segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

CORÉIA CRIA PÔLDER GIGANTE SOBRE O MAR AMARELO

Grégoire Allix
22/12/2008
Publicado originalmente em Le Monde, edição de 26 de agosto de 2008, sob o título "Gagner 400 km² sur la Mer Jaune" [Avançar 400 km² sobre o Mar Amarelo].
Tradução: Letícia Ligneul Cotrim
Revisão técnica: Mauro Almada

* * *
A CORÉIA DO SUL QUER CRIAR UM PÔLDER¹ GIGANTESCO, NO ESTUÁRIO DO RIO SAEMANGEUM, AO SUL DE SEUL: UM DESAFIO SEM PRECEDENTES, COM UM IMENSO IMPACTO ECOLÓGICO E UM CUSTO ASTRONÔMICO.

A área a ser aterrada.
Crédito: Google Earth
O Emirado de Dubai impressionou o mundo, recentemente, ao fazer brotar, das águas do Golfo Pérsico, luxuosas ilhas e arquipélagos artificiais em forma de 'palmeira' e de 'planisfério'. Já a Coréia do Sul prepara-se para superar este desafio criando, sobre o Mar Amarelo, um pôlder gigantesco, com mais de 400 km² de extensão – a maior faixa de terra já conquistada ao mar – uma operação mais impactante que os 53 km² de aterros [poldérisation] da cidade nova de Songdo, onde arranha-céus germinam da terra, a apenas algumas dezenas de quilômetros de Seul. Bem mais ao sul, a 270 km da capital, o estuário do Rio Saemangeum está sendo preparado para acolher [censé laisser la place] uma 'zona franca' econômica que provocará a eclosão, ali, de complexos industriais e residenciais, plantações agrícolas, zonas de reserva natural e equipamentos de lazer.


O mapa 'ideogramado' mostra a planície a ser inundada.
Crédito: populargusts.blogspot.com
Até o momento, no entanto, ainda está tudo por ser inventado. As equipes de arquitetos e urbanistas selecionadas para definir os contornos dessa 'extensão territorial', deveriam ter sido oficialmente anunciadas em Seul, no dia 25 de agosto último, ao término de um concurso internacional de idéias, lançado em janeiro de 2008. Concorreram sete equipes, formadas pela associação de escritórios de Arquitetura com centros de pesquisa universitária, especializados em Urbanismo, das quais três foram premiadas pelo UDIK – Urban Design Institute of Korea –, instituição organizadora do concurso: as integradas pela Columbia University, de Nova Iorque; pela London Metropolitan University, e pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology, próximo a Boston.

"Nada se sabe sobre o que acontecerá em seguida", nos informa Alexander D'Hooghe, arquiteto belga e professor do MIT, que se associou a seu colega de Boston, Nader Tehrani. Pode ser que o Governo coreano solicite aos três laureados que trabalhem juntos, ou que repartam o sítio. De qualquer modo, nunca se chegou a afirmar que, ao vencedor, seria confiada a realização do projeto. "Para os coreanos trata-se, muito mais, de conseguir um pacote de idéias [des boîte à idées]".

Detalhe do resort turístico.
Crédito: populargusts.blogspot.com
O senhor D'Hooghe tem idéias espirituosas. É bom que se diga que se formou com o mestre holandês Rem Koolhaas, um dos arquitetos que mais provoca surpresas [décoiffants] em todo o mundo. As imagens sintéticas fornecidas por sua equipe mostram um arquipélago de 7 ilhas e penínsulas com um arranjo futurista, mais próximo dos cenários criados por Hollywood para a colonização de astros longínquos, do que propriamente projetos urbanos para nosso velho e bom planeta Terra.
O setor dedicado às atividades industriais se desdobra, ao norte, em 330 'módulos ajardinados' ['chambres paysagées'] de diferentes formatos [tailles], separados por renques de árvores ou canais, podendo acolher tanto fábricas quanto universidades ou um 'aeroporto espacial' com destinos para as estrelas...

O início do molhe, de um lado...
Crédito: Erik Versavel in picasaweb.google.com

...e do outro.
Crédito: Erik Versavel in picasaweb.google.com
Ao sul, o setor destinado às atividades de lazer, e a moradias para meio milhão de habitantes, conforma uma "constelação, como as estrelas no céu ou os diamantes numa coroa", explica [revendique] a equipe em seu memorial. São pequenos núcleos habitacionais [petites villes], assemelhados a polígonos e implantados no topo de colinas artificiais, interligados por vias em formato de estrela e separados por zonas triangulares destinadas a culturas agrícolas ou 'reservas naturais' – entre aspas, é bom que se diga, já que o território é, todo ele, artificialmente desenhado, e em seus mínimos detalhes.

A demarcação dos aterros prioritários.
Crédito: Erik Versavel in picasaweb.google.com
Considerando-se a amplitude sem precedentes do projeto, e a vacuidade e imprecisão de seu programa, deveríamos desconfiar dos efeitos dessa inconseqüência [effets de manche] de futuro imprevisível [sans lendemain]. Exceto pelo fato [sauf] de que a operação – concebida nos anos 70 e relançada somente vinte anos mais tarde – já tenha começado ! Desde 1991, obras verdadeiramente faraônicas modelam o delta, na foz dos rios Dongjin e Mangyeong. E um primeiro recorde já foi batido pelos trabalhos [ouvrage record a été achevé], no ano de 2006: um gigantesco dique, com 33 km de extensão – o mais longo jamais construído pelo Homem, posto que o Afsluitdijk, nos Países Baixos, mede 500 metros a menos.

