domingo, 26 de agosto de 2012

Notícias Geografia Hoje


Planeta 'engolido' por estrela alimenta hipóteses sobre possível fim da Terra
Cientistas registraram indícios da incorporação do corpo celeste a uma estrela gigante vermelha - algo que poderia ocorrer com nosso mundo dentro de bilhões de anos
22 de agosto de 2012 
Astrônomos encontraram evidências de um planeta que teria sido "devorado" por sua estrela, dando fôlego a hipóteses sobre qual poderia ser o destino da Terra dentro de bilhões de anos.


Nasa
Após análise sobre a composição química da estrela hospedeira, planeta teria sido 'engolido'

A equipe descobriu indícios de um planeta que teria sido "engolido" ao fazer uma análise sobre a composição química da estrela hospedeira.
Eles também acreditam que um planeta sobrevivente que ainda gira em torno dessa estrela poderia ter sido lançado a uma órbita incomum pela destruição do planeta vizinho.
Os detalhes do estudo estão na publicação científica Astrophysical Journal Letters.
A equipe, formada por americanos, poloneses e espanhóis fez a descoberta quando estava estudando a estrela BD 48 740 - que é um de uma classe estelar conhecida como gigantes vermelhas.
As observações foram feitas com o telescópio Hobby Eberly, no Observatório McDonald, no Texas.
Concentração de lítio
O aumento das temperaturas próximas aos núcleos das gigantes vermelhas faz com que essas estrelas se expandam, destruindo planetas próximos.
"Um destino semelhante pode aguardar os planetas do nosso sistema solar, quando o Sol se tornar uma gigante vermelha e se expandir em direção à órbita da Terra, dentro de cerca de cinco bilhões de anos", disseo professor Alexander Wolszczan, da Pennsylvania State University, nos EUA, co-autor do estudo.
A primeira evidência de que um planeta teria sido "engolido" pela estrela foi encontrada na composição química peculiar do astro.
A BD 48 740 continha uma quantidade anormalmente elevada de lítio, um material raro criado principalmente durante o Big Bang, há 14 bilhões de anos.
O lítio é facilmente destruído no interior das estrelas, por isso é incomum encontrar esse material em altas concentrações em uma estrela antiga.
"Além do Big Bang, há poucas situações identificadas por especialistas nas quais o lítio pode ser sintetizado em uma estrela", explica Wolszczan.
"No caso da BD 48 740, é provável que o processo de produção de lítio tenha sido desatado depois que uma massa do tamanho de um planeta foi engolida pela estrela, em um processo que levou ao aquecimento do astro."
Órbita incomum
A segunda evidência identificada pelos astrônomos está relacionada a um planeta recém-descoberto que estaria desenvolvendo uma órbita elíptica em torno da estrela gigante vermelha.
Esse planeta tem pelo menos 1,6 vezes a massa de Júpiter. Segundo Andrzej Niedzielski, co-autor do estudo da Nicolaus Copernicus University em Torun, na Polônia, órbitas com tal configuração não são comuns nos sistemas planetários formados em torno de estrelas antigas.
"Na verdade, a órbita desse planeta em torno da BD 48 740 é a mais elíptica já detectada até agora", disse Niedzielski.
Como as interações gravitacionais entre planetas são em geral responsáveis por órbitas incomuns como essa, os astrônomos suspeitam que a incorporação da massa do planeta "engolido" à estrela poderia ter dado a esse outro planeta uma sobrecarga de energia que o lançou em uma órbita pouco comum.
"Flagrar um planeta quando ele está sendo devorado por uma estrela é improvável por causa da rapidez com a qual esse processo ocorre", explicou Eva Villaver da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha, uma das integrantes da equipe de pesquisadores. "Mas a ocorrência de tal colisão pode ser deduzida a partir das alterações químicas que ela provoca na estrela."
"A órbita muito alongada do planeta recém-descoberto girando em torno dessa estrela gigante vermelha e a sua alta concentração de lítio são exatamente os tipos de evidências da destruição de um planeta." BBC Brasil

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A África não é um país, e sim um continente



Isso parece óbvio, mas não é. Muitos falam do continente como se fosse uma região homogênea habitada por um único povo
Paola Gentile


Essa afirmação pode parecer absurda, mas não é. "Há uma tendência em falar da África como se todos que ali vivem tivessem os mesmos hábitos e tradições", diz Rafael Sânzio Araújo dos Anjos, coordenador do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da UnB. Ele sugere que o professor localize em mapas os diversos povos que vieram para o Brasil e as riquezas de cada região, principalmente as minas de ouro e diamantes, para a turma entender os motivos da exploração.
Ao falar sobre os diversos povos, é possível destacar as contribuições de cada um para a economia do Brasil Colônia. "Eles trouxeram para cá a melhor tecnologia dos trópicos",
informa Rafael. Tanto que os donos das terras encomendavam aos mercadores mão-de-obra especializada para a atividade de seus domínios. Os alunos da 4ª série da Escola Estadual Luigino Burigotto, em Limeira (SP), ficaram espantados ao saber que a enxada, o arado e técnicas de irrigação vieram para o Brasil com os negros. A visita à Fazenda Ibicaba, do início do século 19, ilustrou esse capítulo da aula de Geografia, onde eles conheceram a casa-grande e a senzala construídas pelos negros escravizados.

Problemas existem em todo o mundo

Miséria, epidemias e guerras civis existem hoje nos diversos países da África. Mas também estão presentes em outros lugares. Elaine Lavezzo, professora de Cultura Internacional da Escola Internacional de Alphaville, em Barueri, município da Grande São Paulo, trabalha um continente por ano com os alunos de 7a e 8a séries. Usando notícias de jornal e livros, ela discutiu com as turmas as guerras civis em Angola e em Ruanda, a fome e a epidemia de Aids. Os alunos do Ensino Médio trabalharam com jovens de baixa renda da comunidade de Santa Terezinha, em Carapicuíba, município vizinho. Reunidos uma vez por semana, eles pesquisaram problemas comuns do Brasil e dos povos africanos e produziram um programa de rádio, em português e em inglês, que organizações não-governamentais usam em Moçambique e em Nairóbi. Ela contou com a colaboração do professor de Inglês da escola, Bruce Kevin Mack, que falou sobre a sua infância de afro-descendente em Washington, capital dos Estados Unidos, e contou curiosidades de seus antepassados.

REVISTA NOVA ESCOLA

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Por que a pressão atmosférica muda com a altitude?



A variação da pressão atmosférica está ligada à força da gravidade. Essa força tem origem no centro da Terra e atrai tudo o que está no planeta, inclusive a atmosfera (camada de gases que circunda a crosta terrestre). Quanto mais próximo da superfície, maior é a força exercida e, portanto, maior a pressão que a atmosfera faz sobre um ponto.
Franco Villela, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), na capital paulista.
Revista Nova Escola

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Por que se diz que o Brasil possui fontes inesgotáveis de energia?



Gabriela Portilho

O tamanho do território brasileiro, as muitas jazidas minerais existentes no país, a diversidade da fauna e da flora, a rica rede hidrográfica e, recentemente, a descoberta do pré-sal ajudam a manter a ideia de que somos uma nação de riquezas infindáveis. É preciso, no entanto, tomar cuidado com tal afirmação, pois todo recurso natural é finito. Nosso país ainda possui um lastro importante em diversas fontes, mas, se elas não forem exploradas com parcimônia, estarão comprometidas em algumas décadas. Leia, abaixo, como as características do país contribuem para a geração de energia.
Revista Nova Escola

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Como se forma o ouro? Como são descobertas novas jazidas?



