segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Atol das Rocas

Restos de corais se
transformam em “terra firme”
e formam paraísos ecológicos
no meio do oceano

... Navegamos assim muito tempo, entre tormentos sucessivos, até cerca de duzentas léguas do continente. Avistamos então uma ilha deserta (...) Costeando-a pela esquerda observamos que era verdejante de vegetação, embora em pleno mês de janeiro, e dela saiu uma multidão de aves, muitas das quais vinham pousar nas mestras e cordejos do navio, deixando-se apanhar com a mão, e de longe parecia esta ilha um pombal.
(Jean de Léry, janeiro de 1558)

Já no século 16, o viajante francês Jean de Léry, que descrevia as paisagens da costa brasileira, chamava a atenção do leitor para as belezas naturais do atol das Rocas. Com 7,5 km2, é a primeira unidade de conservação marinha do Brasil, estabelecida em 1978. É um dos menores atóis do mundo, mas trata-se do único do Atlântico sul ocidental. Formado no topo de uma ilha vulcânica, encoberta pelo mar, é constituído por um platô de recife de corais e algas calcárias do qual emergem as ilhas do Farol e a do Cemitério. Esse recife oval está situado no Rio Grande do Norte, a 260 km a leste de Natal e a 145 km a oeste do arquipélago de Fernando de Noronha.

O atol das Rocas foi descoberto em 1503, depois de a embarcação portuguesa comandada por Gonçalo Coelho ter naufragado. Mas as rochas aflorando durante as marés baixas lhe atribuem até hoje, entre os navegantes, um ar traiçoeiro.

Pirâmide de fósseis
A formação de um atol começa com a erupção de um vulcão submarino que se eleva acima da superfície dos quentes mares tropicais. As larvas microscópicas de animais marinhos simples que nadam livremente, chamados corais, se agrupam nas águas rasas e bem iluminadas dessa nova encosta.

Cada larva cresce e secreta uma carapaça de calcário ao seu redor. A parte mole do animal adulto, o pólipo, passará o resto da vida nesse esqueleto externo. Para reproduzirse, o pólipo projeta “pequenos botões” que se transformam em novos pólipos, os quais também formarão sua carapaça, e assim por diante. Além dos corais, principais arquitetos dos recifes, algas marinhas, como as coralinas, contribuem para cimentar os diversos corais com compostos de cálcio.

Segundo o oceanógrafo francês Jacques-Yves Cousteau (1910-1997), um único atol representa “um volume de construção milhares de vezes superior à maior das pirâmides construídas pelos faraós. Os pequenos pólipos utilizaram quantidades espantosas de dois ingredientes: carbonato de cálcio, extraído do mar, e tempo, medido em milhões de anos. E certamente, sepultados centenas de metros abaixo das cidades de coral, encontram-se os fósseis dos antigos ancestrais de todos os recifes, datando cerca de 2 bilhões de anos – quase a metade da vida do planeta!”


Para se tornarem construtores, os corais precisam de águas quentes. A temperatura afeta a combinação de cálcio dissolvido com o carbono do dióxido de carbono, formando o carbonato de cálcio. Além disso, emáguas quentes, o carbonato de cálcio se cristaliza para soldar todos os componentes do recife.

A colônia cresce quatro centímetros por ano, sobre os esqueletos dos corais mortos. Após milhares de anos de “construção”, o que se vê é um belo anel coralino envolvendo uma laguna central. Praias de areia e uma vegetação rasteira com algumas poucas árvores altas transformam o recife numa ilha. Nasce assim um atol.
Impacto ambiental
O santuário ecológico brasileiro abriga milhares de aves marinhas migratórias e residentes, que utilizam o atol para descanso, alimentação e acasalamento. São trinta-réis, andorinhas-do-mar, atobás, mergulhões e fragatas, que todo ano agitam a ilha.

Assim como em Fernando de Noronha, o atol das Rocas também é berçário de duas espécies de tartarugas. Entretanto, a maior biodiversidade e o equilíbrio ecológico do atol estão no mar.

