sexta-feira, 13 de abril de 2018

Ciência é a maior esperança de salvar os Corais da Amazônia


Pesquisas a bordo do navio Esperanza buscam coletar informações que inviabilizem a exploração de petróleo na região
PRESA A UMA CORDA, DRAGA É LIBERADA COM A AJUDA DE UM GUINDASTE À BORDO DO NAVIO ESPERANZA (FOTO: FELIPE FLORESTI/REVISTA GALILEU)

Nos dias 12 e 13 de abril, os trabalhos à bordo do navio Esperanza, do Greenpeace, tinha um foco:lançar uma pequena draga — uma espécie de pá que se fecha ao colidir com o fundo do oceano, coletando o que encontrar lá em baixo —, mas não é uma tarefa simples.

Estamos navegando sobre a área norte dos Corais da Amazônia, próximo à fronteira com a Guiana Francesa. Na região, três correntes marinhas se entrecruzam, o que impossibilita a utilização de um submarino, por exemplo. As imagens capturadas em 2016 são da área central dos corais, com águas muito mais tranquilas.
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O objetivo dessa expedição à bordo do navio Esperanza é conhecer cada vez melhor os corais, até então só observados com imagens. A meta é estudar a microbiologia, a força e direção das correntes, além possível presença de novas espécies de fauna e flora, identificadas por meio de mapeamento genético.


O que preocupa a todos, porém, não é nem a dificuldade em coletar as amostras, já previstas. Mas sim o fato de ser por ser ali que empresas estrangeiras, Total e BP, pretendem explorar petróleo.
PEQUENA E PESADA, DRAGA É UTILIZADA PARA COLETAR AMOSTRAS DO FUNDO DO OCEANO (FOTO: FELIPE FLORESTI/REVISTA GALILEU)

"A bacia da foz do rio Amazonas é considerada uma nova fronteira para a exploração de petróleo porque nunca foi produzido aqui, mas desde a década de 1970 já foram 95 tentativas de se produzir petróleo aqui e nenhuma deu certo", conta Thiago Almeida, à frente da campanha "Defenda os Corais da Amazônia" do Greenpeace. "Dessas, 27 foram por acidentes mecânicos. Um acidente pode se transformar em um desastre ambiental."

Em 2016, um grupo de 38 cientistas publicou o primeiro estudo a revelar a existência de um novo bioma que, até então, nem nome tinha, além do início do processo de Licenciamento Ambiental para a exploração de petróleo. Com isso, a maior ONG ambientalista do mundo decidiu agir: cinco meses depois, faziam a primeira incursão pelos corais, com direito ao uso de submarino. "O trabalho dos especialistas diziam que os corais iam até 120 metros de profundidade, a gente encontrou a 185 metros. É por isso que, depois dessa expedição, os cientistas falaram que o sistema recifal pode ser até cinco vezes maior do que dizia o primeiro estudo", afirma Almeida. Assim, a área de 9,5 milhões de km² de recifes, pode chegar à 56 milhões de km².

Outras descobertas, dessa vez nada agradáveis, vieram quando cientistas comissionados pelo Greenpeace foram analisar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), principal etapa técnica do Licenciamento. "É uma região com muito sedimento na água, pela influência do rio Amazonas. Tudo aquilo que o rio traz do coração da floresta, vem parar aqui. Esses sedimentos, quando se misturam com óleo, trazem óleo para baixo", disse.

No EIA, as empresas afirmam que há uma chance de 30% de, em caso de vazamento, o petróleo atingir os corais. "O que por sí só já é inaceitável", defende Almeida. "Mas a gente teve especialista afirmando que as empresas deveriam considerar uma chance de 100% de atingir os corais, pois as modelagens não levaram em consideração esses sedimentos."

Em geral, os corais são fundamentais para a preservação da biodiversidade do planeta. Apesar de ocuparem uma área de cerca de 1% dos oceanos, eles abrigam 25% da vida marinha e 35% dos peixes. Quando se fala dos amazônicos, o problema é ainda maior, pois trata-se de um bioma único no mundo.

"Essa é uma região extremamente desfavorável para o surgimento de corais. Um professor universitário francês até falou que passou 15 anos da vida falando para os alunos que era impossível existir corais na foz de um rio como o Amazonas", afirma. "Encontraram peixes considerados endêmicos do Caribe, o que indica a existência de um corredor biológico de lá até a América do Sul."
AREIA COLETADA NOS ARREDORES DOS CORAIS TRAZEM INFORMAÇÕES VALIOSAS PARA OS CIENTISTAS, COMO A MICROBIOLOGIA E A ORIGEM DESSES SEDIMENTOS, QUE SERÃO ANALISADOS EM LABORATÓRIO APÓS A EXPEDIÇÃO (FOTO: FELIPE FLORESTI/REVISTA GALILEU)

Destruir os corais, porém, é somente uma parte do problema. Os sistemas recifais estão diretamente ligados aos estoques pesqueiros, que garantem a sobrevivência de diversas comunidades da região. Além disso, na costa do Amapá se encontra um dos maiores manguezais do mundo, em uma faixa contínua que chega até a Venezuela.

"Imagina um derramamento atinja a costa, não existe tecnologia para limpar mangues. São décadas e décadas para ele se recuperar. A gente sabe que na Amazônia tem a pororoca em vários rios justamente por que o mar adentra por quilômetros o continente."

"Eu vi o rio Calçoene: ele vem em uma direção e, de repente, muda pela força do mar. Imagina trazer todo esse petróleo para dentro, sai a água, e fica só o petróleo. Estamos falando de ameaçar povos indígenas, pesqueiros, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas. Uma ameaça aos povos tradicionais, que dependem da saúde do mar, da costa, para sobreviver."

Apesar dos desafios, não faltam motivos para pesquisadores e ambientalistas ficarem animados. Graças à pressão, que inclui uma campanha global que já coletou 1,9 milhões de assinaturas em 21 países, e os estudos científicos protocolados junto ao IBAMA, o rito do Licenciamento já foi atrasado em pelo menos um ano e meio.

Os argumentos dos cientistas fizeram com que o órgão ambiental pedisse diversas alterações no EIA e, conforme novos estudos, como os feitos a bordo, fiquem pronto, mais argumentos serão somados contra a exploração de petróleo na região. Mas você também pode fazer sua parte, assinando a petição online no site. A saúde da Amazônia agradece.
Revista Galileu

Lixo no mar se espalha no planeta pelas correntes marinhas

Ilhas de plásticos

Fórum da Água - Roda Viva

Marcas de topo a um custo mínimo

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Baleia é encontrada morta com 29 quilos de plástico em seu estômago


Estima-se que cerca de oito milhões de toneladas de plástico adentrem nos oceanos todos os anos

BALEIA DA ESPÉCIE CACHALOTE ENCALHADA NA PRAIA DE MÚRCIA, NO SUL DA ESPANHA (FOTO: REPRODUÇÃO/ TWITTER (@ESPNATURALESMUR))

No início de fevereiro, uma baleia da espécie cachalote (conhecida por ser um dos maiores cetáceos do mundo) foi encontrada encalhada e morta na costa de Múrcia, cidade ao sul da Espanha.


Esse fato por si só já é bastante triste, porém, após uma autópsia do animal, que media dez metros, a história ficou ainda pior. Quando um grupo de especialistas do Centro de Recuperação de Vida Selvagem El Valle, na Espanha abriu o estômago do mamífero, foi encontrado o equivalente a 29 quilos de sacos plásticos – desses que utilizamos para ir ao mercado –, um galão de plástico e diversos pedaços de cordas e redes.

Após uma longa análise, os especialistas concluíram que a baleia havia morrido porque ela não conseguia expelir todo o plástico que havia engolido. A principal teoria é que esses materiais bloquearam o sistema digestivo do animal, causando uma infecção no abdômen (conhecida por peritonite) e desencadeando na morte do mamífero.

Estima-se que cerca de oito milhões de toneladas de plástico adentrem nos oceanos todos os anos. 

“A presença de plásticos nos mares e oceanos é uma das principais ameaças para a conservação da vida selvagem em todo o mundo, visto que muitos animais ficam presos em lixos ou ingerem grandes quantidades de plástico, o que lhes leva à morte”, afirmou porta-voz do meio ambiente do governo de Múrcia.

Recentemente, a fundação The Ocean Cleanup divulgou um estudo em que afirmou ter aproximadamente 79 mil toneladas de restos de plástico permeando o Oceano Pacífico. Para se ter uma noção, essa quantidade de material equivaleria a três vezes o tamanho da França.
PEDAÇOS DE PLÁSTICO QUE FORAM ENCONTRADOS DENTRO DO ESTÔMAGO DA BALEIA APÓS AUTÓPSIA (FOTO: REPRODUÇÃO/ TWITTER (@ESPNATURALESMUR))

Estima-se que no ano de 2050 teremos mais plástico do que peixes em nossos oceanos.

É por isso que histórias com destinos tão tristes como o dessa cachalote são comuns. Há outros tantos exemplos de baleias que aparecem encalhadas em praias com seus estômagos repletos de plástico – vale ressaltar que o plástico pode também conter substâncias tóxicas tal como os metais pesados.

Em 2017, o documentário Blue Planet II, protagonizado pelo naturalista David Attenborough, trouxe uma cena em que uma baleia aparece morta após a poluição por plástico (confira a cena no vídeo abaixo). “Ao menos que o fluxo de plástico no oceano seja reduzido, a vida marinha será intoxicada por esses materiais por muitos séculos que ainda virão”, afirmou Attenborough

Um dado positivo diante toda essa triste situação é que que estão surgindo medidas para a redução da utilização de sacolas plásticas descartáveis. Por exemplo, a cobrança por saquinhos em mercados na Inglaterra reduziu em 80% o uso desses materiais. Nesse mesmo sentido, vale a pena apostar em ecobags e sacolas de plástico reutilizáveis.
Revista Galileu

terça-feira, 3 de abril de 2018

‘Geoengenharia climática’ pode causar desastre e pobres serão mais afetados



Em um artigo publicado nesta terça-feira, 3, na revista científica Nature, um grupo de 12 especialistas em mudanças climáticas que atuam em nações em desenvolvimento – incluindo o físico brasileiro Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP) – faz um apelo inédito para que os cientistas de seus países tomem a linha de frente dos estudos sobre geoengenharia solar.

Tema controverso entre os cientistas, a geoengenharia solar é um ramo da geoengenharia climática, que consiste em realizar intervenções em escala geológica para modificar o meio ambiente com o objetivo de reduzir impactos das mudanças climáticas globais.

Uma das principais propostas dos pesquisadores que defendem a geoengenharia solar envolve gerenciar a radiação do Sol que incide sobre a Terra por meio do lançamento, na parte superior da atmosfera, de partículas reflexivas que ajudariam a filtrar a energia do Sol, produzindo um efeito de “resfriamento” global.

As consequências desse tipo de intervenção, segundo os autores do artigo na Nature, ainda são incertas. Mas seus impactos – negativos ou positivos – afetariam com mais intensidade os países em desenvolvimento.

“Os países em desenvolvimento hoje estão excluídos da pesquisa em geoengenharia, que está sendo feita quase totalmente nos países ricos. No entanto, os impactos de qualquer técnica dessas ainda envolvem muitas dúvidas – e a única certeza é os países em desenvolvimento sofreriam mais intensamente com esses impactos”, disse Artaxo ao Estado.

No artigo, os cientistas defendem que os países em desenvolvimento são os que mais teriam a ganhar ou perder com essas técnicas e por isso deveriam ser os protagonistas no encaminhamento dessa agenda de pesquisas. “Precisamos acelerar as pesquisas acadêmicas na área de geoengenharia para podermos quantificar e amenizar cada um dos impactos negativos que essas técnicas poderiam ter em nossos países”, afirmou Artaxo.

As nações em desenvolvimento, segundo o físico, não têm recursos tecnológicos para adaptação às mudanças climáticas e por isso são muito mais vulneráveis a elas. “É possível que os países desenvolvidos comecem a implementar técnicas de geoengenharia dentro de alguns anos, sem que haja um sistema de governança global que possa proteger os interesses dos nossos países”, declarou.

Um dos efeitos negativos de uma eventual ação de geoengenharia, segundo Artaxo, consistiria em dar aos gestores públicos a ilusão de que não seria mais preciso investir na mitigação das emissões de carbono para deter o efeito estufa, já que haveria alternativas tecnológicas para resfriar o planeta poderia.

“Não é à toa que atualmente a maior parte das pesquisas em geoengenharia é financiada pela indústria do petróleo. Eu apoio a mitigação agressiva das emissões de carbono e tenho dúvidas sobre se a geoengenharia solar um dia será segura o suficiente para ser utilizada”, declarou o físico da USP.

Segundo Artaxo, os especialistas em ciências do clima, de modo geral, são extremamente céticos em relação a qualquer uma das técnicas de geoengenharia. Os resultados são imprevisíveis e, quando são previsíveis, são extremamente negativos para o equilíbrio do planeta.

“Jogar aerossóis (minúsculas partículas sólidas que ficam em suspensão na atmosfera) na estratosfera irá alterar todo o ciclo hidrológico natural do nosso planeta, que determina onde, quando e o quanto chove. Pode parecer uma saída mirabolante, mas na prática pode ser um desastre completo.”

Clareamento de nuvens

Várias técnicas de geoengenharia solar já foram propostas, mas as que receberam mais atenção dos pesquisadores envolvem a “injeção estratosférica de aerossóis” e o “clareamento de nuvens marinhas”.

A injeção estratosférica de aerossóis imitaria o efeito das grandes erupções vulcânicas, que espalham na estratosfera – entre 11 e 50 quilômetros de altitude – milhões de toneladas de partículas reflexivas de sulfato. Levadas pelos fortes ventos estratosféricos, essas partículas circundam o globo, refletindo de volta para o espaço uma pequena parte da luz solar incidente, causando um resfriamento do planeta por um ou dois anos. Utilizando aviões ou balões para lançar grandes quantidades de partículas na estratosfera, seria possível reproduzir artificialmente o efeito dos vulcões.

A técnica de clareamento de nuvens marinhas, por outro lado, tem foco na parte baixa da atmosfera. Amplas áreas dos oceanos são cobertas por estratos – nuvens baixas, com menos de 1 km de altitude. Os cientistas propõem que essas nuvens sejam borrifadas com gotículas de água do mar, cujas partículas iriam reduzir o tamanho médio das gotículas que formam as nuvens baixas. Maior quantidade de gotas menores teriam a propriedade de tornar as nuvens mais brilhantes e elas refletiriam mais radiação solar de volta ao espaço. Além disso, com gotas menores, as nuvens se manteriam por mais tempo cobrindo o oceano e refletindo o Sol.

“Assim como o lançamento de aerossóis na estratosfera, a intervenção nas nuvens baixas sobre o oceano também mexeria diretamente com o ciclo hidrológico do planeta. Não há nenhuma dúvida de que isso iria desequilibrar todo o regime de chuvas, porque estaríamos alterando a cobertura de nuvens natural do planeta”, explicou Artaxo.

Outras técnicas. Diversas outras técnicas já foram propostas, mas sua aplicação no futuro é considerada menos provável, seja porque geram mais problemas que soluções, porque têm eficácia limitada, ou porque o custo seria muito alto e a logística complexa demais.

Uma dessas técnicas consiste em fertilizar uma área marinha com ferro solúvel, a fim de acelerar o ciclo de enxofre natural do oceano, tornando-o mais reflexivo. O processo também faria o oceano produzir mais dimetilsulfeto, o que poderia ainda tornar mais reflexivas as nuvens marinhas.

Outra alternativa, considerada extremamente cara e pouco eficiente, envolve pintar de branco todos os telhados das cidades, para refletir uma quantidade maior de energia solar. Uma opção de implementação ainda mais difícil seria cobrir áreas gigantescas dos desertos com milhares de quilômetros quadrados de plásticos. Outra ideia extremamente cara seria o lançamento ao espaço de grandes espelhos que ficariam posicionados estrategicamente na órbita da Terra para defletir uma parte da luz solar de volta ao espaço.

Caminho sem volta. De acordo com Artaxo, todas essas técnicas têm problemas enormes, mas o principal deles é que nenhuma delas poderia ser aplicada temporariamente.

“Toda geoengenharia precisaria ser permanente, porque se a radiação do Sol parasse de ser refletida para o espaço, todo o calor que não havia sido assimilado pelo sistema climático voltaria de uma só vez. Assim, todo o malefício que fosse evitado pela geoengenharia retornaria inteiramente. Se as técnicas fossem implementadas e tivéssemos uma grave crise econômica, ou uma guerra global, por exemplo, estaríamos perdidos.”

Além de Artaxo, assinam o artigo na Nature Atiq Rahman (Bangladesh), Asfawossen Asrat (Etiópia), Andy Parker (Reino Unido), Tara Dasgupta (Jamaica), Arunabha Ghosh (Índia), Aphiya Hathayatham (Tailândia), Rodel Lasco (Filipinas), enehuro Lefale (Nova Zelândia), John Moore (China), Adib Qaiyum Suleri (Paquistão) e Nelson Torto (Quênia).
Revista Isto É

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Empresas gastam bilhões diante da escalada da violência


Na tentativa de se proteger dos crimes, vale contratar escolta armada, investir em tecnologia e até mudar operações de lugar


Apreensão de carga roubada: as empresas perderam 2 bilhões de reais em 2017 com esse tipo de crime (Maíra Coelho / Agência O Dia/EXAME)

Mal havia amanhecido na Granja Mantiqueira, maior produtora de ovos da América do Sul, com sede em Itanhandu, município do sul de Minas Gerais, quando Leandro Pinto, fundador e presidente da empresa, foi acordado com uma péssima notícia. Um comboio de quatro caminhões que transportavam 2 milhões de ovos havia sido interceptado na Rodovia Presidente Dutra, perto do Rio de Janeiro, às 7 horas da manhã por um grupo armado com fuzis. Os caminhões, que abasteceriam quatro redes de supermercados, foram recuperados 5 horas depois, próximos da comunidade conhecida como Gogó da Ema, em Belford Roxo, na região metropolitana do Rio. Toda a carga havia sido roubada, um prejuízo de 600.000 reais. Até hoje, mais de um mês depois, a companhia sofre para normalizar as entregas.

Como o estado do Rio representa metade do faturamento, o jeito foi investir em escolta armada e mudar os horários do transporte. A empresa também instalou uma central para monitorar em tempo real o trajeto dos caminhões. “Não desistimos do Rio, mas está difícil operar no estado”, diz Pinto. Em 2017, a Mantiqueira perdeu 1,3 milhão de reais com o roubo de ovos, um crime antes considerado raro. O número de ocorrências aumentou tanto que a renovação do seguro para a empresa ficou inviável. E recuperar a carga virou uma missão quase impossível.

O relato mostra com clareza como a violência atinge qualquer tipo de negócio. Produtos antes menosprezados por bandidos, como ovos, pães, detergentes e vasos de cerâmica, agora estão na mira do crime. “Tudo que tem liquidez e pode ser revendido facilmente é alvo. Celular virou dinheiro”, diz Sérgio Herz, presidente da Livraria Cultura e conselheiro do Instituto de Desenvolvimento do Varejo. O mercado ilegal de cigarros, por exemplo, já representa 48% do volume total vendido no país. Um estudo publicado no ano passado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que a criminalidade custa, em média, 3% do produto interno bruto da América Latina e do Caribe. No Brasil, as perdas chegam a 103 bilhões de dólares. Quase metade disso é gasta pelo setor privado com segurança, sem contar o valor dos bens roubados e a perda de produtividade das empresas.

Como o estudo se baseia em dados de 2014 e, de lá para cá, a violência piorou visivelmente, é provável que essa conta tenha aumentado de forma significativa. Somando os prejuízos com roubos, furtos e atos de vandalismo aos investimentos em segurança e apólices de seguro, só o setor industrial desembolsou mais de 30 bilhões de reais em 2017, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria, montante que aumentou quase 10% em relação a 2016.


Protestos no Rio de Janeiro: caminhoneiros fazem carreata contra o roubo de carga | Severino Silva/Agência O Dia

Em alguns lugares, porém, a situação tem se mostrado mais grave. O Rio de Janeiro é um dos pontos em que a violência é mais dramática. Só o turismo do estado perdeu 657 milhões de reais de janeiro a agosto de 2017 por causa da criminalidade, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. O valor representou 30% da retração de 2,3 bilhões de reais que as receitas do turismo sofreram no período. Preocupadas com o estouro da violência, algumas empresas decidiram fechar unidades em regiões mais problemáticas, como a Pavuna, bairro da zona norte carioca, onde várias companhias instalaram fábricas e centros de distribuição nos últimos anos para se beneficiarem da localização privilegiada, próxima às principais rodovias.

A farmacêutica Cimed, quarta maior do país em produção, transferiu em abril de 2017 seu centro de distribuição da Pavuna para Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense. Mesmo tendo um custo extra de 200.000 reais com a mudança, a companhia achou que valeu a pena: conseguiu cortar os gastos com escolta armada, que chegavam a 11.000 por mês, evitou mais prejuízos com roubos e deu mais segurança aos funcionários. Segundo dados da consultoria imobiliária SiiLA, quase 30% dos condomínios logísticos no Rio estão vazios, um recorde histórico de desocupação.
Crimes de norte a Sul

Apesar de a situação do Rio parecer a pior, não há região imune ao crime. “No Nordeste e em Minas Gerais é arrombamento de lojas. No Norte, especialmente no Maranhão e no Pará, é roubo à mão armada. No Rio, carga roubada. Em cada lugar do país, há a predominância de um tipo de crime”, diz Rodrigo Nunes, vice-presidente da varejista Ricardo Eletro, que tem 800 lojas em 23 estados e no Distrito Federal. E os criminosos estão ficando mais atrevidos. Em Santo André, na Grande São Paulo, um túnel de 40 metros foi construído para perfurar um duto da Petrobras e furtar combustível.

Segundo a Transpetro, subsidiária da Petrobras para a área de logística e distribuição, o número de furtos e tentativas de furto de combustível no país aumentou 15 vezes de 2015 para cá — só no ano passado foram 226 ocorrências. Para os negócios, a violência se manifesta de diversas formas. O roubo de cargas certamente representa um dos maiores prejuízos. Segundo um cálculo da corretora de seguros e consultoria de risco Lockton, o prejuízo com cargas roubadas alcançou quase 2 bilhões de reais em 2017, valor 86% maior do que o de 2014. Empresas como a fabricante de cigarros Souza Cruz chegam a contabilizar perdas milionárias com roubos de cargas. Só em 2017 foram seis ocorrências por dia (a maior parte no estado de São Paulo), correspondendo a 280 milhões de cigarros perdidos, 72% mais do que em 2014, quando esse tipo de crime começou a crescer. Além de tabaco, bebidas, alimentos, remédios e eletroeletrônicos são outros itens muito visados pelos bandidos.

E não são apenas as emboscadas a caminhões que preocupam as empresas. Os constantes assaltos e roubos em suas lojas de departamentos já levaram o grupo mineiro Zema a fechar duas unidades em cidades pequenas de Goiás, Araguaiana e Abadiânia. “Em cada arrombamento perdemos cerca de 100.000 reais em mercadorias”, diz Juliano Oliveira, diretor comercial do Zema, que também atua na distribuição de combustíveis e já teve bombas de postos roubadas antes mesmo da inauguração do estabelecimento.

No Rio Grande do Sul, outro estado cuja violência aumentou nos últimos anos, a rede de restaurantes Madero teve de contratar uma empresa de segurança privada e outra de atendimento emergencial para enfrentar os frequentes assaltos, já que houve casos em que a polícia demorou 14 horas para responder ao chamado. Cerca de 40% dos funcionários do Madero no estado já foram assaltados na saída do restaurante. “O medo da violência sempre nos obriga a mudar para pior”, diz Luiz Ildefonso Lopes, presidente da incorporadora canadense Brookfield no Brasil. Do total de despesas de seus seis shoppings no país, 23% são para segurança, cinco vezes a proporção de operações semelhantes nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Até os estacionamentos são planejados com mais curvas e cancelas para dificultar a fuga de bandidos, e o Brasil é o único país em que é preciso ter sistemas de reconhecimento facial e manter um banco de dados de frequentadores para identificar assaltantes recorrentes. “O problema é que o custo extra com segurança está matando a margem de lucro das empresas e, quem consegue, repassa para o consumidor”, diz Ana Tozzi, sócia da consultoria de varejo AGR. A distribuidora de energia Light, que opera no Rio de Janeiro, estima que, se não houvesse o furto de eletricidade, a conta de luz seria 17% mais barata. No Rio, os fornecedores de bares e restaurantes já aumentaram 4% os preços, em média — mais uma má notícia para muitos estabelecimentos que já estão encerrando o expediente mais cedo na cidade por causa da violência. “É um cenário em que todos perdem”, diz Sérgio Duarte, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.
Para não ficar à mercê de uma polícia sobrecarregada, desmotivada e mal equipada, as empresas estão investindo do próprio bolso em segurança. Só a indústria desembolsou 11,7 bilhões de reais nisso em 2017. Parte do dinheiro foi para monitorar a frota de transporte: instalar rastreadores nos caminhões, esconder sensores com GPS nas cargas, blindar veículos e até usar drones para localizar cargas. A transportadora paulista Fadel, especializada em alimentos e bebidas, paga 6 milhões de reais por ano para rodar, simultaneamente, cinco plataformas tecnológicas diferentes de rastreamento em seus 400 caminhões. “De cada três concorrentes nossos, dois desistiram de operar nas mesmas rotas por insegurança”, diz Ramon Alcaraz, presidente da Fadel.

A fabricante de biscoitos e massas Piraquê, do grupo cearense M. Dias Branco, dobrou o tamanho da escolta no ano passado, quando anotou praticamente um roubo por semana. Hoje, 30 seguranças particulares acompanham diariamente parte dos 150 caminhões da frota, especialmente no Rio, onde a Piraquê tem duas fábricas e um centro de distribuição. Outra estratégia adotada foi formar comboios de três a cinco caminhões para dificultar os assaltos. Mesmo assim, só neste ano já houve nove ocorrências. “Em nossos 60 anos de operação no Rio, nunca vimos uma situação como essa”, diz Alexandre Colombo, diretor de marketing da Piraquê. Deixar de vender no estado está fora de cogitação, já que 70% da receita sai de lá. Não é para menos que o transporte aéreo tem crescido. A empresa de logística especializada em medicamentos RV Ímola dobrou o volume de medicamentos levados por seus aviões no ano passado. Na transportadora Panalpina, os pedidos de envio por avião de eletroeletrônicos, em especial celulares e tablets, cresceram 25% em 2017.

Com os índices crescentes de violência, o setor de seguros apertou seus critérios. No Rio de Janeiro, as seguradoras aumentaram tanto as exigências para algumas cargas que fazer seguro delas se torna inviável. Além de pedir sistema de rastreamento e escolta, algumas empresas passaram a cobrar a taxa de emergência excepcional, de 10 reais por 100 quilos transportados mais um percentual do valor da carga (de 0,3% a 1%). A taxa foi criada em abril do ano passado para cobrir o aumento dos riscos no Rio de Janeiro. É comum também sugerirem franquias de até metade do valor do bem. “Muitas já nem aceitam mais fazer o seguro”, diz Aparecido Rocha, especialista em seguros internacionais.

A fabricante de itens de higiene e limpeza Bombril teve um aumento de 29% nas despesas com prêmios de seguros neste ano, somando custos extras de 245 milhões de reais. No último ranking do Joint Cargo Committee, comitê inglês formado por especialistas em avaliação de risco, o Brasil aparece como o oitavo país mais violento entre os 57 analisados, depois do México e de locais em guerra e com conflitos civis. A lista é usada por seguradoras para calcular apólices e taxas adicionais de transporte internacional e leva em consideração o risco de guerra, pirataria e roubos em cada país. Na luta contra o crime, as empresas estão usando as armas disponíveis, mas, sozinhas, jamais vencerão essa guerra.
Revista Exame

O lado feioso do paraíso: uma série de irregularidades no Jalapão


O paraíso que é mostrado pela TV Globo esconde uma série de irregularidades: os turistas precisam pagar aos donos das terras onde ficam as atrações
Leo Branco


Dunas do Parque do Jalapão, no Tocantins: 17 anos de espera pela desapropriação (Ana Hochheim/Getty Images)

As belas imagens de cachoeiras e dunas exibidas na novela O Outro Lado do Paraíso, da TV Globo, elevaram a procura pelo Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins, onde se passa parte da trama. Em 2017, a área recebeu 24 000 visitantes, o dobro do registrado em 2016. Mas o paraíso esconde uma série de irregularidades: os turistas precisam pagar aos donos das terras onde ficam as principais atrações.

Esses proprietários deveriam ter saído dali logo após a criação do parque em 2001. Mas, sem dinheiro, o governo tocantinense só começou a desapropriar terras 13 anos depois. Até agora, saíram apenas quatro dos 91 processos. Uma explicação para o atraso é outro nó. Nos 158 000 hectares do parque vivem 200 famílias descendentes de quilombolas. Por lei, elas têm o direito de viver ali, mas ninguém reconheceu esse território como sendo delas. O motivo? Um jogo de empurra entre órgãos públicos.

O governo tocantinense culpa a falta de recursos do Incra, órgão federal para demarcação de quilombolas, cujo orçamento caiu 90% em sete anos. Sem saber onde vive e quem deve ficar no parque — a maioria está em áreas de difícil acesso dentro das fazendas —, não dá para calcular o tamanho das desapropriações nem o valor de indenizações. Já o Incra defende que, pela Constituição, o trabalho de encontrar quilombolas também é dos estados.

O resultado do imbróglio é que os investimentos no Jalapão estão travados. Boa parte das estradas que dão acesso às belezas do parque só recebe veículos com tração nas quatro rodas. Falta uma boa sinalização nas trilhas. E o pior: além do Jalapão, mais de 50% das 312 unidades de conservação brasileiras têm enroscos fundiários, segundo dados do Ministério Público Federal, que mantém uma equipe dedicada ao tema.

Até mesmo em Itatiaia, o parque mais antigo do país, criado na década de 30 na divisa do Rio de Janeiro e com Minas Gerais, 22% dos 28 000 hectares ainda aguardam desapropriação. Na ponta, quem perde é o ecoturismo, um mercado irrisório no Brasil. Na África do Sul, cada um dos 21 parques federais recebe, em média, 300 000 turistas e fatura 8 milhões de dólares por ano. Aqui, os 100 000 visitantes anuais de cada uma das 72 áreas protegidas pela União gastam míseros 220 000 dólares cada um. É o lado ruim de tanta irregularidade.
Revista Exame

Global Terrorism Index de 2017 do IEP


Global Terrorism Index de 2017 do IEP: mortes por terrorismo diminuíram 22% em comparação como o pico de 2014 porque o extremismo islâmico radical está em retirada

LONDRES
Pelo segundo ano consecutivo, o número total de mortes caiu, com uma redução de 13% em comparação com o mesmo período de 2015.
Síria, Paquistão, Afeganistão e Nigéria, quatro dos cinco países mais afetados pelo terrorismo, registraram uma queda de 33% no número de mortes.
A maior redução ocorreu na Nigéria, onde as mortes causadas por terrorismo, atribuídas ao Boko Haram, diminuíram 80% em 2016.
O ISIL desafia a tendência positiva, com 50% mais pessoas mortas pelo grupo do que em 2015, resultando em seu ano mais fatal, com mais de 9.000 mortes, principalmente no Iraque.
Em 2016, os países da OCDE experimentaram o maior número de mortes desde 2001, mas até agora 2017 teve uma redução significativa, em comparação com 2016, com a diminuição da capacidade do ISIL em sua essência.
Os ataques terroristas estão se tornando mais sofisticados e mais provavelmente direcionados a alvos civis na OCDE, tais como ataques usando veículos; mas melhoras nas estratégias de contraterrorismo frustraram mais conspirações em 2016 do que em 2015 e 2014.

Pelo segundo ano consecutivo, as mortes causadas por terrorismo diminuíram, de acordo com o Global Terrorism Index (GTI) de 2017. Houve uma redução de 22%, com o registro de 25.673 mortes, em comparação com o pico de atividades terroristas em 2014, quando morreram 32.500 pessoas.


A tendência declinante destaca uma virada na luta contra o extremismo islâmico radical, com quatro dos cinco países mais afetados pelo terrorismo, Síria, Paquistão, Afeganistão e Nigéria, registrando melhoras. A maior redução aconteceu na Nigéria, onde as mortes atribuídas ao Boko Haram diminuíram 80% em 2106, porque o grupo terrorista sofreu crescentes pressões da Força-Tarefa Conjunta Multinacional (Multinational Joint Task Force).

O Iraque foi o único país dos cinco mais afetados pelo terrorismo a registrar um aumento em mortes, provocadas principalmente pelo ISIL, que aumentou os ataques suicidas e assaltos a civis para compensar perdas territoriais. O total de mortes atribuídas ao ISIL aumentou 50% em 2016, tornando o ano do grupo o mais fatal de todos. A maioria as mortes ocorreram no Iraque, que respondeu por 40% do aumento.

O relatório anual, desenvolvimento pelo Institute for Economics & Peace (IEP) com base no Banco de Dados do Terrorismo Global do Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e Respostas ao Terrorismo (START — National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism) e em outras fontes, fornece as informações mais completas sobre as tendências terroristas globais.

O relatório conclui que, enquanto os números globais de mortes e ataques registraram uma diminuição em 2016, ainda há tendências preocupantes conforme mais países, do que em qualquer outra época nos últimos 17 anos, tiveram pelo menos uma morte causada por terrorismo. No total, 77 países tiveram pelo menos uma morte causada por terrorismo, enquanto em 2016 foram 65 países, resultando na contagem geral do GTI global, registrando o impacto do terrorismo, deteriorando em 4% desde de 2015.

O chairman executivo do IEP, Steve Killelea, disse: “O relatório deste ano marca um momento memorável na luta contra o extremismo islâmico radical. Quatro dos cinco países afetados mais gravemente, Síria, Paquistão, Afeganistão e Nigéria, registraram reduções significativas no número de mortes. Juntos, os grupos Boko Haram, Talibã e Al Qaeda mataram 6.000 pessoas a menos em 2016 do que em 2015. O declínio do Boko Haram na Nigéria está exercendo um efeito propagador positivo, com Camarões, Chade e Níger registrando coletivamente uma queda de 75% nas mortes”.

“Apesar desses ganhos serem encorajadores, ainda existem áreas de preocupação sérias. A futura estabilidade da Síria e do Iraque irão exercer um papel crítico na determinação do impacto do terrorismo os próximos anos. No Iraque, o governo enfrentará dificuldades para manter uma paz duradoura, através de uma sociedade inclusiva que evite alimentar a violência sectária. A ameaça crescente do ISIL também permanece. Embora o grupo tenha sofrido reveses significativos com a perda de território, força militar e financiamentos, o potencial de combatentes endurecidos saírem para se juntar a novos grupos em outras áreas de conflito no mundo é muito real. Os países da OCDE enfrentam esse desafio, conforme combatentes estrangeiros retornam da Síria e do Iraque, com os ataques promovidos pelo ISIL aumentando de 11 países em 2015 para 15 países em 2016”.

Os países europeus e outras nações desenvolvidas continuam a registrar uma tendência negativa, com as atividades do ISIL sendo as principais acionadoras. Excluindo os ataques de 11 de setembro, 2016 foi o ano mais fatal do terrorismo em países da OCDE[1] desde 1988. Entretanto, a resposta militar ao ISIL e sua capacidade decrescente têm coincidido com uma redução significativa em mortes, de 265 para 82, no primeiro semestre de 2017, em comparação com todo o ano de 2016. Isso indica uma tendência futura potencialmente positiva.

Aperfeiçoamentos das estratégias de contraterrorismo frustraram mais ataques do que nos anos anteriores. Isso reflete, em parte, a maior alocação de recursos para as atividades de contraterrorismo e também a estratégias mais eficazes. Dois de 10 ataques foram impedidos em 2014 e 2015, enquanto três em 10 ataques foram frustrados em 2016. O tipo de ataque afeta a probabilidade de sucesso da prevenção. Quase metade de todos os ataques com bombas ou explosões foram frustrados. Porém ataques de baixo custo, de baixa tecnologia, tais como usando veículos, são mais difíceis de prevenir. Desde o ataque com um caminhão em Nice, em julho de 2016, pelo menos 13 outros ataques com veículos foram realizados nos países da OCDE, incluindo o ataque de 31 de outubro de 2017 em Manhattan. Desses ataques, 11 visaram explicitamente civis, com pelo menos seis visando grandes grupos de pessoas.

Uma conclusão essencial da pesquisa é a de que 99% das mortes causadas por terrorismo nos últimos 17 anos ocorreram em países que estão em conflito ou que têm um alto nível de terrorismo político. Terrorismo político significa a presença de execuções extrajudiciais, tortura e encarceramento sem julgamento. Essa descoberta demonstra os riscos associados às estratégias de contraterrorismo, que podem exacerbar injustiças que podem alimentar o extremismo e o terrorismo. A Turquia e o Egito registraram alguns dos maiores aumentos em mortes, após golpes que derrubaram governos.

Os ataques terroristas e as mortes ainda estão altamente concentrados, com 94% de todas as mortes causadas por terrorismo ocorrendo no Oriente Médio, no Norte da África, na África Subsaariana e no Sul da Ásia. A América Central e o Caribe foram as regiões menos afetadas, com apenas 12 mortes — ou menos de 4% do total.

O impacto econômico global do terrorismo em 2016 foi de US$ 84 bilhões, uma redução de quase US$ 6 milhões em relação a 2015. Apesar da alta cifra absoluta, o impacto do terrorismo é pequeno, se comparado com outras formas significativas de violência. O impacto econômico do terrorismo representa apenas 1% do total do impacto econômico global da violência, que atingiu US$ 14,3 trilhões em 2016.

1. A análise da OCDE exclui a Turquia e Israel porque a ameaça terrorista nesses países tem origens históricas com raízes profundas

O relatório completo do GTI 2017 e mapa interativo estão disponíveis em http://www.visionofhumanity.org/

Siga: @GlobPeaceIndex #TerrorismIndex



FONTE Institute for Economics and Peace
Revista Exame

domingo, 1 de abril de 2018

O Brasil não começa nem termina no Oiapoque


BRUNO HOFFMANN

É preciso ser forte para receber a notícia: o Brasil não vai mais do Oiapoque ao Chuí. E já faz tempo. Em 1931, uma expedição demarcadora de fronteiras concluiu que o ponto mais ao norte do nosso território é o Monte Caburaí, em Roraima. No entanto, demorou mais de 70 anos para que o Ministério da Educação corrigisse os livros escolares. E só após um longo processo iniciado com a criação do município de Uiramutã, em 1996.

Foi este o marco para a movimentação que levou uma expedição ao Monte em 1998, chefiada pelo jornalista e secretário de turismo da cidade, Platão Arantes, que confirmou: são 84,5 quilômetros mais à frente que a antiga referência, o Cabo Orange, no Oiapoque, Amapá. Somente quatro anos depois os livros de geografia passaram a informar: o Brasil vai do Caburaí ao Chuí, no Rio Grande do Sul.Representação dos 84,5 km da discórdia

Apesar de sonora, a nova expressão levanta a dúvida: por que os amapaenses continuam a informar que o marco zero tupiniquim está por lá? Pedro Costa, co-autor do livro Amapá – A terra onde o Brasil começa (também assinado pelo senador José Sarney), explica. “Ao longo da história, se considera que um país começa e acaba nos seus limites marítimos. Assim, são informações distintas o extremo geográfico do País e o lugar onde ele começa”. E para não restar dúvidas, afirma: “O presidente Sarney e eu tínhamos conhecimento de que o Oiapoque não é o limite Norte do Brasil. Isto não quer dizer que não seja a terra onde o Brasil começa”.

Da Redação do Almanaque Brasil

Josué de Castro: Patrono de um mundo sem fome



“Ele era a pessoa mais brilhante que já conheci”, dizia o antropólogo Darcy Ribeiro. O médico, professor e escritor pernambucano dedicou a vida a revelar e desmistificar a questão da fome, “assunto tabu coberto por mentiras”. Autoridade internacional no tema, colecionou admiradores como Darcy, Betinho, Câmara Cascudo e Jorge Amado.

O rapaz virou médico de uma grande fábrica no Recife, onde pairava um mistério: os funcionários adoeciam e ficavam impossibilitados de trabalhar, mas não se diagnosticava neles nenhuma doença conhecida. Depois de um tempo, o novo doutor desvendou a situação: “Sei o que meus clientes têm. Mas não posso curá-los porque sou médico e não diretor daqui. A doença dessa gente é fome”.

O episódio, no começo dos anos 1930, mudou para sempre a vida do jovem que gostava de poesia, lia Freud e pensava em ser psiquiatra. “Há dois caminhos diante de nós: o caminho do pão e o caminho da bomba atômica. É preciso escolher sem vacilação.” Não havia demagogia alguma na fala de Josué de Castro quando completava: “Eu simbolizo pelo caminho do pão”.

Talvez esta simples frase possa resumir a vida do médico pernambucano, que se especializou em nutrição quando o tema não era nem especialidade, e dedicou todos seus estudos e ações ao problema da fome – mesmo pagando um preço alto por isso.

Não à toa Josué era admirado por uma lista enorme de grandes brasileiros, como Câmara Cascudo, Betinho, Darcy Ribeiro, Jorge Amado, Milton Santos. Duas vezes indicado ao Prêmio Nobel, foi o primeiro a defender a ideia de que o problema alimentar não se deve à existência de muita gente e pouca comida, mas sim à má distribuição dos alimentos. Elementar? Pois havia três séculos que o mundo pensava o contrário.

Sorbonne no mangue
Darcy Ribeiro costumava dizer que Josué era a pessoa “mais brilhante” que conheceu, de “talento ofuscante”. E fazia o adendo: “E era brilhante em todas as línguas: em português, espanhol, inglês, francês…”. Sensibilidade e inteligência acima da média o levaram a perceber o problema da fome, denunciá-lo, propor soluções e convencer com eloquência que agir se fazia urgente. Tudo isso sem nunca ter passado fome na vida.

Nasceu no Recife em 5 de setembro de 1908, filho único de um vendedor de gado e leite e uma professora. O menino morava em uma velha casa colonial à beira do rio, bem próxima às palafitas que pareciam boiar no mangue. Anos depois, escreveria seu único livro de ficção inspirado na vida de uma daquelas famílias que viviam como os caranguejos, imagem que lembrava bem: “Não foi na Sorbonne nem em qualquer outra universidade sábia que travei conhecimento com o fenômeno da fome. O fenômeno se revelou espontaneamente a meus olhos nos mangues do Capibaribe. Esta é que foi a minha Sorbonne: a lama dos mangues do Recife”.

Josué estudou em boas escolas da cidade, foi a Salvador para cursar a tradicional Faculdade de Medicina da Bahia e completou a formação no Rio de Janeiro, aos 20 anos. Depois voltou ao Recife, onde se casou e teve três filhos.

Geografia da fome
Ô Josué, nunca vi tamanha desgraça / Quanto mais miséria tem mais urubu ameaça, cantava o também pernambucano Chico Science em Da Lama Ao Caos, em 1992. Décadas após Josué ter comparado os caranguejos com os homens do mangue, em Homens e Caranguejos, influenciou o mais importante movimento da música brasileira depois da Tropicália. O Mangue Beat de Chico Science e companhia tinha como símbolo um “caranguejo com cérebro”. E, como patrono, Josué de Castro.

Mas Josué ia além da lama e de sua cidade: “Não era só do Recife, nem só do Brasil, nem só do continente. A fome era um problema mundial, um drama universal”. Entre os 29 livros traduzidos para 25 idiomas, o que mais sintetiza suas ideias é Geografia da Fome, de 1946. “O livro nos deu a impressão de que o Brasil acordara de uma grande ilusão”, declarou o historiador Barbosa Lima Sobrinho. Nas palavras do folclorista Câmara Cascudo, Josué “enfrentou justamente esse assunto tabu, difícil, negaceado, escondido nos relatórios e coberto com os retalhos de sinônimos bonitos como mentiras”.

A partir daí, o tabu passa a ser combatido. Josué lutou pelo salário mínimo, conquistado no governo de Getúlio Vargas, e depois pelos restaurantes populares. Trabalhou em muitas políticas públicas de educação alimentar. Fundou e participou de diversas entidades, como a Sociedade Brasileira de Nutrição e a Associação Mundial de Luta contra a Fome. Além de lecionar Fisiologia e Geografia Humana – sendo nomeado Professor Honoris Causa em diversas universidades –, foi também duas vezes deputado por Pernambuco.

Morre-se também de saudade
É de se imaginar o que aconteceu na ocasião do golpe militar com quem dizia que “metade da população brasileira não dorme porque tem fome e a outra metade não dorme porque tem medo de quem tem fome”. Josué era embaixador do Brasil na ONU quando teve os direitos políticos cassados, em 1964. Viveu exilado na França, exercendo atividades em diversos países.

Um amigo que o encontrou em Paris anotou no diário: “Vinha vindo pela calçada fronteira, como se não soubesse em que se ocupar na tarde cinzenta, longe de sua pátria, longe de seus livros, longe de seus amigos. Para mim, que o conhecera extrovertido e fluente, sua figura alta e triste impressionou”. Ansioso pela Anistia, morreu aos 65 anos, em 24 de setembro de 1973, sem retornar à pátria da qual foi um dos maiores pensadores. Havia afirmado, pouco antes: “Não se morre apenas de enfarte, ou de glomeronefrite crônica. Morre-se também de saudade”.

Da Redação do Almanaque Brasil

Geografia e a Arte

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