sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Dicas de Leituras...

Caravana rumo ao reino dos mortos

A manhã está gelada em uma das regiões mais inóspitas do planeta: o deserto de Taklamakan, no noroeste da China. Daqui a pouco os camelos serão carregados e a expedição prosseguirá em busca de uma necrópole milenar. Na bagagem, os expedicionários levam a esperança de, por uma vez, serem mais rápidos do que os saqueadores de túmulos 
Fred Langer (TEXTO) e Urs Möckli (Diário e FOTOS)



Os pesquisadores exploram uma região que provavelmente nunca foi visitada antes por um arqueólogo. Eles se orientam por satélites e se locomovem como há 100 anos: a pé, com camelos de carga. Essa provavelmente é uma das maiores caravanas a atravessar o deserto de Taklamakan, desde a época dos primeiros exploradores europeus



No passado, verdejantes planícies fluviais cobriam a paisagem hoje coberta pelo mar de areia


O legado em madeira, de um glorioso passado na bacia do Tarim, só sobreviveu graças à extrema secura ambiental


As pessoas que sepultavam seus parentes no cemitério Ayala Mazar usavam remos como estelas funerárias – talvez para uma possível última viagem de barco até a outra margem? Alguns túmulos continham bonecos de madeira, como esses no centro da imagem. Seriam representantes de pessoas desaparecidas? Para esta foto, o fotógrafo colocou de pé os objetos descuidadamente descartados pelos ladrões de túmulos


Esta é a história de uma expedição que se transformou em uma corrida contra ladrões de túmulos
Também é a história de um explorador apaixonado, que procura uma necrópole perdida nas areias do deserto, e de um fotógrafo que documenta a aventura – e se torna testemunha de uma destruição cultural de enormes proporções.

23 de OUTUBRO de 2009. Partimos ao amanhecer em nosso veículo 4x4 e pegamos a nova rodovia do Deserto, que liga Hotan a Aksu. No quilômetro 206 encontramos a caravana e o resto do grupo. Nos meus ouvidos ainda ressoa o barulhento trânsito de Ürümqi; no entanto, já estou no meio do deserto de Taklamakan. O vento varre o mar de areia levantando redemoinhos delicados como véus. Isolados choupos-tremedores (Populus tremula) refletem a luz dourada do pôr do sol. No primeiro acampamento reina um caos de barris d’água, sacos de alimentos, uma parafernália de todos os tipos de equipamentos. É um corre- corre generalizado. “Onde estão os cabos?”, grita um; “Onde estão os legumes?”, grita outro. O fogareiro está aceso e os motores dos geradores roncam. Os uigures levaram seus camelos até o rio, a 10 km de distância, para que os animais possam beber água à vontade. Daqui em diante, eles – e especialmente nós – enfrentaremos marchas exaustivas e desgastantes através da areia fofa e profunda.

Este é o início do diário de expedição de Urs Möckli. O fotógrafo suíço acompanhou a viagem de 44 dias através de uma das regiões mais inóspitas da Terra. Möckli, de 54 anos, está habituado a situações extremas. Ele conhece os desertos do mundo: antes de se tornar fotógrafo, trabalhou para empresas petrolíferas e viveu durante meses com os beduínos. Além disso, já esteve duas vezes no Taklamakan, esse remoto mar de areia no extremo noroeste da China. Com seus 338.000 km2, ele é o segundo maior deserto de areias movediças (varridas pelos ventos) e dunas gigantescas do mundo, logo após o Rub al-Khali, no sul da Península Arábica.


Membros da expedição escavam um bebedouro: os cursos de rios secos escondem água subterrânea – é preciso apenas saber interpretar os sinais do deserto


26 de OUTUBRO. Levantei quando ainda estava escuro para sair na frente dos outros. Às vezes é o líder da expedição Christoph Baumer, às vezes sou eu quem vai deixando seus rastros na areia logo ao amanhecer. Daqui a umas duas horas, a caravana com seus camelos me seguirá. Nesse trajeto, Baumer e Jean-Daniel Carrard, o terceiro suíço da equipe, sempre desvia um pouco para a direita e a esquerda da rota, para lançar um olhar investigativo sobre a vasta paisagem deserta. Se tudo correr bem, eles me alcançarão à tarde. Nessa região, as dunas têm cerca de 20 m de altura (mais tarde elas chegarão a 60 m); o sobe e desce é suave, mas sempre seguimos pelas cristas mais firmes. A partir das 17 h começo a procurar um lugar ideal para acampar. Escurece tarde. Aqui, a 2.500 km de distância da capital chinesa, ainda vale o fuso horário de Beijing. Encontro uma depressão no terreno com suficiente madeira morta para fazer uma fogueira, e tamargueiras (Tamarix africana) para alimentar os camelos. Aos poucos, os outros vão despontando em meio à areia.

