Um assunto que lhe diz respeito
No Ano Internacional da Biodiversidade os pesquisadores se mobilizam na busca de soluções para a preservação das espécies – uma questão cuja importância vem sendo reconhecida cada vez mais. A diversidade biológica é crucial para a qualidade de vida da humanidade e, além de tudo, tem um enorme valor monetário
Texto: Natália Martino e Roberto Amado
Este é um assunto de seu completo interesse. Talvez a palavra “biodiversidade” soe um tanto distante para aqueles que estão mergulhados nos desafios diários da vida moderna. Diversidade biológica, ou o grande número de espécies que existem em áreas específicas, pode parecer, para alguns, um detalhe de pouca repercussão nas questões mais fundamentais da nossa vida, como, por exemplo, a economia, a saúde ou as soluções sociais.
Mas não é. Cada vez mais, pesquisadores e entidades voltadas para o estudo da nossa diversidade biológica encontram relações diretas entre a quantidade de espécies vegetais e animais e o dia a dia dos seres humanos. No Ano Internacional da Biodiversidade, essa questão – a biodiversidade em nossa vida – tem sido abordada de maneira prática e objetiva. Para ser mais exato, tem sido contabilizada em valores financeiros – até como forma de sensibilizar a sociedade para a preservação das espécies do planeta.
Segundo o documento A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, produzido pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (Pnuma), os desmatamentos na Amazônia, por exemplo, são responsáveis por um prejuízo de até US$ 44 trilhões ao ano. Esse valor é atribuído aos “serviços” ambientais que a floresta fornece – como a purificação do ar e da água, o fornecimento de água doce e de madeira, a regulação climática, a proteção a desastres naturais, o controle da erosão e até a recreação. De acordo com a ONU, mais de 60% desses serviços estão sendo consumidos mais depressa do que podem ser recuperados. Embutida nessa conta está a diminuição da biodiversidade e, em outras palavras, a extinção de espécies. Seguindo esse raciocínio, o próprio Pnuma criou parcerias com 200 instituições financeiras, como bancos, seguradoras e fundos de pensão, para entender os impactos dos aspectos ambientais e sociais no desempenho financeiro – uma iniciativa batizada de Pnuma FI (Iniciativa Financeira).
O valor da biodiversidade, porém, não é contabilizado apenas pelos seus serviços. Há ainda uma enorme gama de produtos gerados pela diversidade biológica que também oferecem valores inestimáveis à espécie humana. São medicamentos, materiais para uso industrial, soluções de design e arquitetura e muitas outras aplicações práticas produzidas ou inspiradas pela natureza. A biodiversidade vem oferecendo soluções ao ser humano desde os tempos mais remotos, ainda que nem sempre esse valor tenha sido reconhecido.
Mas agora isso mudou. O tom que vem predominando ultimamente nas Conferências das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, cuja décima edição ocorreu em Nagoya (Japão) em 2010, é contábil: quanto vale a biodiversidade, qual é o prejuízo que representa sua diminuição e que investimentos são necessários para mantê-la.
E se a diversidade biológica tem grande valor, o Brasil possui um tesouro: juntamente com outros 16 países compõe o grupo dos megadiversificados, do qual é o primeiro colocado.
Por outro lado, esses mesmos países são aqueles que mais “desperdiçam” seu patrimônio: boa parte das 100 espécies que entram em processo de extinção diariamente é originária desse distinto clube. Um prejuízo provocado basicamente pela ação do homem ao invadir florestas, mangues e campos sem utilizar critérios preservacionistas e sem ter consciência dos danos que está causando, principalmente no longo prazo. É verdade, o patrimônio é farto, mas não é infinito. “Hoje, conhecemos cerca de 2 milhões de espécies. Mas a estimativa é que sejam de 15 a 30 milhões”, diz Luiz Eduardo Corrêa Lima, professor titular de biologia da Faculdades Integradas Tereza d’Ávila, de Lorena (SP).