O assoreamento próximo à orla.
Crédito: Erik Versavel in picasaweb.google.com
Cerca de € 1,5 bilhões já foram gastos para manter o Mar Amarelo à distância. Mas será necessário aportar ainda – numa estimativa conservadora –, pelo menos mais € 850 milhões para transformar o estuário em 29.000 hA de solo seco e 12.000 hA de reservatórios de água doce. Um custo astronômico, certamente, mas "para pequenos países, montanhosos ou já muito adensados – como a Coréia do Sul –, implantar grandes obras de infra-estrutura se torna muito complicado, pois obriga a expropriar enormemente as pessoas [exproprier énormement de gens]. Por isso, é um pouco menos demorado e menos custoso construir sobre a água", explica Alexander D'Hooghe.
De qualquer modo, tal opção apresenta um pequeno problema: para numerosas associações de defesa do Meio Ambiente, como Os Amigos da Terra, a Federação Coreana de Associações de Defesa do Meio Ambiente (KFEM) ou a BirdLife, o represamento [endiguement] do estuário significa uma catástrofe ecológica.

Avançando 33 km mar adentro.
Crédito: Erik Versavel in picasaweb.google.com
Essa gigantesca zona inundável era, na verdade, uma formidável reserva de biodiversidade. Os sedimentos do rio proporcionavam abrigo e refúgio para centenas de milhares de pássaros limícolas², e os brejos pantanosos acolhiam a reprodução de aproximadamente 160 espécies de peixes, sem contar os caranguejos e as algas marinhas. As espécies ameaçadas, como a galinhola (Scolopax rusticola), o ostraceiro-europeu (Haematopus ostralogus), a gaivota de Saunders (Larus saundersi), mas também a lavandeira de Nordmann, ou lavandeira manchada (Tringa guttifer), e as becasseau de l'Anadyr (Calidris tenuirostris), se verão, a partir de agora, privadas de uma escala essencial em suas rotas migratórias. Isto, sem falar dos milhares de pescadores doravante desprovidos desses recursos naturais.

A ponta de lança furando o Mar Amarelo...
Crédito: Erik Versavel in picasaweb.google.com
As oposições estão organizando passeatas de protesto que têm retardado a progressão do canteiro de obras. E o projeto já foi paralisado duas vezes, em 2003 e em 2005, por decisões do Tribunal Administrativo de Seul. Em todos os casos, no entanto, o Governo obteve ganho de causa através de recursos.
"O mais bizarro é que o dique foi construído antes de se saber o que ali iria ser feito, e por quê!", comenta Monsieur D'Hooghe. "Este projeto obedece a uma idéia de 'progresso' um tanto ou quanto perversa. Trata-se de uma grande máquina, colocada em funcionamento a plena carga... mas sem um condutor. E, para nós, é um tanto surrealista estar viajando neste trem".
Este sentimento, no entanto, não o impede de ainda esperar que o manejo do estuário seja colocado sob sua responsabilidade. "O dique já está lá; e o problema ecológico já foi criado. Da parte dos coreanos, o concurso de Urbanismo também tinha como objetivo dar uma resposta aos críticos da obra. Será que ainda se pode melhorar as coisas através do desenho do território ? É isto que estamos tentando fazer. Criamos, por exemplo, novas zonas úmidas e conectamos nossa intervenção com o parque nacional vizinho".

...no rastro das retro-escavadeiras...
Crédito: blog.jinbo.net
O 'desenvolvimento sustentável' – este "Abre-te Sésamo" contemporâneo para todo projeto urbano – não foi, no entanto, de todo esquecido. "Apostamos numa boa eficácia energética, dispersando os núcleos urbanos [villes] pelo território – o que permite uma maior aproximação entre habitações e locais de trabalho –; orientando corretamente as edificações e ruas, para aproveitar ao máximo as energias renováveis; limitando o uso do ar condicionado; enfim, ao invés de construir tudo de imediato, bem bonito e bem verde, queremos manter os espaços 'indeterminados'. Por isso, estamos propondo zonas onde as formas são definidas precisamente, mas não as funções, o que proporciona uma grande flexibilidade que perdurará por centenas de anos".
Com o que se parecerá, ao final, o estuário Saemangeum ? É difícil prever. Mesmo que se mobilize uma enorme frota de barcaças para dragagem, serão necessários entre 10 e 15 anos para que se despeje toda a terra que conformará o 'suporte' deste novo território. E isto nos confere um tempo para refletir sobre a arquitetura das futuras construções.

...e dos caminhões-basculante.
Crédito: blog.jinbo.net

NOTAS DE TRADUÇÃO
1. Pôlder: segundo o Aurélio, é uma "planície que, inundada ou sujeita a inundação pelo mar ou rios, é protegida por diques e dessecada continuamente com o fim de torná-la utilizável na agricultura e/ou na habitação. [Grande parte do território da Holanda é constituído de pôlderes]".
2. Límicola: segundo o Aurélio, "diz-se de animal que vive na lama, em terrenos alagadiços ou pantanosos, na vasa ou no fundo do mar".

Revista VIVERCIDADES

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos