feitos positivos do indexador não se estendem
a trabalhadores temporários e sem carteira
a trabalhadores temporários e sem carteira
Ainda que o crescimento real do
salário mínimo tenha atingido mais de 73% no período de 1996 a 2008 e se
reconheça que este foi um dos determinantes da redução do grau de desigualdade
na distribuição de renda nos últimos anos, foi detectado que o fenômeno
produziu efeitos distintos sobre o rendimento das diferentes categorias de
empregados na agricultura brasileira. Estudo realizado pelo aluno Régis
Oliveira, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, revela uma evolução na
diferenciação de rendimento entre os trabalhadores do setor agrícola, bem como
os principais determinantes, dando atenção especial para o efeito do salário
mínimo real. O trabalho, baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
comparou a situação da mão de obra permanente e temporária e, também, aqueles
com e sem carteira de trabalho assinada. Os resultados mostraram uma acentuada
assimetria entre essas categorias de assalariados.
Oliveira, que foi orientado pelo professor Rodolfo Hoffmann,
do Núcleo de Economia Agrícola (NEA) do IE, disse que a explicação para essa
desigualdade é, de fato, o efeito da política de valorização do salário mínimo
real que afetou de forma mais direta e virtuosa o segmento estruturado do
mercado de trabalho, ou seja, os empregados permanentes e os com carteira de
trabalho. Ademais, ressalta a influência das diferenciações regionais,
consequência do processo de desenvolvimento desigual do país. Oliveira mostra
que, no caso do Estado de São Paulo, que possui uma agricultura mais moderna e
dinamizada, com produtos voltados fundamentalmente para a exportação, é onde a
maioria dos contratos de trabalho é formal. Como exemplo, o pesquisador cita o
caso emblemático da cana-de-açúcar, no qual mais de 90% dos contratos de
trabalho são formalizados.
No Centro-Oeste, uma região de expansão da fronteira, onde
predominam as culturas de soja, milho e também a pecuária, isso também ocorre.
“Trata-se de uma região de agricultura capitalizada, com predominância de
relações de trabalho tipicamente capitalistas”, afirmou Oliveira. Já as regiões
Norte e Nordeste, onde a agricultura é majoritariamente familiar e voltada para
a subsistência, revelam um verdadeiro contraste. Nessas regiões, de acordo com
o pesquisador, as relações de trabalho são, de maneira geral, informais, até
mesmo porque a capacidade do empregador do Nordeste brasileiro de bancar o
contrato de trabalho é menor que o agricultor da região Centro-Sul, que tem
todo o aporte de capital necessário.
Segundo plano
Oliveira ressaltou que a agricultura é um tema de pesquisa recorrente,
principalmente na área da economia. No final da década de 1990 e no início dos
anos 2000, a atenção ficou muito voltada para a questão do surgimento das
atividades não-agrícolas no meio rural. Na época, foram feitos vários
levantamentos mostrando que, de fato, houve um crescimento das atividades
não-agrícolas no meio rural e que essas atividades, em grande medida, é que
estavam de certa forma sustentando e mantendo um determinado nível de renda das
famílias, disse o pesquisador.
Resultante disso, a agricultura, enquanto setor de atividade
econômica, ficou relegada a segundo plano, pelo menos no que diz respeito às
relações de trabalho. No entanto, outra dissertação de mestrado, orientada
também por Hoffmann, chamou a atenção para a diferença na remuneração entre
trabalhadores permanentes e temporários. “Como nos anos recentes,
principalmente de 2001 para cá, foi verificada uma tendência de redução da
desigualdade na distribuição de renda – olhando para o Brasil como um todo,
surgiu a curiosidade de entender se na agricultura também foi observada essa
mesma propensão”, contou.
O pesquisador constatou que já
existiam algumas pesquisas que mostravam uma diferença entre a remuneração dos
trabalhadores na agricultura, no entanto, faltava identificar exatamente o que
causava essa diferença, ou ainda, compreender melhor as especificidades de cada
uma dessas categorias: temporários ou permanentes e com ou sem carteira de
trabalho assinada. “Tentei observar como a política de fixação do salário
mínimo adotada pelo governo federal afetava as diferentes categorias de
empregados agrícolas”, disse. Segundo Oliveira, na teoria, o salário mínimo foi
institucionalizado com o objetivo de proteger as categorias mais vulneráveis do
mercado de trabalho, atingindo inclusive o segmento não-estruturado.
De modo geral, ao analisar o mercado de trabalho urbano, a
maior concentração de rendimentos situa-se em torno do salário mínimo,
portanto, ele funciona, de certa forma, como piso salarial para o mercado
formal. Para o mercado informal, o salário mínimo é uma espécie de sinalizador
ou “farol”, influenciando a formação dos rendimentos. “E se isso ocorre no
mercado urbano, era preciso verificar o comportamento no mercado de trabalho
agrícola”, disse Oliveira.
O resultado da pesquisa mostra que para o segmento dos
permanentes e os com carteira assinada, o salário mínimo, de fato, funciona
como piso salarial, protegendo aqueles que estão localizados na base da
distribuição de rendimentos. No caso dos temporários e os sem carteira
assinada, o mínimo parece balizar os rendimentos relativamente mais elevados e não
contribuiu para reduzir a assimetria de rendimentos entre essas categorias.
“Além de não cumprir o papel de piso salarial para os trabalhadores temporários
e os sem carteira, o salário mínimo pode, inclusive, ter colaborado para
aumentar a desigualdade no caso dos sem carteira”, ressaltou Oliveira.
Em uma análise mais ampla e abrangente, Oliveira ressalta
que no caso dos trabalhadores permanentes, no período no qual houve aumento
real do salário mínimo, foi observada uma tendência de redução da discrepância
salarial. Para os temporários, o quadro permaneceu estável. Com relação aos
assalariados com carteira assinada, a situação é ainda mais clara, indicando
uma tendência acentuada de redução da desigualdade. Para os trabalhadores sem
carteira assinada, o aumento do salário mínimo foi acompanhado de aumento na
desigualdade. Apesar de não poder estabelecer relações de causalidade direta
entre a evolução do salário mínimo real e o grau de desigualdade entre os
empregados temporários e entre os sem carteira, Oliveira ressaltou que se trata
de informações importantes. “Ainda existem questionamentos que precisam de
respostas”, ponderou.
Uma questão muito importante para o pesquisador é que esse
detalhamento do efeito do salário mínimo pode encaminhar uma discussão nesse
sentido, porque o que fica claro é que, no caso dos empregados pertencentes ao
segmento não-estruturado do mercado de trabalho, ou seja, os mais vulneráveis,
não existe nenhuma política que resguarde o seu rendimento. Portanto, prossegue
Oliveira, o salário mínimo, por si só, não foi e ainda não é capaz de garantir
o rendimento mínimo deles. “É importante chamar a atenção para isso e até mesmo
para a legislação trabalhista na agricultura e para a fiscalização das relações
de trabalho”, falou.
E citou como exemplo, o agricultor que não pode deixar para
o dia seguinte a colheita de sua cultura com risco de perdas irreversíveis.
“Ele vai trabalhar acima da jornada regular de trabalho em determinada época do
ano (colheita ou plantio)”. Existe uma série de especificidades e
características próprias da produção agrícola que são muitas vezes
negligenciadas pela legislação trabalhista que veio, historicamente, na esteira
da legislação trabalhista urbano-industrial. É necessário, de acordo com o
pesquisador, chamar a atenção para essas características e os diferentes
efeitos do salário mínimo, além de mostrar que as principais categorias – os
trabalhadores sem carteira assinada e os temporários – estão completamente à
mercê das oscilações do mercado.
Esse quadro atual é uma das facetas da desigualdade da
distribuição de renda no Brasil, que é, segundo Oliveira, um dos países mais
desiguais do mundo. “O país acumula esse título desde meados da década de 1960,
quando houve uma brutal concentração da renda”, disse. Oliveira observa que
atualmente o brasileiro é mais otimista que na década de 1990. “Houve uma série
de melhorias nos indicadores sociais, porém, o desafio é maior. A experiência
mostra que somente medidas de caráter estrutural conjugadas com ações mais
imediatistas poderão mitigar o problema da má repartição da renda e da pobreza
no Brasil”, concluiu.
Jornal Unicamp
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