domingo, 11 de janeiro de 2009

Guerras, miséria e epidemias marcam a história do continente - ÁFRICA


Pobreza extrema, epidemias e genocídio. Conheça os problemas
que matam milhões de africanos todos os anos

África: continente cinematográfico, com seus safáris e animais selvagens que se espalham pela imensa savana. Também é a memória viva do período colonial e da escravidão, cuja mão-de-obra forçada perdurou por séculos. Terra dividida e marcada pela fome, pela pobreza extrema, pela proliferação da aids e outras doenças ainda sem cura, pela baixa expectativa de vida e pela guerra.


A África é o continente com o maior número de conflitos da atualidade. Cerca de 7 milhões de pessoas vagam sem rumo pelo continente, 30% do total de refugiados no mundo contemporâneo. Não há dados certos sobre o número de mortos, mas segundo a ONU, nos últimos dez anos, pelo menos 15 milhões de africanos foram assassinados em guerras civis. Massacres causados por diferenças étnicas, religiosas e políticas. Hoje cerca de 30 países estão envolvidos em confrontos armados; destes, alguns já se arrastam há décadas.

A luta pela indepêndencia contra os portugueses e os posteriores conflitos internos resultaram em dois milhões de mortos e milhares de mutilados

A recente história de Angola e Moçambique é marcada por raízes em comum. Os dois países africanos foram colonizados por Portugal no final do século 15. Das colônias africanas, a metrópole lusitana queria riquezas minerais, mão-de-obra escrava e a ampliação de sua influência pelos mares, transformando-as em Províncias Ultramarinas Portuguesas.

Os colonizadores reprimiam violentamente os descontentes e estimulavam a rivalidade entre tribos. Um saldo dessa opressão é a queda de 18 para 8 milhões de habitantes só em Angola durante quatro séculos de colonização. Essa enorme redução se deveu ao tráfico de escravos e assassinato de milhões de insurgentes.


No século 20, particularmente no início da década de 1960, angolanos e moçambicanos intensificaram as lutas contra os colonizadores, combatendo as tropas portuguesas por quase 15 anos, para conquistarem a autonomia política. Foi só em 1975 que a independência finalmente chegou, após Portugal passar por uma grande instabilidade política (veja o box “Revolução dos Cravos”). No entanto, a independência não trouxe a tão sonhada paz que a população almejava. Após a luta contra os portugueses, começaram os conflitos internos pelo poder envolvendo as diversas facções que haviam combatido as tropas coloniais.

Em Angola, a guerra civil inseriu-se no jogo estratégico da Guerra Fria, tendo como protagonistas a Unita (União Nacional pela Independência Total de Angola), apoiada pelos EUA e pela África do Sul, e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), com ajuda dos soviéticos. Com o término da Guerra Fria, no final da década de 1980, o conflito interno perdeu o sentido e o apoio dos antigos aliados. O fim dos combates ocorreu em 1994, com a assinatura do protocolo de Lusaka (Zâmbia), intermediado pela ONU.


Três anos depois, a Unita começou a integrar um governo dereconciliação nacional, buscando solucionar os diversos problemas que o país ainda hoje possui – o maior desafio é a miséria que assola a maioria da população angolana. Os quase 40 anos de guerra produziram várias tragédias: 2 milhões de mortos, 1,9 milhão de refugiados, milhares de feridos durante e após os conflitos, mutilados pelas minas terrestres. Em Angola, 200 pessoas morrem de fome todos os dias.


Algo muito semelhante ocorreu em Moçambique, onde a guerra civil contrapunha a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) – que governava o novo país e recebia ajuda da União Soviética – e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana). Esta última entidade era composta por simpatizantes do antigo regime, atrelado a Portugal e que recebia apoio ideológico e logístico da África do Sul – que realizou ataques diretos ao território moçambicano no início da década de 1980. Tais represálias levaram o presidente moçambicano Samora Machel a denunciar o governo de Pretória publicamente por ferir acordos de não-agressão assinados entre os dois países.


A tensão piorou em 1986. O então presidente moçambicano morreu num acidente aéreo, cujas causas até hoje são desconhecidas. Na década seguinte, já inserido no contexto pós-Guerra Fria, a Frelimo descarta suas propostas socialistas, promovendo a abertura econômica, em amplo processo de privatização. Mudanças políticas também foram implantadas, levando os partidos de oposição a serem reconhecidos, incluindo negociações com a Renamo. No entanto, o processo de paz avança lentamente, tendo como um dos maiores empecilhos a extrema pobreza – que desestabiliza os acordos entre as facções políticas rivais –, agravada por epidemias, como a de cólera, registrada em 1998.


A realidade moçambicana é reflexo de uma guerra civil que já custou US$ 20 bilhões e tem um triste saldo: 1 milhão de mortes e 5 milhões de refugiados.

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS


O regime monárquico português terminou com a queda do rei Manuel II, em 1910. Mas os ideais liberais e anticlericais da República geraram instabilidades político-sociais, que resultariam no golpe de Estado em 1926 e o começo da ditadura militar. Seis anos depois, com António Oliveira Salazar no poder, inaugurou em Portugal o regime fascista, conhecido como Salazarismo.


Salazar deixou o cargo em 1968, após um derrame cerebral, e foi substituído por Marcelo Caetano, que prosseguiu com a estrutura ditatorial. No entanto, os ventos mudariam a partir de década de 70. Problemas econômicos, somados aos combates nas colônias africanas, especialmente em Angola e Moçambique, geraram descontentamento entre os militares. Em 25 de abril de 1974, alguns deles se rebelaram e derrubaram o governo de Marcelo Caetano.A população comemorou o fim da ditadura distribuindo flores aos soldados rebeldes, ato que batizou o movimento de Revolução dos Cravos.

