terça-feira, 30 de novembro de 2010

Hubble fotografa galáxia à beira de grande vazio cósmico

Estimativas do diâmetro do Vazio Local vão de 30 milhões a mais de 150 milhões de anos-luz

estadão.com.br - estadão.com.br

O nascimento de novas estrelas dá à galáxia NGC 6503 um brilho rosado, nesta imagem feita pelo Telescópio Espacial Hubble. Essa galáxia, uma versão reduzida da Via-Láctea, está à beira de um grande vazio espacial, onde existem poucas galáxias.

HST/Nasa-ESA
HST/Nasa-ESA
NGC 6503, com jovens estrelas em seus braços espirais

A nova imagem dá especial destaque às zonas rosadas, que marcam onde estrelas surgiram recentemente nos braços espirais da galáxia.

Embora tenha uma estrutura semelhante à da Via-Láctea, o disco de NGC 6503 tem diâmetro de apenas 30.000 anos-luz, ou cerca de 30% da envergadura de nossa galáxia.

NGC 6503 fica a aproximadamente 17 milhões de anos-luz, na constelação do Dragão. Ela foi descoberta em 1864 pelo astrônomo alemão Arthur Auwers.

A galáxia fica na beira de uma região deserta do espaço, chamada o Vazio Local. Os aglomerados de galáxias de Hércules, Coma e o Grupo Local de galáxias circunscrevem essa região vasta e muito pouco povoada. Estimativas do diâmetro do Vazio vão de 30 milhões a mais de 150 milhões de anos-luz.

Entenda a crise entre as duas Coreias


DA BBC BRASIL

A Coreia do Norte realizou disparos de artilharia contra uma ilha sul-coreana, perto da fronteira, voltando a elevar a tensão entre os dois países.

A Coreia do Sul respondeu também com ataques de artilharia e colocou o seu alerta militar no nível mais alto fora de um período de guerra.

O incidente está sendo visto como o mais grave desde a Guerra da Coreia, nos anos 50, e acontece após oito meses de tensão depois do afundamento do navio de guerra sul-coreano Cheonan.

A BBC Brasil preparou uma série de perguntas e respostas sobre a crise entre as duas Coreias.

O que motivou a troca de disparos?

Ainda não se sabe o que provocou os disparos de artilharia, mas a área da fronteira marítima entre as duas Coreias já foi palco de diversos embates no passado.

Antes do ataque, a Coreia do Norte havia protestado contra exercícios militares sul-coreanos que estavam sendo realizados na ilha de Yeonpyeong, onde agora vários prédios foram atingidos pela artilharia norte-coreana.

Como fica a situação entre os dois países depois do incidente?

Analistas dizem que qualquer reaproximação significativa entre Coreia do Sul e do Norte parece improvável no futuro próximo.

Antes da troca de disparos, havia sinais de que o governo norte-coreano tinha a intenção de se reconciliar com o vizinho do sul.

O país havia oferecido retomar o reencontro de famílias divididas, além de indicar que queria retomar negociações na área militar.

Já a Coreia do Sul mandou arroz para a Coreia do Norte pela primeira vez em dois anos, para ajudar a população atingida por inundações.

Mas não houve mais nenhum avanço significativo nas relações entre os dois países.

As negociações internacionais sobre o programa nuclear da Coreia do Norte continuam paradas, e a revelação no último fim de semana de que o país teria novas instalações para o enriquecimento de urânio tornou a retomada das conversas ainda menos provável.

Houve alguma razão para que a tensão entre as duas Coréias voltasse a aumentar?

Uma disputa sem resolução sobre o afundamento de um navio de guerra sul coreano neste ano deixou a relação entre os vizinhos - que permanecem tecnicamente em guerra -- na pior situação em muitos anos.

Na noite do dia 26 de março de 2010, o Cheonan, um navio de guerra sul-coreano, estava deixando a ilha Baengnyeong perto da fronteira marítima entre as duas Coreias no Mar Amarelo.

Uma explosão partiu o navio em dois e ele afundou. 58 marinheiros conseguiram escapar, mas 46 foram mortos.

Investigadores cogitaram que uma mina dos tempos da Guerra da Coreia pudesse ser responsável pelo incidente ou que a explosão tivesse sido causada por algum defeito no navio, mas acabaram concluindo que foi um torpedo disparado por um submarino norte-coreano que afundou a embarcação.

Eles dizem ter encontrado parte do torpedo no fundo do mar com uma inscrição atribuída à Coreia do Norte.

Qual é a posição da Coreia do Norte sobre o assunto?

A Coreia do Norte nega qualquer envolvimento no episódio. O país rechaçou a conclusão dos investigadores e pediu para conduzir sua própria investigação, o que foi negado por Seul.

As possíveis razões para o ataque não foram esclarecidas, mas uma das teorias indica que o ataque poderia ter sido uma forma de Kim Jong-il conseguir o apoio do exército no momento em que ele prepara seu filho para sucedê-lo.

Outras possibilidades colocam o ataque como uma ação unilateral do Exército ou ainda uma tentativa de forçar Seul a retomar antigas políticas comerciais e de auxílio ao vizinho do Norte.

Qual foi a reação internacional ao incidente com o navio?

Desde o início, Estados Unidos e Japão expressaram apoio a Seul e à declaração do Conselho de Segurança da ONU condenando a Coreia do Norte.

Após a declaração, os americanos começaram a realizar uma série de exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul no Mar do Japão.

Autoridades militares dos Estados Unidos dizem que os exercícios foram planejados como uma demonstração de força à Coreia do Norte.

O Japão também mandou militares para observar, o que indica um suposto apoio ao treinamento.

Os Estados Unidos também anunciaram sanções bilaterais, direcionadas ao comércio de armas e à importação de bens de luxo por Pyongyang.

Mas a China, o maior parceiro comercial e aliado da Coreia do Norte, tem constantemente pedido moderação.

Pequim tem evitado tomar medidas duras contra a Coreia do Norte, por querer impedir que o regime do país vizinho entre em colapso, levando a uma perigosa instabilidade e a uma onda de refugiados cruzando a fronteira.

Folha de São Paulo

Ano de 2010 já empata como o mais quente da história


DA REUTERS - 25/11/2010

Este ano já está empatado como o mais quente registrado numa série histórica iniciada em 1850, disseram à Reuters três importantes institutos que calculam as temperaturas médias globais.

O resultado dá ainda mais urgência para a conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU) que começa na semana que vem em Cancún, em que governos de todo o mundo discutirão medidas que contribuam com a meta, adotada em 2009, de limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.

Faltando ainda dois meses de dados para serem coletados, 2010 já está cerca de 0,8 grau Celsius acima da temperatura média pré-industrial, e 0,5 grau Celsius acima da média registrada entre 1961 e 1990.

Rodrigo Capote/Folha Imagem
Ano de 2010 está empatado como o mais quente registrado numa série histórica iniciada em 1850, segundo institutos internacionais
Ano de 2010 está empatado como o mais quente registrado numa série histórica iniciada em 1850, segundo institutos internacionais

Mesmo que novembro e dezembro sejam mais frios, 2010 ainda ficará como o terceiro ano mais quente da história, atrás de 1998 e 2005.

"Está muito apertado para dizer (se será ou não o ano mais quente). Com base nestes números, ficará em segundo, mas depende do calor que fizer em novembro e dezembro", disse Phil Jones, diretor da Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha. Segundo ele, 1998 é o ano mais quente já registrado.

Já a Nasa considera que o ano mais quente foi 2005, e que as temperaturas na superfície terrestre até outubro estavam acima da média daquele ano, por uma questão de centésimos de grau Celsius.

"Eu não ficaria surpreso se a maioria ou todos os grupos concluírem que 2010 empatou como o ano mais quente", disse James Hansen, da Nasa.

O Centro Nacional de Dados Climáticos dos EUA afirmou que os dez primeiros meses de 2010 se equiparam a 1998 como o ano mais quente da história.

Os três institutos usam observações similares, mas de forma ligeiramente diferente. A Nasa, por exemplo, leva mais em conta as estações meteorológicas do Ártico, onde o aquecimento tem sido mais rápido.

Cientistas dizem que a tendência global de aquecimento irá gerar mais secas, inundações, ondas de calor e degelo dos polos.

Céticos argumentam, porém, que o fato de os recordes terem sido registrados em 1998 ou 2005 é um sinal de que a tendência é de estabilidade.

A maioria dos cientistas discorda disso, dizendo que, mesmo que 2010 não seja o ano mais quente, a tendência de longo prazo é de aquecimento -- a média de 2000 a 2009 é a mais alta já registrada.

Eles dizem que variações naturais, especialmente o fenômeno El Niño, explicam os recordes anteriores. O ano de 1998 teve um fenômeno El Niño -- aquecimento natural nas águas do Pacífico -- particularmente intenso.

Folha de São Paulo

Veja cronologia de acordos climáticos

DEZEMBRO DE 1997
Protocolo de Kyoto, assinado no Japão por 84 países, estipula metas de redução de emissões até 2012. EUA, que emitem quase 20% do carbono do mundo, não participaram da ratificação do documento

DEZEMBRO DE 2007
No ano de lançamento do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), que alarmou o mundo sobre o ritmo de aquecimento global, líderes políticos concordaram, em Bali, em cortar as emissões de carbono em 60% até 2050

DEZEMBRO DE 2009
A conferência do clima de Copenhague, na Dinamarca, foi considerada um fiasco tanto do ponto de vista da organização (havia muito mais gente do que o esperado, o que causou tumulto), tanto em relação aos resultados. Não houve acordo entre ricos e pobres, e o documento gerado na reunião não teve adesão de todos os países

OUTUBRO DE 2010

Representantes de cerca de 200 nações fecharam um plano estratégico que prevê a proteção da biodiversidade, em nível global. No acordo histórico, foram definidos 20 objetivos para deter o ritmo alarmante de desaparecimento das espécies que vivem tanto em terra quanto no mar

NOVEMBRO DE 2010

Em Cancún, mais de 190 países estarão reunidos na tentativa de formalizar um documento que adote termos de Copenhague, sem retrocessos, e que substitua Kyoto. Mas as expectativas são pessimistas.

Folha de São Paulo

Saiba quais são os principais temas de negociação durante a COP-16

DA FRANCE PRESSE

A 16ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU começou nesta segunda-feira em Cancún, no México, com a ambição de dar impulso e credibilidade a difíceis negociações, após a decepção de Copenhague, há um ano.