Os recifes de corais são os pontos de maior concentração de vida nos oceanos. Mais de 5 mil espécies de peixes, 10 mil de moluscos – além de uma quantidade incontável de algas e crustáceos– vivem e se reproduzem em torno das estruturas delicadas e coloridas, poucos metros abaixo da superfície. Só é possível compará-los, em termos de biodiversidade, às florestas tropicais.


E, assim como as florestas, esse ecossistema está em perigo. Estima-se que, se a ação predatória do homem continuar, os corais podem desaparecer em menos de 100 anos. Atualmente, a cada três recifes de corais, um está em mau estado. Há dez anos, essa proporção era de um para dez.

Essa triste constatação numérica revela que aproximadamente 60% das áreas de corais existentes no mundo já estão ameaçadas, sendo que desse percentual, aproximadamente 16,7% estão irremediavelmente destruídas e 33% seriamente comprometidas.

Além da pesca predatória de peixes e moluscos, que rompe a delicada cadeia alimentar do ecossistema – e mata os corais –, a poluição costeira, a contaminação por pesticidas carregados das lavouras pelas chuvas e o turismo descontrolado também contribuem para essa destruição.

No oceano Pacífico, pescadores despejam cianeto nos recifes para facilitar a captura de peixes ornamentais; porém, não consideram que a técnica também mata os corais. No Brasil, os corais sofrem com a água sanitária lançada neles para a captura de polvos, e recentemente o atol tem sido alvo de intensa atividade pesqueira predatória de lagosta.

Outra ameaça é o branqueamento dos corais. Tal fenômeno tem origem no aquecimento global, que provoca elevação da temperatura da água (acima de 28 ºC), aumento da fotossíntese e da liberação de toxinas (veja quadro “O Branqueamento”). Em 1998, Ano Internacional dos Oceanos, uma colossal onda de branqueamento matou 16% dos corais do planeta. O fenômeno se repetiu na Austrália entre 2001 e 2002, com resultados desastrosos. É possível que esse acontecimento seja cíclico, só que agora ocorre num momento em que a pressão humana sobre os corais se tornou mais crítica.

Uma possível solução aponta para a criação de zonas de proteção internacional onde haja um rígido controle do acesso humano. Até o momento, parece que a tentativa de convivência harmoniosa entre o homem e os corais tem fracassado.

Fabiana Zuliani é mestre em Geografia e professora do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.
André Roberto de Arruda Corrêa é biólogo, mestre em Gestão Ambiental e coordenador do curso de Ciências do Colégio Visconde de Porto Seguro.
O BRANQUEAMENTO
A vida no coral depende principalmente da estreita relação (simbiose) entre esses celenterados e algas microscópicas, que vivem dentro deles, chamadas zooxantelas. Os corais também podem se alimentar capturando o alimento com seus tentáculos, mas é a energia extra provida por essas algas – por meio da fotossíntese – que faz os recifes manterem seu metabolismo acelerado, necessário para a produção do esqueleto de carbonato de cálcio.

Quando essas algas deixam o tecido coralino, ocorre o branqueamento. Se a perda de clorofila (pigmento fotossintético) atingir 60%, dizemos que o coral branqueou. Na realidade, o tecido vivo fica transparente e é possível enxergar o esqueleto de carbonato de cálcio, por isso a cor esbranquiçada.

Se o agente causador de estresse não for muito severo e diminuir com o tempo, o coral poderá se recompor após algumas semanas ou meses. Mas se o estresse for muito prolongado poderá matar colônias inteiras de uma só vez.

Não é só poluição, no entanto, que provoca esse fenômeno. Vários fatores, sozinhos ou combinados, podem provocá-lo: • Temperatura – os corais vivem dentro de uma margem muito pequena de variação térmica e morrem com quedas súbitas na temperatura do mar, associadas a eventos de ressurgência, ou aquecimento abrupto – devido tanto ao efeito estufa quanto ao El Niño.

• Radiação solar – normalmente, ocorre um branqueamento no topo das colônias no verão, principalmente em regiões onde a camada de ozônio está mais degradada.
• Diminuição da salinidade – já foram observados branqueamentos em ocasiões de fortes tempestades sobres recifes rasos e próximos à foz de rios.

Revista Discutindo Geografia

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