segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Integrar ou Reprimir?


Embora precisem da mão-de-obra imigrante, países desenvolvidos intensificam o controle em suas fronteiras

Embora não seja um fenômeno historicamente novo, a imigração
passou ao centro da discussão em vários países da Europa e nos EUA, principais destinos desses deslocamentos. Como um dos efeitos mais característicos da globalização, vivemos um novo fluxo imigratório em praticamente todas as partes do planeta.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) cerca de 2% da população mundial vive longe de seu país ou região de origem. Entre refugiados, imigrantes legais e ilegais, cerca de 185 milhões de pessoas deixaram sua terra natal em 2005. Estados Unidos e Alemanha são os países desenvolvidos que atraem o maior número de imigrantes. Milhares deles vivem ilegalmente, o que tem causado sérias conseqüências econômicas e políticas.
A imigração costuma ser apresentada como um fenômeno negativo, pois prejudica os países hospedeiros, sobretudo quando os imigrantes são clandestinos. Antes, porém, de examinarmos o problema da ilegalidade, é preciso fazer algumas ponderações. Em primeiro lugar, esse tipo de imigração é uma das conseqüências perversas do sistema econômico vigente, que estimula a desigualdade mundial, caracterizada por duas dezenas de nações prósperas em contraste com centenas de pobres ou no máximo emergentes – para usar o atual jargão econômico. Em segundo lugar, os países desenvolvidos precisam de imigrantes em grande quantidade. E a principal razão é demográfica. Ano a ano, a população desses países – em especial os europeus – tem envelhecido e diminuído. E a baixa taxa de natalidade deverá reduzir ainda mais a população economicamente ativa (PEA) dessas regiões, com uma conseqüente queda no número de trabalhadores. Não é difícil perceber o impacto negativo desse processo na Economia: enquanto o número de idosos (e seus custos de Saúde e Previdência) aumenta, é cada vez menor o número de jovens para trabalhar e arcar com os gastos da sociedade, principalmente dos mais velhos.

Necessidade
Alemanha, Itália, Espanha, Japão, Coréia do Sul, Rússia, França, Inglaterra e mesmo os Estados Unidos são os países que mais precisam de imigrantes para que mantenham os níveis atuais de produtividade e bem-estar social. A Itália, por exemplo, precisaria receber em torno de 6,5 mil imigrantes por ano para cada milhão de habitantes, e a Alemanha, 6 mil. Já os estadunidenses precisariam aproximadamente 1,3 mil imigrantes ao ano para cada milhão de habitantes.


Segundo estudos da ONU, a imigração teria de dobrar na Europa para impedir a queda populacional do continente. Na Ásia, o Japão teria de receber um grande número de pessoas, e a Coréia do Sul, um país com uma tradição de emigração, teria de diminuir esse fluxo, ou então compensá-lo com o ingresso de mais estrangeiros. Em tese, os estadunidenses e os europeus não têm com que se preocupar, pois a migração dos países subdesenvolvidos para os desenvolvidos tem crescido desde a segunda metade do século passado.

Esses deslocamentos populacionais resultam de carências econômicas. Da mesma forma como fizeram os europeus ao aportarem em diferentes
locais da América, do século 19 até a primeira metade do 20, fundamentalmente em busca de trabalho e de melhores condições de vida, parte dos descendentes desses imigrantes agora retorna às terras de seus antepassados, movimento que poderíamos chamar de onda invertida.


Além disso, muitos imigrantes enviam regularmente parte do que produzem de volta a seu país de origem, o que tem sido uma fonte de renda adicional apreciável para algumas dessas nações. É o caso do México em relação aos EUA, e da Turquia em relação à Alemanha.

É preciso lembrar, porém, que nem todas as correntes migratórias têm como motivação os interesses econômicos. Há uma grande quantidade de pessoas que deixam seu país para fugir de guerras civis e perseguições de natureza política, étnica ou religiosa, especialmente na África, palco recorrente de conflitos armados de origem étnica e religiosa, intensificados durante os anos 90.

Se é fato que europeus e estadunidenses precisam de um fluxo imigratório constante para manter os padrões de produtividade de sua Economia e garantir uma condição de bem-estar aos seus aposentados,
também é fato que o aumento do desemprego e da intolerância a outras culturas têm provocado intensa reação contra a imigração. A crescente hostilidade das populações locais contra os estrangeiros tem instigado ações violentas, efeitos partidários e eleitorais na política interna e promulgação de leis mais severas com relação à entrada e permanência de estrangeiros.


O velho continente
Na parte ocidental da Europa, a maior parte dos 25 milhões de estrangeiros é procedente de nações subdesenvolvidas da América, África e Ásia. A partir dos anos 90 também aumentou muito a corrente migratória dentro do próprio continente. Com o fim da União Soviética, em 1991, as populações do Leste Europeu partiram principalmente em direção a Alemanha, França e Itália em busca de melhores condições de vida. Para ter uma idéia, entre 1990 e 1995, a Alemanha recebeu 1,5 milhão de imigrantes de origem alemã que viviam nos antigos países socialistas.

Segundo relatório da ONU elaborado em 2000, a União Européia, com uma população atual de 380 milhões de pessoas, precisaria receber até 159 milhões de imigrantes até 2025 para compensar o aumento do número de aposentados e o fraco índice de natalidade. Esse mesmo estudo relata que, entre 1999 e 2000, os estrangeiros foram responsáveis por 89% do crescimento demográfico no continente europeu. Sem eles, a população teria declinado em 4,4 milhões de indivíduos.
Para continuarmos nos números, a Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais da ONU estimou em 2005 entre 2,5 milhões e 4 milhões de pessoas em deslocamento ilegal no planeta. Desse total, 500 mil entraram no continente europeu.


Há certa predominância no fluxo migratório. Por exemplo, poloneses e turcos têm grande presença na Alemanha. Caribenhos, sul-africanos e indianos aportam regularmente no Reino Unido. Argelinos, tunisianos e marroquinos, na França. Latinoamericanos de origem hispânica e marroquinos vão para a Espanha. Albaneses, sérvios, eslovenos, tunisianos e líbios migram para a Itália e completam as principais correntes migratórias entre os países europeus, boa parte delas por vias ilegais.


Por conta própria ou com a ajuda de máfias, com as quais comprometem seus ganhos futuros, grandes contigentes têm entrado no que se convencionou chamar fortaleza Europa. Para ingressar no Reino Unido, por exemplo, os agenciadores cobram de 4,5 mil a 7,5 mil euros por pessoa. Isso torna os imigrantes dependentes deles, o que apenas estimula uma rede clandestina e potencialmente criminosa de negócios.


Para enfrentar esse problema, a União Européia dispõe de poucos recursos legais, uma vez que cada país tem legislação própria para lidar com essa questão. A distinção normativa, no entanto, permite que imigrantes entrem em um país do bloco que apresenta leis de imigração mais flexíveis para chegar a outro com normas mais rígidas, fato que torna o tema controverso entre os integrantes da entidade.


A busca por uma legislação una deve ser o objetivo, mas é difícil conciliar os interesses entre países que precisam mais de imigrantes – Itália, Espanha e Alemanha são os que mais necessitam de mão-de-obra – com os de outros que precisam menos – como a França e a Inglaterra. Há também a questão demográfica, que confronta países de maior população com outros menos populosos, ou com taxas de natalidade adequadas, como os casos da Holanda e da Suécia.

As propostas em andamento, com nuanças entre os países, partem da adoção de política de cotas, passam por mecanismos de imigração seletiva até a regularização em larga escala de imigrantes ilegais. A Espanha, por exemplo, regularizou 600 mil estrangeiros em 2005. A demanda crescente, a intolerância social
e o oportunismo de grupos políticos conservadores têm desgastado tais propostas.

A prioridade mais recente passou a ser simplesmente reativa, ou seja, um aumento da coibição da entrada ilegal, como o reforço no controle das fronteiras. A tragédia dos enclaves espanhóis de Ceuta e Mellila, na costa marroquina do Mediterrâneo, mostra que a tendência precisa ser mudada. Em agosto e setembro de 2005, centenas de africanos foram rechaçados a bala pelo exército espanhol. A represália deixou um saldo de algumas dezenas de mortos, e a maioria dos africanos foi transportada de volta em comboios pela polícia marroquina e abandonados em pleno deserto do Saara.


Embora haja a necessidade econômica inegável do recebimento de imigrantes, o aumento desregrado do fluxo migratório tem tornado mais clara a falta de coesão entre os países hospedeiros e a radicalização política interna entre eles. Isso desloca a questão para o terreno da segurança, tanto por políticos, quanto pela polícia, serviços sociais, imprensa e parte da opinião pública.


Estados Unidos
Nos EUA, a questão imigratória ganhou contornos radicais depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. A defesa de uma política integradora de imigração, necessária em algumas regiões do país, passou a confundir-se com uma política severa de segurança interna, a fim de impedir outros atentados terroristas. Desse modo, a imigração passou a ser criminalizada e deixou de ser vista como uma alternativa socioeconômica tradicional em um país forjado fundamentalmente por grandes ondas migratórias.


Vivem nos EUA em torno de 24 milhões de estrangeiros, o que representa 8% da população do país. Desse total, 12 milhões são clandestinos, e aproximadamente 500 mil novos imigrantes entram ilegalmente por ano. Os números impressionantes ajudam a explicar – nesse contexto político mais radical – as recentes medidas repressivas adotadas pelo Governo estadunidense.