Esse metal raro e precioso surgiu do mesmo jeito que todos os outros elementos químicos: por causa de uma fusão nuclear. "No período de formação do Sistema Solar, 15 bilhões de anos atrás, núcleos dos átomos de hidrogênio e hélio, os elementos mais simples, combinaram-se a altíssimas temperaturas, dando origem a elementos mais complexos, como o ouro", afirma o geólogo Roberto Perez Xavier, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na Terra, formada há 4,5 bilhões de anos, o ouro apareceu na forma de átomos alojados na estrutura de outros minerais. Mas a quantidade é muito pequena. Para se ter uma idéia, na crosta terreste - a camada mais superficial do planeta - em cada bilhão de átomos, apenas cinco são de ouro. As jazidas apareceram milhões de anos atrás, criadas pela ação de processos geológicos que modificaram a cara da superfície terrestre, como vulcões e erosões.
O resultado é que o ouro hoje pode ser encontrado e extraído tanto de minas subterrâneas - a até 1,5 quilômetro de profundidade - quanto de minas e garimpos a céu aberto - onde o metal é retirado a apenas 50 metros da superfície - ou mesmo do leito de um rio. Quando uma rocha contendo ouro é encontrada, ela precisa ser tratada quimicamente para que o mineral se separe de outros elementos. "Nas jazidas, a concentração de ouro é de apenas alguns gramas por tonelada extraída", afirma Roberto. Não é à toa que a produção mundial é pequena: cerca de 2 500 toneladas por ano. Para encontrar novos depósitos de ouro, os geólogos precisam de um arsenal de informação. "Primeiro, imagens de satélite apontam, no terreno, ou falhas geológicas ou a presença de certos minerais e rochas que indicam a ocorrência de uma jazida. Depois, é preciso fazer um mapeamento geológico da região, com coleta de amostras de rochas, solo e sedimentos para analisar as áreas que podem ter o metal.
Se houver alguma certeza, é hora de furar o terreno. Aí, uma boa dose de sorte também ajuda", diz Roberto.
O mapa da minaO Brasil é o 12º no ranking de extração do metal
A África do Sul lidera o ranking dos países que mais extraem ouro. O Brasil, 12º colocado, possui seus depósitos mais importantes em Carajás (PA), Tapajós (MT e PA), Crixás (GO), Rio Itapicuru (BA) e na região do Quadrilátero Ferrífero (MG). A tabela abaixo mostra os outros países de maior extração e quantas toneladas saem por ano de cada um deles
1º África do Sul - 474
2º Estados Unidos - 365
3º Austrália - 313
4º Canadá - 165
5º China - 161
6º Indonésia - 139
7º Rússia - 127
8º Peru - 89
9º Uzbequistão - 81
10º Gana - 73
11º Nova Guiné - 63
12º Brasil - 55
Valores de 1998, em toneladas
Fonte: Simpósio Internacional de Ouro (ago. 1998); Gold Survey 1999
Revista Mundo Estranho

Qual é o maior povo sem país?



por Roberto Navarro

É o povo curdo, um grupo de cerca de 36 milhões de pessoas que se espalha pelo leste da Turquia, norte da Síria e do Iraque e noroeste do Irã. Até o início do século 20, os curdos pouco se importavam em ter um país, levando uma vida de pastores itinerantes de cabras e ovelhas e tendo como principal elemento de identidade sua organização social, baseada na lealdade aos clãs. Porém, o maior controle das fronteiras nacionais após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) impediu o livre deslocamento de seus rebanhos e forçou a maioria dos curdos a estabelecer-se em aldeias fixas e adotar a agricultura, fazendo surgir o nacionalismo e a luta pela criação de uma nação própria, projeto duramente reprimido pelos governos da Turquia e dos países vizinhos. Mas conseguir o próprio país não é aspiração exclusiva dos curdos. Ela faz parte das reivindicações de vários outros povos - grupos de indivíduos que são originários de uma mesma região, falam o mesmo idioma e têm costumes, hábitos, história, tradições e cultura em comum. Em geral esses povos não possuem hoje o próprio país por serem minorias étnicas na área que habitam, sendo submetidos a poderosas forças políticas ou militares, que representam interesses contrários à sua autonomia.
Rebeldes sem casa
Os seis maiores povos sem nação totalizam 56 milhões de pessoas
1. Curdos
POPULAÇÃO - 36 milhões
TERRITÓRIO REIVINDICADO - 191 mil km2 (equivalente ao Paraná)
QUEM SÃO - Descendentes de tribos nômades que viviam ha 3 mil anos nas montanhas do que são hoje Turquia, Irã e Iraque. Apesar de ocuparem por séculos a mesma região, nunca tiveram um pais, mantendo-se sob domínio político e militar de outros povos.
SITUAÇÃO ATUAL - Na Turquia, onde vive a maioria do povo curdo, seu idioma é proibido e cerca de 10 mil deles estão presos por motivos políticos. Na década de 1990, milhares de curdos foram mortos por armas químicas lançadas pelo ex-ditador Saddam Hussein no Iraque. Apos a queda dele, a situação do povo no país melhorou.
2. Tibetanos
POPULAÇÃO - 6,2 milhões
TERRITÓRIO REIVINDICADO - 1,2 milhão de km2 (equivale ao Pará)
QUEM SÃO - Descendentes de pastores que vivem na região noroeste do que e hoje à China há 2 200 anos, os tibetanos costumavam viver numa sociedade semifeudal dominada pela classe de sacerdotes budistas. Desde o século 13, o povo sofre a dominação de outros inimigos. Em 1990, o Tibério foi invadido pela China, sendo ocupado e anexado em seguida. Para contrabalançar a demografia da região, o governo de Pequim enviou mais de 6 milhões de chineses para viver no Tibete.
SITUAÇÃO ATUAL - A china continua a reprimir as atividades políticas e religiosas e região, que tem passado por rebeliões esporádicas, sempre duramente combatidas por Pequim.
3. Palestinos
POPULAÇÃO - 5,3 milhões
TERRITÓRIO REIVINDICADO - 6 mil km2 (equivale ao Distrito Federal)
QUEM SÃO - Os palestinos são descendentes dos filisteus, povo que chegou ao Oriente Médio há 14 mil anos, época em que explodiram os primeiros confrontos com israelitas, que também habitavam a região. Submetidas ao Império Otomano e depois pelos britânicos, os palestinos perderam a chance da independência em 1948: com a de Israel, boa parte de seu território foi ocupado pelo novo país.
SITUAÇÃO ATUAL - Em 1994 foi estabelecida a Autoridade Palestina, um governo semi-autônomo que obteve controle sobre partes do antigo território. Os palestinos moderados defende
Revista Mundo Estranho

Tesouro de areia



O litoral é o nosso cartão de visita, o nosso principal atrativo turístico. Mas tem sido usado como uma latrina.
por Tatiana Bonumá

Praias de areia branca e fofa, dunas, falésias, baías cercadas pela Mata Atlântica, recifes de corais, águas transparentes e uma fabulosa variedade de peixes, crustáceos e animais exóticos como o peixe-boi. Tudo isso espalhado ao longo de 7,4 mil quilômetros. Para um país gigantesco como o Brasil, e com a maior parte do seu território em zona tropical, ter à disposição tantos quilômetros de praias bonitas e de águas mornas deveria ser encarado como uma bênção. Afinal, o turismo é uma das atividades que mais cresce no mundo e boa parte das pessoas que viajam saem de países frios, como Estados Unidos, Canadá e os da Europa, à procura de um lugarzinho ao sol. Temos tudo para ser um gigante do turismo de praia. No entanto, nosso desempenho no setor é nanico. O Brasil recebe, por ano, entre três a quatro milhões de turistas estrangeiros, enquanto apenas a cidade de Paris recebe 62 milhões. E a principal queixa dos turistas que visitam nossas cidades litorâneas é a sujeira, superando inclusive a violência.
Os especialistas estimam que pelo menos 30% dos ecossistemas costeiros tenham graves danos ambientais – principalmente no trecho entre os Estados de Espírito Santo e Rio Grande do Sul, onde a urbanização e a industrialização foram mais intensas. O litoral brasileiro abriga 393 cidades onde vivem 37 milhões de pessoas. Além disso, fica no litoral a maior parte das indústrias brasileiras. Mais de 80% dos portos foram instalalados ilegalmente em áreas de manguezais. Indústrias químicas ocuparam regiões de restingas e dunas foram varridas para dar espaço a loteamentos. Muitos desses setores escolheram instalar-se no litoral para poder jogar no mar seus dejetos tóxicos sem precisar gastar com tratamento. Ou seja: nosso mar foi encarado como uma latrina pública.
“Por causa das agressões, algumas partes do litoral brasileiro são mais pobres em biodiversidade que muitos desertos”, afirma Luiz Roberto Tommasi, diretor presidente da Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas (Fundespa). O quadro é grave, mas não irreversível. Muitos desses problemas têm solução se forem combatidos agora – e já há muita gente empenhada nisso. O principal instrumento de mudança é o programa de Gerenciamento Costeiro, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, que pretende discutir com todos os interessados na costa brasileira as melhores maneiras de ocupá-la, de gerar riqueza e desenvolvimento sem precisar destruí-la.

Saneamento já
A principal causa da poluição do mar é falta de saneamento básico. Dados da Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (Abema), apontam que 80% dos esgotos do país não recebem nenhum tipo de tratamento – e isso vale para o litoral. Só a cidade de Fortaleza, um dos principais destinos turísticos do Nordeste, lança ao mar, diariamente, 1 milhão de toneladas de esgoto. A culpa é dos governos e das administrações públicas, que, quase sempre, preferem investir em grandes obras, que aparecem e dão votos, do que em tubulações e estações de tratamento, que ficam escondidas. Esse descaso dos governos com o esgoto doméstico deu margem para que muitas indústrias se sentissem livres para fazer o mesmo com seus dejetos.
É preciso mudar urgentemente de postura. A ampliação da rede coletora e de tratamento de esgotos, tanto domésticos quanto industriais, é a primeira medida para diminuir a poluição do mar. Outra iniciativa seria diminuir o valor das taxas de coleta de esgoto cobradas das indústrias. A taxa é cobrada pelo volume de esgoto produzido. Como uma indústria produz muito mais esgoto que uma residência, o mais lógico seria ela ter um desconto na taxa por metro cúbico. Isso estimularia os empresários a instalar redes coletoras e de tratamento – obedecendo às leis existentes – em vez de jogar clandestinamente nos córregos, que deságuam no mar. Uma fiscalização mais rígida ajudaria muito. Hoje, as penalidades impostas pela lei às indústrias que não tratam o próprio esgoto são altas, mas isso não as intimida em função do reduzido número de fiscais que executam o controle.
A reciclagem do esgoto também deve ser incentivada. O governo do Ceará, por exemplo, estuda um programa capaz de resolver o problema da poluição do mar e ainda garantir o abastecimento de água em Fortaleza nos períodos de seca. A idéia é criar canais de captação tanto dos esgotos quanto da chuva. Depois de tratada, ela vai poder ser reutilizada para fins não-potáveis. Outro bom exemplo de respeito ao mar acontece em Vitória, no Espírito Santo. As unidades de tratamento de esgoto do município substituíram o cloro por luz ultravioleta que, quando concentrada, é capaz de fulminar bactérias. “O cloro é um elemento muito usado para desinfetar o esgoto, mas quando chega ao mar em grandes quantidades prejudica a vida marinha”, explica o engenheiro especialista em saneamento básico Antonio Lívio Abraços Jorge.
Os portos e os navios de carga que circulam pelo nosso litoral também precisam mudar de atitude. O programa de Gerenciamento Costeiro prevê uma série de medidas para evitar que as zonas portuárias sejam sempre retratos da degradação do ambiente marinho. Além dos corriqueiros derramamentos de óleo dos petroleiros, muitos navios lançam ao mar seus dejetos cloacais sem qualquer tratamento. Outro problema grave é a promiscuidade oceânica provocada pela “água de lastro” dos navios transatlânticos. Essa é a água com a qual os navios enchem seus compartimentos quando estão sem carga comercial. Retirada do mar, ela dá estabilidade à embarcação. O problema é que um navio que circula o mundo transporta, com a “água de lastro”, peixes e plantas exóticos ao nosso litoral, que acabam provocando graves desequilíbrios ecológicos.
A sociedade também pode fazer muito. Os condomínios do litoral, por exemplo, precisam ser convertidos à causa ecológica. Por muito tempo eles foram grandes inimigos de nossas praias porque invadiam regiões de mata nativa, destruíam morros e passavam a lançar esgoto in natura diretamente na praia. Hoje, muitos desses loteamentos implantaram pequenas estações de tratamento comunitárias para o esgoto que produzem. Além disso, empresas instaladas à beira-mar, que, no passado, fizeram essa opção para poder se livrar dos dejetos sem precisar dar satisfação a ninguém, hoje não só passaram a tratar o próprio esgoto, como recolhem também o produzido nos bairros pobres ao redor para tratá-los. O certo é que ninguém mais quer ser o vilão quando uma praia fica imprópria para o banho. Especialmente quando o sujeito tem uma casa lá. Porque aí, além de vilão, posa de burro.

Turismo planejado
turismo pode fazer parte do problema ou da solução para as praias brasileiras – tudo depende de como é praticado. Infelizmente, ele tem sido um problema a mais. Exemplos de modelos errados de exploração do turismo não faltam: destinos famosos como Camboriú, em Santa Catarina, Guarujá, em São Paulo, Porto Seguro, na Bahia, e Copacabana, bairro do Rio de Janeiro. Nesses lugares houve um crescimento desordenado do turismo sem que houvesse infra-estrutura correspondente. Quem visita esses lugares na alta temporada sabe o suplício que é comprar um simples pão na padaria. A água potável falta nas torneiras e a água do mar se transforma num caldo grosso e escuro provocado pela enorme quantidade de dejetos produzidos por milhares de turistas.
Enquanto o tratamento do esgoto e a fiscalização melhoram a situação nas regiões já urbanizadas, é importante não deixar o processo de degradação acontecer nas áreas conservadas. Nesses lugares, o ecoturismo tem sido apontado como a melhor opção. “Precisamos identificar as regiões com potencial turístico e prepará-las para um turismo ecológico”, afirma Guilherme Wendel de Magalhães, coordenador do Projeto Pólos de Ecoturismo, da Embratur. Engana-se quem acha que o ecoturismo é coisa de sonhadores porque exige muitos investimentos e não dá retorno. A Costa Rica, um país 167 vezes menor que o nosso, fez a opção pelo ecoturismo há dez anos e hoje recebe mais turistas que o Brasil – eles chegam para aproveitar praias limpas em meio a florestas conservadas.
Um bom exemplo de como o turismo ecológico pode salvar nossas praias e gerar riquezas está na ilha de Porto Belo, em Santa Catarina. A ilha estava prestes a se tornar uma vítima do turismo de massa. Depois de cinco anos da implantação de um programa da desenvolvimento sustentável baseado no ecoturismo, teve sua biodiversidade aumentada, suas trilhas preservadas e uma melhora na qualidade de vida dos moradores. Para repetir essa experiência em outras partes do litoral, o governo federal criou o Projeto Orla, com a coordenação das prefeituras e com um comitê formado também por moradores para fiscalizar o andamento do projeto. A idéia é boa porque transfere parte da responsabilidade de preservar as praias também para as populações locais – e ninguém cuida melhor da natureza do que quem vive nela e a conhece bem.

Ordem na casa
O litoral brasileiro precisa ser pensado no todo. O mar, afinal, não é um quintal com cerca. O esgoto lançado por uma cidade pode poluir a praia de outra. Um vazamento de óleo pode fazer estragos por dezenas de quilômetros. Por isso, todos que estiverem usando os recursos do litoral precisam falar a mesma língua. “Nosso maior desafio é harmonizar os vários setores que se estabeleceram ao longo do nosso litoral e criar uma política que contemple as esferas municipal, estadual e federal”, afirma Oneida Freitas, coordenadora do Programa de Gerenciamento Costeiro, que pretende apontar o que pode ou não pode ser feito com as nossas praias.
Ou seja: nosso litoral vai ser zoneado. Haverá áreas destinadas ao turismo, outras à atividade portuária, outras à conservação por meio de parques e reservas. Tem tanta coisa e tanta gente envolvida que o zoneamento precisa ser feito por uma equipe multidisciplinar que leve em consideração todos os aspectos envolvidos. Quando as zonas forem delimitadas, entrarão em ação os chamados Colegiados Costeiros, que reúnem vários segmentos da sociedade local (ONGs, universidades, sociedade civil, associação de pescadores, veranistas e poderes públicos) para discutir os problemas e tomar decisões com força de lei. Perfeito demais para dar certo? Não. No Ceará, a ONG Aquassis funciona assim, gerenciando a costa cearense com recursos federais. E tem conseguido ótimos resultados.

Atrás do prejuízo
Nas regiões onde o estrago está feito, cabe ao programa de gerenciamento costeiro levantar o tamanho do prejuízo ambiental e propor soluções. E os problemas são muitos. Nessas áreas, é fundamental contar com a ajuda da sociedade. Hoje, o Brasil tem uma lei ambiental de primeiro mundo, mas não consegue colocá-la em prática porque faltam recursos para contratar fiscais, desapropriar áreas de interesse ecológico e desenvolver projetos de preservação. Daí a importância das entidades ambientalistas e do patrocínio de empresas privadas. O Projeto Tamar, patrocinado pela Petrobrás, é um bom exemplo de como a sociedade pode contribuir. Coordenado por uma ONG, já salvou mais de 2 milhões de tartarugas marinhas. No passado, os ovos desses animais eram caçados pelos moradores do sul da Bahia como alimento, o que estava ameaçando a espécie. O Tamar contratou os próprios caçadores de ovos como monitores para proteger os ninhos.
Há outros projetos similares em andamento, provando que já existem muitos brasileiros dispostos a mudar a história das praias e dos mares do país.

Isto Está Dando Certo
O mar retribui a gentileza
As praias de Santos, no litoral de São Paulo, já foram a imagem da degradação. Hoje exibem ótimos índices de balneabilidade e atraem milhares de turistas
No início da década de 80, a orla da cidade de Santos, no litoral paulista, era a imagem da degradação: água imprópria para o banho praticamente o ano todo; esgoto correndo para o mar a céu aberto; e bandos de urubus caminhando nas areias, em vez de banhistas. O resultado é que a cidade, que já fora um importante destino de balneário principalmente para os vizinhos paulistanos, deixou de receber turistas e entrou em decadência. O comércio deixou de vender, os prédios da orla foram abandonados e perderam valor, os empregos diminuíram e a arrecadação do município também.
Para reerguer a economia da cidade, os governos municipal e estadual uniram forças com o objetivo de recuperar suas praias. E começaram por onde deviam: estendendo e melhorando a rede de saneamento básico. Em parceria com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), ampliaram a rede de coleta, criaram unidades de tratamento de esgoto e emissários submarinos que despejam a água tratada longe da costa.
Também foram instaladas comportas nos canais, para evitar que a água de enxurrada fosse lançada no mar sem tratamento. Em 1992, 95% das casas e estabelecimentos estavam conectados à rede de esgoto – um recorde absoluto no país. O segundo passo foi educar as pessoas para que não jogassem lixo na areia, com campanhas na mídia e distribuição de sacos de coleta aos banhistas.
O resto ficou com a natural capacidade de regeneração da natureza. Em pouco tempo, as praias passaram a mostrar índices favoráveis de balneabilidade em 80% do ano. Para se ter uma idéia, em lugares turísticos famosos onde as praias não receberam o mesmo cuidado, como Copacabana, no Rio de Janeiro, e Porto Seguro, na Bahia, a balneabilidade hoje é bem menor.
Com as praias limpas, o turismo voltou a ser uma atividade econômica importante. Só na última temporada, Santos faturou 8 milhões de reais com os turistas hospedados na cidade. Os ganhos sociais indiretos são ainda mais importantes: mais empregos, melhoria na qualidade de vida dos moradores e aumento na renda média das famílias.
Como uma boa ação puxa outra, não foi difícil para a prefeitura de Santos conseguir, logo em seguida, dinheiro para revitalizar as áreas próximas da orla, onde havia velhos armazéns da época do café, do início do século. O governo estadual injetou outros 10 milhões de reais para restaurar o centro histórico, recuperar praças, melhorar a coleta delixo, intensificar o policiamento e atrair novos empreendimentos. Hoje, Santos orgulha-se de ter entrado para o Guinness, o livro dos recordes, por ter o maior jardim de praia do planeta.
A nova cara da cidade atraiu empreendimentos privados: Santos ganhou mais um shopping e quatro grandes redes de hotéis já anunciaram que vão se instalar no município. Afinal, estando a apenas 70 quilômetros de São Paulo e oferecendo praias limpas, boa infra-estrutura, museus e prédios históricos, a cidade de Santos tem tudo para se tornar um excelente destino também para convenções e turismo de negócios.
Ações por um litoral limpo e conservado
Com 7,4 mil quilômetros de linha contínua, o litoral brasileiro é difícil de ser gerenciado e fiscalizado. Pesquisas acadêmicas e projetos de ambientalistas, com patrocínio da iniciativa privada, têm ajudado o governo a criar um plano de gerenciamento costeiro

As praias são do povo
Em 1988, pela primeira vez uma lei definia o conceito de praia como um bem de uso comum do povo, restringindo construções permanentes e atividade mineradora, por exemplo. Assim nascia o Plano de Gerenciamento Costeiro. Passados 13 anos da sua criação, a maior parte dos problemas ambientais do litoral continua sem solução.

1. Peixe-boi
Restam apenas 400 indivíduos desse mamífero marinho. O projeto, patrocinado pela Petrobrás, quer evitar sua extinção

2. Tartaruga marinha
O Projeto Tamar preserva as tartarugas marinhas com a colaboração dos pescadores e o patrocínio da Petrobrás

3. Recifes costeiros
Atua principalmente no Nordeste, protegendo as formações de recifes da sua destruição por barcos, poluição e pesca predatória

4. Baleia jubarte
Protege e pesquisa as baleias que se reproduzem no arquipélago de Abrolhos

5. Caranguejos
Cooperação entre Ibama, Universidade Federal do Paraná e Petrobrás para repovoar os manguezais com caranguejos

6. Peixes de plataforma
Estuda espécies de peixes que vivem na região das plataformas marinhas de petróleo

7. Marambaia
Instala estruturas artificiais no mar para atrair peixes e outros animais marinhos, implementando a pesca artesanal na região

8. Água de lastro
Pretende evitar a introdução de espécies exóticas que viajam nas “águas de lastro” que estabilizam os navios

9. Projeto costão
Atua na baía de Angra dos Reis para incentivar a pesca artesanal, o turismo e a educação ambiental

10. Baleia franca
Fiscaliza para evitar a caça a essa espécie de baleia e promove o turismo ecológico na regiãoEntrevista
"Somos apenas passageiros neste planeta azul"
Poucos brasileiros conhecem tão bem nosso litoral quanto Marcus Polette. Atualmente pesquisador do curso de Oceanografia do Laboratório de Planejamento da Paisagem Costeira da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, Marcus é geógrafo e oceanógrafo, com doutoramento em Ecologia e Recursos Naturais. Para ele, a melhoria da qualidade ambiental de nossas praias passa por uma política pública que os administradores já deveriam conhecer há muitos anos: o gerenciamento costeiro, uma versão litorânea do que os ambientalistas de terra seca chamam de desenvolvimento sustentado.

Os noticiários estão sempre falando de manchas de óleo, mortandade de peixes, poluição, algas tóxicas. A situação das nossas praias é tão ruim assim?
Há muitas praias em situação ruim. A intensa urbanização da costa nas últimas décadas fez estragos enormes, que se refletem na qualidade da água e da paisagem. Mas tão ou mais sérios são os problemas, pouco explorados pela imprensa, como a redução da biodiversidade, a queda na produtividade de nossos estuários e a perda de valores e tradições das comunidades mais antigas da costa.

Por que chegamos a esse ponto?
Porque entre as décadas de 60 e 80 faltou uma política pública séria para a ocupação e o desenvolvimento da costa. O amadorismo, a ingenuidade e o oportunismo sempre provocam danos ambientais sérios. Para piorar, a especulação imobiliária foi responsável pela perda de importantes valores culturais e ecológicos nas nossas praias devido à falta total de planejamento.

