sábado, 4 de agosto de 2012

Quem vai zelar pelo Aquífero Guarani?


Tese prega revisão de dispositivos
jurídicos sobre domínio de recursos hídricos
As águas subterrâneas, como as do Aquífero Guarani, poderiam ficar sob responsabilidade dos Estados ou da Federação, assim como as superficiais, de acordo com o que dispõe a Constituição Federal, mas a questão do domínio gera polêmicas, já que os aquíferos podem ter prolongamentos além das fronteiras estaduais. Em sua tese “Modelo de gestão compartilhada de bacias hidrográficas e hidrogeológicas: estudo de caso – Aquífero Guarani”, defendida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, o advogado, geógrafo e doutor em geologia Wilson José Figueiredo Alves Junior propõe pequenas reformulações na Proposta de Emenda Constitucional nº 43 (PEC 43), que tramita desde o ano 2000 no Congresso Nacional, visando alterar a dominialidade das águas subterrâneas na Constituição Federal.
De acordo com Alves Junior, a necessidade de revisão dos dispositivos jurídicos referentes ao domínio e gestão dos recursos hídricos subterrâneos implica uma nova política de águas no plano federativo com eventual alteração da Constituição Federal através da PEC 43/2000. Por enfrentar diretamente os aspectos contraditórios da legislação de recursos hídricos, agregando aspectos técnicos e jurídico-institucionais, a tese, orientada pelo professor do IG Hildebrando Hermann, foi solicitada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que, após análise de sua assessoria técnica, encaminhou ao relator da proposta para incorporá-la ao texto original da PEC.
O pesquisador revela que, embora sejam naturalmente indissociáveis no ciclo hidrológico, as águas superficiais e subterrâneas foram estabelecidas de forma divergente pela Constituição Federal. Após inúmeras discussões, o principal desafio é estabelecer uma legislação que contemple a proteção dos aquíferos transnacionais e interestaduais. Ele acrescenta que no ordenamento jurídico brasileiro, encontram-se lacunas e conflitos legais, “o que conduz a uma realidade inquestionável: a legislação brasileira de recursos hídricos subterrâneos possui falhas em sua redação, uma vez que a boa técnica ensejaria sanar tais dúvidas.”

Para Herrmann, o modelo de gerenciamento hídrico brasileiro necessita ser revisto e reconsiderado no campo legislativo. “O atual modelo, do ponto de vista legal, proporciona o estabelecimento de limites e fronteiras físicas no âmbito dos Estados, o qual se afigura como um processo de difícil aproveitamento e gerenciamento, já que a Constituição Federal atribui aos Estados a dominialidade das águas subterrâneas, permitindo que estas sejam utilizadas de forma desordenada, dando abertura para futuros acidentes ambientais de proporções incalculáveis.” A aprovação do novo texto, na opinião do professor, não deixaria dúvidas quanto a gestão das águas subterrâneas e a prevenção contra eventuais contaminações.
Herrmann lembra que o Sistema Aquífero Guarani, especialmente, tem estrutura transfronteiriça, adentrando pelo subsolo de oito estados brasileiros e mais três países (Argentina, Uruguai e Paraguai). Dessa maneira, o risco de contaminação pode ser um dos problemas decorrentes da falta de marco regulatório e de políticas públicas.
A preocupação em promover a efetiva tutela dos aquíferos interestaduais/internacionais está no fato de que um recurso influi no outro. “Por exemplo, a formação de lagos de barragens altera o nível piezométrico regional; a superexplotação de poços ocasiona o rebaixamento do lençol que alimenta nascentes e rios; o lençol freático garante perenidade aos rios durante as estações secas; os rios encaixados em fraturas alimentam aquíferos e a descarga/exutório dos aquíferos confinados alimentam rios”, explica Alves Júnior.
Ele acrescenta que embora as alterações previstas pareçam mínimas, elas transferem a dominialidade das águas subterrâneas dos Estados-membros para a União Federal. “O que já é bastante significativo”, reforça.

IG é referência em políticas públicas
De acordo com Herrmann, o IG tornou-se referência no estudo de políticas públicas para gestão de recursos. O tema geralmente é abordado por diferentes áreas ligadas à preservação e utilização de recursos naturais. “O IG é uma fonte de estudos nesta área. Tem professores e alunos que trabalham com questão de recursos hídricos, abordando políticas públicas, sobretudo com enfoque técnico, jurídico e social. Assim como o trabalho do Wilson, uma série de outras teses e dissertações abordando essa temática estão por vir. O Instituto tornou-se referência internacional na parte de políticas públicas para recursos hídricos”, acrescenta Herrmann.

Brasil adota sistema de gerenciamento francês
O Brasil segue a experiência francesa na gestão de recursos hídricos, baseado em comitês de bacia hidrográfica, os quais têm a difícil tarefa de suplantar os limites políticos municipais e estaduais, fortemente presentes nas políticas públicas e na gestão de recursos hídricos, segundo Alves Júnior. Na tese, ele mostra que a França em muito se distingue do Brasil, já que é uma república unitária, ao passo que o Brasil é uma república federativa, formada pela agregação dos Estados. Além disso, existe constitucionalmente dupla jurisdição sobre a água no Brasil: a Federal e as dos Estados da federação. Já a legislação francesa vale para todo o território.
Ele acrescenta que o caso brasileiro é mais complexo, em virtude da existência, por dispositivo constitucional, de águas estaduais e federais, além da competência privativa da União para legislar sobre águas (subterrânea e superficial). Outras diferenças – espaciais, sociais, econômicas e culturais, entre os dois países – fazem com que existam divergências geológicas: “Lá na França a experiência em bacias hidrológicas foi boa, porém, precisamos adequá-las às nossas realidades, já que no Brasil em razão da dupla dominialidade misturam-se rios federais e estaduais, o que é de difícil conciliação.”
Alves Júnior lembra que o Brasil oferece um mosaico hídrico diferenciado, amplo e complexo, com 12 regiões hidrográficas, o que leva, também, à intensificação dos problemas transfronteiriços. A França, por sua vez, apresenta apenas seis regiões hidrográficas. “Consequentemente, nesse viés, é preciso ter um sistema condizente com a realidade brasileira”, explica.
De acordo com o pesquisador, “aqui esse cenário ganha novos contornos: além de a bacia hidrográfica poder ter dois níveis (federal e estadual), precisamos contemplar as bacias hidrogeológicas nessa complexa legislação hídrica.”

Para orientador, atual modelo é ultrapassado
Para Herrmann, o trabalho do pesquisador, ao conjugar as áreas de geociências e jurídica permite um adequado equacionamento da nova proposta, segundo o qual o modelo ideal se perfaz no estabelecimento de um único domínio para as águas subterrâneas. “O atual modelo implementado pela política nacional de recursos hídricos apenas limita-se a integrar e articular a legislação da União com os Estados, em nada contribuindo para a independência e o estabelecimento de um modelo de gestão dos recursos hídricos genuinamente brasileiro, contemplando genericamente a bacia como um todo (hidrográfica e hidrogeológica).”
Alves Júnior ainda revela que apesar de possuir elevado nível de aceitação social e política por vários anos, o modelo francês ultimamente tem sofrido críticas. “Principalmente quanto ao fato de sua aplicação ao território brasileiro, pela sua complexa dimensão territorial e riqueza em bacias (hidrográficas e hidrogeológicas). Em especial pelas estruturas compartimentadas dos aquíferos que nem sempre coincidem com as estruturas superficiais (rios, lagos, e correntes d’água)”, reforça.
Para o pesquisador Alves Junior, a legislação precisa trabalhar à luz da realidade brasileira. “A natureza não pode se tornar refém de remendos legais, notadamente ao que se afigura emergencial. À vista disso, é preciso avançar no tema e propor um modelo mais adequado para as nossas realidades, o que parece ser um fenômeno inevitável.”
Jornal Unicamp

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