domingo, 18 de janeiro de 2009

BRASIL - A aposta nuclear brasileira

Os planos para a retomada da construção de Angra 3 mostram que o país segue a tendência mundial de encarar novamente a alternativa nuclear. Mas nem todos aprovam a idéia.
Texto: Dimas Marques


Com toda a sua carga de polêmica, a geração de eletricidade por meio de usinas nucleares volta à pauta no Brasil. Numa época em que o preço do petróleo não pára de subir e a questão do aquecimento global preocupa o mundo, o governo federal resolveu bancar politicamente a construção de Angra 3. Pelos planos anunciados recentemente, as obras – paralisadas em abril de 1986 – serão retomadas e mais quatro reatores novos poderão ser construídos. O país segue, assim, a tendência mundial de encarar a alternativa nuclear como uma opção menos traumática do que se considerava há 22 anos, quando o desastre de Chernobyl fez as usinas virarem sinônimo de desastre e destruição (veja na página seguinte) e grupos ambientalistas as elegeram como principal alvo de protestos.

Os tempos mudaram e hoje a preocupação com a conservação de florestas e o aumento da temperatura do planeta, provocado pelo excesso de dióxido de carbono proveniente de combustíveis fósseis na atmosfera, falam mais alto. Em muitos países restam poucas alternativas não poluentes e a opção nuclear representa uma parte importante da matriz energética. No Brasil, cujo território tem um dos maiores potenciais hidrelétricos do mundo, a questão não preocupa tanto. O problema é que, mantida a atual taxa de crescimento, estima-se que o país tenha de aumentar seu potencial de produção energética em 4.000 megawatts (MW) por ano.

Para quem gosta de projeções, a cada ponto percentual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), há necessidade de ampliar a produção elétrica em 1,3 vez. E o potencial de rios – principalmente nas regiões Sul e Sudeste – está quase se esgotando. Além disso, a ocorrência de estiagens e a possibilidade de apagões, como ocorreu em 2001, provocado pelo baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, apontam para a fragilidade da dependência de energia da água (91,94% da matriz nacional). Novos empreendimentos dessa natureza, previstos na Amazônia, implicam em áreas alagadas e conseqüentes problemas ambientais em lugares que deveriam ser conservados.

Energia nuclear & efeito estufa


Como o investimento em termoelétricas a óleo e a carvão mineral implica em mais poluição e muitos setores governamentais consideram limitados os sistemas renováveis, como o eólico e a biomassa, a alternativa nuclear voltou a ser considerada para a formação de uma matriz energética diversificada. “Hoje, o fantasma da energia atômica para a geração de eletricidade que durante anos, existiu já não assusta”, afirma Francisco Rondinelli, presidente da Aben (Associação Brasileira de Energia Nuclear).

Rondinelli refere-se aos investimentos feitos em segurança e controle dos resíduos radioativos realizados nos últimos anos, que levaram pesquisadores sérios a defender as usinas nucleares como uma tecnologia mais segura do que se imaginava há algumas décadas. O mais famoso desses pesquisadores, o cientista James Lovelock, em seu livro A Vingança de Gaia, defende a expansão da energia nuclear como uma forma de evitar que o impacto do aquecimento global seja ainda mais devastador. “Sabemos que a energia é segura, limpa e eficaz porque, nesse exato momento, 137 reatores nucleares estão gerando mais de um terço da eletricidade consumida pela Europa”, escreveu.

Até mesmo o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), órgão da ONU criado para ser a autoridade mundial em aquecimento global, considera que a sociedade moderna deve, entre outras coisas, adotar a energia renovável e nuclear se quiser diminuir a dependência dos combustíveis fósseis. Assim, não é surpreendente que, hoje, 35 novos reatores estejam em construção. Segundo a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), órgão da ONU encarregado de promover o uso pacífico da energia nuclear, no mundo, há 439 usinas em funcionamento, responsáveis por 16% da produção elétrica do planeta.

Mas nem todos os especialistas acreditam que os reatores sejam a resposta para a obtenção de energia – pelo menos no Brasil, que tem outras opções. Para o físico José Goldemberg, ex-ministro do Meio Ambiente, há um forte lobby da indústria de equipamentos nucleares atuando nos bastidores dessa questão. “Falar em utilizar petróleo para a geração de eletricidade é criar um argumento falacioso”, afirma. “A prioridade do petróleo está no setor de transporte.” Segundo o ex-ministro, o que se percebe é a intenção de multinacionais, como a francesa Areva (que comprou a empresa alemã fornecedora dos equipamentos de Angra 3), de conquistar mercados emergentes, como Rússia, China, Índia e Brasil. A França é um dos países que mais investem em energia nuclear (80% da eletricidade gerada).

Goldemberg é favorável à conclusão de Angra 3 e contrário à construção de novas unidades nucleares. “É preferível concluir esse projeto que já recebeu tantos investimentos do que mantê-lo parado”, argumenta. Isso porque o Brasil já gastou R$ 1,5 bilhão (compra e conservação de equipamentos) em uma parte da usina, que estava incluída no acordo com a Alemanha que levou à construção de Angra 2. Angra 3 não foi terminada na época por falta de fundos. Da meados da década de 1980 para cá, todo ano, a Eletronuclear (subsidiária da Eletrobrás responsável por operar e construir as usinas nucleares brasileiras) gasta US$ 20 milhões apenas para conservar as 10 mil toneladas de equipamentos que estão armazenados nos depósitos de Angra dos Reis e Itaguaí, no Estado do Rio de Janeiro. Ao todo, 75% do material importado e 18% do nacional já foram adquiridos pela estatal.

Para Goldemberg, que ganhou neste ano o Prêmio Planeta Azul, considerado o Nobel do Meio Ambiente, independentemente da construção de Angra 3, o país deve investir mais na geração de eletricidade a partir da queima de biomassa, como o bagaço da cana-de-açúcar, que pode ser queimado para gerar eletricidade (segundo seus cálculos, considerando apenas o Estado de São Paulo, o potencial para geração é de 10.000 MW até 2015, o equivalente a mais de sete Angra 3, que terá capacidade instalada de 1.350 MW). Além disso, ainda existe espaço para o aproveitamento hidrelétrico em reservatórios menores e para centrais eólicas, principalmente no Nordeste.

A questão da segurança

Por trás da desconfiança quanto ao uso da energia nuclear, duas questões permanecem. A primeira é o custo elevado. A Eletronuclear calcula que, para Angra 3 começar a operar, é preciso um investimento de R$ 7,3 bilhões. Além disso, o custo médio da eletricidade gerada ficaria em torno de R$ 144 por MWh, mais do que o dobro do valor licitado recentemente para a usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, de cerca de R$ 70 por MWh. Os defensores das usinas nucleares concordam que a diferença é grande.

Para Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no curto e no médio prazo, o país deve continuar a utilizar essa fonte de energia imbatível do ponto de vista do preço. Na sua avaliação, a energia nuclear representa uma opção para o futuro, pois em um prazo de 20 anos as hidrelétricas não serão em número suficiente para atender a demanda.

Outra questão importante ainda não resolvida em relação às usinas nucleares é a segurança. Quem visita a área de Angra 1 e Angra 2 percebe o esforço feito pela Eletronuclear para diminuir o temor de que o empreendimento exponha a região do entorno a riscos provocados por acidentes. Caminhar pelas dependências das usinas é enfrentar uma enorme série de procedimentos de segurança e de preocupação com detalhes. Angra 2, gêmea da futura Angra 3, opera pelo sistema PWR (reator a água pressurizada), a opção mais segura disponível na área nuclear. Esse sistema utiliza cinco barreiras de defesa que tornam remota a possibilidade de escape de material radioativo.

O combustível é comprimido em pastilhas que se fundem a mais de 2.800 graus colocadas em varetas que resistem a temperaturas de 1.200 graus, distribuídas em um vaso de pressão com paredes de 25 centímetros de espessura, em média. Além disso, o vaso fica em um fosso isolado por grandes placas de concreto. Outra esfera de aço envolve a área e, além dela, o edifício de concreto com 70 centímetros de espessura também serve de barreira para o escape de material radioativo. Todo esse sistema é monitorado por uma sala computadorizada na qual equipes de cinco operadores licenciados pela CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) revezam-se em turnos durante 24 horas por dia, sete dias por semana.

O problema das usinas é o rejeito inevitável das operações de obtenção de energia. Para o material de baixa e média radioatividade (solventes e rejeitos líquidos do evaporador, além de ferramentas, botas, macacões e outras roupas contaminadas), o destino são tambores armazenados em três galpões de concreto construídos ao lado das usinas, também em terreno rochoso. O acesso é bastante controlado e há dosímetros para medição de radioatividade espalhados pelas paredes dos prédios – que têm paredes de concreto de 90 centímetros de espessura.

As pessoas que circulam ou visitam essas instalações também carregam medidores de radiação portáteis, além de vestir capacete e óculos de proteção. Na saída, mais uma cautela: todos são obrigados a permanecer parados três segundos sob um portal que detecta se há algum vestígio de radioatividade além dos parâmetros.

Em todo o mundo, não existe ainda uma solução para dispor do lixo radioativo. “Não há parâmetros que garantam total segurança para qualquer que seja o tipo de depósito”, afirma Rebeca Lerer, coordenadora da campanha de energia do Greenpeace, uma das entidades que mais se opõem ao uso da energia nuclear – no Brasil e no mundo. Espaços escavados entre 200 e mil metros de profundidade em formações geológicas estáveis, como de granito, estão em projeto na Finlândia, Suécia e Estados Unidos, mas não há garantia de que sejam 100% seguros.

Os rejeitos de alta radioatividade (445,9 toneladas) de Angra são estocados em duas piscinas, submersos a mais de 10 metros de profundidade, com água desmineralisada e borada a 30 graus. Elas são responsáveis pelo resfriamento do combustível nuclear e não são um depósito definitivo. Não é um local que se costuma visitar. “É preciso um bom motivo para entrar nesse recinto”, diz o engenheiro que recepciona os visitantes.

A questão do depósito final provoca discussão dentro do governo. A exigência feita pelo Ibama à Eletronuclear de disposição final dos rejeitos de alta radioatividade, entre as 60 condicionantes vinculadas à licença prévia, foi considerada rigorosa e impossível de ser cumprida. A Eletronuclear afirma não ser viável preparar um depósito subterrâneo sem que sejam definidos os locais das usinas nacionais. “A idéia é construir, além de Angra 3, mais duas usinas no Nordeste e outras duas no Sudeste”, afirma Leonam dos Santos Guimarães, assistente da presidência da estatal. O governo ainda não sabe quanto custaria um investimento desse e pensa em uma “solução definitiva” somente para 2050.

“Encontrar uma solução adequada para o lixo radioativo é agora um problema do empreendedor”, afirma o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc. “A bola está com os proponentes do projeto. A nossa missão de elencar as condicionantes está cumprida.” Para o Greenpeace, que encabeça uma batalha jurídica contra o governo para tentar impedir a construção de Angra 3, a declaração do ministro é apenas uma manobra política para justificar a contradição entre sua história como ambientalista contrário às usinas nucleares e a emissão da licença prévia que assinou. Com tanta polêmica, portanto, falar em prazo para a construção da usina ainda é prematuro.



As usinas ao lado do parque

A história da usina de Angra 3 está intimamente ligada à de sua irmã, Angra 2. Similares no projeto, foram os únicos frutos de um acordo assinado com a Alemanha, em 1975, em pleno regime militar, que previa a construção de oito grandes reatores para a geração de eletricidade. Estava acertada também a transferência de tecnologia para a implantação no país de uma indústria para a fabricação de componentes e combustível para as usinas em 15 anos.

O terreno escolhido para a construção de Angra 3 situa-se na Ponta Grande da praia de Itaoma, parte de um contínuo preservado de Mata Atlântica que une o litoral norte paulista ao sul fluminense. Seu vizinho ilustre, o Parque Nacional da Serra da Bocaina, estende seus domínios até o asfalto da Rodovia Rio-Santos (BR-101) e a Estação Ecológica Tamoios, que engloba 29 ilhas da baía de Ilha Grande.

Quem quiser imaginar Angra 3 pronta, basta reproduzir Angra 2, à direita das usinas já existentes. O morro que formava a Ponta Grande foi cortado e metade dele retirado, expondo seu interior rochoso. O novo espaço, com uma enorme central de fabricação de concreto, está pronto para o início dos trabalhos. Essa estrutura será duplicada e ainda serão construídos alojamentos, portarias, refeitório e uma pequena rodoviária.

A Eletronuclear calcula que até nove mil operários poderão trabalhar no canteiro de Angra 3 durante o chamado ”momento de pico”: aproximadamente 36 meses após o início das obras, na montagem dos equipamentos eletromecânicos.

A quantidade estimada de trabalhadores é um dos pontos polêmicos de Angra 3. “A obra e a usina serão indutores de ocupação desordenada no município. Angra dos Reis não está preparada para o impacto que acontecerá”, afirma José Rafael Ribeiro, coordenador da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê). A cidade abriga 148.476 habitantes e ele teme ocorrer agora o mesmo crescimento populacional das décadas de 1980 e 1990, em que houve um salto de 90 mil pessoas para 135 mil. Por tudo isso, o Ibama não pensa apenas na segurança para a aprovação da licença de funcionamento da usina. Entre as condicionantes para a licença estão o investimento de até R$ 50 milhões em saneamento ambiental em Angra e a vizinha Paraty e convênios que beneficiem os postos de saúde da região.


O destino do lixo de cada país

Estados Unidos – O material radioativo proveniente das usinas e armamentos nucleares está depositado em 126 sítios temporários. Desde 1978, o governo prevê a construção de um depósito definitivo na montanha Yucca, em Nevada. O governo está com dificuldade de obter a licença para a construção, que deve custar US$ 50 bilhões.

França – O combustível nuclear é reciclado nas unidades de reprocessamento de The Hague e Marcoule por uma fábrica estatal. Ali, 97% do material é reaproveitado em forma de barras de combustível e o que sobra vai para um depósito permanente. O país estuda a construção de um depósito geológico em rochas de granito, onde os rejeitos de alta intensidade poderão ser armazenados definitivamente.

Japão – Os resíduos de menor radioatividade são depositados nas instalações de Rokkasho desde 1992. O material mais perigoso é reprocessado na França e na Inglaterra e depois levado para o mesmo depósito. O país começou a operar em caráter experimental uma usina própria para utilizar o resíduo novamente como combustível.

Finlândia – Pela lei, todo resíduo nuclear gerado no país deve ser processado, estocado e guardado em um local dentro do próprio território. Está sendo construído um depósito em Olkiluoto, onde já funciona um local para rejeitos de radioatividade baixa e média e uma usina nuclear. A população aprova.

China – Por enquanto, o país dispõe os resíduos em vários locais provisórios próximos à superfície, mas está avaliando as possibilidades de cinco depósitos em potencial em subterrâneos na região do deserto de Gobi, previstos para 2030. Os chineses têm duas usinas nucleares.


O fantasma de Chernobyl

À 1h23 do dia 26 de abril de 1986, o reator número 4 da usina nuclear de Chernobyl, situada na ex-União Soviética, onde hoje é a Ucrânia, explodiu, liberando na atmosfera cerca de 400 vezes mais material radioativo que a bomba de Hiroshima. O reator funcionava em um edifício comum, sem proteção especial, e tinha grafite entre seus componentes, elemento que entra em combustão quando aquecido demais. Além disso, no ambiente fechado da antiga União Soviética, a tragédia foi mantida em segredo até que a nuvem radioativa atingiu a Suécia dois dias depois, e as fotos dos satélites de comunicação demonstraram o que estava ocorrendo. Até hoje o número exato de vítimas da tragédia é controvertido. Calcula-se que 4 mil pessoas tenham sido afetadas diretamente pela radiação, mas centenas de milhares tiveram de deixar suas casas nas proximidades da usina.

Os especialistas dizem que acidentes como o de Chernobyl não aconteceriam hoje, pois os reatores atuais não são moderados a grafite e adotam como medidas de segurança a construção de um envoltório de contenção capaz de segurar do lado de dentro do prédio qualquer vazamento. Mas acidentes, embora de menores proporções, acontecem. Em 1979, vazou o líquido que resfriava o reator de Three Mile Island, nos Estados Unidos, contaminando oito funcionários. Em 1999, um pequeno descuido, em uma usina no Japão, resultou na contaminação de 49 pessoas com três casos graves. Mais recentemente, em julho de 2008, por duas vezes, um líquido, contendo urânio, vazou de uma tubulação danificada na usina nuclear de Tricastin, no sudeste da França, e contaminou sem gravidade pelo menos 100 trabalhadores.

Revista Horizonte Geográfico

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