Em setembro de 2006, o Congresso estadunidense aprovou a Lei da Barreira de Segurança. Homologada pelo presidente George W. Bush, a legislação determina a construção de um muro na fronteira entre os EUA e o México, ao custo de US$ 1,2 bilhão. Outra parte da lei, menos severa, previa um programa de concessão de vistos temporários que beneficiaria praticamente todo imigrante ilegal. A proposta, porém, foi rejeitada pelos integrantes do Partido Republicano. Isso ajuda a explicar a perda de votos que os republicanos tiveram nas eleições legislativas de novembro de 2006, quando 69% dos cidadãos estadunidenses de origem hispânica votaram nos candidatos do Partido Democrata.

O mais curioso é que a maior parte da população dos EUA é contra medidas truculentas, como a construção do muro. Pesquisa publicada no periódico econômico Wall Street Journal informa que 60% da população se dizem favoráveis a legislações que abram caminho para a cidadania dos ilegais, desde que atendam a requisitos como ter cinco anos de residência no país, estar empregado e não ter antecedentes criminais.
Apesar dessas iniciativas repressivas, os EUA continuam a ser o país que mais atrai imigrantes no mundo, devido à pujança de sua Economia, às suas amplas fronteiras, à pobreza reinante a partir de suafronteira com o México e à proximidade com o

Caribe, além da já mencionada tradição de tolerância em relação a estrangeiros.

Assim, muitos imigrantes preferem viver em condições ilegais nos Estados Unidos, pois sabem que ganharão mais do que em seus países de origem, mesmo quando estes atravessam boa fase econômica, como o caso do México nos últimos anos. País que, ademais, tira boa parcela de seu produto interno bruto (PIB), das divisas que retornam dos imigrantes estabelecidos no seu grande vizinho do norte.


Duas realidades
Ao comparar o fenômeno da imigração nos EUA e na Europa, chama a atenção a ausência de intolerância social e politicamente organizada contra os imigrantes nos primeiros e sua ocorrência cada vez mais intensificada na segunda. De forma geral, eles prosperam e são mais integrados ao mercado de trabalho entre os norte-americanos do que entre os europeus, devido, principalmente, a uma legislação trabalhista mais flexível nos EUA.


Isso não significa que hoje não existam problemas nos EUA semelhantes aos encontrados na Europa, como uma verdadeira subclasse de trabalhadores informais e à margem da lei. Mas eles têm conseguido maior integração do que nos países europeus, estabelecendo laços sociais e econômicos com imigrantes legalmente estabelecidos no país, em especial os de mesma etnia.


Destaca-se o grande contingente do que os norte-americanos chamam de “hispânicos”: cubanos exilados, brasileiros, panamenhos, mexicanos e guatemaltecos, entre outros. Essa fatia já representa 1/6 do total da população dos EUA e é a que mais cresce (22% em 2000, diante de 7% de brancos e de 2% de negros). A ascensão populacional latina em um país formado em sua maioria por brancos, anglo-saxões e protestantes, também explica a recente onda conservadora, representada pela construção do muro. Mesmo com esses problemas, os imigrantes que chegam aos Estados Unidos conseguem conquistar um lugar, pois o país continua a gerar empregos, ao contrário da recessão vivida pelos europeus, há vários anos.

Na Europa, os imigrantes ficam confinados em redutos específicos, como os árabes na França, os indianos na Inglaterra, ou os turcos no norte da Alemanha. São quase comunidades separadas, com pouca integração com o conjunto da sociedade e cultura de cada país. Mesmo sua inserção econômica é limitada, já que esses imigrantes ocupam posições sociais subalternas, preenchem as piores vagas de empregos e não têm acesso à Educação.
Essa segregação tem provocado reações violentas tanto por parte de grupos extremistas de direita – como por exemplo os ataques alemães contra turcos e curdos –, quanto por parte das comunidades de imigrantes – como a onda de incêndios nos subúrbios de Paris e outras cidades francesas, em 2005.

Já nos EUA, os imigrantes conseguem manter parte de seus costumes em consonância com o modo de vida vigente. Mas isso porque a sociedade estadunidense lhes permite, por meio da mobilidade socioeconômica, maiores chances de prosperidade e integração. É o caso da comunidade árabe que vive no país. Seus cerca de 3,5 milhões de habitantes têm nível educacional e de renda superiores à média nacional, e a maioria comunga das várias crenças do cristianismo (75% deles), ao passo que a imensa maioria dos 6 milhões de muçulmanos estadunidensesé negra, só para confundir os estereótipos.

Claro que a discriminação e a intolerância aumentaram após o 11 de setembro, mas nada que tenha alterado as características de uma comunidade étnica que, ao seu modo, participa da sociedade estadunidense. Se os europeus têm problemas mais sérios a resolver, como divergências internas, culturas nacionais diferentes e uma necessidade maior de abrigar trabalhadores com mão-de-obra pouco qualificada, o caso dos Estados Unidos não deveria suscitar medidas tão draconianas como a da construção de um muro.



Revista Discutindo Geografia

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