domingo, 27 de março de 2011

Entenda a energia nuclear


Uma energia tão importante para alguns países vale os riscos que oferece para o mundo todo?.
Por Daniel Pavani
No mês de março de 2011, o que mais se ouviu falar nos noticiários foram os problemas nos reatores da usina nuclear de Fukushima Daiichi, no Japão, decorrentes do terremoto do dia 11. Mas o que nem todos sabem é como funciona uma usina deste tipo, de que forma combustíveis radioativos são utilizados para a produção de energia elétrica e quais os riscos para os seres humanos e o meio ambiente.
O processo de obtenção de energia elétrica nas usinas nucleares é feito por meio de reações nucleares controladas, que ocorrem dentro de um reator. Este tipo de obtenção de energia é utilizado em países que não possuem outros meios mais fáceis tão abundantes, como a energia hidrelétrica no Brasil. Além disso, reatores nucleares também estão presentes em submarinos, já que este tipo de energia é mais limpa e os combustíveis ocupam muito menos espaço – algo essencial em um submarino. (Este termo "mais limpa" será explicado mais adiante). A página do How Stuff Works, por exemplo, afirma que a energia nuclear "está na fronteira entre as maiores esperanças da humanidade e seus maiores medos com relação ao futuro".
Segundo dados de março de 2011 da Associação Mundial Nuclear, o mundo possui 443 reatores em operação e um total de quase 70 mil toneladas de Urânio. Entre os principais paí­ses que utilizam a energia nuclear estão os EUA (104 reatores ativos), França (58 reatores ativos), Japão (55 reatores ativos) e Rússia (32 reatores ativos). Um país que merece destaque é a China que, apesar de possui apenas 13 reatores atualmente em atividade, tem planos de construção de 50 e proposta para mais 110.
De acordo com números do Instituto de Energia Nuclear, somente em 2009, usinas nucleares foram responsáveis por 14% da produção de energia elétrica mundial. Os países que mais utilizam este tipo de energia foram a Lituânia (76,2%) e França (75,2%), seguidos por Eslováquia (53,5%), Bélgica (51,7%) e Ucrânia (48,6%). No Brasil, a energia elétrica produzida pelas usinas Angra I e Angra II representou apenas 3% do total nacional.
Como reações nucleares produzem eletricidade
Tudo bem, já deu pra entender como é importante a energia nuclear para alguns países do mundo, principalmente aqueles que não possuem um grande potencial hí­drico – como o Brasil – ou que pensam na substituição de fontes poluidoras da atmosfera, como as usinas termoelétricas, que queimam carvão ou combustíveis fósseis para a produção de energia elétrica. Mas como funcionam as usinas e reatores nucleares?
Basicamente, o processo de obtenção de energia elétrica nas usinas nucleares está dividido em duas etapas: a reação nuclear controlada e a movimentação de turbinas e geradores elétricos. De forma geral, os reatores nucleares fervem água para que o vapor mova uma turbina, a qual acionará um gerador e produzirá a energia elétrica.
A reação nuclear ocorre, claro, dentro dos reatores. Existem dois processos possíveis para a obtenção de energia: a fusão nuclear, em que dois mais núcleos se unem, ou a fissão, em que um núcleo maior se divide em dois ou mais núcleos. Ambos os processos liberam uma grande quantidade de energia, mas a fissão – e especificamente do isótopo urânio-235 – é a mais utilizada nas usinas do mundo. A reação é iniciada quando o U-235 é atingido por um nêutron, transformando-se momentaneamente em U-236. Por sua instabilidade, este isótopo sofre a fissão, gerando produtos (outros elementos radioativos) e energia. O processo é caracterizado por uma reação em cadeia, já que a fissão gera também mais nêutrons livres que, por sua vez, atingem outros átomos de U-235, dando continuidade exponencial à reação.
O site da Eletronuclear, a agência do governo que controla a energia nuclear no Brasil, apresenta uma concisa, mas clara, explicação sobre o funcionamento do reator nuclear. Dentro do reator, ocorrem dois processos: a reação nuclear e a geração de vapor. Varetas de combustí­vel radioativo são imergidas em água, onde ocorre a reação de fissão nuclear. Esta reação libera muita energia na forma de calor, o que serve para esquentar a água a grandes temperaturas, sem fervê-la, já que o sistema funciona sob uma pressão cerca de 157 vezes maior do que a atmosférica.
Em um circuito de água chamado de secundário, a água aquecida no reator troca calor com outra água, que não tem contato com as varetas de combustível. E é esta água que ferve e gera vapor. Depois disso, o vapor aciona uma turbina que, por sua vez, faz funcionar um gerador elétrico em um processo já comum de geração de energia elétrica. Esta separação entre os sistemas é muito importante, já que impede que a água em contato com o combustível não seja a mesma que sai do reator para mover a turbina, isolando a região radioativa.
O vapor não é perdido e passa por um condensador, resfriado com água do mar circulante. Quando se entende isso, fica mais fácil de compreender o motivo de muitos problemas atuais, como o fato das instalações de usinas nucleares tão próximas à costa, como as usinas de Angra dos Reis, no Brasil, ou em regiões muitas vezes sujeitas a terremotos, como no caso do Japão. Isso é feito estrategicamente, para que a água do mar possa ser utilizada para este resfriamento.
É necessário também controlar as reações nucleares e, para isso, são utilizadas barras de controle. Estas barras são feitas, em geral, de cádmio, um elemento químico que tem a capacidade de absorver nêutrons. Fazendo isso, é cada vez menor a quantidade de nêutrons disponíveis para dar seqüencia, caso necessário.