A esperança no ouro negro

O petróleo é um dos grandes trunfos econômicos para os angolanos superarem as dificuldades econômicas. Detentor de grandes reservas desse recurso energético, o


país se mantém como o segundo principal produtor da África Subsaariana, superado apenas pela Nigéria. A economia angolana está fundamentada nessa matéria-prima, já que aproximadamente 54% de seu Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, mais da metade de sua receita vem da extração e do refino de petróleo e gás natural. A economia angolana ocupa a 80ª posição no ranking das maiores economias do mundo, divulgado em julho de 2006 pelo Banco Mundial.



Segundo especialistas, as reservas africanas chegam a 100 bilhões de barris, com a maior parte concentrada na porção centro-ocidental, especialmente em países como Nigéria, Camarões, Gabão e, mais ao sul, Angola. Esse é um dos motivos que levam os EUA a se interessar tanto pelo continente. A importância do petróleo africano cresce paralelamente ao aumento dos problemas geopolíticos do Oriente Médio – região dos maiores produtores de petróleo do mundo.


Há poucos anos foi inaugurado um oleoduto que liga reservas petrolíferas do Chade ao porto de Kribi, em Camarões. A obra facilitou o carregamento desse produto em navios que transportam o petróleo até os portos norte-americanos. Na porção oriental, os EUA muito se empenharam para estabilizar as difíceis relações diplomáticas com o Sudão, a fim de investir nas importantes reservas daquele país.


No campo, o café é a principal cultura angolana, seguida pela cana-de-açúcar, pelo sisal, milho, óleo de coco e amendoim. A maior força industrialé o beneficiamento de alimentos, mas também merece destaque a produção de açúcar, cerveja, cimento e madeira. O território angolanoé rico em minerais. Além do petróleo, destacam-se especialmente as jazidas de diamantes, ferro, cobre, manganês e urânio, entre outras.


Entretanto, a riqueza do petróleo e dos diamantes não chega ao
povo. A maioria da população angolana sobrevive com um salário mínimo equivalente a US$ 50 (cerca de 5 mil kwuansas). Segundo órgãos oficiais, uma família de seis pessoas necessitaria de, no mínimo, US$ 300 por mês para fazer três refeições diárias. A situação ainda é agravada pela escassez de produtos e conseqüente ágio no mercado informal.


Moçambique
A economia moçambicana está baseada na agricultura, que absorve cerca de 80% da população economicamente ativa (PEA). Quase 45% do território nacional apresenta condições climáticas (predomínio do clima tropical úmido) favoráveis para o plantio.


Apesar desses fatores, o país tem economia pouco dinâmica (pequena circulação de capital), pois mais da metade da atividade agrícola é desenvolvida em culturas de subsistência, com flagrante desarticulação com as atividades comerciais. Segundo levantamento do Banco Mundial feito em julho de 2006, Moçambique ocupa a 120ª colocação com Renda Nacional Bruta (que envolve o PIB fluxos líquidos de rendas dos fatores) de US$ 6,138 bilhões.

Seus principais produtos são algodão, cana-de-açúcar, castanha de caju, mandioca e copra (polpa de coco). Já na mineração, Moçambique se destaca por apresentar uma das maiores reservas de carvão mineral do continente, além de boas reservas de ouro, bauxita, pedras preciosas e semipreciosas.


O turismo em Moçambique também tem recebido investimentos, principalmente as regiões propícias ao mergulho, nos seus mais de 2 mil quilômetros de litoral, e os parques e reservas de animais, no interior. Nos últimos anos, há uma forte iniciativa do Governo para criar a infra-estrutura mínima no país. Dentre as principais iniciativas estão a melhoria e construção de estradas, além da constante busca por parceiros que queiram investir no desenvolvimento dos setores de tecnologia da informação. As dificuldades econômicas, porém, são imensas – o salário mínimo é de cerca de US$ 50 –, e tudo se torna mais difícil num país repleto de campos minados, como é Moçambique.


Heranças da guerra
Os vários anos em que Angola e Moçambique estiveram em guerra já fazem parte da história, mas as marcas dessa época estão presentes. Ainda hoje é possível encontrar minas terrestres espalhadas durante a guerra civil. Organizações Internacionais calculam que aproximadamente 3 milhões desses artefatos estejam enterrados nas ex-colônias portuguesas, prontos para explodir.


Praticamente todos os municípios desses países possuem campos minados. O resultado da presença extensiva desse artefato é o prejuízo na agricultura e na pecuária e o alto número de vítimas. Só em Angola existem cerca de 100 mil pessoas mutiladas por minas. Em Moçambique a situação não é muito diferente, pois anualmente cerca de 100 a 200 pessoas são feridas por essa herança de guerra. Um problema que não é resolvido por um simples motivo: enterrar uma mina custa em média US$ 3; retirá-la, no mínimo US$ 300.

A África detém o triste primeiro lugar entre os continentes mais afetados pelas minas terrestres. Calcula-se que 30 milhões delas estejam espalhadas por mais de vinte países, sendo Angola e Moçambique dois dos mais atingidos.

Vagner Augusto da Silva é professor do Sistema Anglo de Ensino e autor de livros didáticos e paradidáticos.
Valdinei Aparecido é professor do Colégio Mater Amabilis (Guarulhos).

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos