quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O lugar da China no comércio exterior brasileiro


O lugar da China no comércio exterior brasileiro
por Diego Pautasso
19/01/2010
A China tornou-se o maior parceiro comercial brasileiro em 2009, superando os EUA depois de décadas. No entanto, as relações entre Brasil e China indicam mais do que a alteração na hierarquia dos parceiros comerciais brasileiros, mas uma mudança tanto das nossas relações exteriores quanto da própria correlação de forças no sistema internacional. O objetivo do presente artigo de conjuntura é, pois, tentar captar o lugar da China no comércio exterior brasileiro em face das transformações sistêmicas que se aprofundam desde o fim da Guerra Fria.

A mudança das relações exteriores do Brasil tem coincidido com grandes transformações da política e dos negócios internacionais. Durante o século XIX, a Grã-Bretanha tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, em substituição a Portugal; e, durante o século XX, os EUA tomaram o lugar da Grã-Bretanha nos negócios com nosso país. Em outras palavras, a ascensão dos pólos hegemônicos do sistema mundial e as reestruturações do capitalismo têm tido repercussão direta sobre a inserção internacional do Brasil. Dessa forma, a virada do século XX-XXI marca a mudança de lugar da China nas relações exteriores brasileiras, indicando transformações que representam desafios e oportunidades de longa duração para o comércio exterior e a diplomacia do Brasil, justamente num quadro de transição sistêmica.

Em 2009, a China tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil, com um fluxo de comércio de 36,1 bilhões de dólares. Isto contribuiu para o país oriental torna-se o principal destino das exportações brasileiras, totalizando um valor de 20,1 bilhões de dólares ou mais de 13,1% do total exportado, enquanto o Brasil é destino de apenas 1,3% das exportações chinesas. E, se considerarmos Taiwan, Hong Kong e Macau, estes últimos que foram integrados real e formalmente à China, em 1997 e 1999 respectivamente, nas estatísticas oficiais do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a importância chinesa tem um acréscimo de quase 6 bilhões de dólares na corrente comercial brasileira.

Em razão da crise financeira, os EUA tornaram-se o segundo maior parceiro brasileiro, com 35,9 bilhões de dólares de fluxo comercial em 2009, bem abaixo dos 53,4 bilhões de 2008, em parte devido ao recuo de 42,4% de nossas exportações para o mercado norte-americano. Na verdade, devido à crise, o comércio internacional foi afetado e o brasileiro recuou 22% em relação a 2008, segundo o MDIC, constituindo-se na maior retração desde o início da série histórica em1950. Dessa forma, a crise contribuiu para acelerar a tendência de superação dos EUA pela China como maior parceiro do Brasil.

Neste ano de crise (2009), a Ásia foi o único continente que apresentou crescimento das exportações brasileiras, com aumento de 5,9%. Para a China, as exportações cresceram 23,1%, fazendo o país asiático subir na hierarquia dos parceiros do Brasil e assumir a liderança. Para outras regiões, a queda das exportações brasileiras foi expressiva, pois além da já citada retração de 42,4% dos EUA, a Europa Oriental recuou 38,6% e o Mercosul, 29,9% (com destaque para o recuo de 30,9% da Argentina).

O lugar da China no comércio exterior brasileiro reflete, portanto, um processo mais amplo de diversificação dos negócios realizados pelo Brasil, bem como de mudança da geografia econômica mundial. No âmbito do comércio exterior brasileiro, as iniciativas do Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, intensificaram as relações exteriores do país com países periféricos desde o início do governo Lula, em 2003. Os países periféricos, excluindo a OCDE, passaram de 40% em 2003 para quase 54% do comércio exterior do Brasil neste ano (2009).

No âmbito das transformações sistêmicas, o lugar da China nos negócios com o Brasil reflete o processo de multipolarização em curso, com destaque para a ascensão estrutural da economia chinesa e da Ásia Oriental no comércio internacional. O comércio exterior chinês passou de 38 bilhões de dólares em 1980 para 2,5 trilhões em 2008, com um crescimento de mais de 67 vezes em menos de três décadas. A participação chinesa no comércio internacional saltou de 1,02% em 1980 para 6,9% em 2008. A China que ocupava apenas a 16ª colocação em 1997, com exportações de 24,5 bilhões de dólares, tornou-se o maior exportador mundial em 2009, com um total de 1,2 trilhões de dólares, 16% menos do que 2008 (PAUTASSO, 2009). A crise fez o comércio chinês recuar 13,9% na comparação com o ano anterior, atingindo 2,21 trilhões de dólares, com superávit comercial chinês de 196,1 bilhão de dólares, 34,2% menor que 2008, conforme informou a agência Xinhua.

No caso das relações com o Brasil, a China partiu de um comércio de 19,4 milhões de dólares em 1974, ano do reatamento das relações diplomáticas, para 1,2 bilhões duas décadas depois (1994), chegando a 36,1 bilhões em 2009. A tendência de aumento da participação chinesa no comércio exterior do Brasil, tornou-se ainda mais evidente em 2002, quando a China suplantou o Japão como principal destino das exportações brasileiras na Ásia. De uma forma geral, o Brasil tem tido superávits no comércio bilateral, exceção ao período de 1996 a 2000, em que acumulamos déficit de cerca de 551 milhões, somente com a China. Somente em 2009, o superávit brasileiro foi de 4,1 bilhões de dólares com o país oriental.