Dá para reverter essa situação ao ponto que, um dia, nossos filhos possam tomar um banho de mar como nossos avôs tomaram?
Em alguns lugares é possível, mas isso exige vontade política, investimentos e técnicos capacitados para chegar às decisões acertadas. Não temos mais tempo para fazer “experiências” nem podemos nos dar ao luxo de cometer novos enganos em se tratando de recursos naturais renováveis e não-renováveis tão importantes quanto os que estão em jogo.

E os governos estão fazendo sua parte?
Algo tem sido realizado, mas ainda é muito pouco. Basta ver que, a cada verão, é maior o número de praias com índices de balneabilidade fora dos padrões de qualidade. Por incrível que possa parecer, poucos municípios costeiros priorizam a implantação de redes de saneamento. Isso é um absurdo porque a falta de saneamento prejudica as praias, o turismo, o desenvolvimento econômico e a saúde pública. Muitos sequer têm secretarias de Meio Ambiente. Na verdade, há realidades muito distintas no litoral, o que torna a questão mais complexa. Há desde metrópoles como o Rio de Janeiro até pequenos municípios com menos de 5 000 habitantes e costumes rurais. Cada lugar tem problemas diferentes e exige medidas adequadas à sua realidade. Existem algumas boas iniciativas, tomadas pelo governo federal, por algumas prefeituras, universidades e organizações não-governamentais, que deveriam servir de padrão ou mesmo serem copiadas para garantirmos que o nosso litoral seja um ambiente saudável e bem conservado.

Então, os brasileiros em geral precisam mudar a maneira como se relacionam com a praia e o mar?
Sim, temos que olhar a praia sobretudo com respeito. Ela é um espaço naturalmente democrático, onde você encontra todos os tipos de pessoas. É um espaço para o lazer, para a convivência e para apreciar a beleza da paisagem. O mar é muito antigo, enquanto nós estamos neste planeta azul por apenas algumas dezenas de anos. Nós somos um elo entre o passado e o futuro e é nosso dever transmitir esse importante ambiente para as próximas gerações, garantindo a elas a mesma qualidade que nós desfrutamos.
Revista Superinteressante

As causas da seca nordestina



Correntes de ar que cruzam o Oceano Pacífico e a temperatura das águas no Atlântico norte, influenciadas pelas geleiras do Pólo Norte, determinam o ciclo das chuvas e secas no Nordeste do Brasil.
Antônio Carlos Fon

Aracati, nos sertões do Ceará; cantarino na Chapada do Araripe — divisa de Pernambuco com o Ceará —, porque assovia ao atravessar a serra: um vento forte, de nordeste para sudoeste, que sopra pontualmente entre 19 e 21 horas e refresca agradavelmente as noites de primavera. Mas, para os nordestinos, a mesma brisa benfazeja é o primeiro sinal de tragédia. Quando sopra nas últimas semanas de dezembro e no mês de janeiro, é sintoma certo de secaSeca que será tão mais grave e inevitável se não chover até 19 de março, dia de São José. Durante séculos, enquanto os meteorologistas torciam o nariz, essas foram duas das formas de o sertanejo fazer a previsão do tempo para a temporada das chuvas na região, entre março e abril. Agora, respaldados pelas observações de satélites meteorológicos e modernos computadores, os climatologistas dão a mão à palmatória: os sertanejos tinham razão.
O que o sertanejo não sabia é que as secas do Nordeste têm origem em lugares tão distantes quanto o Sudeste asiático e o círculo polar ártico. O que é compreensível: os próprios cientistas levaram décadas para entendê-las. São provocadas por dois intrincados e fascinantes mecanismos gerais de circulação de ventos no planeta. São fenômenos que se estabeleceram provavelmente há 20 000 anos, no fim da última grande era glacial. O primeiro e mais importante é composto pelas áreas de baixa e alta pressão atmosférica no Pacífico equatorial — a pressão atmosférica não é igual em todo o globo terrestre — conhecido como “célula de Walker”.
Na década de 1920, o inglês Gilbert Walker descobriu que o padrão meteorológico do Oceano Pacíficoequatorial contém uma área de baixa pressão atmosférica sobre a Indonésia e o norte da Austrália e uma área de alta pressão no oceano, próximo à costa da América do Sul, resultado da lei física de que o ar quente tende a subir e o ar frio tende a descer. De maio a setembro, as águas quentes do OceanoÍndico e do Mar da China provocam a ascensão de um vento quente e úmido, criando o que os meteorologistas chamam de área de baixa pressão. A ascensão desse vento úmido, também chamada de convecção, leva à formação de nuvens e chuvas, no fenômeno conhecido no Sudeste asiático como monções. Livre da água, o vento viaja sobre o Pacífico a uma altura de 15 quilômetros em direção ao leste. Nesse trajeto, o vento se resfria e tende a descer sobre o oceano, próximo à costa oeste da América do Sul, criando uma área de alta pressão atmosférica.
O ar de cima para baixo impede a formação de nuvens de chuvas, o que, ao longo de milhares de anos, levou ao surgimento do deserto do sul do Chile e da região de Lima, no Peru. Parte dessa coluna de ar retorna em direção à Austrália e à Indonésia, enquanto uma parcela, novamente aquecida, toma novo movimento ascendente sobre a Amazônia, provocando chuvas na região, e desce sobre o Nordestebrasileiro, onde recebe os nomes de aracati ou cantarino, para refrescar as noites de primavera. Mas nem sempre acontece assim.
Em ciclos de três e sete anos, nos meses de setembro, outubro e novembro, por motivos que ainda não se consegue determinar com certeza, uma grande massa de água quente vinda da Austrália avança pelo Pacífico equatorial em direção ao leste além da Ilha de Taiti, no fenômeno conhecido como El Niño. A água quente cria nova zona de convecção, deslo-cando as chuvas do meio do OceanoPacífico para a costa oeste da América do Sul, na altura do Peru, e levando a corrente de ar vinda do Sudeste asiáti-co a cair diretamente sobre o Nordeste brasileiro, impedindo a formação de nuvens dechuva.
É quando o suave assovio do cantarino na Chapada do Araripe nos meses de janeiro a março se torna de mau agouro, anunciando seca para o inverno — os nordestinos chamam a estação das chuvas naregião de “inverno”, embora ocorra nos meses de verão-outono oficiais. É chegado, então, o tempo das novenas, promessas e procissões para São José, cujo dia, 19 de março, é a última esperança dechuva no sertão. Afinal, apesar de sua importância, o El Niño não é o único fator determinante das chuvas no Nordeste.
Ainda assim, as chuvas da terceira semana de março no Nordeste dependem muito mais de fatores físicos que de fé. Elas são conseqüência de outro fenômeno meteorológico conhecido desde o século XVIII e chamado pelos climatologistas de ZCIT — zona de convergência intertropical, um anel de ar úmido que envolve a Terra próximo à linha do equador. A ZCIT oscila entre as latitudes de 10° ao norte e 5° ao sul, a região onde os ventos alísios dos hemisférios norte e sul se encontram. Esse fenômeno também é chamado de “célula de Hadley”, devido ao meteorologista inglês George Hadley (1685-1768) que em 1735 descreveu seu funcionamento. Dependendo da localização, a zona de convergência intertro-pical pode amenizar ou agravar as secas provocadas pelo El Niño.
As nuvens de chuva da zona de convergência intertropical são alimentadas em boa parte pelo sistema de baixa pressão atmosférica da região da Terra Nova, no Canadá, próximo ao círculo polar ártico. Quando a baixa pressão é mais forte na Terra Nova, o ar úmido engrossa a ZCIT que se desloca em direção às águas mais quentes próximas ao equador, acompanhando com um pequeno atraso o movimento do Sol. Assim, quando o Sol atravessa a linha do equador no equinócio de outono do hemisfério sul, entre os dias 20 e 21 de março, a zona de convergência intertropical atinge sua posição mais ao sul, com o seu centro sobre a cidade de Quixadá, a 5° de latitude sul, no sertão cearense, provocando as chuvas do dia de São José.
Às vezes, porém, a chuva não chega. O movimento da zona de convergência intertropical depende da tempertatura das águas no oceano, que na região equatorial varia entre 26° e 29°. E uma variação de 1 a meio grau entre as águas do Atlântico norte e do sul é a diferença entre um “inverno” chuvoso ou seco. Com as águas do Atlântico norte mais frias, a ZCIT desloca-se para o sul, trazendo suas nuvens carregadas. Se as águas do Atlântico estiverem mais frias no sul, entretanto, as chuvas serão despejadas na Amazônia e sobre a Ilha de Marajó. Para o nordestino será a seca, a fuga da asa-branca, a terra calcinada e a fome. Sem culpa de São José.

ÁGUA
Um mar de água doce sob a terra seca
Só o Piauí abriga um volume de águas subterrâneas quatro vezes maior que a Baía de Guanabara. Mas os projetos para aproveitá-las estão engavetados
Nos últimos vinte anos, o geólogo João Alberto Bottura, pesquisador da seção de Águas Subterrâneas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas paulista, trabalhou em cerca de vinte projetos de estudos de águas subterrâneas no Nordeste e um para extrair água no Deserto do Saara. Mas, enquanto seu trabalho para Muammar Khadafi está ajudando a transformar o deserto líbio em um pomar, os estudos feitos no Brasil continuam dormindo placidamente nos arquivos e pra-teleiras dos vários órgãos públicos que os encomendaram. “O Nordeste tem pesquisas e conhecimentos suficientes para otimizar o uso dos recursos hídricos disponíveis”, afirma Bottura. “O que falta é a decisão política de aproveitá-los.”
A certeza de que não falta água no Nordeste não é nova. Já em 1984, o Projeto Radam, do Ministério das Minas e Energia, constatava através de sensoreamento remoto a existência de um potencial de 220 bilhões de metros cúbicos de água nas áreas mais afetadas pelas secas. Desse total, 85 bilhões de metros cúbicos estavam na super-fície da terra e 135 bilhões subterrâneas, sendo 15 bilhões em rochas cristalinas, de difícil perfuração, e 120 bilhões em rochas sedimentares, mais fáceis de perfurar para alcançar o lençol freático. Somente no Piauí, afirma o geólogo Aldo da Cunha Rebouças, presidente da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, o reservatório hídrico sob a terra é superior em quatro vezes à Baía de Guanabara.
Um exemplo desse potencial é o poço Violeta, no vale do Rio Gurguéia, no sudoeste do Piauí, o poço de maior vazão da América Latina, com um jorro de 800 000 litros por hora, à tem-peratura de 60° e altura de 27 metros — equivalente a aproximadamente um edifício de nove andares —, suficiente para abastecer uma população de l00 000 pessoas. “No entanto, toda essa água está jorrando em vão, sem ser utilizada para matar a sede das pessoas ou irrigar plantações”, indigna-se o piauiense José Luiz Albuquerque Filho, também hidrogeólogo pesquisador, há treze anos no IPT paulista, diante do incrível desperdício de 70 bilhões de litros de água nos últimos dez anos, desde que o poço de 1 000 metros de profundidade foi aberto. Isso em plena região do Polígono das Secas. E o desperdício não pára por aí.
Chove no Polígono uma média de 400 a 700 milímetros por ano. Sete vezes mais, por exemplo, que na Califórnia, uma das regiões de agricultura mais desenvolvidas no mundo. A diferença está no gerenciamento desses recursos. Enquanto na Califórnia cada litro é criteriosamente estocado e aproveitado, o Nordeste brasileiro morre de sede enquanto a água se evapora sem uso por falta de redes de distribuição. Segundo a Funceme — Fundação Cearense de Meteorolgia e Recursos Hí-dricos, somente o projetado açude Castanhão, com seu espelho de água de 650 quilômetros quadrados, poderá perder anualmente 1 bilhão de litros por evaporação. Pior ainda é quando se armazena a água apenas para torná-la inutilizável.
“Os rios do Polígono das Secas arrastam o sal da terra, depositando-o nas proximidades do oceano”, explica o geógrafo Aziz Nacib Ab’Sáber, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e um dos mais profundos e abrangentes estudiosos do Nordeste e seus problemas. Um erro muito freqüente na construção dos açudes nordestinos pode, porém, anular essa ação. “Grande parte dos açudes da região não possuem descarregador de fundo, uma válvula próxima à base da barragem para liberar os excessos de água”, conta José Alberto Bottura. Com isso, o sal acaba acumulando-se no fundo dos reservatórios e, com o tempo, salinizando toda a água. O que pode transformar em realidade o delírio profético de Antônio Conselheiro no final do século passado ao afirmar que “o sertão vai virar mar”. Desgraçadamente para os sertanejos, entretanto, um mar de águas salgadas, inútil para matar sua sede.



Solução
Como conviver com a estiagem
A ciência ensina a administrar a carência de águas. E arranca colheitas da terra calcinada, plantando na hora certa para não desperdiçar a umidade
Em 1991, os agricultores cearenses colheram 794 000 toneladas de grãos — arroz, milho, feijão, amendoim, mamona e sorgo —, com uma perda de 21,6% sobre a colheita de 1 milhão de toneladas de 1988, a melhor já obtida no Ceará. No entanto, ela foi recebida com entusiasmo pelo governo e fazendeiros. Significou um aumento de 89% sobre as 420 000 toneladas de 1990 e foi obtida quando fazia dois anos que o Nordeste enfrentava uma das piores secas do século. Por trás desse resultado estava o Programa Nordeste, um pequeno e quase desconhecido projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia. Não foi sua única façanha. Graças às suas informações, o Ceará conseguiu evitar o colapso do abastecimento de água para 1,7 milhão de habitantes de Fortaleza no ano passado.
Criado em 1991, a partir de experiência bem sucedida no Ceará, o Sistema de Informações Gerenciais em Tempo, Clima e Recursos Hídricos — SIGTEC, nome oficial do projeto, reúne cinqüenta cientistas. São dois meteorologistas, dois especialistas em recursos hídricos e um em Informática com nível mínimo de mestrado em cada núcleo estadual do Piauí à Bahia e uma diminuta coordenação sediada no INPE — Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em São José dos Campos, São Paulo. Eles não têm altos salários, não distribuem verbas ou decidem sobre obras, mas seus boletins diários e mensais são acompanhados minuciosamente por fazendeiros, prefeitos e governadores de todo o Nordeste.
São boletins de previsão do tempo a curto e médio prazo — ou seja, a possibilidade de chover em até três dias e a expectativa climatológica para um período de três meses; disponibilidade de água em rios e reservatórios, índice de umidade no solo e evaporação. Tudo isso com o sensoreamento da regiãopor satélites e disponíveis a qualquer momento em cada núcleo, mantidos pelos governos estaduais e interligados por rede de Informática. “Nosso objetivo é apenas o de gerar informações para o gerenciamento dos recursos hídricos pelos tomadores de decisão”, explica Fausto Carlos de Almeida, gerente do projeto. Em outras palavras, evitar mau uso e desperdício.
Foi assim, por exemplo, que a Funceme — Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, o núcleo do Ceará, criado em 1988 e que inspirou todo o projeto, levou o governo do Estado a organizar o programa Hora de Plantar, uma adaptação da técnica de administração de recursos just in time, desenvolvida pela indústria japonesa, para a agricultura no semi-árido. Ele consiste em monitorar diariamente o nível de umidade do solo e as possibilidades de chuvas e só distribuir sementes aos agricultores quando as condições indicarem “risco mínimo” de perdas ocasionadas por períodos de estiagem em plena estação das chuvas, que no semi-árido chegam a durar até vinte dias. Com essa estratégia, o Ceará conseguiu salvar 50% de sua safra em 1990, primeiro ano da seca, enquanto os outros Estados nordestinos amargavam perdas de 85%, e quase dobrar a produção em 1991 quando os outros Estados do Polígono das Secas se debatiam em meio ao drama provocado pela estiagem.
Com base no monitoramento do nível dos açudes e estudos climatológicos, que, a partir datemperatura do Pacífico e do Atlântico previam outro ano de poucas chuvas para 1993, o governo cearense decidiu construir em noventa dias um canal ligando o açude de Orós a Fortaleza. O que evitou racionamento de água na capital do Ceará no ano passado.
A maior proeza do Programa Nordeste, porém, saiu de uma pequena sala do INPE. Dali, quase soterrado por livros, índices de evaporação, temperatura dos oceanos, direção e velocidade dos ventos, o meteorologista Carlos Nobre, pesquisador sênior do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, um dos pilares do Programa Nordeste, anunciou em dezembro do ano passado o fim daseca em 1994. A distribuição de sementes baseada nessa previsão levou a economia cearense à contramão da inflação brasileira: enquanto no resto do país a inflação acumulada nos dois primeiros meses beirava os 100%, e 1 quilo de feijão que em janeiro custava 1 000 cruzeiros reais no Vale do Jaguaribe, alto sertão cearense, caía para 250 cruzeiros em meados de março. Com uma redução de 75%.