Segundo ele, a importância da diversidade biológica está além do que ela pode nos oferecer como “serviços” – afinal, “é o registro genético de tudo o que aconteceu na evolução das espécies, um histórico biológico e evolutivo”. Assim, os motivos pelos quais a biodiversidade é um assunto que diz respeito a toda espécie humana – do individual ao coletivo – podem sensibilizar os mais diferentes setores da nossa sociedade – humanistas, ideólogos, ambientalistas e também, claro, e principalmente, homens de negócio com visão de futuro.
A diversidade pragmática
Novas áreas de pesquisa estabelecem relação direta entre
a biodiversidade e soluções práticas para o ser humano
Uma improvável campanha do tipo “salvem os carrapatos” soaria, no mínimo, estranha. Carrapatos não têm o charme e a atenção que as baleias e os pandas despertam – mas são tão importantes quanto. Assim como os mamíferos, as árvores ou qualquer forma de vida, esses parasitas exercem funções fundamentais em nosso ambiente e podem fornecer recursos inestimáveis para o conhecimento. Quem sabe disso, aposta: Ana Marisa Tavassi, pesquisadora do Instituto Butantan, em São Paulo, tem dedicado anos de estudo ao carrapato-estrela com o objetivo de desenvolver um remédio eficiente para o tratamento de vários tipos de câncer – e sua equipe já sabe que uma proteína da saliva dessa espécie mata células tumorais.
Esse é apenas um exemplo de como características físicas e químicas da flora e da fauna podem contribuir com soluções para as questões humanas. São remédios, alimentos, substâncias e insumos para a indústria que já foram desenvolvidos ou estão sendo testados. Ou, ainda, que não foram nem imaginados – um precioso tesouro guardado em segredo em tantas espécies desconhecidas que compõem a biodiversidade do planeta. Algumas delas não podem mais nos ajudar.
Um exemplo claro: em 1973 foi descoberta, na floresta tropical australiana, a rã conhecida como gastric-brooding frog, cuja tradução livre seria “rã de incubação gástrica”. Essa espécie guardava no estômago os ovos fertilizados e era lá que os girinos cresciam. Quando eram expelidos pela boca da mãe, já estavam completamente formados. Durante esse período de desenvolvimento do embrião, a produção de suco digestivo interrompia-se. Pesquisadores acreditam que o estudo dessa espécie poderia produzir medicamentos eficientes contra úlceras, por exemplo. Poderia, não pode mais. A rã está considerada extinta desde 1981.
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Não só fatais. São economicamente prejudiciais. Se antes a natureza era vista como mera provedora de matérias-primas, agora os pesquisadores da chamada economia dos ecossistemas estão buscando conferir preços à biodiversidade preservada. Assim, minhocas, por exemplo, prestam um enorme serviço ao homem quando arejam o solo e o tornam mais fértil. Alguns pesquisadores da Nova Zelândia deram um valor monetário a esse serviço: R$ 5,50 por hectare de terra.
Utilizando esse mesmo tipo de raciocínio, o relatório A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, que acaba de ser lançado no Brasil, avalia a produtividade de um ecossistema e sua contribuição em termos de bens e serviços. “Calcular o preço do meio ambiente natural é difícil, mas possível. Se os morcegos ajudam a controlar as pragas de uma determinada região, a sua extinção vai custar, no mínimo, o preço dos fertilizantes que precisarão ser gastos pelos agricultores locais”, diz Carlos Eduardo Young, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Ainda que morcegos na grande maioria das vezes não controlem pragas”, diz o professor Luiz Eduardo Corrêa Lima, “a extinção deles causaria outros problemas até maiores.”
Mas essa conta quase nunca é praticada – principalmente quando não interessa. A mentalidade de muitas empresas e de grande parte da sociedade é acreditar que a natureza pode ser utilizada indiscriminadamente. Por exemplo, o peixe tem um valor de mercado. Mas quem o pesca ou o consome, não paga a conta do prejuízo que representa a diminuição da oferta de peixe naquele rio. O objetivo do relatório de economia ecológica é justamente contabilizar esse prejuízo e até incorporar esses custos à atividade humana. Afinal, se o canto dos grilos e o cheiro das flores não forem suficientes para nos sensibilizar a respeito da preservação, talvez valores monetários sejam.
De pé vale mais
Segundo relatório produzido em 2006 pelo Banco Mundial, destruir um hectare de Floresta Amazônica para fazer pasto pode render US$ 300 por ano. Mas se a floresta for mantida, o mesmo hectare poderá render cerca de US$ 7.500 por ano no mercado europeu de carbono. Há várias questões envolvidas nessa situação, incluindo a necessidade de o fazendeiro ter resultados no curto prazo. Mas o potencial econômico da floresta é muito maior do que a ausência dela.
Os estudos do relatório Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade estimaram valores dos serviços oferecidos pelas florestas tropicais de Madagascar. Só no que diz respeito ao potencial farmacêutico chegou-se a aproximadamente US$ 1,6 milhão, valor baseado em medicamentos produzidos a partir da flora local. De acordo com o relatório, uma das florestas, a de Masoala, poderia oferecer cerca de US$ 380 mil só em serviços de proteção ao solo. E o valor final dessa floresta, levando-se em conta sua importância para a alimentação, o tratamento de doenças e o fornecimento de materiais de construção para mais de oito mil famílias ao redor do Parque Nacional de Masoala, foi estimado em cerca de US$ 4,3 milhões.
Natureza inteligente
Imitar as formas da fauna e da flora e aprender com os processos naturais. Por meio desses princípios básicos, a biomimética tem oferecido soluções simples e eficientes para questões cotidianas
A folha de lótus, que emerge limpa e seca nos lugares mais improváveis, está sempre imaculada e verdejante, mesmo em meio ao lamacento ambiente das florestas úmidas após uma chuva de verão. Não é à toa que ela é símbolo de pureza em algumas culturas asiáticas. Sua superfície é formada por microestruturas que minimizam a área de contato com a água e a sujeira e é, ainda, repelente às poucas gotas de água que insistirem em buscar alguma aderência. Intrigado com essa capacidade da folha de lótus, o botânico alemão Wilhelm Barthlott estudou o fenômeno e ajudou a desenvolver uma tinta com as mesmas características. Faça chuva ou faça sol, ela se mantém limpa.
O lançamento da tinta, em 1999, é um exemplo de um movimento maior que atinge todas as áreas do conhecimento humano: se inspirar na natureza para desenvolver soluções para o homem. A isso chamamos de biomimética.
A prática não é uma novidade. Povos primitivos já observavam e copiavam o que viam à sua volta, porém “a humanidade viveu uma espécie de hiato nesse sentido”, diz Janine Benyus, uma das fundadoras do Biomimicry Institute (veja quadro na página 41). “Quando o homem aprendeu a sintetizar o que precisava a partir de petroquímicos, passou a acreditar que não necessitava mais da natureza. E, agora, voltamos a perceber que as lições naturais podem ser importantes.”
Rápido e silencioso
O Shinkansen, trem-bala japonês, é o mais rápido do mundo. Mas produzia ruídos que incomodavam a população do entorno. Até que o engenheiro Eiji Nakatsu, um ávido observador de aves, inspirou-se no bico de um pássaro, conhecido como guarda-rios ou pica-peixe, para remodelar a frente do trem. Depois disso, o Shinkansen, além de mais silencioso, passou a gastar 15% menos eletricidade e ficou 10% mais veloz.
Bateria mais duradoura
As cores das asas das borboletas fascinam quem as observa. Agora, a forma com que essas asas refletem a luz é a mesma utilizada em displays de vários aparelhos eletrônicos, uma tecnologia que economiza energia e produz imagem perfeita.
Água para todos
O diabo-espinhoso, pequeno réptil australiano, consegue toda a água que precisa diretamente da chuva ou de solos úmidos sem nenhum gasto de energia e sem sistema de bombeamento. A água é levada à boca do animal pela capilaridade da sua pele. Esse sistema de coleta e distribuição pode ajudar a suprir um bilhão de pessoas que vivem hoje sem água e reduzir a energia consumida no transporte desse precioso bem.