“Os outros” são os dez acompanhantes uigures, um intérprete e um cozinheiro; Urs Möckli e Jean-Daniel Carrard, um apaixonado explorador de desertos e diretor de uma empresa de instrumentos científicos microeletrônicos, além de Christoph Baumer, pesquisador cultural e chefe da expedição.

Aos 57 anos, Baumer sucumbiu ao fascínio do Taklamakan e aos seus enigmas arqueológicos. Esta é sua quinta expedição à região – e mais uma vez ele investiu muito dinheiro privado nessa viagem. Dessa vez ele quer arriscar a travessia com camelos.

A utilização desses animais tem uma razão prática: eles se locomovem em terrenos onde nenhum veículo tracionado consegue avançar– por exemplo, na transposição das elevadíssimas dunas. A perda de um camelo não é trágica, mas a falta de um veículo poderia colocar em risco todo o empreendimento. Em uma caravana as cargas são distribuídas nos lombos de muitos animais e, por mais inóspita e remota que seja a região, sempre é possível encontrar água potável para os camelos – mesmo que subterrânea. “Basta cavar no lugar certo e, a poucos metros de profundidade, já se encontra água”, explica Baumer. A razão para isso é surpreendente: no passado, essa paisagem era toda entrecortada por rios caudalosos e esses cursos subterrâneos são o que restou deles.

A caravana também é uma reminiscência histórico- cultural. Christoph Baumer nutre uma admiração especial por sir Marc Aurel Stein, o arqueólogo que, no início do século 20, investigou as culturas ao longo da Rota da Seda para o Museu Britânico e realizou suas viagens com caravanas de camelos. Baumer já publicou vários livros e é considerado um especialista em civilizações antigas da Ásia Central. Nessa expedição (ele já escreveu para GEO sobre outra, empreendida em 2007/2008) ele quer explorar um território ainda desconhecido e retroceder alguns milênios na história. Sua intenção é afastar-se da Rota da Seda, que se estende em duas vias pelas margens norte e sul do Taklamakan e viveu seu apogeu no século 13, quando supostamente conduziu Marco Polo até a corte de Kublai Khan. Baumer quer encontrar ruínas de assentamentos humanos de 2.500 anos no meio do deserto e prosseguir rumo às relíquias da Idade do Bronze, escondidas nas profundezas inexploradas desse imenso mar de areia.

Ele quer visitar os resquícios de uma misteriosa cultura de nômades camponeses que floresceu há quase 4.000 anos aqui, onde hoje existe apenas um deserto ermo e empoeirado, e da qual até agora só foi descoberto um sítio arqueológico significativo: Xiaohe, 600 km mais a leste, nas proximidades do salar de Lop Nor.


O fato de os camelos saberem poupar suas energias e suportarem o procedimento diário de carga e descarga é vital para a expedição. Os animais carregam, entre outros itens, 50 kg de água e mantimentos que são preparados por cozinheiros uigures


28 de OUTUBRO. Chegamos ao primeiro destino. Montamos nosso acampamento de base durante alguns dias perto de Jumbulakum para explorar os arredores dessa cidade antiga. Ontem mesmo Christoph já encontrou cacos de terracota, alguns artefatos de ferro, resíduos de lenha queimada e carvão – indícios promissores. Agora estamos no delta interior do rio Keriya, que no passado fluía da direção sul e se espalhava pela paisagem, mas hoje recuou 60 km. A área está cheia de detritos de madeira morta – evidência

Por volta de 500 a.C., no apogeu da Atenas helenística, Jumbulakum era uma próspera cidade fortificada, cercada por uma muralha de quatro metros de altura em forma de anel. Sua descoberta por uma expedição sino-francesa, em 1994, foi considerada sensacional porque ninguém acreditava na existência de sítios antigos no interior do deserto.

De um lado, as areias do deserto de Taklamakan preservaram extraordinariamente bem seus tesouros devido à baixíssima umidade do ar e da alta salinidade do solo arenoso, mas as tempestades de areia lixaram e erodiram tudo o que desponta das dunas. Quando a expedição chega a Jumbulakum, Möckli fica decepcionado com o que vê.


29 de OUTUBRO. O local está muito deteriorado. Como é que alguém pode se empolgar com esse monte de areia, quase indistinguível do próprio deserto? O vento erodiu as muralhas de Jumbulakum, transformando-as em pó. Fotografar de modo razoavelmente decente os restos dessa instalação será um desafio!

A manhã está nublada e um vento frio sopra do leste – isso não é um bom sinal. Em pouco tempo somos envoltos por uma poeira finíssima. Uma tempestade de areia. Nessas condições, é impossível fotografar. O panorama está ficando cada vez pior e não se vê mais nada. Voltamos às pressas ao acampamento. Ele está a apenas 600 m de distância, mas sem um GPS poderíamos perdê-lo de vista nessa tempestade que nos deixa praticamente cegos. Às vezes acho chocante como somos dependentes desse pequeno aparelho.E se os satélites, a partir dos quais ele calcula a nossa posição, fossem subitamente desligados?
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