terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Irã - O outro lado de um estado islâmico

Apesar da fama de radicalismo do país dos aiatolás, o Irã apresenta uma população jovem que aspira a manter contato com as sociedades ocidentais

Texto: Caio Vilela

A mesquita Vakil em Chiraz é uma imagem de beleza em contraste com a aridez do deserto: símbolo de um Irã diferente do que se vê no noticiário dos jornais


Por causa das desavenças políticas internacionais, apesar de estar interessado em conhecer de perto as paisagens desérticas e a cultura milenar do Irã, passei seis anos “cozinhando” a idéia de percorrer o país. Na minha memória, como de parte dos brasileiros, prevalecia a imagem deixada pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush, que, em janeiro de 2002, em pronunciamento à nação, qualificou o Irã, a Coréia do Norte e o Iraque como países que integravam o “eixo do mal”, devido ao seu interesse na fabricação de armas nucleares. A desconfiança para com o país tendeu a se acirrar com as declarações recentes e agressivas do atual presidente conservador Mahmoud Ahmadinejad e os sinais ainda presentes da teocracia instalada após a Revolução Islâmica de 1979.

Fica difícil ter uma idéia muito clara de como é a vida nesse país de aiatolás (dirigentes religiosos muçulmanos) e dissociar a sua população da idéia do “eixo do mal”. No meu caso, o projeto de conhecer o Irã só foi adiante após o encorajamento de um grupo de iranianos que conheci por meio do orkut. “Visitar o Irã não é uma aventura inconseqüente ou imprudente”, garantiam meus amigos da comunidade eletrônica.

Nos bares e restaurantes, o costume é tomar o narguilé
“Pode vir tranqüilo, nossa terra é muito diferente da visão assustadora que a mídia internacional retrata no Ocidente”, prometeu Shizar, arquiteto recém-formado pela Universidade de Teerã. Acreditei no que ele dizia e não me arrependi. Como imaginava, por trás dos rígidos costumes impostos pela teocracia islâmica, existe um país fascinante, alheio a essas questões do terrorismo e pronto para ser descoberto por quem se interessar em aprender um pouco de seus 2.500 anos de história.

É impossível negar que o Irã tem um lado radical, identificado pela repressão oficial e não oficial das forças de segurança. Cartazes contra os Estados Unidos se espalham pelas ruas das grandes cidades, apresentando o pensamento dos religiosos mais duros. Persistem as leis rígidas e discriminatórias contra as mulheres, apesar de elas ocuparem 67% das vagas nas universidades e constituírem a metade da força de trabalho. Mas, uma parte da população, principalmente os mais jovens e universitários, apresentam uma outra face do país bem mais generosa.

Desembarquei em Teerã, a capital iraniana, às 2 horas (da madrugada). Apesar do horário inconveniente, meus amigos do orkut já me esperavam no aeroporto e tinham planos para cada dia de minha estadia em sua terra. Na primeira noite, durante o jantar, a família de Shizar me recebeu como se eu fosse um parente que há muito tempo não viam. Para reforçar as boas maneiras, meu jovem amigo batia nas minhas costas e brincava: “Honestamente, nós parecemos terroristas?”

Ele me levou para conhecer Teerã, uma cidade com mais de 12 milhões de habitantes, rodeada pelas montanhas Alborz e seus picos cobertos de neve. O ar poluído, o trânsito barulhento, incentivado pela gasolina barata e a falta de planejamento urbano, desagradam à primeira vista. Na área mais rica da capital, surgem shoppings, cybercafés e pizzarias que servem a Zam-Zam (Coca-Cola iraniana). Escondidos entre os prédios e avenidas em construção por toda parte, destaca-se o Museu Arqueológico, com objetos que sobraram de Persépolis, a antiga capital do império persa, e o bazar com seu comércio vibrante.

A mesquita de Jamé, em Eftahan, foi construída no século 11, mas modificada em séculos posteriores. É conhecida pela variedade de estilos
A “metade do mundo”

Encorajado por Shizar e sua família, segui viagem rumo ao sul. A parada seguinte foi em Esfahan, capital da antiga Pérsia no século 16. A cidade possui mais de 2 mil monumentos históricos, boa parte construída entre os séculos 16 e 18, quando era considerada “metade do mundo” pelos persas. Entreposto de comércio no meio do deserto, ativo desde a época da Rota da Seda, Esfahan era um centro de zoroastrismo antes da chegada do islamismo trazido pelos árabes. Hoje, essa antiga religião, que cultua o fogo e deu às outras as primeiras representações do bem e do mal, ainda está viva em alguns templos da região.

Entre persas e árabes

Não é à toa que a palavra “paraíso” vem do persa pardés e significa “jardins dos prazeres do rei”. Esfahan é a prova dessa definição, com seus desertos pontuados por oásis de bosques de romãs e jardins de pistache. A beleza dos jardins e o colorido dos mercados refletem também o povo doce e sorridente, cuja hospitalidade lendária é conhecida desde os tempos de Marco Polo, o viajante veneziano que esteve na Pérsia no século 11 a caminho da China. No coração da cidade fica a imensa praça Emam Khomeini, em homenagem ao aiatolá que comandou a revolução islâmica e até hoje é adorado como se fosse um santo. Seu nome, aliás, foi dado a incontáveis monumentos antes dedicado à monarquia.