Um grupo de engenheiros e arquitetos de Zimbábue construiu um prédio sem ar-condicionado que mantém sua temperatura interna independentemente das externas. A inspiração foi o sistema de ventilação dos cupinzeiros e o resultado foi o Eastgate, um prédio que consome apenas 10% da energia de uma construção convencional do seu tamanho.
Preservação da fonte de ideias
A Biomimicry Institute (Instituto de Biomimética, em tradução livre) é uma organização não governamental americana que tem se tornado referência no tema no mundo todo. Sam Stier, um dos diretores do instituto, concedeu esta entrevista exclusiva.
Horizonte Geográfico: Existe alguma novidade na biomimética?
Sam Stier: Inventores têm olhado para o mundo natural como fonte de inspiração há muito tempo. Leonardo da Vinci, por exemplo, estudou o voo dos pássaros para desenvolver seus famosos conceitos de máquinas voadoras. O que tem acontecido nos últimos 15, 20 anos, entretanto, é novo. Designs inspirados na natureza estão sendo observados em uma ampla gama de áreas simultaneamente. Da medicina à arquitetura, da indústria têxtil ao planejamento de cidades. Ferramentas tecnológicas mais sofisticadas têm nos permitido explorar a biologia e descobrir como a vida funciona com mais profundidade. Esses novos designs têm influenciado os celulares que usamos, os carros que dirigimos e até os carpetes sobre os quais caminhamos.
HG: Como a biomimética pode ajudar na conservação
da biodiversidade?
SS: Aumentando o amor e o respeito dos homens pela natureza. Mais especificamente, encorajando as pessoas e as empresas a apoiar a proteção dessa biodiversidade. Nós gerenciamos um programa chamado Innovation for Conservation (Inovação para a Conservação), por exemplo, que incentiva empresas que lucram com o design inspirado na natureza a doar parte desses lucros para a preservação.
Para saber mais sobre o instituto: www.biomimicryinstitute.org
Em busca dos tesouros
Pesquisadores enfrentam situações adversas para levar
ao conhecimento do mundo o tamanho da nossa biodiversidade. E ainda há muito para ser descoberto
A vida de um pesquisador da biodiversidade não é nada fácil no Brasil. Para começar, é preciso ficar dias em áreas tão remotas quanto a Amazônia, onde ter acesso a um telefone para falar com a família é luxo. Além disso, depois de passar dias vivendo ao estilo Indiana Jones, é preciso identificar e classificar os exemplares coletados – e há pouco taxonomistas no Brasil capacitados para fazer esse trabalho. “São apenas dez desses profissionais para toda a flora da Floresta Amazônica”, diz Adalberto Luis Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde há mais de dois milhões de exemplares de insetos aguardando classificação, muitos dos quais podem ser espécies ainda não descritas pela ciência.
Mas se é uma vida dura, o pesquisador brasileiro tem vantagens únicas. Afinal, apesar de tudo, novas espécies são descritas o tempo todo, graças ao enorme potencial de nossos biomas. Para exemplificar, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Departamento de Botânica da Universidade Federal de Minas Gerais, uma nova espécie de angiosperma foi descrita a cada dois dias entre os anos 1990 a 2006, totalizando 2.875 novas espécies em 16 anos.
A riqueza dos ambientes naturais é tão grande e tão desconhecida que novas espécies podem ser descobertas até mesmo em parques urbanos. Em 2002, por exemplo, uma nova centopeia foi encontrada no Central Park de Nova York.
De acordo com Luiz Paulo Pinto, diretor do Programa Mata Atlântica da Conservação Internacional (CI-Brasil), no Brasil é raro uma pesquisa de campo voltar sem pelo menos uma espécie que ainda não tenha sido catalogada. Mesmo em grupos de animais muito estudados. Em 1990, por exemplo, pesquisadores encontraram, pela primeira vez, o mico-leão caiçara. “Já conhecíamos três espécies de mico-leões e não dava para imaginar que ainda existia uma quarta espécie”, relembra.
Essa grande biodiversidade faz com que o Brasil abrigue dois hotspots, conceito que define áreas que tenham grande quantidade de espécies endêmicas, ou seja, espécies nativas, originárias de um determinado local e, ao mesmo tempo, um grande índice de destruição dos biomas (veja mapa na página 46). Uma delas é a Mata Atlântica, cuja destruição é resultado do intenso povoamento da área desde a chegada dos portugueses até hoje – mais de 60% da população do país vive na faixa originalmente ocupada por esse bioma. Outro hotspot brasileiro é o Cerrado, que hoje tem apenas 20% da sua cobertura vegetal. Marlon Zortea, pesquisador da Universidade Federal de Goiás e chefe do grupo de pesquisa sobre biodiversidade do Cerrado, diz que esse bioma foi muito negligenciado durante toda a história do país e que tem sofrido grandes pressões, principalmente a partir da construção de Brasília e da concessão de incentivos agrícolas oferecidos pelo governo desde a década de 1970. A negligência gera não só a destruição de grande parte do bioma, mas também o desconhecimento dele. “O número de pesquisas e de artigos sobre o Cerrado é muito menor do que o de outros biomas”, diz Zortea, apesar da contribuição decisiva de biólogos como Mario Guimarães Ferri, o maior especialista em Cerrado no país.
Conhecer melhor esses biomas pode ser o primeiro passo para que eles sejam protegidos. E, nesse sentido, os pesquisadores que se isolam em matas fechadas, desertos distantes ou barcos perdidos no mar são um elo essencial da cadeia que pode determinar sua salvação ou destruição. É deles que pode nascer, um dia, o remédio que vai salvar nossas vidas ou, quem sabe, o design do avião que vai revolucionar os transportes.
Áreas prioritárias para a conservação
Em 1988, o ambientalista Norman Myers cunhou o termo hotspot para definir áreas com altos níveis de endemismo de plantas e grandes taxas de destruição de habitats. Nessa ocasião, Myers identificou dez florestas tropicais do mundo como hotspots, mas não estabeleceu critérios quantitativos para a classificação. Anos depois, em parceria com a Conservação Internacional, o ambientalista introduziu patamares quantitativos para o conceito.
A partir de então, para qualificar-se como hotspots, a região deveria abrigar no mínimo 1.500 espécies de plantas endêmicas e possuir no máximo 30% da sua vegetação original. A partir dessa quantificação, foram estabelecidos, em 1999, 25 hotspots que abrigavam 44% das plantas endêmicas do planeta e 35% dos vertebrados terrestres. De uma área que originalmente cobria 11,8% da superfície terrestre, essas 25 regiões já haviam sido reduzidas a 1,4% do planeta.
Paralelamente ao estudo dos hotspots, foram reconhecidas as vantagens em se investir nas áreas com biomas preservados, que foram chamadas de Grandes Regiões Naturais. Apesar de estarem mais preservadas, essas regiões estão sob crescente ameaças. Detentoras de pelo menos 70% da sua área original e com uma densidade populacional de menos de cinco pessoas por quilômentro quadrado, as Grandes Regiões Naturais com vasta riqueza biológica começaram a atrair a atenção dos ambientalistas.
Desacordos internacionais
Exemplares da flora e da fauna brasileiras são o substrato de um enorme número de remédios e cosméticos ao redor do mundo. Muitas vezes, o impulso para as primeiras pesquisas foi o conhecimento das comunidades tradicionais – índios, caboclos, quilombolas – que há gerações se utilizam desses bens naturais em seu cotidiano. Na grande maioria dos casos, porém, essas comunidades em nada se beneficiam dos lucros milionários que seu conhecimento e a natureza da sua região renderam a laboratórios e pesquisadores.
A lei brasileira apresenta uma série de restrições para a coleta de exemplares da fauna e da flora com fins de pesquisa. Mas, muitas vezes, essas restrições não são respeitadas. É o que chamamos de biopirataria. Desde a Eco-92, as nações discutem e tentam entrar em acordo sobre como deve acontecer o uso sustentável da biodiversidade. As discussões se estendem até hoje – principalmente no que diz respeito à repartição dos benefícios. Países megadiversificados, como o Brasil, querem ampliar essa repartição e dificultar o acesso à sua biodiversidade. No outro extremo, encontram-se aqueles que consideram a biodiversidade uma propriedade do planeta – e, nesse caso, exigem que seja defendida dos maus usos que o país em que se encontra fizer dela. “Eu, particularmente, penso que deve existir um meio-termo entre os extremos que oriente e beneficie o proprietário, mas que não prejudique a todos os outros que também podem ser beneficiários dessa propriedade. Nem sempre a posse indica o melhor uso e nem sempre o melhor uso é caracterizado e definido pela posse”, diz o professor Luiz Eduardo Corrêa Lima.
A importância da preservação das Comunidades Clímax
Luiz Eduardo Corrêa Lima
Professor titular de biologia da Fatea/Lorena/SP
Estamos em pleno Ano Internacional da Biodiversidade e aqui no Brasil vivemos no país de maior biodiversidade do mundo. Essa é a maior riqueza que uma nação pode possuir e nós deveríamos ser, portanto, o país mais rico do planeta. Pena que ainda não nos demos conta da importância desse bem que possuímos.
Em ecologia existe um conceito interessante e muito importante: Comunidade Clímax, o maior grau possível de biodiversidade numa área geográfica definida pelas condições químicas e físicas que nela atuam, como pressão, umidade e acidez. São essas condições abióticas que definem e que propiciam a gama da diversidade biótica.
Ora, o Brasil tem vários biomas, nos quais estão inseridos inúmeros ecossistemas específicos. E a biodiversidade de cada um deles só existe porque primariamente já existiam diversidade física e química compatível com o suporte de organismos vivos no local. Nesses diferentes biomas, as Comunidades Clímax se estabeleceram por meio de processos evolutivos naturais ao longo do tempo.
Não há como mudar isso, embora artificialmente seja possível tentar controlar o processo natural em algumas áreas. Aliás, o homem tem feito isso muito bem, porém com resultados que, como já era de se esperar, não são aquilo que devemos chamar verdadeiramente bons.
A geografia e a geologia de uma determinada área resultam de processos evolutivos naturais que interagiram sob vários aspectos numa complexidade de tal ordem que é impossível imitar com perfeição. Ora, se os organismos vivos e a diversidade dependem dessa estrutura primária geomorfológica que não se consegue mudar satisfatoriamente, então é óbvio que não há como mudar a condição da Comunidade Clímax de uma área ou região aumentando sua biodiversidade. Quando muito podemos plantar ou criar algumas espécies, mas certamente perdemos muitas outras, em número sempre maior, com a nossa interferência.
Temos poucas áreas ainda com Comunidades Clímax bem estabelecidas em nossos principais ecossistemas naturais, principalmente em áreas de Cerrado e de Mata Atlântica, onde a destruição tem sido muito intensa. Precisamos garantir que elas se mantenham para perpetuar os bancos genéticos que permitiram os seus estabelecimentos. Se essas áreas forem mantidas e seus respectivos entornos protegidos, a tendência é que elas naturalmente se ampliem. Isto é, as Comunidades Clímax tendem a se expandir para as áreas adjacentes. Nas regiões onde a intervenção humana já se deu de forma significativa, não há mais como reverter a situação, a biodiversidade primitiva já foi perdida.
Em suma, a Comunidade Clímax alcançada pela sucessão ecológica de uma área ao longo do tempo por processos naturais deveria se constituir no principal interesse da biologia da preservação. Quer dizer, é preciso ampliar as Unidades de Conservação e preservar áreas naturais, mas é preciso, principalmente, preservar áreas naturais primitivas, que contenham suas Comunidades Clímax ainda estabelecidas e bem equilibradas, para que possamos garantir a manutenção integrada da informação que precisamos daquela região. O conhecimento dessas Comunidades Clímax pode nos trazer informações importantes da biodiversidade biológica, mas também da biodiversidade antrópica que se estabeleceu nessas áreas.
O Brasil certamente poderá ter um futuro melhor se conhecer o seu espaço e os organismos vivos que nele habitam. Preservar a biodiversidade é ter certeza de que estaremos projetando maior possibilidade para conseguirmos estudar e trabalhar os recursos naturais no interesse da nação.
Revista Horizonte
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