INDÚSTRIA
Quem ganha com o drama de toda a população
Açude do Cedro, um monumento da “indústria da seca”: barragem em pedra talhada a mão, esculturas e grades de ferro importadas, mas sem água sequer para a região de Quixadá
Resultado de uma promessa do imperador Pedro II — de que empenharia até a última jóia da coroa para acabar com a seca do Nordeste —, o açude do Cedro começou a ser construído em 1884, mas só ficou pronto em 1906. A barragem de 15,5 metros de altura e 415 metros de comprimento é toda de pedra talhada a mão, guarnecida por esculturas de pedra e grades de ferro importadas. Seus 128 milhões de metros cúbicos de água não chegam para matar a sede da região de Quixadá e os equipamentos de irrigação só beneficiam alguns poucos. Tombado pelo Patrimônio Histórico em 1987, o açude do Cedro é um monumento centenário à política de combate às secas: demorado, caro, suntuoso e ineficiente.
Na época ainda não havia sido cunhada a expressão “indústria da seca”, que só surgiria em 1959, mas foi para evitar esses erros e rebater as críticas pelo mau uso do dinheiro público que, em 1906, foi criado o Dnocs — Departamento Nacional de Obras contra a Seca. O governador Ciro Gomes, do Ceará, costuma dizer que o problema da seca poderia ser resolvido em dez anos, com a aplicação de 2 bilhões de dólares em programas que seguissem um bom planejamento estratégico. Nos 88 anos desde sua criação o Dnocs consumiu 6 bilhões de dólares em dezenas de milhares de açudes, projetos de irrigação e poços.
A maioria dessas obras, porém, foi feita em propriedades particulares, sem benefícios diretos para a população do Polígono das Secas, uma área de 947 150 quilômetros quadrados que vai do norte de Minas Gerais ao Piauí, campo especialmente fértil apenas pa-ra as denúncias de corrupção e mani-pulação de verbas com objetivos políticos.
Um caso exemplar foram as denúncias que envolveram, no ano passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Inocêncio Oliveira, flagrado utilizando máquinas do Dnocs em sua revendedora de motocicletas em Serra Talhada, no semi-árido pernambucano, enquanto a região se debatia com uma das piores secas deste século. “E o pior de tudo é que os próprios limites do Polígono das Secas são artifi-ciais e politiqueiros, servindo muito para drenar recursos do Fundo Constitucional do Nordestepara os inúmeros ‘anões’”, afirma o geólogo José Luiz de Albuquerque Filho, do IPT paulista. Albuquerque argumenta com um estudo da Funceme para o Banco do Nordeste do Brasil, o qual, baseado em critérios técnicos, concluiu pela redução de 160 000 quilômetros quadrados do atual Polígono das Secas. Denúncias como essa levaram à fracassada tentativa de criar, no ano passado, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a indústria da seca. Seria a décima CPI sobre o assunto desde 1952. Todas sem resultados práticos.

Os ventos contra o Nordeste
Quando eles descem sobre a região, a umidade não sobe e as nuvens de chuva não se formam. Entenda como os ventos lá da Indonésia acabam afetando o nosso Nordeste:

1 - Os ventos oriundos de baixa pressão sobre a Indonésia cruzam o Pacífico a 15 000 metros de altitude
2 - Com o Pacífico aquecido, devido ao El Niño, os ventos frios descem junto à costa oeste da América do sul
3 - Parte da coluna de vento, novamente aquecido, torna a subir, provocando chuvas no Peru e na região amazônica
4 - Após perder calor e umidade, o vento volta a descer, agora sobre o Nordeste, impedindo a formação de nuvens de chuva
Revista Superinteressante

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O mundo sem petróleo



Encontrá-lo está cada vez mais difícil; extraí-lo do fundo da terra ou do mar, caro e trabalhoso. Chegou a hora de pensar seriamente em substitutos, pois as reservas duram no máximo 70 anos.

David G. Howell, Kenneth J. Bird e Donald L. Gautier
No final da década de 50, quando os geólogos apresentaram a revolucionária teoria das placas tectônicas, já havia sido encontrada a metade de todo o petróleo existente na Terra que o homem poderá utilizar. Foi fácil descobri-lo. Hoje em dia, no entanto, a sua exploração concentra-se em depósitos localizados em pontos menos evidentes, e encontrá-los requer um esforço cada vez maior. A nova teoria, que apresenta a camada externa da Terra com uma espessura entre 50 e 150 quilômetros, dividida em placas que se movimentam vagarosa, mas incessantemente, acabou se tornando um providencial facilitador desse trabalho. A compreensão das condições geológicas torna mais fácil descobrir onde o petróleo se encontra; e, mais importante, ajuda também a saber onde ele não se encontra. Dessa forma, os geólogos especializados nessas pesquisas podem fazer estimativas mais confiáveis do total das reservas com as quais o homem poderá contar, no futuro. O resultado não é o anúncio de uma catástrofe iminente, mas um claro aviso de que chegou a hora de começar o planejamento de um mundo sem petróleo — na melhor das hipóteses, as reservas resistem até meados do próximo século.
Não foi à toa que o petróleo se tornou motivo de guerras e revoluções, fonte de riquezas e de degradação ambiental. Desbancando o carvão, ele logo se tornou o principal combustível que mantém em movimento a sociedade industrial moderna, com suas fábricas, cidades feericamente iluminadas, e cada vez maiores frotas de navios, aviões e automóveis correndo de um lado para outro. Descrito sumariamente, ele é uma substância, quase sempre em estado líquido, constituída de cadeias de átomos de carbono e hidrogênio. Forma-se na natureza por meio da separação de moléculas orgânicas comuns, citadas na maioria dos rótulos de alimentos que compramos no supermercado: ácidos graxos, carboidratos, açúcares, proteínas. Qualquer forma de vida pode fornecer estes ingredientes para a sua formação, mas o fitoplâncton — planta unicelular aquática — é de longe a fonte mais abundante.
Para que o petróleo se forme, é necessário que o fitoplâncton fique enterrado sob espessas camadas de rocha, com muito calor. As moléculas de ácidos graxos e de substâncias semelhantes são robustas, e podem permanecer inalteradas na rocha por milhões de anos. O calor do planeta, contudo, consegue acelerar seus átomos e romper suas ligações químicas, permitindo a transformação. A temperatura da camada externa da crosta terrestre aumenta cerca de 1 grau a cada 30 metros de profundidade. A cerca de 3 000 metros ela já é suficientemente alta para dar início à transformação das substâncias químicas orgânicas originárias do fitoplâncton. Não muito mais abaixo, contudo, a temperatura atinge níveis tão altos que as próprias moléculas do petróleo começam a se separar.
Para encontrar as reservas, entretanto, não basta procurar em locais onde sedimentos ricos em matéria orgânica jazem a cerca de 3 000 metros de profundidade. Em sua fase inicial de formação, o petróleo constitui-se de gotículas dispersas cuja exploração é inviável. Ele só será aproveitável quando essas gotículas se juntarem em enormes volumes. À medida que a pressão aumenta, o óleo é “espremido” para fora da formação rochosa. Como naquelas profundidades não existem grande buracos ou túneis através dos quais possam se movimentar, as gotículas escoam por uma rede de poros e fissuras microscópicas. Quanto maiores as aberturas, mais facilmente o petróleo viaja, mas o ritmo do movimento é sempre arrastadamente vagaroso, e pode ser medido em poucos centímetros ao ano.
Como ele é mais leve do que a rocha e a água que ali existem, consegue elevar-se airosamente à superfície, ou movimentar-se lateralmente em direção aos pontos de menor pressão, até ficar preso sob uma camada de rocha impenetrável. Se a camada abaixo dessa “tampa” for extremamente porosa, pode funcionar como uma esponja e encharcar-se de petróleo. Somente quando chega a uma estrutura geológica desse tipo ele se torna um recurso útil para os interesses humanos. Rochas subterrâneas em muitas configurações diferentes podem armazenar petróleo; mas quase tudo que se conseguiu explorar, até hoje, estava em formações curvas ou em forma de cúpula, chamadas anticlíneos, no jargão geológico.
Gerações de geólogos dedicados à pesquisa de reservas petrolíferas utilizaram mapeamentos geológicos de superfície e sondagens sísmicas para procurar esses anticlíneos. E aí o conhecimento da teoria das placas tectônicas foi providencial: elas explicam como esses anticlíneos estão distribuídos. As placas terrestres movimentam-se na mesma rapidez em que crescem as unhas dos nossos dedos, mas seus efeitos são suficientemente poderosos para provocar grandes terremotos e dar origem a vulcões e cordilheiras. As cúpulas e anticlíneos costumam ocorrer nos pontos em que as forças tectônicas espremem a crosta terrestre, em regiões onde tenha acontecido uma colisão de continentes ou onde a crosta oceânica esteja se movimentando em direção ao continente, ou ainda onde os continentes estejam se esticando em direções contrárias. Quando as camadas horizontais de rocha são puxadas ao longo de uma falha diagonal, algumas delas podem perder o apoio e desabar, tomando a forma de um arco.
A maioria dos depósitos está associada às áreas para onde convergem as placas. As enormes reservas do Oriente Médio encontram-se perto da zona de colisão entre as placas árabe e eurasiana. O petróleo ao norte da Cordilheira Brooks, no Alasca, e a leste dos Montes Urais, na Rússia, resulta da convergência de placas da crosta terrestre. Conhecer a teoria das placas tectônicas permite prever que podemos descobrir novos depósitos nos contrafortes da Cordilheira dos Andes na América do Sul, do lado continental, e nas bacias interiores da China.
A maior parte do petróleo restante se encontra nas áreas em que as placas se fenderam e se afastaram umas das outras. Os campos petrolíferos ao longo das costas brasileira e nigeriana do Oceano Atlântico, entre a Bretanha e a Noruega no Mar do Norte, ou ao largo da costa da Líbia no Mediterrâneo, são todos resultado de fendas continentais. Anticlíneos e outros ambientes favoráveis à formação de petróleo também podem se formar em regiões em que as placas deslizam umas por cima das outras, como ocorre na Falha de San Andreas, na Califórnia, mas essas ocorrências são raras.
A última descoberta de grandes depósitos de petróleo com certeza ainda não se realizou. Mas também é certo que o consumimos muito mais depressa do que ele consegue se formar e se acumular. Nosso suprimento se formou em unidades de tempo geológico — milênios, eras, éons — mas está sendo consumido em unidades de tempo humano — séculos, décadas, anos. Desde que as economias ocidentais começaram a depender sobretudo dele para a produção de energia e transporte, a humanidade passou a indagar quanto petróleo ainda existe. O futuro da civilização depende da resposta.
Mesmo com o auxílio da teoria das placas tectônicas, é impossível fazer esse cálculo com precisão. Há três componentes no suprimento mundial que precisam ser considerados. O primeiro é a produção — o petróleo que foi e está sendo extraído. O segundo são as reservas — o petróleo que está disponível e pode ser eficientemente extraído. O terceiro são as reservas ainda por descobrir, geralmente chamadas “recursos potenciais”. A estimativa das reservas mundiais conhecidas mal atinge a marca de 1 trilhão de barris. Até 1990, foram produzidos e consumidos 650 bilhões de barris; sabemos da existência de outros 950 bilhões em campos já descobertos, porém não explorados; supõe-se que outros 500 bilhões estejam à espera de serem descobertos.
Assim, o total do que já foi consumido, do que sabemos existir e da melhor estimativa para o que ainda está por ser encontrado mal atinge a casa dos 2 trilhões de barris de produto aproveitável. Esses números não são tão grandes quanto parecem. Os campos que estamos descobrindo são cada vez menores e o trabalho de perfuração necessário para sua exploração fica cada vez mais árduo e caro. Desde a década de 60, os Estados Unidos consomem mais petróleo do que produzem; esse déficit cresceu nos últimos trinta anos, a despeito de níveis de perfuração jamais atingidos. No final da década de 80, o país já importava mais do que produzia.
À taxa atual de consumo mundial de 20 bilhões de barris por ano, teríamos setenta anos de petróleo abundante. É provável que o consumo aumente à medida que os países em desenvolvimento atinjam padrões de vida mais altos. É difícil prever o que acontecerá, em termos sociais, políticos e econômicos, quando nos aproximarmos da última gota do produto — mas não é difícil imaginar, para quem conhece o passado de turbulências, guerras e conflitos que sempre envolveu sua posse e sua exploração. Precisamos aproveitar as reservas existentes para um prudente e meticuloso planejamento do futuro — um futuro sem petróleo.

Mil e uma utilidades
Petróleo existe na Terra nos estados sólido, líquido e gasoso — mas só o líquido tem merecido o direito ao uso do nome e o reconhecimento como grande benfeitor da humanidade (embora o gás já esteja ameaçando tomar-lhe a dianteira). Era conhecido e usado pelos povos mais antigos, sobretudo na forma de betume, que servia para muitas coisas, entre as quais construir estradas e calafetar embarcações. Ganhou importância no mundo moderno quando substituiu o óleo de baleia na iluminação pública das cidades eu-ropéias. Até então, aproveitava-se o petróleo que aflorava espontaneamente à flor da terra; o primeiro poço perfurado para extraí-lo foi obra do americano Edwin L. Drake, em Titusville, Pensilvânia, nos Estados Unidos, em 1859. Logo ele estava sendo extraído em toda parte — e a invenção do automóvel elevou-o à condição de mais importante fonte de energia da sociedade moderna.
Mas o petróleo serve para muito mais coisas do que simplesmente produzir gasolina. Refinado, ele se transforma também em querosene, óleo diesel, óleo lubrificante, solventes, tintas, asfalto, plásticos, borracha sintética, fibras, produtos de limpeza, gelatinas, remédios, explosivos e fertilizantes. Ao longo da História, produziu também incontáveis guerras, invasões, disputas territoriais, golpes de Estado, revoluções, cismas políticos. O Oriente Médio, os Estados Unidos e os territórios da antiga União So-viética são os maiores produtores — e os dois últimos igualmente os maiores consumidores.

Parentes próximos, mas inaproveitáveis
Além do petróleo convencional, disponível em campos que podem ser explorados pela simples perfuração de poços, há outros tipos que dependem de estudos, pesquisas e desenvolvimento tecnológico para serem utilizados. Por exemplo, o petróleo extrapesado do cinturão do Orinoco, na Venezuela, as areias de alcatrão de Athabasca, no oeste do Canadá, e os reservatórios de petróleo gelado e viscoso do Declive Norte do Alasca. O óleo da argila xistosa também é um recurso potencial, embora ainda não possa ser considerado verdadeiro petróleo — é uma rocha sedimentária rica em substâncias orgânicas que ainda não “ficou no forno” o tempo suficiente para chegar ao ponto. Podemos aquecê-la num forno de verdade e acelerar o processo, mas custaria quase três vezes mais do que a exploração de poços comuns. Uma coisa é certa: esses recursos não convencionais poderão se tornar importantes, no futuro, mas continuam cercados por incertezas econômicas e científicas. O mais certo é acreditar que eles jamais chegarão a ser aproveitados em larga escala.
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