A entrada monumental da mesquita, naturalmente também dedicada ao Emam, com seu portal de 30 metros ladeado por dois imensos minaretes de 42 metros de altura, confere aos fiéis a certeza de sua insignificância diante de Alá. Nas paredes e no teto, o esplendor se deve aos mosaicos de tons azulados e às inscrições em caligrafia árabe.

Mercados oferecem pistache, tâmaras, azeitonas e temperos
Saindo da praça e andando pela extensa malha de ruas cobertas e interligadas, perde-se em um labirinto com cheiro de romãs, pistache, açafrão, perfumes e doces típicos. É o reino do comércio, no qual os mercadores afegãos, cazaques, turcos, paquistaneses e iranianos exibem todo tipo de mercadoria, principalmente tapetes. Embora atraído por tantas novidades, descubro que meu cartão de crédito é inútil diante do embargo econômico ao regime dos aiatolás.
A agitada vida noturna de Esfahan é turbinada com chá e ghaliam (narguilé ou cachimbo d’água), pois é proibido o consumo de bebidas alcoólicas. Dentro dos grandes mercados ou à margem do rio Zahedan, as casas de chá, ou tchay khune em farsi (língua persa iraniana), reúnem gente de todas as classes sociais, estudantes e trabalhadores. Segundo Paivand (outro dos meus amigos do orkut), esse é o ambiente para se conversar sobre tudo – exceto religião. Negócios, namoros, futebol, internet e poesia parecem ser temas freqüentes nas conversas dos jovens iranianos dessa cidade histórica e, atualmente, universitária.

Na companhia de Paivand, conheci diversos restaurantes em Esfaphan, descobrindo uma cozinha oriental com poucos pontos em comum com a tradicional culinária árabe. Lentamente, acabei me adaptando à etiqueta de uma mesa na qual, entre outros costumes, nada pode ser mais bizarro do que comer arroz com garfo (eles preferem com a mão). O tempero sumac, presente em quase todos os tipos de khoresh (cozidos), está sempre presente, como também o famoso açafrão iraniano.

Cartazes contra os Estados Unidos se espalham pela capital Teerã e outras grandes cidades iranianas
A próxima parada da viagem foi Shiraz, a 400 quilômetros ao sul. No passado, a cidade recebia um grande número de visitantes por ser a porta de entrada para as milenares ruínas de Persépolis, a antiga capital do império persa destruída em 331 a.C. pelos exércitos de Alexandre.

Abandonada, Persépolis foi coberta pelas areias do deserto e só reapareceu em 1930. Sobraram monumentos que dão uma idéia do que representou esse império poderoso que, por volta do século 5, dominou da Índia até a Turquia. O portão de Xerxes guarda ainda duas gigantescas colunas, adornadas com seres alados, meio homem e meio touro, esculpidos na pedra. Do palácio central, restam os muros com cenas de representantes de povos estrangeiros trazendo suas oferendas aos imperadores persas. O imperador Dario I, responsável pela obra monumental que demorou 120 anos para ser concluída, hoje repousa em uma tumba no alto de um paredão esculpido, junto com seu filho Xerxes. Sob suas ruínas, o silêncio das primeiras horas matinais vem acompanhado de luz suave e temperaturas amenas no deserto. Ali continua em pé o Portão de Todas as Nações, por onde chegavam vassalos de outros reinos para pagar tributos aos imperadores persas.

Persépolis presenciou também uma das últimas manifestações do antigo regime do xá Reza Pahlevi que, em plena decadência do seu governo, resolveu, em outubro de 1971, comemorar os 2.500 anos de fundação do império persa. Foram três dias de celebrações luxuosas e extravagantes, enquanto o país protestava. Acabou ocorrendo o inevitável: o choque entre uma crescente população jovem e um regime que não oferecia nem os avanços de um estado moderno nem a estabilidade de uma sociedade tradicional, criaram as condições para a revolução islâmica. Nesses trinta anos, a sociedade mudou e os meus amigos, que nunca viveram sob o antigo regime, querem apenas levar uma vida normal em um país rico que ainda está em busca de seu caminho.

Uma república religiosa

Mesmo morto, a figura do aiatolá Khomeini (1900-1989) está sempre presente na vida dos iranianos. Com o fim do regime ditatorial do xá, o líder religioso uniu a oposição e assumiu o poder em 1979, estabelecendo o grande princípio da revolução islâmica, sobre o qual se apóia o regime atual: o de que cabe aos aiatolás controlar o Estado e o governo. Estabeleceu-se assim a república islâmica do Irã, com leis conservadoras inspiradas na religião. Assim, diferentemente das democracias ocidentais, no Irã, as relações políticas, econômicas, sociais e culturais devem estar de acordo com os preceitos islâmicos. O guia supremo é, atualmente, o aiatolá Ali Khamenei, que sucedeu a Khomeini. O aiatolá pode demitir o presidente, eleito a cada quatro anos. O atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad, é conhecido por suas declarações polêmicas sobre Israel e os Estados Unidos e por ter retomado o programa nuclear de seu país.


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Revista Horizonte Geográfico

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