Com efeito, a crescente importância da China no comércio exterior do Brasil, sugere um conjunto de desafios e oportunidades. Os desafios do Brasil ligam-se à primarização das exportações brasileiras e a falta de preparação para lidar com um novo parceiro como a China, tanto do ponto de vista da formulação de políticas industriais, comerciais e tecnológicas (ICT), quanto do amadurecimento das estratégias de negociação com os chineses.

O risco da especialização produtiva em commodities reflete-se na pauta de exportação do Brasil para a China. Cerca de 70% das exportações brasileiras são formadas de minério de ferro (31,4%), soja (31,4%), petróleo (6,6%), sendo que os outros produtos são essencialmente primários ou semimanufaturados. Como a China cresceu sua participação nas exportações brasileiras e estas estão centradas em commodities, consequentemente a pauta de exportação brasileira foi primarizada. Isto é, as exportações de produtos manufaturados recuaram mais (-27,3%) do que os semimanufaturados (-23,4%) e básicos (-14,1%) em relação a 2008, segundo o MDIC. Já a China, que exportava essencialmente petróleo (97%) para o Brasil entre 1980 e 1984, agora tem uma pauta de exportação centrada em manufaturados, sobretudo, componentes e aparelhos eletrônicos e máquinas, com uma diversificação muito grande de itens (BECARD, 2008).

Nota-se que China e Brasil adotaram opções diversas de inserção internacional no Pós-Guerra Fria. As políticas de ICT no Brasil foram precárias durante o ciclo de liberalização da década de 1990. A abertura comercial sem contrapartidas e planejamento (ou seja, com reforço do protecionismo e apoio às indústrias nacionais nos países centrais), elevação de juros e carga tributária, valorização cambial, restrição do crédito e baixos investimentos em logística reduziram a competitividade do Brasil, dificultando as exportações e favorecendo as importações. O resultando foi uma combinação oposta à opção chinesa de inserção internacional: o fechamento dos mercados externos e a abertura do mercado doméstico. Assim, houve uma quase-estagnação do comércio exterior do Brasil, que passou de 96,4 para apenas 107,6 bilhões de dólares entre 1995 e 2002, sendo que o déficit acumulado foi de cerca de 24,5 bilhões no período da paridade cambial (1995-2000).

Durante o governo Lula, a combinação de ações governamentais com a mudança de conjuntura internacional acabou por favorecer o comércio exterior brasileiro. Ou seja, o governo direcionou o Itamaraty para a busca de novos mercados, atuando em parceria com comitivas de empresários; fortaleceu os quadros técnicos e a dotação orçamentária da APEX; e ampliou o crédito para as exportações através de órgãos como o BNDES. Além disso, capacidade de resposta das empresas brasileiras ao aumento na demanda mundial (PUGA, 2006), combinou-se com a conjuntura internacional de valorização das commodities, como ferro, soja e petróleo, por exemplo, favorecendo a balança comercial. Com isso, o comércio cresceu de 121,5 bilhões de dólares em 2003 para 370,9 em 2008, antes da crise.

Como a China é um parceiro estratégico do Brasil (OLIVEIRA, 2004), as relações bilaterais representam novos desafios nos negócios internacionais do país. Por um lado, os desafios do Brasil nas relações com a China persistem, pois referem-se tanto à adversa política cambial brasileira e ao desvio de comércio com vizinhos (como Argentina), até a falta de preparo da elite brasileira, governamental, intelectual e empresarial, para lidar com esta nova realidade econômica, política e cultural. Por outro lado, abrem-se oportunidades para o Brasil aprofundar sua condição de global player, desbravando o mercado chinês, criando oportunidades de cooperação técnica (como o satélite sino-brasileiro CBERS – Chinese-Brazilian Earth Resources) e diplomática.

O lugar da China no comércio exterior brasileiro reflete, pois, um conjunto de processos de longa duração, representando mais do que uma questão conjuntural ou bilateral. Primeiro, a emergência da China como principal parceiro comercial do país para as próximas décadas, representando desafios e oportunidades inéditos. Segundo, o aprofundamento da diversificação dos negócios internacionais brasileiros, com destaque para a ampliação do peso dos países periféricos. Terceiro, a evolução do processo de multipolarização, cuja emergência dos grandes países da periferia (Brasil, China, Índia) são as principais expressões. Quarto, o fortalecimento de relações Sul-Sul, tornando mais complexo os negócios e as relações internacionais. Quinto, as conseqüentes aproximações sino-brasileiras no campo diplomático, como atestam a criação do Fórum de Cooperação Ásia do Leste-América Latina/FOCALAL (2001), do G20 voltado à OMC (2003) e do grupo BRIC (2009), por exemplo. Em suma, é preciso buscar captar a complexidade das relações sino-brasileiras no século XXI.


Referências bibliográficas
BECARD, Danielly. O Brasil e a República Popular da China. Brasília: FUNAG, 2008.
MDIC. Balança comercial brasileira – países e blocos. Disponível em: [http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=2033&refr=576]. Acesso em: 17/01/2010.
OLIVEIRA, Henrique. Brasil-China: trinta anos de uma parceria estratégica. In: Revista Brasileira de Política Internacional. 47 (1), 2004, pp. 7-30.
PAUTASSO, Diego. O comércio exterior na universalização da Política Exterior da Chinesa no século XXI. In: Meridiano 47 – Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais. Brasília-IBRI v. 113, p. 14-16, 2009.
PUGA, Fernando. Por que crescem as exportações brasileiras? In: TORRES FILHO, Ernani (Org.). Visões do desenvolvimento. Rio de Janeiro, BNDES, 2006.

Diego Pautasso é Mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é pesquisador do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT-UFRGS) e professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM (dpautasso@espm.br).

Meridiano 47

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