quarta-feira, 1 de abril de 2015

Corais de águas quentes indicam estratégias de preservação

Características de organismos tolerantes a altas temperaturas podem ajudar a proteger corais vulneráveis

Shutterstock
Reprodução cruzada de corais do Golfo com aqueles de climas temperados e inoculação de corais com simbiontes resistentes a altas temperaturas estão entre as estratégias consideradas para proteger os corais da elevação de temperatura dos oceanos

Michael Casey

Perto da maior torre do mundo, à sombra de gigantescas dunas de areia, biólogos marinhos de todo o mundo clamavam por uma visita a alguns dos recifes de coral do Golfo Pérsico.

As águas costeiras dos Emirados Árabes Unidos (E.A.U.) podem ser escuras e só têm 10% da diversidade de recifes de coral encontrada no Oceano Índico ou na Grande Barreira de Corais. Mas os pesquisadores foram procurar algo ainda mais precioso: indícios que poderiam um dia ajudar recifes de coral de todo o mundo a sobreviver ao aquecimento global.

A maioria dos recifes de coral em climas temperados consegue suportar temperaturas de apenas 29oC antes de branquearem – processo em que corais expelem as algas simbióticas que vivem em seus tecidos, fazendo com que se tornem brancos e aumentando sua vulnerabilidade a doenças e morte.

Corais nos recifes do Golfo Pérsico, no entanto, tipicamente toleram temperaturas de até 36ºC durante o verão e de 13ºC no inverno. “Essas temperaturas excedem o que esperamos em qualquer lugar do mundo nos trópicos durante o próximo século”, declara John Burt, biólogo marinho de um ramo da New York University nos Emirados, que conduziu a visita aos corais em 2012. Burt também ajudou a organizar uma conferência internacional sobre recifes do Golfo Pérsico que reuniu 250 cientistas em fevereiro, na NYU. Os corais do Golfo Pérsico “oferecem esperanças”, afirma ele. Alguns dos mecanismos genéticos que eles usam poderiam ajudar outros a sobreviver a essas temperaturas extremas.

Há muito tempo recifes de coral sofrem com poluição disseminada, sobrepesca e desenvolvimento costeiro, perdendo até 50% de sua cobertura em muitos locais ao redor do globo. Mesmo assim, a maioria dos cientistas alerta que a mudança climática oferece a maior ameaça no futuro. Águas cada vez mais quentes e a acidificação oceânica relacionada a elas iniciam eventos cada vez mais amplos e mais numerosos de branqueamento, tornando difícil que corais se calcifiquem e portanto cresçam e prosperem. A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) alerta que poderia haver um evento global de branqueamento em 2015 devido ao aquecimento das águas – o terceiro nas últimas duas décadas.

Até 2040, cientistas acreditam que a maioria dos recifes de coral estará em risco. O pensamento convencional é que mudanças genéticas em corais e suas zooxantelas – as algas unicelulares também conhecidas como simbiontes que vivem dentro dos tecidos de corais – simplesmente serão lentas demais para acompanhar a taxa de aquecimento que, de acordo com alguns cálculos, poderia variar entre 1,1 e 6,5 graus Celsius até 2100.

Mas cientistas no Golfo e em outras partes do mundo estão desafiando essa ideia, mostrando que recifes de coral podem se recuperar de eventos de branqueamento mais rápido do que se acreditava e podem ser capazes de adquirir simbiontes em um período de tempo relativamente curto. “Nem tudo está perdido para os corais”, declara Andrew Baker, biólogo marinho da University of Miami. Seu artigo de 2004, publicado na Nature, foi um dos primeiros a relatar que os simbiontes tolerantes ao calor conhecidos como clado D eram prevalentes no Golfo, mas que também eram encontrados em menor quantidade em regiões temperadas atingidas pela mudança climática, como o Quênia, as Ilhas Maurício e o Panamá.

Clados são grupos genéticos de vários simbiontes. Baker e outros passaram a última década identificando o mecanismo por meio do qual corais conseguem lidar com temperaturas mais elevadas. Os corais “tem um repertório de respostas”, comenta ele. “A pergunta foi ‘com que velocidade essas respostas podem surgir?’ Eu acho que agora estamos entendendo a ideia de que na verdade, em alguns casos, esses mecanismos podem surgir rapidamente, dentro de alguns anos”. (Scientific American é parte do Nature Publishing Group).

Com base no trabalho de Baker, Burt, Jörg Wiedenmann, professor de oceanografia biológica na University of Southampton e vários outros colegas examinaram, durante os últimos três anos, recifes perto da costa dos Emirados Árabes Unidos e de Omã, pelo Estreito de Hormuz até o Mar Arábico, para conhecer a comunidade de corais e das zooxantelas que abriga.

Os pesquisadores usaram análises genéticas para sugerir que a tolerância térmica no coral cerebral Platygyra daedalea e suas zooxantelas parecem ser exclusivos do Golfo Pérsico. Em um artigo publicado na semana passada na Nature Scientific Reports, Wiedenmann, Burt e vários outros pesquisadores descreveram como usaram quatro marcadores genéticos para determinar que as algas de fato eram novas para a ciência. Elas foram batizadas de Symbiodinium thermophilum por sua capacidade de suportar as temperaturas incomumente altas do Golfo Pérsico.

Esse novo organismo, que os pesquisadores demonstraram ser o simbionte mais prevalente encontrado durante o ano no Golfo Pérsico, pode ter se aclimatado para desempenhar um novo papel nas severas condições do Golfo. A pergunta, de acordo com Wiedemann, é a tolerância ao calor de Symbiodinium thermophilum evoluiu nas águas relativamente isoladas do golfo, que só têm cerca de 15 mil anos, ou se foi trazido por correntes de fora da região e sobreviveram a “um processo de seleção”. De acordo com Wiedenmann: “Se eles não evoluíram no Golfo, devem estar presentes em menor quantidade em populações de diferentes partes do mundo. Isso seria uma boa notícia porque significaria que corais em outras regiões podem ter esses indivíduos tolerantes." 

Se simbiontes existirem em outras regiões, corais que enfrentam o branqueamento poderiam, em teoria, ativá-los conforme as temperaturas aumentam. Para testar essa teoria, Baker repetidamente branqueou corais da espécie Monstastraea cavernosa em seu laboratório na Flórida e permitiu que eles se recuperassem.

Em artigo publicado no ano passado em Global Change Biology, Baker e seus colegas de pesquisa descobriram que, antes do branqueamento, os corais continham simbiontes que não eram tolerantes ao calor. Depois disso, porém, eles foram dominados pelo clado D1a, tolerante ao calor. Esses corais reaparelhados conseguiam lidar com temperaturas 2ºC mais altas que antes. “Esses dois graus são uma notícia muito boa, já que eles podem compensar parte do aquecimento que esperamos ver neste século”, declara Baker. “Por outro lado, estamos prevendo mais de dois graus para a maioria desses ambientes de recifes. Então ainda é uma questão aberta se corais podem continuar a lidar com temperaturas cada vez mais elevadas ou se esse é um tipo de medida temporária”.

Críticos argumentam que é ingenuidade acreditar que qualquer componente individual de uma comunidade diversa e complexa de corais pode ser uma solução para salvá-la. E como a diversidade do Golfo é tão limitada e sua sazonalidade é tão extrema, alguns especialistas acreditam que seria melhor que cientistas procurassem respostas em regiões mais temperadas como o Canal de Moçambique entre a Tanzânia e Madagascar, que já se provaram resistentes a eventos extremos de branqueamento.

Oceanos de grande parte do mundo não se parecem com o Mar Arábico, explica Tim McClanahan, zoólogo sênior da Wildlife Conservation Society que trabalha com corais no oeste do Oceano Índico. “A maior parte dos trópicos tem oceanografia distinta, além de ambientes meteorológicos ou climatológicos diferentes”, explica ele. O trabalho genético sobre simbiontes tolerantes ao calor é interessante “mas é mais uma curiosidade que um análogo para o futuro. Eu não acho que o futuro terá a aparência do Mar Arábico”, adiciona ele.

Ove Hoegh-Guldberg, um dos principais especialistas em coral do mundo e diretor do Global Change Institute na University of Queensland, na Austrália, considera que o trabalho no Golfo Pérsico é intrigante porque mostra que a evolução pode produzir corais que são adaptados a grandes extremos de temperatura. Mas ele aponta que é um erro” esperar que a tolerância térmica ofereça esperança para corais em climas temperados. A evolução é muito lenta em relação a organismos de vida longa como os corais.

Em uma entrevista por email, Hoegh-Guldberg escreveu que “outras projeções, como a troca de seus simbiontes por variedadescom maior tolerância térmica não foram corroboradas por estudos”. Ele também adiciona que projeções são falhas, porque não são apenas os simbiontes que precisam evoluir. “É a combinação de hospedeiro e simbionente que precisa se adaptar rapidamente à mudança nas temperaturas do mar”, escreve ele. Essas dúvidas fizeram pouco para reduzir o entusiasmo para usar os recifes do Golfo Pérsico ou os genes encontrados lá em futuras estratégias de conservação.

Bernhard Riegl, professor do Centro Oceanográfico da Nova Southeastern University na Flórida, que trabalhou com recifes de coral no Golfo Pérsico por 20 anos, sugeriu mover corais para o oceano Indo-Pacífico para “introduzir a adaptação térmica, por meio de hibridização com o material genético residente, em regiões onde ela logo será necessária”. Outros discutem a reprodução cruzada de corais do Golfo com aqueles de climas temperados. Baker considera inocular corais com simbiontes resistentes ao calor em berçários e então replantar áreas em risco.

Ninguém duvida que existam riscos inerentes a essas estratégias – elas são custosas e poderiam introduzir espécies invasivas e doenças. E os corais reintroduzidos podem sequer conseguir lidar com as novas condições ambientais. Mas Madeleine van Oppen, do Instituto Australiano de Ciência Marinha, além de vários outros especialistas, argumenta no volume de fevereiro de Proceedings of the National Academy of Sciences que chegou a hora de considerar a viabilidade de medidas de evolução assistida por humanos, como a reprodução seletiva, para aumentar a tolerância ao estresse ou o cruzamento entre populações diferentes para restauração. “Quando eu comecei a pensar sobre isso, as pessoas diziam ‘isso nunca vai funcionar. Você nunca conseguiria fazer isso na escala necessária’”, escreveu van Oppen. “As pessoas ainda têm essas preocupações, mas agora elas conseguem ver que é importante desenvolver ferramentas e avaliar o que realmente é possível”.

Scientific American Brasil

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