University of London).

PARA SABER MAIS
Site: www.yearoftheplanetearth.org

Revista Planeta

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