Tropas do exército e policiais mexicanos, apoiados por três navios de guerra, participam do esquema de segurança em torno ao hotel Moon Palace, um complexo em frente ao mar, onde está sendo realizada a conferência que encerra somente em 10 de dezembro.

Veja a lista dos principais temas na mesa de negociação durante a conferência em Cancún, no México, sobre mudanças climáticas:

Georges Gobet/AFP
Comissária da União Europeia para Ações Climáticas, Connie Hedegaard discursa na abertura da COP-16, em Cancún
Comissária da União Europeia para Ações Climáticas, Connie Hedegaard discursa na abertura da COP-16, em Cancún

1. Redução das emissões de gases de efeito estufa devido ao desmatamento (20% do total)
Cancún pode tornar efetivo o mecanismo Redd+, que consiste em pagar compensações financeiras aos países que reduzirem o desmatamento ou a degradação de suas florestas. A Conferência de Copenhague conseguiu praticamente um acordo, mas faltam questões complexas por definir, como o financiamento deste ambicioso dispositivo.

2. Fundo Verde
Os países industrializados se comprometeram em Copenhague a mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020 para alimentar este fundo, iniciativa do México, destinado aos países mais pobres. Mas sua gestão é objeto de debate: os países em desenvolvimento querem que dependa da ONU, enquanto outros, como Estados Unidos, pedem que goze de maior independência.

3. Fixar os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa
Segundo o Acordo de Copenhague, os países industrializados e as nações em desenvolvimento submeteram à Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CMNUCC) seus objetivos e ações em termos de cortes de emissões de CO2 até 2020. Estas promessas não têm caráter vinculativo e a conferência de Cancún deverá buscar uma fórmula jurídica para fixá-las legalmente. Apesar de tudo, as promessas feitas até agora são insuficientes para limitar a 2º C a alta da temperatura média do planeta.

4. Verificação dos compromissos alcançados
O controle dos esforços realizados para reduzir as emissões de CO2 é um dos temas mais espinhosos da negociação. A China, principal emissor mundial, é particularmente reticente ao controle exterior de seus planos climáticos, um aspecto no qual, entretanto, insiste outro grande emissor, Estados Unidos.

5. Protocolo de Kyoto
Os países em desenvolvimento se preocupam com a falta de atenção dedicada a um eventual segundo período de compromissos sob o Protocolo de Kyoto, cuja primeira etapa expira no final de 2012. Ante a dificuldade para concluir um novo tratado vinculativo, estes países insistem em conservar o único instrumento legal existente que impõe obrigações cifradas em matéria de emissões de gases de efeito estufa aos países industrializados (com exceção dos Estados Unidos, que nunca o ratificou).

6. Mecanismos de transferência de tecnologia
Trata-se de ajudar os países mais vulneráveis a ter acesso às tecnologias que permitem reduzir as emissões de CO2 (energias renováveis, por exemplo) e adaptar-se aos inevitáveis impactos das mudanças climáticas. Cancún poderia aprovar a criação de um comitê sobre tecnologia, que seria responsável por centralizar e divulgar esta informação.

Folha de São Paulo

País tropical

http://br.olhares.com

Verão é tempo de sol e mar. E, neste sentido, o Brasil é um país privilegiado. Dos seus 23 mil km de extensão, mais de sete mil km estão ligados ao Oceano Atlântico. Dos 26 estados, 16 são banhados pelo oceano.

O Brasil possui várias ilhas oceânicas, destacando-se as de Fernando de Noronha, Abrolhos e Trindade. Essas ilhas ficam em outro fuso horário, isto é, têm uma hora de adiantamento em relação à hora de Brasília.

Entre as ilhas continentais estão as capitais dos estados do Maranhão (São Luís), do Espírito Santo (Vitória) e de Santa Catarina (Florianópolis).

O Brasil é conhecido em todo o mundo por suas belezas naturais. Suas praias atraem anualmente milhares de turistas estrangeiros, o que é um ponto positivo para a economia do país.

IBGE Teen - http://www.ibge.gov.br/ibgeteen

De olho no mar

País amplia investimentos em estudos sobre o oceano, mas ainda há muito a conhecer e explorar

EVANILDO DA SILVEIRA
Arte PB

Não há como negar a importância do mar ao longo da história do Brasil. Foi por ele que chegaram seus descobridores e, mais tarde, os invasores, franceses e holandeses. Hoje, é a via de acesso de 95% de seu comércio exterior e o lugar de onde provêm 85% do petróleo que move a economia do país – 1,9 milhão de barris por dia, volume que deve aumentar com a produção da camada pré-sal. Não é de estranhar, portanto, que essa porção do território nacional venha recebendo cada vez mais atenção, tanto do governo como das instituições de pesquisa e de órgãos militares. Na verdade, nunca foram investidos tantos recursos em estudos oceanográficos – insuficientes ainda, vale ressaltar, uma vez que o Brasil pouco conhece e explora suas águas territoriais e as riquezas potenciais que elas comportam.

A 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), um dos maiores eventos científicos do país, realizada em julho de 2010 em Natal, teve como tema central “Ciências do Mar: Herança para o Futuro”. De 25 a 30 daquele mês, dezenas de pesquisadores de instituições de todo o Brasil e agentes governamentais, entre eles representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Meio Ambiente (MMA), além de militares da Marinha, apresentaram e discutiram os mais diversos aspectos relacionados ao mar.

Um amplo estudo sobre o oceano brasileiro e seus recursos naturais realizado em 2007 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e pelo então Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da presidência da República é outro indicativo da importância que o país vem dando à questão. O trabalho resultou no relatório em forma de livro Mar e Ambientes Costeiros, lançado recentemente. Realizado sob a coordenação de três pesquisadores das áreas de oceanografia física, biológica e geológica e com a participação de mais de 50 especialistas nessas e em ciências afins, o estudo teve como objetivo apontar prioridades “para orientar o estabelecimento de estratégias governamentais relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico em temas ligados ao mar”.

Além de apresentar indicações sobre a melhor maneira de explorar de forma sustentável os recursos marinhos existentes em áreas de interesse para o Brasil no Atlântico Sul e Equatorial, o trabalho traz subsídios à pesquisa necessária para elucidar o papel de regiões oceânicas no clima do território nacional em terra. Para dar uma finalidade prática ao estudo, seus realizadores fazem, no final, três recomendações: criação de uma rede nacional de ciências e tecnologia marinha, manutenção e melhoria da infraestrutura laboratorial dos centros existentes e implantação de um instituto nacional de oceanografia operacional.

Pelo menos parte dessas sugestões deverá se tornar realidade em breve. Durante a reunião da SBPC em Natal, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, anunciou o lançamento ainda neste ano de editais para a criação de dois institutos nacionais de ciência e tecnologia voltados para pesquisas do mar. Segundo Rezende, uma das instituições se dedicará a estudos sobre os litorais norte e nordeste e a outra às regiões costeiras do sul e sudeste. A princípio, ambas receberão R$ 30 milhões para financiar sua implantação e o início das pesquisas.

Tímida fração

O país vem, sistematicamente, destinando recursos a estudos sobre o oceano. “A crescente preocupação com as mudanças climáticas, as descobertas de valor biotecnológico de organismos marinhos e a presença de petróleo na plataforma continental são exemplos de motivações para o financiamento de pesquisas oceanográficas”, diz Maria Cordélia Machado, coordenadora para Mar e Antártica do MCT. “Os investimentos do ministério e seus parceiros vêm crescendo ao longo do tempo e tiveram elevação significativa nos dois últimos anos. Em 2008, por exemplo, houve um aumento de 50% em relação a 2007. Já 2009 foi um marco para as ciências do mar no Brasil, com um crescimento dos recursos financeiros de 122% em relação ao ano anterior.”

Em números absolutos, o valor aplicado passou de R$ 5,5 milhões em 2004 para R$ 23 milhões em 2009, ano que teve o maior número de editais lançados para projetos em oceanografia. Além dos recursos provenientes do MCT, há outros, dispersos e, por isso, difíceis de mensurar. “Ainda não contamos com um programa de ciências do mar, que permita centralizar os investimentos da área e garantir periodicidade no que se refere ao lançamento de editais”, explica Maria Cordélia.

Segundo o pesquisador Fábio Hazin, diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e um dos coordenadores do estudo do CGEE, é preciso reconhecer que as pesquisas na área de ciências do mar no país tiveram um grande impulso nas duas últimas décadas, com alguns projetos estruturadores importantes, entre os quais o Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee) e o Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental Jurídica Brasileira (Remplac). Paralelamente, vem ocorrendo uma ampliação dos cursos de nível superior com vocação na área, como engenharia de pesca, oceanografia e biologia marinha.

Ainda assim, as necessidades são maiores que os recursos para uma exploração eficiente das águas territoriais brasileiras. “Infelizmente, diante das dimensões do mar nacional e, acima de tudo, do potencial de benefícios que ele pode trazer ao país, é preciso reconhecer também que o que já foi feito é uma tímida fração do que ainda resta por fazer”, diz Hazin. De acordo com ele, um dos grandes problemas para o desenvolvimento das ciências do mar no Brasil é a falta de infraestrutura, em particular de embarcações de pesquisa e treinamento, sem as quais os estudos pesqueiros e oceanográficos, em grande parte dos casos, simplesmente não podem ser realizados.

O físico Edmo Campos, da Universidade de São Paulo (USP), Ph.D. em meteorologia e oceanografia física, concorda. Segundo ele, o Brasil está muito atrasado, na comparação com várias outras nações. “Historicamente, a pesquisa oceânica no país tem se limitado às zonas costeiras, onde não é necessário o uso de embarcações oceanográficas de grande porte”, explica. “O pouco que se sabe sobre regiões do Atlântico mais ao largo é fruto do esforço de estudos empreendidos pelo Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IO-USP), a bordo do navio Professor Besnard, e da grande contribuição da Marinha do Brasil, que fornece embarcações para pesquisas em águas mais profundas.”

Recursos variados

Hazin, que também é presidente da Associação Brasileira de Engenharia de Pesca, lembra outro aspecto no qual o país tem deficiências. “Conhecemos pouco e exploramos mal nossas águas territoriais, tanto na pesca costeira como oceânica, por razões diversas”, diz. “No caso da primeira, a maioria dos recursos pesqueiros já se encontram sobre-explorados e muitos deles estão em declínio, principalmente pela degradação dos ecossistemas devido à poluição urbana (esgoto doméstico não tratado), agrícola (fertilizantes e defensivos) e industrial, além da pesca excessiva e desordenada.”

Em relação à pesca oceânica, a participação brasileira na captura de atuns e espécies afins, por exemplo, é ainda tímida. Segundo Hazin, isso acontece, em grande parte, devido ao fato de o país não dispor de uma frota capaz de explorar economicamente esses recursos – uma deficiência agravada pela falta de tecnologia e de mão de obra especializada.

As riquezas que podem ser extraídas do oceano, no entanto, vão muito além de petróleo, gás e pescados. Há outros recursos minerais e vivos que podem ser aproveitados. Um exemplo são as imensas reservas dos chamados granulados marinhos, que nada mais são que areia e cascalho. “Esses depósitos cada vez mais despertam interesse, tendo em vista sua utilização na construção civil”, explica o oceanólogo Lauro Calliari, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). “Esse material, cuja importância aumenta à medida que escasseia no continente, é também empregado na recuperação de praias, especialmente aquelas próximas a centros urbanos ou locais turísticos que estão sofrendo erosão acelerada.”

Entre os recursos minerais, há ainda os chamados nódulos polimetálicos, que são bolotas com altas concentrações de metais como óxidos de ferro e manganês, além de outros elementos metálicos economicamente importantes, como níquel, cobre e cobalto. Eles estão espalhados pelo solo marinho, mas ainda não existe tecnologia para sua exploração sustentável e economicamente viável. Vários países, no entanto, inclusive o Brasil, estão estudando formas de aproveitar esse material.

De acordo com a Marinha, o oceano conta ainda com depósitos de minerais pesados valiosos, derivados da erosão de rochas continentais, como ouro, platina, magnetita, óxidos de titânio e mesmo diamantes, além de outros, que já são explorados em diversas partes do mundo. “Tailândia, Malásia e Indonésia, por exemplo, extraem cassiterita em suas plataformas continentais há mais de um século”, informa o Centro de Comunicação Social da Marinha. “Japão e Nova Zelândia retiram magnetita do mar. No Alasca e no Oregon, nos Estados Unidos, a exploração do ouro é feita nas praias.”

Além dos minerais

A par dos recursos energéticos (petróleo e gás), minerais e pesqueiros, Hazin lembra que o mar é uma importantíssima fonte de renda baseada no turismo e no lazer para a população. Além disso, não se pode esquecer seu potencial em termos de recursos vivos. “A vida surgiu no oceano e ainda é lá que reside a maior parte da biodiversidade do planeta”, diz. “É algo que não só tem um valor intrínseco incalculável como pode se traduzir em riquezas para o país por meio da biotecnologia.”

As perspectivas são amplas. Muitos organismos marinhos, como algas e esponjas, podem fornecer substâncias para a produção de cosméticos e novos medicamentos. A primeira droga para tratamento eficaz da aids, o AZT, por exemplo, teve origem numa substância extraída de uma esponja. Entre as algas, além das espécies usadas na fabricação de produtos de beleza, há outras que servem como suplementos alimentares.

Edmo Campos faz questão de ressaltar outro aspecto: “Para o Brasil, com seus mais de 8 mil quilômetros de costa, entender os impactos de mudanças no Atlântico Sul em decorrência das variações do clima é de fundamental importância”, explica. É por essa razão também que o físico do IO-USP Belmiro Mendes de Castro, um dos coordenadores do estudo do CGEE, diz que o país deve começar a fazer a chamada oceanografia operacional, que se caracteriza pela coleta contínua e automática de dados do mar. “Para isso, seria necessário implantar uma rede de equipamentos como a que já existe na área de meteorologia. Entre as informações colhidas estariam, por exemplo, temperatura da água, salinidade, correntes, parâmetros químicos, oxigenação e o nível do oceano.”

Amazônia Azul

Com a finalidade de realçar a importância estratégica do oceano, a Marinha designou como Amazônia Azul a região compreendida pelas águas jurisdicionais brasileiras. Como alerta Hazin, não se trata de termo científico. “É uma expressão de conotação política, que tem como objetivo chamar a atenção da sociedade, por meio de uma analogia com a Amazônia em terra, para a imensidão e a riqueza do mar”, explica o pesquisador. “Nesse sentido, acho que é mais do que adequada.”

Até 3 de setembro deste ano, a Amazônia Azul tinha cerca de 3,6 milhões de quilômetros quadrados. Nesse dia, por meio de uma resolução da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm), o Brasil colocou sob sua proteção mais 960 mil quilômetros quadrados – área um pouco maior que a do estado de Mato Grosso –, que vinham sendo pleiteados na Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Com base nessa decisão, nenhuma empresa ou estado estrangeiro poderá explorar essa área da plataforma continental sem autorização do governo brasileiro. Dessa forma, as águas jurisdicionais do Brasil passam a ter 4,5 milhões de quilômetros quadrados – o que corresponde a 52% da área continental do país. Para efeito de comparação, a Amazônia Legal tem aproximadamente 5,2 milhões de quilômetros quadrados, equivalentes a 61% do território terrestre nacional, que é de 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

A história da delimitação da extensão das águas jurisdicionais dos países litorâneos começou na metade do século passado. Até então, todos aceitavam a existência do denominado mar territorial, com 3 milhas náuticas ou marítimas de largura (1 milha marítima equivale a 1.852 metros), a contar da linha da costa. Esse limite correspondia ao alcance dos canhões da época, instalados nas fortificações que existiam no litoral de cada nação. Aos poucos, no entanto, os Estados costeiros começaram a perceber que o oceano continha muitas riquezas e passaram a discutir formas de ampliar seus domínios nessa massa líquida.

Por isso, no final da década de 1950, a ONU iniciou a elaboração do que viria a ser, mais tarde, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). O Brasil participou de todas as reuniões, com representantes do Ministério das Relações Exteriores e da Marinha. Em 1982, a CNUDM ficou pronta, mas só passou a vigorar para o Brasil em novembro de 1994, quando o país a ratificou. Até hoje, 156 nações fizeram o mesmo. Entre os que ainda não a assinaram estão os Estados Unidos.

Expansão

Entre outras determinações, a convenção estabeleceu que o mar territorial dos Estados costeiros teria 12 milhas de largura a contar da costa, mais uma zona contígua do mesmo tamanho, a partir do limite externo do primeiro. A maior novidade da convenção, porém, foi o estabelecimento da zona econômica exclusiva (ZEE), com 200 milhas de largura, englobando, portanto, as duas primeiras áreas. Os direitos que o país tem sobre cada uma dessas regiões são diferentes, no entanto. No mar territorial e no espaço aéreo a ele sobrejacente a soberania é plena.

O mesmo não ocorre em relação à zona contígua e à ZEE. A primeira funciona como uma área de proteção ao mar territorial e, embora nesse caso a soberania do Estado não seja plena, ele tem a obrigação de fiscalizá-la para evitar e reprimir infrações a normas sanitárias, de imigração e outras vigentes em seu território. Na ZEE, é prerrogativa do país que a detém a exploração científica e econômica dos recursos vivos e não vivos do subsolo, do solo e das águas. Se não tiver condições de fazer isso, no entanto, não pode impedir que outras nações o façam. Tanto na zona contígua como na ZEE, é obrigatória a permissão para trânsito de navios, inclusive de guerra, de outras bandeiras.

A CNUDM estabeleceu ainda que no prazo de dez anos, a partir de sua ratificação, todo país poderia solicitar o aumento da área jurisdicional de sua plataforma continental até um limite máximo de 350 milhas. Nessa nova extensão, o Estado costeiro tem o direito de explorar os recursos do solo e subsolo, mas não os vivos da camada líquida. De olho nessa potencial riqueza, o Brasil foi o segundo a apresentar uma proposta de expansão de suas águas – o primeiro foi a Rússia –, em setembro de 2004.

Para elaborá-la e embasá-la, foi criado em 1989 o Plano de Levantamento da Plataforma Continental (Leplac), que durante mais de dez anos reuniu dados para justificar a pretensão do país. Depois de analisá-la, a CLPC não concordou com a reivindicação relativa a cerca de 190 mil quilômetros quadrados dos 960 mil pretendidos. O Brasil, por sua vez, não aceitou a decisão da comissão e tem o direito de apresentar nova proposta, com mais dados e informações sobre a área que pleiteia. A previsão é de que isso ocorreria ainda neste ano, e a CLPC deverá se pronunciar até 2012. Por ora, com a resolução de 3 de setembro, o Brasil não permitirá explorações estrangeiras nesses 960 mil quilômetros quadrados, até que saia a decisão final da ONU.

Revista Problemas Brasileiros

Lição de samurais

Eles vieram para trabalhar nos cafezais, mas seus filhos e netos marcaram presença na ciência brasileira

EVANILDO DA SILVEIRA

Arte PB

As primeiras 165 famílias de imigrantes japoneses, compostas de 781 pessoas, desembarcaram do navio Kasato-Maru, no porto de Santos, no dia 18 de junho de 1908. Em 1941, eles já eram 188.986 no Brasil. Todos traziam na bagagem o sonho de ganhar dinheiro nos cafezais de São Paulo e retornar a sua pátria, mas a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) forçou a uma mudança de planos. Sem alternativa, passaram a se integrar à sociedade brasileira, decisão que incluía encaminhar os filhos e netos para os estudos. Vieram para trabalhar na lavoura, mas aos poucos foram para a cidade a fim de estudar. Hoje, o resultado pode ser visto na contribuição constante que vêm dando ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, principalmente em áreas como agricultura, saúde e medicina, física e engenharia.

O professor titular do Centro de História da Ciência da Universidade de São Paulo (USP), Shozo Motoyama, ele próprio um nissei (filho de imigrante japonês), lembra que apesar do desinteresse em relação às escolas superiores no período inicial, os imigrantes davam muita importância à educação, ensinando a língua japonesa e matemática elementar. “Todo agrupamento possuía uma escola”, explica ele.

Uns poucos, porém, foram mais longe e deram início, justamente nesse período em que a maioria de seus compatriotas estava presa à lavoura, a pesquisas científicas em solo brasileiro. É o que conta a professora titular da Escola de Enfermagem da USP Ana Maria Kazue Miyadahira, coordenadora do projeto Encontros e Memórias: a Inserção Nikkei na USP e na Sociedade Brasileira, que resultou num livro publicado em 2008 para marcar o centenário da imigração japonesa no Brasil. “Muita gente duvida quando se afirma que os imigrados ocuparam-se das ciências exatas e naturais já na década de 1930, antes mesmo do surgimento da USP”, diz.

Um exemplo citado por ela é o Instituto Kurihara de Ciência Natural Brasileira, fundado em 1931, em Mirandópolis, pelo lavrador Shihishi Kamiya e um grupo de amadores. Chamado por seus criadores de “o menor observatório astronômico do mundo”, o instituto realizou pesquisas com relativa importância nas áreas de astronomia, meteorologia, zoologia, botânica, arqueologia, antropologia e história. “Kamiya e seus amigos transformaram um velho galinheiro em observatório astronômico e enviavam dados de seus estudos para o Observatório de Kwazan, no Japão, e para o Observatório Nacional, no Brasil”, revela Ana Maria.

Números do sucesso

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do quadro de professores e de alunos da USP, a mais importante universidade do país, demonstram o sucesso do esforço de integração e o papel dos nikkeis (imigrantes japoneses e seus descendentes) na ciência brasileira. De acordo com o censo de 2000, o último realizado, 28,9% dos membros da raça amarela, na qual se incluem os nikkeis, concluíram o ensino superior, contra 10% dos brancos, 2,4% dos pardos, 2,2% dos índios e 2,1% dos negros. Na USP, o desempenho deles também chama a atenção. Embora não representem mais que 3% da população do estado de São Paulo, perfazem cerca de 15% dos alunos e de 4% a 5% dos professores. Nas áreas de saúde e medicina, os estudantes chegam a nada menos que 25%.

Uma das maiores contribuições tecnológicas dos imigrantes nipônicos até a 2ª Guerra Mundial deu-se sem dúvida na agricultura. Com o apoio do governo do país de origem, pode-se dizer que eles revolucionaram a produção agrícola brasileira. “Isso ocorreu sobretudo com a introdução de culturas que inexistiam no Brasil”, explica Alfredo Homma, do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Pará. “A lista é imensa. Na Amazônia, por exemplo, eles introduziram juta, pimenta-do-reino, mamão-havaí, melão, além de frutas como mangostão, rambutã e maracujá.”

Em outras regiões, os nikkeis foram os pioneiros no cultivo de plantas como abacaxi sem espinho e caqui. São contribuições muito significativas, pois na primeira metade do século passado os produtos agrícolas cultivados no Brasil não passavam de 20. Além disso, eles foram responsáveis pela introdução de tecnologia e do melhoramento genético de plantas, bem como de novas técnicas de cultivo, comercialização, difusão e importação.

Também foram pioneiros na sericultura, a criação do bicho-da-seda, que começou a partir de 1938, quando surgiu a Sociedade Colonizadora do Brasil (Bratac), que impulsionou essa atividade. A modernização da avicultura nacional se deve igualmente aos imigrantes, que, entre outros avanços, introduziram a comercialização de ovos, antes produzidos nos quintais brasileiros apenas para consumo familiar.

A cultura do associativismo foi outra contribuição que desembocou na introdução de novas tecnologias pelos nikkeis. Isso começou em 1927, com a criação da Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia, mais tarde Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC), cujas atividades se mantiveram até 1994. Seus técnicos realizaram pesquisas e importaram conhecimentos que resultaram no uso de práticas desconhecidas até então no Brasil, como a correção do solo por meio do uso de adubos químicos e orgânicos, o que teve como consequência o aumento da qualidade e da produtividade agrícola. Deve-se a eles ainda a plantação de hortaliças em estufas, a criação de novas variedades e o uso de enxertos para aprimoramento de plantas.

Atendimento exclusivo

Na área médica, a contribuição dos nikkeis também não foi pequena. Nos primeiros anos, por causa das dificuldades com a língua, eles não conseguiam se comunicar satisfatoriamente nas comunidades onde viviam, o que dificultava o atendimento médico. Para sanar o problema, o Japão assinou um convênio com o governo brasileiro para que doutores daquele país pudessem vir para cá para atender as colônias. Eram os chamados haken-i, que só podiam tratar dos imigrantes japoneses. O Brasil, porém, também acabou se beneficiando, pois foram eles os primeiros a detectar e tratar o tracoma e verminoses como o amarelão, além de iniciar pesquisas para o controle da malária e a difusão de conhecimentos sobre a leishmaniose e a tuberculose.

A carência de médicos nas colônias japonesas levou a outro resultado positivo. Sentindo-se desamparados, muitos dos imigrantes se esforçaram para que pelo menos um de seus filhos se formasse nessa profissão. Assim, a partir de 1939, muitos nisseis começaram a cursar medicina na USP – tendência que perdura até hoje e que se expandiu para outras universidades do país. Cerca de 20% dos estudantes que ingressam em algumas das melhores faculdades de medicina do país são descendentes de japoneses.

Na área de física, acontecimentos trágicos que abalaram os japoneses aqui residentes logo depois do fim da guerra resultaram numa fértil colaboração entre pesquisadores japoneses e brasileiros que dura até hoje. Na época, a colônia se dividiu em dois grupos. De um lado estavam os katigumi, que acreditavam na vitória do Japão no conflito e eram maioria. Do outro, os makegumi, cerca de 20% da colônia, que sabiam da capitulação e eram considerados derrotistas. Entre os katigumi, alguns fanáticos fundaram a organização terrorista Shindo Remmei, que assassinou 23 makegumi e feriu centenas de outros.

Para controlar a situação e convencer os katigumi de que o Japão havia de fato perdido a guerra, dirigentes e intelectuais da colônia convidaram, em 1952, personalidades japonesas famosas a vir ao Brasil dar seu testemunho. Para custear a viagem dessas pessoas arrecadaram entre os imigrantes cerca de 1 milhão de ienes. Um dos convidados foi o físico Hideki Yukawa, o primeiro japonês a receber o Prêmio Nobel, em 1949. Como ele não pôde vir, conta Shozo Motoyama, o dinheiro arrecadado para a viagem foi enviado para financiar pesquisas na área de física nuclear, em que ele atuava no Japão.

Muitos anos depois, em 1958, quando se comemorava o cinquentenário da imigração japonesa, Yukawa e outro grande físico, Mituo Taketani, em visita ao Brasil, fizeram questão de agradecer a ajuda recebida anos antes. Mais: propuseram ao respeitado cientista brasileiro César Lattes a colaboração entre físicos teóricos e experimentais de ambos os países. Surgia assim, quatro anos mais tarde, o projeto Colaboração Brasil-Japão de Raios Cósmicos, conhecida pela sigla CBJ, que persiste até hoje.

O dinheiro enviado ao Japão renderia mais uma contribuição à ciência brasileira: no mesmo ano de 1958, o professor Taketani aceitou o convite para dirigir o Instituto de Física Teórica (IFT) de São Paulo, hoje incorporado à Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Seu trabalho no IFT mereceu os maiores elogios, a ponto de a prestigiosa revista de física ‘Nuovo Cimento’ [da Sociedade Italiana de Física] escrever que ele operou um verdadeiro milagre no instituto, colocando-o na fronteira da investigação”, revela Motoyama.

Além dessas áreas, em várias outras há descendentes de imigrantes japoneses que se destacam por sua contribuição à ciência brasileira. Num capítulo do livro Encontros e Memórias, intitulado “Os nikkeis na USP – Introdução Histórica”, Motoyama cita alguns, entre os quais Célio Taniguchi, engenheiro naval que chegou a diretor da Escola Politécnica da USP. Ele se dedicou ao estudo dos problemas relacionados à tecnologia de construção naval e de sistemas oceânicos, incluindo análise estrutural de plataformas de exploração de petróleo. “O professor Seizi Oga, por sua vez, tornou-se grande referência no campo da farmacologia aplicada, com muitos artigos e livros publicados”, diz Motoyama. “Seu livro Fundamentos de Toxicologia é um dos clássicos brasileiros da área.” Oga também foi diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Saúde animal

Em geociências, um dos destaques é Jorge Kazuo Yamamoto, que começou no Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) desenvolvendo a aplicação de computadores em geologia e mineração, linha de pesquisa que levou para a USP depois de 11 anos. Em medicina veterinária, Motoyama cita Massao Iwasaki, especialista em radiologia, que trabalha com tecnologia de ponta, utilizando aparelhos de ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética no estudo de doenças de cães. Entre as mulheres, uma das citadas é Mitika Kuribayashi Hagiwara, que também atua na área de veterinária. “Ela realizou muitos trabalhos sobre leptospirose canina, patogenia e clínica de retroviroses felinas e sobre clínica e epidemiologia de doenças de cães. Tudo isso dando aulas ininterruptamente por mais de 30 anos”, conta Motoyama.

A exigência das famílias em relação ao desempenho dos filhos nos estudos às vezes beirava o exagero. Um exemplo é o de Alfredo Homma, da Embrapa do Pará. Ele e seus irmãos sempre se destacaram na escola. “Tirar notas altas era motivo de honra, e as baixas, de surras”, lembra. “Tanto que passei em primeiro lugar no vestibular de agronomia da Universidade Federal de Viçosa, sem fazer cursinho, pois simplesmente não tínhamos condições de pagar um”. Sua irmã passou em primeiro lugar em medicina na Universidade Federal do Maranhão e o irmão caçula em primeiro lugar em metalurgia, na Universidade Federal de Ouro Preto.

Assim como Homma, praticamente todos os nikkeis têm uma história sobre a importância que seus pais davam à educação e aos valores culturais de seus antepassados. “Eu me lembro de minha mãe dizendo: ‘Somos pobres, mas descendemos de samurais, então somos ricos em valores como dignidade, honestidade’”, conta Ana Maria Miyadahira. “Aprendi com ela que a maior riqueza não é material, mas do espírito – uma coisa que também tento passar a meus filhos.”

Revista Problemas Brasileiros

domingo, 28 de novembro de 2010

Pré-sal pode ameaçar biodiversidade marinha do Brasil


Pré-sal pode ameaçar biodiversidade marinha do Brasil, diz Greenpeace
Karina Ninni - estadao.com.br

Segundo relatório lançado nesta quinta, no Sudeste 21% das áreas marinhas prioritárias para conservação têm exploração ou prospecção de petróleo

O Greenpeace Brasil lançou nesta quinta-feira um relatório sobre biodiversidade marinha e exploração de petróleo offshore (no oceano). "Mar, petróleo e biodiversidade - a geografia do conflito" traça um raio X da costa brasileira e contrapõe os setores de Meio Ambiente e Energia, fazendo a relação entre áreas prioritárias para a criação de Unidades de Conservação Marinhas e áreas onde a prospecção e a exploração de petróleo já acontecem.

Disponível no site da entidade, o documento mostra que na região Sudeste - onde se encontra o pré sal - 21% das áreas consideradas prioritárias para a implantação de Unidades de Conservação Marinhas já têm campos de exploração em atividade ou blocos de exploração em fase de prospecção. A previsão de reservas estocadas no pré-sal é de 60 bilhões de barris de petróleo. A região Sudeste é seguida de perto pelo Nordeste, com 17,8% de áreas prioritárias para a conservação já concedidas para petrolíferas. Ironicamente, são as duas maiores áreas de ocorrência de corais na costa brasileira: 91% dos recifes de corais do País estão na região Nordeste e o restante está no Sudeste.

"Os recifes de corais aglutinam a vida marinha, provendo abrigo e alimentos para diversas espécies. O impacto nessas estruturas pode ter reflexos em toda biodiversidade da nossa costa", explica Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de oceanos do Greenpeace. Segundo ela, a rentabilidade do setro energético é um grande problema para a biodiversidade marinha.

"O setor energético é rentável. Por isso, áreas prioritárias para a conservação de aves e espécies marinhas já estão concedidas para exploração de petróleo. E a tendência é o crescimento dessa fatia de áreas concedidas para exploração no mar", salienta Leandra, explicando que o relatório foi concebido sobre dados secundários do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério das Minas e Energia (MME).

O economista e consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, confirma. "Hoje, no mundo, 20% do petróleo é retirado do mar. Mas esse número deve crescer nos próximos anos", afirma, lembrando que, no Brasil, 95% do petróleo extraído é explorado offshore. O País produz, hoje, 2 milhões de barris por dia. Para ele, a atividade tem riscos e um bom planejamento deve ser o início de toda iniciativa de exploração de petróleo no mar - principalmente no caso do pré-sal.

"Temos a seguinte situação: a tecnologia hoje é muito incipiente para dar conta de casos como o vazamento do Golfo do México. O pré-sal é um projeto de risco porque nunca ninguém foi tão fundo e nem tão longe da costa para buscar petróleo. Se há um acidente, é capaz de acontecer igual ou pior do que o que ocorreu no Golfo, com meses de vazamento", diz Pires.

Ele diz que há duas "maldições" que podem ser esperadas como consequência do investimento maciço de dinheiro na exploração do pré-sal.

"A primeira é que produzir petróleo demais pode sujar a matriz energética brasileira, uma das mais limpas do mundo. Porque o País todo vai começar a consumir muito mais combustíveis fósseis. A segunda é que, se o governo for com muita sede ao pote, pode provocar um acidente de grandes proporções e colocar em risco não só a biodiversidade marinha, mas a vida dos que dependem dos recursos do mar."

No relatório do Greenpeace, os autores afirmam que as emissões resultantes da exploração do pré-sal vão compensar o CO2 não emitido pela redução do desmatamento, mantendo o Brasil como um dos maiores poluidores do mundo. No pior cenário, lê-se no documento, as emissões nacionais – de 2,192 bilhões de toneladas por ano (de acordo com o segundo inventário nacional de emissão de gases do efeito estufa de 2005) seriam praticamente dobradas, posicionando o país entre os três maiores emissores de CO2 do mundo.

Unidades de Conservação no mar

O Greenpeace - assim como outras oscips brasileiras e internacionais - defende que a melhor política para evitar impactos negativos da exploração petrolífera para a biodiversidade da costa brasileira é a criação de Unidades de Conservação Marinhas. "É um absrudo que uma costa como a nossa não tenha um ordenamento marinho planejado. Enquanto isso não acontece, dependemos da força de vontade da sociedade civil em tentar evitar o pior. Como em 2005, quando foram ofertados blocos de exploração petrolífera nos arredores do Arquipélago dos Abrolhos, que é simplesmente o maior recife de corais do Atlântico Sul. Isso só não se concretizou porque nós nos mobilizamos", lembra Leandra, do Greenpeace.

O compromisso internacional adotado pelo Brasil para conter a perda de biodiversidade marinha até 2010 era o de conservar, no mínimo, 10% da área de ecossistemas marinhos por meio de unidades de conservação (UCs). Mas, de acordo com o MMA, apenas 1,5% da zona costeira e marinha brasileira está protegida. No mundo todo, só 1,17% das áreas marinhas mundiais são preservadas – aproximadamente 4,2 milhões de quilômetros quadrados de oceano, de acordo com o relatório Global Ocean Protection, lançado no mês passado na COP da Biodiversidade, em Nagoya.

O Greenpeace defende a existência de 30% de áreas marinhas protegidas no litoral brasileiro e propõe a criação de uma rede mundial de áreas marinhas protegidas, que cubra 40% dos oceanos. Segundo Leandra, entre as áreas brasileiras prioritárias para a criação de UCs estão a Reserva de Fauna da Baía da Babitinga, em São Francisco do Sul (SC), a Área Marinha Protegida do Arquipélago de Trindade e Martim Vaz (ES) e o Refúgio da Vida Silvestre do Peixe-Boi (PI/CE).

Explorar com inteligência

Para Adriano Pires, é impossível não "furar" o mar para explorar petróleo. Mas isso deve ser feito com planejamento e inteligência, deixando de fora áreas ricas em biodiversidade.

"A população mundial está crescendo e precisamos, ainda, do petróleo. Mas isso não quer dizer investir todas as fichas em combustível fóssil. O governo anunciou um investimento de 1 trillhão de reais em energia até 2019. Destes, mais de 620 bilhões vão para exploração petrolífera e 66 milhões são destinados a energias limpas alternativas, ou seja, excluindo-se as hidrelétricas. É pouco", compara. "Além do mais, é preciso fazer exigências mais pesadas para a concessão des licenças ambientais, e é preciso afastar as plataformas petrolíferas de áreas muito ricas em biodiversidade. Isso é bom senso".

Para Leandra, nesse contexto, investir pesadamente em redução de emissões é jogar dinheiro fora. "É preciso realmente investir mais em energias limpas. É o tal salto tecnológico. Não saímos da idade da pedra para a idade do metal porque acabaram as pedras. Simplesmente porque se descobriu algo mais eficiente e interessante", compara.

Jornal Estadão

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Impactos da mineração


Impactos da mineração

Dizem que a mineração traz desenvolvimento e riqueza. Mas, o que se pode constatar é que não é para todos nem por muito tempo. De fato, esta é uma atividade insustentável, uma vez que depende da extração de recursos naturais não renováveis

por Bruno Milanez, Danilo Chammas, Dario Bossi, Julianna Malerba , Márcia Casturino

Um grupo de pesquisadores, lideranças comunitárias, sindicalistas, representantes de movimentos sociais e ambientais que, vindos de vários estados do Brasil (Ceará, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo) e de vários países do mundo (Argentina, Canadá, Chile, Moçambique e Peru), reuniu-se para integrar a itinerante Caravana Sistema Norte. Em um microônibus, o grupo percorreu as estradas do Pará e do Maranhão entre os dias 5 e 11 de abril deste ano, para conhecer de perto os impactos do ciclo de mineração e metalurgia nesses estados e também para trocar experiências com as populações, comunidades e trabalhadores, cujos direitos e formas de vida são atingidos por essas atividades.
Experiências negativas que os integrantes da Caravana já conheciam pela forma como as atividades de mineração foram implantadas em suas terras de origem. E por isso, tiveram a importante tarefa de compartilhar suas experiências e histórias de injustiças, lutas e resistências com os integrantes da Caravana Sistema Sul – grupo de mesma natureza e objetivos que percorreu cidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, no mesmo período – e com os participantes do I Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale1. Esta mineradora multinacional é a empresa que possui maior atuação nas regiões visitadas pelas duas Caravanas e seus impactos têm natureza análoga às de outras indústrias de extração e beneficiamento de minério.
As Caravanas escolheram Minas Gerais e Pará como estados a serem visitados não por acaso. Em 2007, Minas Gerais foi responsável por 56,6% do total de operações de extração mineral do país (sem incluir beneficiamento), enquanto que o Pará respondeu por 25,5%2. Apesar da importância mineral de Minas Gerais ser superior no contexto nacional, o estado é menos dependente da extração mineral do que o Pará. Em Minas, a indústria de extração mineral (também desconsiderando o beneficiamento) equivale a 3,9% do valor bruto da produção; no Pará a mineração responde por 9,3%3 e a extração se reduz a poucos tipos de minério (em 2007, 61% do minério extraído era ferro, 16% alumínio e 14% cobre).
Da mesma forma, existe uma forte concentração das mineradoras no Pará: em 2005, a produção mineral comercializada foi de R$ 6,9 bilhões, sendo a Vale responsável por 77,8%, a Mineração Rio do Norte (sociedade formada pela Vale, Rio Tinto Alcan, BHP Billiton, Companhia Brasileira de Alumínio/Votorantim, Alcoa e Hydro)4 15,6% e a Imerys 4,6%5.


Dizem que mineração traz desenvolvimento e riqueza. Mas, o que a caravana constatou é que não é para todos e nem por muito tempo. De fato, a mineração é uma atividade insustentável, uma vez que depende da extração de recursos naturais não-renováveis. Em muitos casos, ela é associada ao ciclo boom-colapso: após uma fase de elevada atividade econômica, o fim da mina significa a decadência econômica e social da região. Por exemplo, na Serra do Navio (estado do Amapá) a Indústria e Comércio de Minérios S/A explorou uma mina de manganês por 44 anos (entre 1953 e 1997). A empresa construiu usina de beneficiamento, porto, estrada de ferro e vilas. Entretanto, depois que as reservas foram exauridas, a companhia fechou a mina e as vilas se esvaziaram. Sobrou uma pequena comunidade de pescadores; 1,8 mil moradores que sofrem com graves problemas nos rins, dores no corpo, diarréia e vômito decorrentes da contaminação do solo e da água por arsênio.6
Se políticas públicas específicas de diversificação econômica não forem colocadas em prática, muitos municípios no estado do Pará vão enfrentar uma realidade próxima àquela da região da Serra do Navio. Na verdade, dependendo dos indicadores utilizados para avaliar o desenvolvimento dos municípios mineradores, ao invés de um ciclo boom-colapso, poderia-se argumentar que eles estão passando por um ciclo colapso-colapso.

A Tabela 1 (abaixo) apresenta alguns indicadores para os dez municípios com maior operação mineral no estado do Pará. Embora quase todos tenham um PIB per capita superior à média estadual, os demais indicadores mostram que essa riqueza não necessariamente é traduzida na melhoria da qualidade de vida das populações. Em parte, isso pode ser explicado pelo inchaço populacional resultante das “promessas de emprego” que acompanham os projetos minerais. Nos municípios listados, sete tiveram um crescimento populacional superior à média estadual, com destaque para Parauapebas, Canaã dos Carajás e Ipixuna que cresceram, em sete anos, 66%, 68% e 127%, respectivamente. Uma das conseqüências desse rápido crescimento é a incapacidade do município de investir, na mesma velocidade, em saneamento básico, por exemplo. Assim, metade dos municípios listados tem taxas de internações por doenças parasitárias maiores do que a média estadual. Apesar do aumento da renda média da população, uma parte considerável é excluída desse crescimento, tanto que, em oito desses municípios tem havido aumento do percentual de crianças que nascem com baixo peso, com destaque para Rio Maria onde, apesar do PIB per capita ter crescido 88%, o número de crianças abaixo do peso subiu 250%.
Por fim, outra conseqüência fortemente associada ao tipo de crescimento promovido pelos empreendimentos minerais no Pará é o aumento da violência. Em quatro dos municípios analisados, a taxa de mortalidade por agressão é muito superior à média estadual; nesse sentido, chama muito a atenção o crescimento da mortalidade por agressão em municípios como Itaituba (547%) e Canaã dos Carajás (449%).

RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS

Essa realidade provocou os membros da caravana: por isso eles visitaram as comunidades com os maiores conflitos no Pará (a área de Barcarena, onde ocorre o beneficiamento de alumínio) e comunidades da região de Marabá, fortemente afetada por mineração. Na última etapa, eles foram até Açailândia, no Maranhão, onde a mineração alimenta a produção de ferro-gusa, atividade fortemente poluidora.

Em cada uma das cidades, a população nos relatava os problemas que enfrenta e foram discutidas possíveis estratégias conjuntas para garantir o respeito de seus direitos. Vila Sansão, por exemplo, é um pequeno povoado de menos de 2.000 pessoas, localizado na zona rural de Parauapebas (PA), a 42 quilômetros da sede do município. Nas terras do povoado foi encontrada a maior reserva de cobre do país (784 milhões de toneladas). Dado que a chegada dos grandes empreendimentos de exploração dessas reservas foi pouco informada e discutida com a população local, tais empreendimentos trouxeram de forma repentina “toneladas de homens” para se instalar a apenas 5 km do povoado, conforme relatou a professora Ivone, moradora da vila. Apesar das melhorias na infra-estrutura de transporte, a chegada de 5.000 homens de uma vez provocou a constante falta de água e de energia na Vila, além da contaminação ambiental pela disposição inadequada do lixo. Em paralelo, aumentou significativamente a prostituição e o alcoolismo no povoado. Os produtores rurais, principalmente os mais jovens, vêm trocando a produção de alimentos pelo trabalho nas empresas mineradoras. Todavia, devido à sua baixa qualificação, eles assumem, em geral, os trabalhos mais pesados e com remuneração mais baixa e, após o início das operações, provavelmente estarão entre os muitos trabalhadores que serão dispensados, sem condições de retornar à atividade rural.
Dessa forma, o empreendimento modificou a dinâmica social da comunidade inteira e poderá causar sua desestruturação. Apesar desse quadro, alguns moradores, articulados com a Comissão Pastoral da Terra e com estudantes universitários (do Campus Marabá da Universidade Federal do Pará) não desanimaram, e estão desenvolvendo estratégias para profissionalizar os agricultores e aumentar sua renda, por meio da fruticultura, piscicultura e caprinocultura.
O mesmo acontece em Ourilândia do Norte, Sul do Pará, onde vai ser implantado um grande projeto de mineração de níquel. Conforme nos contou Hélio, um pequeno produtor rural, lá os agricultores organizados lançam mão de estratégias de resistência e protesto (como o fechamento de estradas) ou de denúncia (como uma Ação Civil Pública contra a venda ilegal de lotes de assentamentos rurais) frente à ameaça de perderem suas terras e com elas seu meio de subsistência. O objetivo mínimo desses trabalhadores é garantir a união das famílias do povoado, a fim de pressionar as empresas a negociar coletivamente e não por meio de acordos individuais, onde a enorme desigualdade de poder entre as partes tende a beneficiar os interesses das empresas.
Atravessando as terras de Pará e Maranhão, a caravana cruzou muitas vezes com os trens que transportam minério: na Estrada de Ferro Carajás circula uma média de 20 trens por dia, cada um com cerca de 330 vagões. Isso também é fonte de diversos conflitos: o ruído e as vibrações causados por esses trens geram incômodos para as populações que vivem próximas da ferrovia, chegando a causar rachaduras nas casas. Devido ao tamanho dos trens e à ausência de passarelas, quando os trens param, interrompem as atividades cotidianas das pessoas que são obrigadas a atravessarem os trilhos sob os vagões. Como conseqüência da falta de segurança no transporte ferroviário na região, é freqüente a morte por atropelamento de animais e pessoas, não havendo políticas das empresas específicas para lidar com esse problema. Segundo Relatório de Sustentabilidade da Vale, o número de acidentes de trem nos últimos anos foi 59 (2005), 63 (2006) e 46 (2007)9.
O “trem do progresso e do desenvolvimento” corre por essas regiões deixando um rastro de conseqüências negativas e contradições. Existem iniciativas de beneficiar localmente os minérios, porém, nos municípios visitados, tais atividades nem sempre são feitas de maneira adequada e, assim como no caso da mineração, causam efeitos que prejudicam significativamente a vida de parte da população. Por exemplo, em Barcarena (PA), Maria do Socorro, uma das lideranças locais, contou que as comunidades tradicionais já foram atingidas duas vezes (2005 e 2009) por vazamentos de lama vermelha10, que transbordou das bacias de contenção da empresa Alunorte, que transforma bauxita em alumina. No último vazamento, esse resíduo contaminou o rio Murucupi, deixando mais de 100 famílias sem acesso à água ou à pesca (sua principal fonte de alimentação). Apesar do elevado grau de vulnerabilidade dessas famílias, foram necessários muitos protestos por parte das comunidades para que lhes fosse oferecida alguma assistência11. Como resultado do episódio de 2009, a empresa foi multada pelo Ibama tanto pelo acidente, quanto por ter dificultado o acesso dos fiscais para averiguar as denúncias sobre o vazamento12.
Problemas de mesma natureza foram encontrados no Maranhão. Em Açailândia, o bairro de Piquiá de Baixo nasceu no início da década de 1970 e hoje é composto por mais de 1.500 pessoas. Um dos moradores, Seu Edvar, contou que no final dos anos 1980 foram instaladas cinco unidades de produção de ferro gusa (Gusa Nordeste, Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, Siderúrgica do Maranhão, Viena Siderúrgica do Maranhão e Ferro Gusa do Maranhão), algumas bem próximas às casas. O riacho Piquiá vem sendo poluído pelos efluentes e sistema de drenagem de algumas dessas empresas há mais de 20 anos. Além disso, muitos dos 14 alto-fornos das siderúrgicas não possuem sistema adequado de controle de emissões atmosféricas. Portanto, os moradores são constantemente expostos ao material particulado, o que aumenta consideravelmente o número de casos de doenças respiratórias (crônicas e agudas), especialmente entre as crianças. Além disso, diariamente camadas de fuligem preta cobrem as casas, os móveis, as louças e as roupas dos moradores do bairro. Existe ainda problema com a disposição dos resíduos sólidos, que muitas vezes são colocados, ainda incandescentes, em um terreno próximo às casas sem nenhum tipo de isolamento. Como conseqüência, são comuns os acidentes envolvendo queimaduras graves em crianças que entram na área, havendo inclusive casos de óbitos13. Vencidos por décadas de isolamento e abandono, os moradores de Piquiá de Baixo desistiram de exigir que as empresas adotassem sistemas adequados de gestão ambiental e agora lutam para conseguir ser transferidos dignamente para outra região do município.
A cada dia, a caravana, nos deparáva com essas realidades, com a falta de esperança das populações que, de alguma forma, acreditavam que o grupo podería representar um alento, uma possibilidade de tornar visíveis as condições em que viviam, com problemas que para muitos parecem intransponíveis. Foi assim que moradores de Alto Alegre (MA), Assentamento Califórnia (MA), Bom Jesus das Selvas (MA), Buriticupu (MA), Canaã dos Carajás (PA), Parauapebas (PA), entre outros, contaram que várias empresas ligadas ao setor mineral têm adotado posturas essencialmente agressivas e deixado de considerar as comunidades que vivem nos territórios que elas decidem ocupar. É importante que tais empresas, em especial as grandes transnacionais como a Vale, assumam efetivamente as responsabilidades pelos danos que elas causam sobre os territórios e as comunidades.

MARCO LEGAL
Todavia, a situação encontrada na viagem não se deve apenas às decisões das empresas, mas também ao limitado controle e monitoramento por parte dos órgãos do setor ambiental e mineral. Nesse sentido, o Ministério de Minas e Energia (MME) vem discutindo internamente (e mais recentemente com as empresas mineradoras) um novo marco legal para a mineração no país. Esse debate, entretanto, vem ocorrendo de forma muito limitada, tendo como foco quase exclusivo as possibilidades de estimular a produção mineral do país. É essencial, ao contrário, que o governo restrinja a expansão da exploração mineral quando ela for tão danosa para as pessoas e o meio ambiente. A política mineral não pode ser desenvolvida isolada das demais políticas de desenvolvimento regional. Não parece fazer sentido que um Ministério decida que a vocação de uma região seja agrícola para que, alguns anos mais tarde, outro Ministério decida que a vocação é mineral, desprezando todo o investimento público alocado, bem como obrigando as pessoas que lá construíram suas vidas a se mudar para outras regiões. Sendo assim, seria extremamente desejável que MME dialogasse com outros setores governamentais, bem como com as populações atingidas pelos processos de exploração mineral. Nesse sentido é imprescindível que o MME convide os vários segmentos da sociedade para tomar parte na discussão sobre o novo marco legal da mineração, de forma a garantir a participação democrática neste processo de elaboração de políticas públicas.
Alem disso, é preciso construir um debate mais amplo sobre a viabilidade social e ambiental desses projetos com toda a sociedade. As demandas que motivam a implementação de grandes projetos de extração mineral, geralmente têm origem em locais distantes dos territórios onde são implantadas e pouco dialogam com as estratégias socioprodutivas e culturais dos grupos que sofrem os impactos diretos da implementação desses projetos. Os relatos dos moradores da região de Carajás que interagiram com a Caravana mostram isso.
Os modos e meios de apropriação dos recursos naturais devem ser profundamente discutidos e revistos pela sociedade. Não se pode, arbitrariamente, como tem sido prática comum, eleger uma única perspectiva: a da lógica mercantil. Os usos dados ao meio ambiente pelas populações que dele dependem para sua reprodução material e simbólica têm que ser incentivados e respeitados. Ao assumir a naturalização da lógica do mercado como única perspectiva, naturalizam-se também as desigualdades socioambientais sobre as quais a sociedade segue explorando os recursos naturais de forma intensiva, sem considerar o ponto de vista dos grupos potencialmente atingidos.
É por isso que temos insistido, junto com os demais membros que conosco integram a Rede Brasileira de Justiça Ambiental14, que os processos de definição sobre os projetos de desenvolvimento a serem implementados nos territórios têm de ser feitos de maneira realmente participativa e que considere o diferencial de poder e a diversidade sociocultural nas formas de apropriação do meio ambiente15. Além disso, é necessário que a grande riqueza gerada pela indústria mineral já instalada proporcione um efetivo desenvolvimento das comunidades e uma permanente integração com o meio ambiente, através de mecanismos que tornem a sociedade civil protagonista de sua relação com o território.

Bruno Milanez é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).

Danilo Chammas membro da Campanha Justiça nos Trilhos

Dario Bossi membro da Campanha Justiça nos Trilhos

Julianna Malerba é mestre em Planejamento Urbano, técnica em educação não formal da FASE e integra a secretaria da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Márcia Casturino integra a secretaria da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

1 O I Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale ocorreu na cidade do Rio de Janeiro entre 11 e 15 de abril de 2010 e foi resultado da articulação entre diversos grupos atingidos pela atuação da Vale em diferentes partes do mundo. Para maiores informações, visite http://atingidospelavale.wordpress.com/

2 Departamento Nacional de Produção Mineral. Maiores arrecadadores de CFEM. Disponível em http://www.dnpm.gov.br

3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contas regionais do Brasil 2003-2007. Disponível em http://www.ibge.gov.br

4 Mineração Rio de Norte. Composição acionária. Disponível em http://www.mrn.com.br/index_1024.htm. Acessado em 12 de maio de 2010.

5 Departamento Nacional de Produção Mineral. Anuário Mineral Brasileiro 2006. Disponível em http://www.dnpm.gov.br

6 Sakamoto, L. Triste herança. Problemas Brasileiros. Ano 39, nº 345. Mai/Jun 2001

7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produto interno bruto dos municípios 2003-2007. Disponível em http://www.ibge.gov.br

8 Ministério da Saúde. Cadernos de Informação de Saúde. Disponível em http://www.datasus.gov.br

9 Vale. Relatório de sustentabilidade 2007. Rio de Janeiro: Vale 2008

10 A lama vermelha é um dos principais resíduos da transformação de bauxita em alumina. Como sua composição é muito variável dependendo da região onde é produzida, não existe uma posição consensual sobre seu grau de toxicidade, embora, normalmente apresente concentrações elevadas de soda cáustica.

11 O Liberal. Alunorte multada em R$ 5 mi por vazamento. 30 de abril de 2009

12 Globo Amazônia. Empresa é multada em R$ 5 milhões por vazamento de esgoto industrial no PA. 29 de abril de 2009.

13 Gómez, M. F. Estudo preliminar da situação medioambiental da população de Piquiá. Açailândia: Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos. 2007.

14 A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) é uma articulação que reúne movimentos sociais, entidades ambientalistas, ONGs, associações de moradores, sindicatos, pesquisadores universitários e núcleos de instituições de pesquisa/ensino que compartilham da perspectiva de que a destruição do meio ambiente e dos espaços coletivos de vida e trabalho acontecem predominantemente em locais onde vivem populações vulnerabilizadas pela desigualdade social e desenvolvem ações coletivas que buscam se contrapor a esse processo visando o fortalecimento da democracia e da construção de formas mais sustentáveis de apropriação do meio ambiente.

15 FASE. Por avaliações sócio-ambientais rigorosas e responsáveis dos empreendimentos que impactam o território e as populações. Rio de Janeiro: FASE; IPPUR/UFRJ. 2009.

Le Monde Diplomatique Brasil

A corrida do ouro na Colômbia

A corrida do ouro na Colômbia

A América Latina, que recebia apenas 12% dos investimentos mundiais no setor mineiro, hoje conta com um terço deles. Na Colômbia, boa parte das áreas que interessam às multinacionais está concentrada em reservas ambientais e de povos indígenas, que vêm perdendo a batalha contra a exploração desenfreada

por Laurence Mazure

Alto Guayabal, confins das províncias de Antioquia e Chocó, noroeste da Colômbia. No dia 30 de janeiro de 2010, antes do amanhecer, as forças armadas colombianas lançaram uma ofensiva contra uma oca do povo indígena Embera Katio. Uma criança de um ano e seis meses morreu e quatro pessoas ficaram feridas. As plantações foram destruídas e muitos animais mortos. O exército imediatamente falou em “erro” durante uma perseguição a guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Para as organizações indígenas do país, é só mais um capítulo da ofensiva das transnacionais de mineração na Colômbia. O bombardeio atingiu uma das comunidades localizadas no entorno do Cerro Careperro, montanha considerada sagrada pelos povos originários e que está sob a mira da transnacional norte-americana Muriel Mining Corp., atraída para a região pela presença de ouro. Um acaso?

Deslocados pelo conflito armado interno desde 2000, os Embera Katio tentam voltar para as suas terras ancestrais, embasados em autorização garantida pela Constituição de 1991. Durante sua ausência, a agência governamental Ingeominas concedeu nove licenças de exploração à Muriel Mining, sem se preocupar com procedimentos tais como consultas às comunidades, embora isso esteja previsto na lei. De acordo com William Carupia, porta-voz da Organização Indígena de Antioquia (OIA), a comunidade indígena teve de enfrentar, há dois anos, um novo deslocamento forçado.1

Em um país onde a justiça frequentemente se converte em instrumento para dominação dos poderosos, no dia 29 de março de 2010 a Corte Constitucional julgou uma ação em favor das comunidades indígenas e afro-colombianas de Chocó e Antioquia. Foi assim estabelecida jurisprudência confirmando os direitos constitucionais específicos das comunidades e destacando a obrigação de todos – incluindo as transnacionais – respeitarem os procedimentos legais e os imperativos de proteção da biodiversidade.2 Um avanço considerável, já que defronte dos Embera Katio estavam os representantes dos ministérios do Interior e da Justiça, do Meio Ambiente, Defesa, Assuntos Sociais, Minas e Energia, além das forças armadas do país. Um comitê que o acaso, sozinho, não seria capaz de reunir.

Mais de uma década atrás, no dia 21 de setembro de 1999, o presidente norte-americano Bill Clinton e seu colega colombiano Andrés Pastrana lançaram o Plano Colômbia, “para a paz, a prosperidade e o fortalecimento do Estado”. Segundo eles, o projeto tinha o objetivo de lutar contra o tráfico de drogas. Pastrana e Clinton planejavam ainda ajudar o exército colombiano a dar fim às guerrilhas que ocupavam algumas partes do território, com o investimento de US$ 1,6 bilhão em três anos.3

Abertura para o exterior

Em 20 de outubro de 1999, uma emenda veio destacar a segunda função do plano: favorecer os investimentos estrangeiros. O governo colombiano deveria “completar as reformas urgentes destinadas a abrir totalmente sua economia ao investimento e ao comércio exterior4”. No espírito de seus progenitores, ambos os objetivos estavam intimamente ligados. Em particular, no domínio da mineração. Quando, alguns anos mais tarde, o Plano Nacional de Desenvolvimento Mineiro 2019, do Ministério de Minas e Energia (publicado em 2006), observou que “somente o setor privado é capaz de desenvolver a indústria mineira na Colômbia”, aproveitou para identificar a necessidade dessas empresas: “segurança”.

Passada uma década, Arturo Quiróz, membro da Associação da Indústria Mineira Colombiana (Asominas) pode comemorar: “Hoje, temos um setor dinâmico (...) que atrai algumas das maiores empresas do mundo5”. Com a chegada das companhias Anglogold Ashanti (sul-africana), BHP Billinton (anglo-australiana), Greystar Resources Ltda. (canadense), Drummond Co. e Muriel Mining Company (norte-americanas), os investimentos diretos estrangeiros (IDE) no setor mineiro passaram de US$ 463 milhões, em 1999, para US$ 3 bilhões em 2009, uma alta de 640%.6 Em 2009, essa indústria registrou o mais forte crescimento da economia colombiana, representando 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A meta para os próximos dez anos? Ultrapassar 6% do PIB nacional, como no Peru ou no Chile.

Para isso, o governo acaba de gastar mais de US$ 5 bilhões para provimento de infraestruturas ligadas aos setores de minas e energia – duas vezes e meia seus gastos em infraestruturas de transporte, dez vezes mais que as somas despendidas com moradia e 20 vezes mais que a despesa com a rede de telecomunicações.7 Aliás, o presidente Álvaro Uribe Vélez (2002 e 2010) flexibilizou, no ano passado, o código de mineração, visando facilitar a obtenção de concessões de exploração e seu registro. A duração dessas concessões foi estendida de 5 para 11 anos, e a taxa de utilização dos terrenos, que outrora poderia chegar a US$ 2 mil por hectare por ano, acaba de ser estabelecida em um patamar mais razoável: US$ 8 por hectare por ano, não importa qual seja a parcela.

Mas, para Quiróz, “o entusiasmo internacional pela Colômbia como grande centro de atividade de extração mineira” explica-se, antes de tudo, pela política de segurança da administração Uribe. Graças ao Plano Colômbia, ela “fez da luta contra os grupos insurgentes uma prioridade8”. Se, de passagem, o conflito conduziu ao deslocamento infeliz (mas muito oportuno) de populações que, como os Embera Katio, tiveram a má ideia de deixar seus ancestrais se instalarem em cima de abundantes jazidas, as companhias mineiras não se queixam.

Para ter a medida desse entusiasmo, basta observar a carta do Ministério do Meio Ambiente colombiano que delimita os territórios sob demanda de concessão. Mais de 40% do território estaria abrangido, incluindo zonas supostamente protegidas. No centro de toda a cobiça estão platina, urânio, metais e elementos raros, como o molibdênio ou o coltan. E, principalmente, o ouro – a ponto de a revista econômica eletrônica Portafolio ter falado, recentemente, em uma nova corrida do ouro.9 As cifras são eloquentes: entre 2006 e 2009, a produção de ouro na Colômbia foi multiplicada por três, atingindo 1,75 milhão de onças em 2009 – tendência alimentada pela explosão dos preços nos mercados mundiais, com um aumento de mais de 30% em um ano. As previsões para 2012 falam na produção de 3 milhões de onças.

Mas a indústria mineira ainda dá seus primeiros passos. Mario Ballesteros, diretor do Instituto Colombiano de Geologia e Minas (Ingeominas), estima que a superfície total atualmente explorada chegue a 1,69 milhão de hectares. No entanto, Andres Idarraga, especialista em questões mineiras do Centro Nacional de Saúde, Meio Ambiente e Trabalho (Censat, uma ONG), observa que “até o momento, há poucos projetos em fase de exploração”. A “febre” atual seria, portanto, alimentada pela especulação: “O que ocorre é que as pequenas companhias realizam os trabalhos de exploração para revender suas concessões às grandes transnacionais, apostando no aumento dos preços caso confirmem a presença de minerais10”, afirma. Os 19.800 pedidos de concessão já registrados estariam, então, destinados a engordar as majors, já que, embora haja 5 mil companhias mineiras na Colômbia, apenas três – a sul-africana Anglogold Ashanti, a canadense Greystar e a norte-americana Muriel Mining – dividem realmente o setor, na maior parte das vezes por meio de filiais.

Descaso ambiental

Resta saber com precisão onde estão localizadas as concessões. Enquanto o governo filtra minuciosamente o acesso aos cadastros (embora a lei estipule que as cartas do Ministério do Meio Ambiente devam ser públicas), as disposições que regulamentam a formulação das requisições (Lei 685 de 2001) alimentam a confusão. Qualquer pedido de concessão abre automaticamente o caminho para os trabalhos de exploração, sem exigir nenhum estudo ambiental. Facilitada ao máximo, a requisição é feita on-line, com quatro coordenadas de GPS que determinem um polígono, um número de identidade ou passaporte, um nome, endereço postal e número de telefone. Tudo acompanhado pelo pagamento de cerca de US$ 400 para o registro da solicitação. Nenhuma verificação de garantias bancárias do requisitante é efetuada, muito menos de seu passado jurídico. Como basta que os polígonos não se sobreponham exatamente, muitos pedidos podem contemplar a mesma área. É o que ocorre com frequência.

A legislação, que visa estabelecer um “clima de confiança favorável aos investidores estrangeiros”, ignora o interesse geral, assim como as questões ambientais. No dia 9 de fevereiro de 2010, foi votada a Lei 1382, para proteger os páramos (ecossistemas tropicais frios dos Andes colombianos) e 500 mil hectares de reservas florestais ameaçadas por novos títulos e demandas. Mas o texto não tem nenhum efeito retroativo sobre as concessões já obtidas. Além do mais, o fato é que os tribunais recebem muito bem os argumentos das transnacionais de que uma legislação muito restritiva é um entrave ao desenvolvimento.

Em maio de 2010, a canadense Greystar confirmou isso. Ela apelou contra uma petição do governo que solicitava a apresentação de um novo estudo sobre o impacto ambiental de suas futuras instalações em Angostura, nas montanhas do departamento de Santander. As autoridades colombianas estimaram, inicialmente, que o gigantesco projeto de mineração de ouro a céu aberto poderia atingir os ecossistemas locais. Aliás, elas consideraram que, situando-se em grande altitude nos Andes, as unidades de tratamento do minério (com cianureto) ameaçariam o conjunto da rede hídrica a partir dos páramos, que funcionam como gigantescas esponjas naturais alimentando rios e córregos. Mas, tratando-se de um local com mais de 10 milhões de onças de ouro, e considerando que a onça vale atualmente cerca de mil euros no mercado11, tamanha jazida merecia que a multinacional comprasse a briga. Briga esta que foi facilmente ganha. Segundo seu vice-presidente executivo, Frederick Felder, a companhia nunca ficou preocupada: “Ao longo desse período prosseguimos realizando nossos estudos de viabilidade. Não tivemos dúvida de que o governo acabaria validando nosso relatório12”.

Mas as questões ligadas à indústria não são apenas de ordem ambiental. Adelso Gallo Toscano milita contra a apropriação do território colombiano por alguns grandes grupos mineradores, em uma coordenação denominada Red Colombia, a qual reúne associações, sindicatos e cooperativas agrícolas. Ele esclarece: “Não estamos dizendo que somos contrários à mineração em si. Essa poderia ser uma indústria interessante para o desenvolvimento do país, caso o governo aceitasse discutir projetos com as organizações sociais. E, principalmente, se a explotação dos recursos naturais do país fosse feita em benefício da população”. Como? “Nacionalizando a indústria ou, pelo menos, garantindo transferência de tecnologia para evitar futura dependência do capital estrangeiro. Além disso e, acima de tudo, é necessário respeitar o meio ambiente.”

Entusiasmado, Gallo Toscano cita os exemplos do Equador, Venezuela e Bolívia, onde as coisas vão bem melhor. A Colômbia não é o único país a promover a extração mineira como um dos eixos de seu desenvolvimento econômico: a América Latina, que recebia apenas 12% dos investimentos mundiais no setor mineiro, hoje conta com um terço deles.13 Mas seria ir longe demais sugerir que a extração do petróleo equatoriano e venezuelano ou do gás boliviano não encontra nenhuma resistência de parte da população. Embora essa exploração esteja a serviço de uma melhoria do nível de vida geral, por meio do financiamento de programas sociais – o que não parece ser a proposta na Colômbia –, ela continua suscitando preocupações ligadas às questões ecológicas, aos direitos das populações indígenas e a um modo de desenvolvimento que reforça o caráter “primário” das economias da região. Entretanto, nesses países o debate parece se realizar, mesmo a duras penas. Já a Colômbia, apenas conta seus mortos.

Na região de Cauca, em Suarez, onde a Anglogold Ashanti tem forte presença, foram enviadas ameaças, em dezembro de 2009, ao representante sindical da Central Unitária dos Trabalhadores Colombianos (CUT), gerando um movimento de oposição à transnacional. No dia 13 de fevereiro de 2010, foi divulgado o assassinato, precedido de tortura, de Omar Alonso Restrepo e de seu irmão José de Jesus, conhecidos pela rejeição à presença da Anglogold Ashanti na região. Membros do comitê de ação comunal da localidade de Dorado, eles militavam em uma organização de mineradores artesanais e agricultores que, há anos, denuncia as devastações ambientais, econômicas e sociais das transnacionais. Em seguida, 26 organizações sociais assinaram um comunicado denunciando os assassinatos, destacando “a aliança macabra entre o governo e as multinacionais do ouro, como a Anglogold Ashanti” e a “militarização da região que possibilita a ação de grupos paramilitares14”.

A situação é ainda mais séria quando sabemos que o novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, fez, no dia 17 de maio de 2010, a seguinte promessa: “No setor mineiro, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para estimular o mais forte crescimento possível, sempre com responsabilidade em relação ao meio ambiente15”. Se Santos tiver seu predecessor, Uribe, como modelo, as transnacionais mineiras podem ficar tranquilas.
Laurence Mazure é jornalista.


1 William Carupia, porta-voz da Organização Indígena de Antioquia, em entrevista concedida ao autor no dia 20 de fevereiro de 2010.

2 Decreto nº T-796-32009 da Corte Constitucional.

3 Ler Maurice Lemoine, “Plan Colombie, passeport pour la guerre”, Le Monde Diplomatique, agosto de 2000.

4 “S.1758 – Alliance with Colombia and the Andean Region (Alianza) Act of 1999 (Introduced in Senate)”, Bill Text 106th Congress (1999-2000) [“S. 1758 – Lei de 1999 para a Aliança com a Colômbia e Região Andina (Alianza) (Introduzida no Senado)”, Texto do 106º Congresso (1999-2000)], Washington, 20 de outubro de 1999.

5 Citado por Adam Thomson em “Mining: Vast resources remain largely untapped”, The Financial Times, Londres, 23 de setembro de 2009.

6 De acordo com o Portal da Informação da Atividade Mineira na Colômbia, os números de 2009 são provisórios. Disponível em: www.imcportal.com

7 Naomi Mapstone, “Infrastructure: Eager to link up disjointed land”, The Financial Times, Londres, 6 de abril de 2010.

8 Citado por Adam Thomson, op. cit.

9 Ricardo Santamaria Daza, “Se dispara la ‘fiebre’ del oro en diversas regiones del país”, 9 de maio de 2010, disponível em: www.portafolio.com.co

10 Entrevista concedida ao autor (Bogotá, 4/6/2010).

11 Preço do dia 8 de junho de 2010.

12 Diana Delgado, “Greystar says Colombia accepts its gold mine appeal”, Reuters, 31 de maio de 2010.

13 Anthony Bebbington, “The New Extraction: Rewriting the Political Economy of the Andes?”, Nacla Report on the Americas, vol. 42, n° 5, New York, setembro/outubro de 2009.

14 “Colombia: continúa exterminio contra Fedeagromisbol. Asesinan a dos agromineros en el Sur de Bolivar”, 15/02/2010, disponível em: www.biodiversidadla.org

15 Entrevista concedida a Yamid Amat, no dia 17/05/2010, disponível em www.galeriapolitica.com

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