Outra etapa muito importante para o funcionamento da usina nuclear é o enriquecimento do urânio. Este elemento possui alguns isótopos, mas o que interessa para a produção de energia é o Urânio-235, ou seja, um átomo que possui 92 prótons (partículas de carga positiva e que o classifica como elemento Urânio) e 143 nêutrons, totalizando uma massa de 235. Entretanto, o urânio que é extraido das jazidas naturais como um dióxido (UO2) – possui uma quantidade predominante de outro isótopo (elementos de mesmo número de prótons, mas massas diferentes), o U-238, que representa mais de 99% em massa.
Assim, uma vez que o U-235 é o único isótopo fissável, ele deve ser isolado, o que é feito em um processo de centrifugação e que o Brasil já consegue fazer. Este processo é também fonte de grandes discussões, já que um tênue limite separa o enriquecimento para a produção de energia em reatores e para a produção de bombas de nêutrons, ou, mais popularmente, bombas atômicas.
Energia nuclear como energia limpa
O grandes defensores da energia nuclear se baseiam principalmente no fato de que ela pode ser considerada mais limpa que aquelas que utilizam a queima de combustíveis fôsseis, como as termoelétricas, por exemplo, e por não dependerem de regimes de chuva, como a energia produzida nas hidrelétricas. No entanto, diversos outros problemas podem ser apontados, sendo que o principal deles é o destino dos resíduos radioativos, produtos gerados nas reações nucleares.
Os resíduos radioativos devem ser armazenados em locais seguros a fim de que o decaimento radioativo possa agir. Este processo é inerente aos elementos radioativos e diminui a atividade dos elementos de forma exponencial, de acordo com sua meia-vida. A meia-vida de um elemento radioativo é o tempo necessário para que sua atividade seja diminuída em 50% da original. É aceito que cerca de 10 meias-vidas, tempo que varia muito de acordo com cada isótopo, são suficientes para que a atividade não ofereça mais riscos.
A página da World Nuclear Association indica alguns destinos para estes resíduos, como sua fixação em matrizes fixas e inertes, como concreto, por exemplo; armazenamento em containers inoxidáveis; e também colocação destes recipientes no fundo do oceano ou em rochas e estruturas geológicas estáveis. Porém, este é ainda um problema que gera muita discussão, principalmente no que se refere às questões políticas e ambientais internacionais.
Impactos ambientais são de muito interesse para este tema, já que a poluição radioativa é muito perigosa tanto para o homem quanto para o meio ambiente. Além disso, os impactos ambientais e ecológicos causados pelo aquecimento da água do mar nas regiões próximas às usinas também são bastante estudados por pesquisadores da Biologia Marinha e Oceanografia.
Não obstante, os acidentes talvez configurem o principal medo com relação às usinas nucleares e a questão nuclear voltou à tona no mês de março de 2011, frente aos acontecimentos no Japão, como terremoto do dia 11 e os danos à usina nuclear de Fukushima Daiichi, no nordeste do país. Até este ano, talvez o exemplo mais emblemático de acidente com uma usina nuclear fosse o de Chernobyl, na ex-União Soviética, hoje Ucrânia, em 1986.
Os impactos da explosão do reator soviético estão presentes por toda a região até hoje, tanto na população quanto no meio ambiente. Os impactos ambientais são tão grandes que os elementos radioativos liberados na atmosfera se tornaram inclusive marcadores cronológicos em sessões geológicas e em estudos oceanográficos no Hemisfério Norte, por exemplo.
A energia nuclear no Brasil
Por aqui, a energia nuclear é desenvolvida nas usinas Angra I e Angra II, no município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Além disso, há ainda o projeto de construção de uma terceira usina: a Angra III. O Brasil já detém a tecnologia de enriquecimento do Urânio, fato essencial, já que até pouco tempo ele tinha de ser comprado de outros países.
Entretanto, a produção ainda é baixa, ainda que o potencial de Angra II, por exemplo, seja suficiente para abastecer uma região metropolitana do tamanho da de Curitiba, conta o site da Eletronuclear. Além disso, com a instalação de Angra III, que terá capacidade semelhante à de Angra II, o potencial energético deverá ser ainda maior.
O Prof. Dr. Rubens Figueira, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, defende o uso da energia nuclear no Brasil, não como uma substituta de outras fontes tão abundantes, mas sim devido à sua importância tecnológica e cientí­fica. Nos últimos anos, contou o pesquisador em entrevista via e-mail, o país adquiriu a tecnologia para o enriquecimento do Urânio, fator essencial para a produção de energia. Além disso, avanços em outras áreas também foram conquistados, como, por exemplo, no desenvolvimento de radiofármacos.
O Brasil está muito bem posicionado frente aos países desenvolvidos no que se refere à tecnologia do ciclo do combustível nuclear, o que é, na opinião do pesquisador, algo muito importante dos pontos de vista tanto científico quanto estratégico. Conhecer a energia nuclear é muito importante, porém, é também importante discutir sua real necessidade em um país como o Brasil, com um potencial hídrico tão grande.
Quanto aos resíduos produzidos nas usinas de Angra dos Reis, o Dr. Figueira conta que eles são armazenados nas dependências das próprias usinas, já que não existe ainda, no Brasil, um local mais apropriado para isso. Este é, segundo ele, um dos principais problemas para o desenvolvimento da energia nuclear no país. Este problema "deve ser discutido com a opinião pública para que ela entenda seus riscos e benefício", conta o pesquisador.
Os próximos passos, segundo o Dr. Figueira, devem ser a discussão das vantagens e desvantagens da tecnologia nuclear, sem radicalismo de nenhuma parte, ou seja, nem dos ambientalistas, nem dos pesquisadores, nem do governo. É preciso entender tudo o que a energia nuclear pode oferecer de bom e também todos os riscos intrínsecos, a fim de promover uma discussão direta, objetiva e consciente entre os governantes e a população.

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos