segunda-feira, 2 de abril de 2018

O lado feioso do paraíso: uma série de irregularidades no Jalapão


O paraíso que é mostrado pela TV Globo esconde uma série de irregularidades: os turistas precisam pagar aos donos das terras onde ficam as atrações
Leo Branco


Dunas do Parque do Jalapão, no Tocantins: 17 anos de espera pela desapropriação (Ana Hochheim/Getty Images)

As belas imagens de cachoeiras e dunas exibidas na novela O Outro Lado do Paraíso, da TV Globo, elevaram a procura pelo Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins, onde se passa parte da trama. Em 2017, a área recebeu 24 000 visitantes, o dobro do registrado em 2016. Mas o paraíso esconde uma série de irregularidades: os turistas precisam pagar aos donos das terras onde ficam as principais atrações.

Esses proprietários deveriam ter saído dali logo após a criação do parque em 2001. Mas, sem dinheiro, o governo tocantinense só começou a desapropriar terras 13 anos depois. Até agora, saíram apenas quatro dos 91 processos. Uma explicação para o atraso é outro nó. Nos 158 000 hectares do parque vivem 200 famílias descendentes de quilombolas. Por lei, elas têm o direito de viver ali, mas ninguém reconheceu esse território como sendo delas. O motivo? Um jogo de empurra entre órgãos públicos.

O governo tocantinense culpa a falta de recursos do Incra, órgão federal para demarcação de quilombolas, cujo orçamento caiu 90% em sete anos. Sem saber onde vive e quem deve ficar no parque — a maioria está em áreas de difícil acesso dentro das fazendas —, não dá para calcular o tamanho das desapropriações nem o valor de indenizações. Já o Incra defende que, pela Constituição, o trabalho de encontrar quilombolas também é dos estados.

O resultado do imbróglio é que os investimentos no Jalapão estão travados. Boa parte das estradas que dão acesso às belezas do parque só recebe veículos com tração nas quatro rodas. Falta uma boa sinalização nas trilhas. E o pior: além do Jalapão, mais de 50% das 312 unidades de conservação brasileiras têm enroscos fundiários, segundo dados do Ministério Público Federal, que mantém uma equipe dedicada ao tema.

Até mesmo em Itatiaia, o parque mais antigo do país, criado na década de 30 na divisa do Rio de Janeiro e com Minas Gerais, 22% dos 28 000 hectares ainda aguardam desapropriação. Na ponta, quem perde é o ecoturismo, um mercado irrisório no Brasil. Na África do Sul, cada um dos 21 parques federais recebe, em média, 300 000 turistas e fatura 8 milhões de dólares por ano. Aqui, os 100 000 visitantes anuais de cada uma das 72 áreas protegidas pela União gastam míseros 220 000 dólares cada um. É o lado ruim de tanta irregularidade.
Revista Exame

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