quarta-feira, 1 de abril de 2015

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Sonda detecta sistema hidrotérmico ativo além da Terra
O interior de Encélado, a lua gelada de Saturno, parece surpreendentemente quente e favorável para vida

NASA/JPL/Instituto de Ciências Espaciais
Construído a partir de imagens de Cassini, esse mosaico de cores aprimoradas revela a superfície gelada de Encélado, uma das luas de Saturno. As fissuras azuladas são os locais de plumas de vapor d’água do oceano de subsuperfície do mundo gelado.

Lee Billings

Usando dados da sonda Cassini, cientistas encontraram evidências de um sistema hidrotérmico ativo dentro da lua Encélado, de Saturno, aumentando as chances de que a vida alienígena poderia estar esperando para ser descoberta nas profundezas aquáticas desse mundo gelado. As aberturas hidrotérmicas de Encélado parecem impressionantemente semelhantes a algumas das encontradas na Terra.

Uma das principais teorias sobre a origem da vida na Terra postula que ela começou em aberturas hidrotérmicas no fundo do oceano, onde a água do mar que passa por rochas porosas quentes criou ambientes ricos em energia e nutrientes, favorecendo a formação das primeiras células. Atualmente, as aberturas hidrotérmicas da Terra são oásis no fundo do mar, abrigando ecossistemas que florescem na escuridão, isolados da superfície do mundo. Encontre outro lugar além da Terra onde água quente interage com rochas e, mesmo que isso seja longe do sol, a vida também pode florescer por lá. Esses sistemas podem ter sido comuns no início da história do sistema solar, quando planetas rochosos e luas geladas ainda estavam relativamente quentes e úmidos após sua formação inicial. Até agora, porém, cientistas não tinham evidências de atividades hidrotérmicas continuadas em nenhum lugar além da Terra.

Essas evidências permanecem circunstanciais, e instigantes, apesar de terem se acumulado lentamente na última década. Em 2005, a Cassini observou plumas de vapor d’água sendo lançadas de misteriosas fissuras aquecidas perto do polo sul de Encélado. Em sobrevoos subsequentes dessa lua – incluindo vários em que a sonda atravessou as plumas – a Cassini quase esteve perto de confirmar que um oceano com 10 quilômetros de profundidade existe entre 30 e 40 quilômetros abaixo do gelo ao redor do polo sul. O vapor que a Cassini encontrou enquanto mergulhava pelas plumas era salgado, como água do mar, e a sonda mediu pequenas variações no campo gravitacional de Encélado, sugerindo a existência de um oceano diretamente sobre o núcleo rochoso da lua.

Mas ninguém sabia como esse oceano estava conectado à fissuras de superfície que lançam água, e muitos pesquisadores acreditavam que o núcleo da lua seria frio demais para sustentar atividades hidrotérmicas. Com o tamanho semelhante ao da Inglaterra, Encélado é muito pequeno em relação a outras luas geladas, sem massa suficiente para reter o calor de sua formação ou ter grandes quantidades de elementos radioativos geradores de calor.

Com base nessas estimativas básicas, a lua deveria estar completamente congelada. Em vez disso, acredita-se que grande parte do calor de Encélado, que sustenta um oceano, venha de sua órbita ao redor de Saturno. Conforme a lua circula o Planeta dos Anéis, interações gravitacionais entre os dois corpos fazem com o que interior de Encélado se flexione, gerando calor por meio da fricção.

Talvez, sugeriram alguns cientistas, as plumas da lua – e até mesmo todo o seu oceano –sejam apenas fenômenos transitórios criados por variações menores na órbita de Encélado, períodos momentâneos de calor e atividade em um mundo inerte e frio. Outros supõem que o oceano de Encélado e suas plumas poderiam ser características ancestrais e persistentes da lua, aumentando as chances de encontrarmos vida por lá. 

De fato, astrônomos já tinham dados para ajudar a resolver alguns desses mistérios mesmo antes de a Cassini encontrar o oceano de Encélado. Em janeiro de 2004, enquanto ela se aproximava do sistema de Saturno pelo espaço interplanetário, os instrumentos da Cassini registraram a sonda atravessando uma difusa chuva de partículas de poeira em escala nanométrica que haviam sido ejetadas pelo sistema de alguma forma. Encontros subsequentes com a poeira, além de trabalhos de modelagem, sugeriram que esse material era proveniente de partículas geladas confinadas no anel “E” do planeta, um toroide tênue de material alimentado pelas plumas de Encélado. No novo estudo, publicado esta semana na Nature, os cientistas planetários Sean Hsu, Frank Postberg, Yasuhito Sekine e vários outros pesquisadores rastrearam as origens e dinâmicas dessa poeira por meio de experimentos em laboratório, modelagem computadorizada e uma análise mais detalhada dos dados originais da Cassini. (Scientific American é parte do Nature Publishing Group.)

Análises anteriores dos dados da Cassini mostraram que as partículas de poeira são compostas principalmente de silício. Hsu e seus colegas argumentam que a poeira rica em silício é especificamente sílica – o principal constituinte do quartzo – em vez de silício puro ou carbeto de silício, elementos que se acreditam ser mais difíceis para uma lua como Encélado produzir.

Só existem duas maneiras de produzir partes tão pequenas de sílica – “de cima para baixo”, por meio de colisões que pulverizem grãos maiores, ou “de baixo para cima” por meio de alguma reação química microscópica. Todas as partículas de poeira de silício que a Cassini encontrou parecem ter entre 2 e 8 nanômetros de tamanho, uma distribuição tão limitada que praticamente elimina a formação de cima para baixo. Supondo que as partículas observadas pela Cassini sejam feitas de sílica, a única fonte plausível de baixo para cima é o núcleo rochoso de Encélado, onde a sílica poderia ser absorvida pela água do mar e lançada para a superfície.

Hsu reconhece que existem outros métodos de formação de baixo para cima, mas aponta que eles só funcionam em laboratório sob condições bem controladas. “Então, a menos que haja algo muito bizarro acontecendo, acreditamos que nossa interpretação seja sólida”, declara ele. 

Em uma série de experimentos laboratoriais projetados para simular condições plausíveis no interior de Encélado, Hsu e seus colegas só foram capazes de produzir partículas semelhantes de sílica por meio de condições térmicas e químicas muito específicas. Extrapolados para o interior de Encélado, os experimentos sugerem que a interface entre o núcleo e o oceano da lua deve ser quase quente o bastante para ferver água, e que essa água é levemente mais salgada e mais alcalina que a dos oceanos da Terra.

Uma vez absorvida do leito oceânico, a sílica se cristalizaria segundos após sair da água enriquecida perto do leito oceânico, formando nanopartículas que então se elevariam com o fluído quente e convectivo para chegar às fissuras da superfície em uma questão de vários meses ou alguns anos.

Se tudo isso for verdade, as plumas poeirentas e geladas de Encélado não são um fenômeno superficial, mas uma expressão de processos profundos ocorrendo por toda a extensão da lua. A Cassini está agendada para realizar mais três encontros com Encélado, incluindo um último mergulho por uma pluma, antes de ser enviada para uma morte flamejante na atmosfera de Saturno para evitar contaminar a lua gelada. Analisar as plumas para descobrir mais sobre prospectos de vida em Encélado – passados e presentes – será a tarefa de missões futuras. Atualmente a Nasa está ponderando uma missão na década de 2020 até Europa, na órbita de Júpiter, outra lua gelada com um oceano subsuperfícial muito maior e mais misterioso. As próximas notícias de Encélado poderiam influenciar essa decisão – em breve alguns cientistas poderão a defender a minúscula lua de Saturno como sendo sua preferida para receber uma visita da próxima emissária da humanidade ao sistema solar exterior.

Uma nova missão também poderia estudar outros mistérios revelados pelas últimas descobertas. A alcalinidade e salinidade inferidas ao oceano de Encélado se alinham com as medidas anteriores que a Cassini realizou da pluma, mas a temperatura estimada de seu núcleo é uma surpresa. Mesmo com uma fricção gravitacional substancial, temperaturas tão altas e constantes são difíceis de explicar, uma vez que o frio oceano poderia dissipar grande parte do calor do núcleo com eficiência.

O cenário mais provável é que o núcleo de fato é estruturado e poroso, com seu calor sendo fornecido por alguma combinação de fricção gravitacional e serpentinização, uma reação química geradora de calor entre água e rocha. Ou seja, o núcleo crepitante de Encélado pode se parecer um pouco com um coração partido, mantido vivo por forças gravitacionais que enviam água do mar continuamente por suas veias fraturadas. Mas apenas observações adicionais da lua poderão testar essa ideia. 

De acordo com os modelos dinâmicos de Hsu e seus colaboradores, após as partículas de poeira serem ejetadas pela água das plumas, eles se congelam e as mais rápidas escapam da gravidade de Encélado para chegar ao anel E. Lá elas permanecem durante anos, até que colisões com íons de plasma presos no poderoso campo magnético de Saturno as espalhe pelo espaço interplanetário. Quando a Cassini detectou a poeira ejetada nos arredores de Saturno, ela estava vendo o que Hsu chama de “a pegada de silício de Encélado”. A partir daí, de acordo com ele, as partículas podem ser carregadas pelo vento solar para “se tornarem poeira interestelar – a pegada de silício de nosso sistema solar”.

A pegada de silício de Encélado, de acordo com Hsu, mostra que a poeira também merece ser considerada, assim como a própria luz, como uma das ferramentas mais vitais da astronomia. Algum dia, comenta ele, nós poderemos ter um “telescópio de poeira” em um “observatório espacial de poeira”, coletando flocos espalhados e rastreando-os por distâncias inimagináveis até outros mundos e épocas.
Scientific American Brasil

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