segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Viagem pelo país dos fiordes

Centenas de canais invadem a costa recortada da Noruega e moldam a vida nesse país do norte da Europa que aprendeu a conviver e amar o mar

Texto: Peter Milko

A minúscula vila de Geiranger é o ponto final de mais um dos braços de mar que recortam o território norueguês
Paredões de um lado e de outro. No meio, o navio desliza suavemente pelo mar percorrendo um sinuoso caminho, entre montanhas escarpadas das quais jorram cascatas de água doce. Por toda parte onde a vista alcança, há neve, sol, montanhas e água. Afinal, de onde vem tanta água? Atraídos pelo jorro cristalino, excursionistas de caiaque se aproximam das cachoeiras maiores e matam a sede enquanto gaivotas fazem vôo rasante sobre o barco. Estamos no fiorde de Gudvangen, talvez o mais impressionante entre esses braços de mar que penetram especialmente na porção sul da extensa costa norueguesa.
O povo do norte, como muitos acreditam seja a origem do nome Noruega, sempre teve a sua existência ligada ao mar. Foi o que pude notar imediatamente ao chegar a Oslo, a capital desse país localizado a sudoeste da Península Escandinava. A cidade é toda voltada para o porto, onde as famílias costumam realizar piqueniques a bordo de veleiros, casais passeiam de mãos dadas e garotos fazem piruetas com suas bicicletas. Até uma banda ensaia acordes em meio ao cais cheirando a peixe.

Como outras cidades litorâneas, Oslo concentra na orla alguns de seus bairros mais elegantes e pontos de interesse. Museus, fortes, restaurantes e cafés ocupam as avenidas e dividem a vista para o mar com transatlânticos, iates e cargueiros. Meu primeiro destino na cidade foi Vikingskiphuset, o museu viking que é passagem obrigatória para quem procura entender as origens desse povo nórdico.

A prefeitura de Oslo está instalada de frente para o porto, ponto de partida de barcos locais e de visitantes
A Noruega é um país pequeno – 324 mil km2, a metade da área de Minas Gerais – e uma população de apenas 4,6 milhões de habitantes. A maior parte vive no sul, onde se concentram os maiores fiordes e o clima é menos rigoroso – graças à influência da corrente quente do Golfo do México, vinda do Oceano Atlântico, que ameniza a temperatura e mantém o litoral acessível durante o ano todo. Ao norte, um terço do território norueguês está situado acima do Círculo Polar Ártico e, durante os três meses do inverno, não há claridade e o frio é intenso.

A população escassa, a renda per capta e o alto nível educacional fazem da Noruega o país com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo. Oslo, em conseqüência, revelou-se organizada, limpa e muito calma, relembrando uma pequena cidade do interior do Brasil com seus 500 mil habitantes. No centro, ao lado de uma das estações de metrô, observei dezenas de mães loiríssimas, de camisa de manga curta mesmo num “verão” em que a temperatura beirava os 15 graus, passeando com seus filhos nos carrinhos de bebê. Homens e mulheres de todas as idades aproveitavam o sol – fraco para os padrões brasileiros – para ler jornal.

Era tempo de conhecer os fiordes na costa atlântica, com a ajuda do motorista Ronald Elgen, dono de uma frota de veículos de aluguel, que nos acompanhou durante toda a viagem pela Noruega. Com pouca área construída e muita natureza intocada, o interior da Noruega se revelou um exemplo de preservação ambiental. O país mantém dezenas de áreas de proteção da natureza e poucas apropriadas ao cultivo. Além de algumas cidades grandes como Oslo e Bergen, o interior é recheado por pequenas vilas, na maioria com menos de 10 mil habitantes, mas com uma infra-estrutura de fazer inveja.

A Noruega liderou o quadro geral de medalhas de ouro nas últimas Olimpíadas de Inverno e, portanto, não foi surpresa encontrar, a caminho do coração da região dos fiordes, uma enorme abóbada branca, parecendo um barco virado de cabeça para baixo. “É o estádio de patinação no gelo de Lillehamer, que sediou as olimpíadas de 1994 no país”, explica Ronald, cumprindo seu triplo papel de motorista, guia e tradutor.

A cerca de 5 quilômetros, avistei uma imensa plataforma de salto de esqui na neve que, em breve, receberia sua cobertura branca de inverno. Lillehamer possui uma única rua de comércio fechada ao trânsito, na qual jovens portando esquis de asfalto (uma espécie de skate com encaixe para tênis) cruzam com homens de negócio apressados. Almoçamos um curioso sanduíche de salame de carne de alce e seguimos caminho.

Vida rural

Dezenas de vilas se espalham pelas margens dos fiordes, estabelecidas pela facilidade do transporte marítimo
A pequena e charmosa vila de pescadores de Loen se localiza na margem do Innvikfjord, mas a 100 quilômetros do mar em linha reta. Caminhei um pouco pela região, para ver de perto o que estavam plantando nos poucos metros quadrados de solo cultivado, quando cruzei com um trator e seu dono. “Estamos terminando a colheita de maçã”, comentou Olav Jundsen, dono das macieiras. Ele me explicou que Loen havia sido um assentamento viking, comprovado pelas mais de 20 urnas funerárias encontradas perto dali. Mas os celtas também passaram pela região, como atestava a cruz de pedra em frente da pequena igreja no alto da colina próxima. Ali, dentro de uma estufa de framboesas, encontrei outro agricultor, Asgeir Hoen. “Estarão boas na primavera, quando vendo na cidade para os feirantes e os turistas da Europa Central”, explica.

Continuando o percurso, atravessamos uma série de túneis rodoviários escavados na rocha. O maior tinha 24 quilômetros de extensão e constituía o orgulho dos noruegueses. “Os fiordes e o mar sempre foram o caminho natural dos noruegueses”, explica Ronald enquanto atravessávamos as montanhas. “Por meio deles, as vilas faziam o comércio, recebiam visitantes e se comunicavam com o exterior. Mas as coisas mudaram com a febre de carros e tivemos de nos adaptar. Os túneis ajudam muito.”

Chegamos ao vilarejo de Geiranger, o ponto final de mais um braço de fiorde com 15 quilômetros de comprimento, com um visual tão impressionante que se tornou um dos locais mais visitados da Noruega e parte da lista de sítios do patrimônio da humanidade da Unesco. O proprietário do Union Hotel, fundado em 1891, é certamente o maior empresário dessa vila de 244 habitantes. Ele me conta que faz parte da quarta geração da família Mjelva. Seu tataravô montava fogões e carros. Ao abrir o negócio naquela região distante, foi obrigado a construir sua própria hidrelétrica, que funcionou até 1978.

Nos anos 30, o hotel mantinha 30 carros no vilarejo de 470 almas, para transportar os visitantes montanha acima até o mirante situado a 400 metros do nível do mar. Fui conferir a vista e entendi porque reis e rainhas achavam este um de seus lugares prediletos. Caminhando por uma das trilhas, alcancei a borda do fiorde, que dá direto no mar.

Origem dos fiordes

Os fiordes foram esculpidos pelas geleiras que ocupavam até 12 mil anos atrás quase toda a Europa. O lento derretimento dessas massas de gelo provocou a movimentação das rochas que, ao longo do tempo, escavaram a costa, abrindo vales profundos. Quando esses estreitos se encontram ao nível do mar, são chamados de fiordes.


No alto das montanhas que emolduram os fiordes, observam-se as pontas de geleiras que derretem no verão, como a de Briskdal
Pelos braços de mar, desde tempos imemoriais, é feito o comércio e o escoamento da produção do país. A alimentação, baseada na pesca, trouxe a fama do bacalhau, hoje o principal item de exportação da Noruega para o Brasil. O maior e mais profundo fiorde é o Sogne, que penetra 200 quilômetros continente adentro, com dezenas de ramificações. Ali estive pelo lado norte, para conhecer a vila de Balestrand, de apenas 3 mil habitantes. Ao explorar suas ruas estreitas, fui surpreendido pelo som vindo de um caminhão, ao estilo dos vendedores de gás no Brasil. O motorista parou, acenou para um grupo de crianças e abriu o baú, revelando uma sorveteria portátil completa. A cena, ao fundo, era emoldurada pela igreja de madeira de Santo Olavo, uma amostra do incrível trabalho de madeira que deu fama às igrejas norueguesas do século 19.

A próxima parada era o porto de Bergen, no qual se destacava o centro histórico de Bryggen, um quarteirão de casinhas de madeira ao lado do cais, espécie de museu vivo recuperado pela Unesco, que exibe parte da história cultural da região. Bergen fez parte da poderosa Liga Hanseática, uma espécie de Mercado Comum Europeu que uniu dezenas de cidades do norte da Europa no fim da Idade Média.

Ali, ainda pude percorrer o fiorde de Hardanger a bordo de um helicóptero. A partir de um gramado na vila de Lofthus, onde o compositor Edvard Grieg (1843-1907) costumava passar os curtos verões, a suave ascensão revelou a impressionante paisagem dos fiordes vista de um novo ângulo. Finalmente ficou claro de onde vem a água que abastece as dezenas de cachoeiras que escorrem do alto das paredes dos fiordes: são as geleiras que ficam no topo das montanhas aplainadas, invisíveis do nível do mar, que derretem durante o verão. O piloto Jost Larsen confirmou: “Quatro meses depois da estação quente, parece que alguém fechou a torneira, seca tudo”.

Do alto do funicular de Floyen, no centro da cidade de Bergen, tem-se uma vista impressionante dessa cidade-porto. Tudo aqui foi concebido em função do mar e do porto. Os fiordes também são visíveis, agora repletos de barcos e navios confirmando sua vocação de estradas líquidas. Assim ficou mais fácil de entender por que os barcos são considerados a alma dos noruegueses, e o mito de que em suas veias circula sangue com água salgada.


*O autor viajou a convite do The Prominent Hotels of the Fiords, Bislet Limousine, com apoio da KLM-Air France
Quem foram os vikings

Esses guerreiros da Escandinávia ficaram conhecidos por ter pilhado, invadido e colonizado a Europa durante os séculos 8 e 9 e chegado até a América do Norte bem antes de Colombo. No período em que dominaram a Escandinávia, a Noruega conheceu um grande desenvolvimento, tanto na agricultura como no comércio e na construção de barcos. Até hoje, o país cultua suas lendas, as famosas sagas que descrevem aventuras marítimas. O museu viking de Oslo possui em exposição três embarcações que ficaram enterradas durante centenas de anos. Um dos barcos, o Oseberg, serviu como túmulo de uma rainha viking e seus escravos. O barco foi reconstruído com as partes originais, descobertas em 1907.


Ficha técnica

Reino da Noruega
Área: 323.877 km2
População: 4,6 milhões (2005)
Capital: Oslo
Outras Cidades: Bergen, Stavanger, Trondheim
Idioma: norueguês (oficial), lapão (dialeto do norte)
Religião: protestantismo (94%)
Governo: monarquia parlamentarista

Na internet

O site oficial da Noruega é www.visitnorway.com. No Brasil, informações em português podem ser encontradas em www.noruega.org.br

Revista Horizonte Geográfico

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