Quem vive nas grandes cidades chinesas sabe as conseqüências do crescimento sem preocupação com o ambiente. Conheça a experiência de uma brasileira moradora de Pequim
Texto: Patrícia Bolsoy
Texto: Patrícia Bolsoy

Apesar disso, desde que a cidade foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 2008, o governo chinês esforça-se por melhorar a imagem frente à comunidade internacional. Não é uma tarefa fácil para o país, que já é considerado o maior emissor de gases do aquecimento global do planeta. Com uma economia em crescimento, que exigiu o aumento na produção de cimento e matriz energética baseada no carvão, a China superou os Estados Unidos em números absolutos de emissões – embora, na média per capta, o estilo de vida de um cidadão dos Estados Unidos gere entre cinco e seis vezes mais gases poluentes do que o de um chinês.
Faxina durante os Jogos
A maior parte dos 17 milhões de moradores de Pequim já se acostumou com a névoa acinzentada que cobre a cidade. Em conseqüência da poluição do ar, nos dias mais problemáticos, somos obrigados a usar máscaras protetoras para aliviar o desconforto das vias aéreas e evitar doenças respiratórias. Garanto que não é agradável, principalmente entre março e maio, época das tempestades de areia vindas do deserto, quando a situação se agrava e o céu fica amarelado e nublado e o ar irrespirável.
Algumas medidas estão sendo adotadas para reverter a situação. Mais de 700 fábricas poluidoras de Pequim foram fechadas e outras 200 transferidas para regiões mais afastadas. A produtora de aço Shougang Steel, maior poluidora da capital, deverá ser removida dos arredores por volta de 2010. O governo também anunciou que vai obrigar as empresas que têm ações na bolsa a se submeter a um “relatório verde” junto com o balanço anual. O documento vai registrar o desempenho dessas empresas e mostrar se elas cumpriram as metas de sustentabilidade.
Outro desafio é reeducar a população para reduzir o montante total de lixo doméstico. O programa “Menos lixos, taxas mais baixas” não emplacou, assim como o velho hábito de “cuspir no chão” – uma tradição entre os chineses – está longe de ser erradicado. Só na capital, 16 mil toneladas de lixo são despejadas diariamente no ambiente, sendo 90% estocado em aterros sanitários nos arredores da cidade. A previsão é que, durante os 17 dias dos Jogos Olímpicos, sejam produzidos resíduos equivalentes a um dia do total da capital.
Entre os programas sociais de emergência adotados pelo governo chinês, está a redução das tarifas de ônibus e metrô, interrupção “parcial” das indústrias de carvão, proibição de fumo em áreas fechadas e locais de competição, interrupção de todas as obras durante o período dos Jogos e proibição do uso de sacolas plásticas em mercados (o país consome 3 bilhões de sacolas plásticas por dia, sendo 80% descartadas no ambiente).
E no restante da China...
Os problemas ambientais chineses, no entanto, se estendem para muito além de Pequim. Linfen, na província de Shanxi, e Tianying, em Anhui, são consideradas duas das três mais poluídas cidades do planeta segundo o Instituto Blacksmith, organização não-governamental que faz esse ranking todo ano. Shanxi, na região norte, abriga a maior parte das minas de carvão, responsáveis por dois terços da energia do país. As condições de trabalho são péssimas – ali, em dezembro de 2007, 120 mineiros morreram por causa da explosão de gás em uma das minas. E as concentrações de poeira, monóxido de carbono e outros gases poluentes são responsáveis pelos altos índices de doenças pulmonares.
Tianying tem os maiores níveis de contaminação de chumbo e metais pesados, decorrentes das atividades de mineração. A província de Anhui sofre com a chuva ácida e, na cidade, os moradores adoecem com sintomas de envenenamento, principalmente crianças. Em toda a China, mas principalmente nessas províncias e em Hebei, Henan, Mongólia Interior e Shandong, prevê-se o crescimento das emissões de gás carbônico e dióxido de enxofre para os próximos anos. Como frisa Pan Yue, vice-ministro do Ministério da Proteção Ambiental, “a poluição decorrente das atividades industriais, incineração de lixo e queima de combustíveis fósseis já custa à China 10% do PIB anual”. Mais do que isso: segundo relatório do Banco Mundial, a poluição do ar mata 750 mil chineses por ano.
Não bastassem os sérios problemas enfrentados pelas grandes cidades, a população ainda convive com outra tragédia – a poluição das águas. Mais de 80% das reservas de água doce do país estão comprometidas por esgoto, lixo, mineração e expansão urbana. Na zona rural, 96% da população despeja lixo a céu aberto, 720 milhões de pessoas bebem água com dejetos industriais e não têm acesso à água potável. A proliferação de fábricas, plantações e cidades, resultado do espetacular boom econômico, está secando os principais rios chineses – o Amarelo e o Yang-Tsé.
Ainda hoje, a agricultura irrigada é responsável pela alimentação da imensa população de chineses. No entanto, essa mesma agricultura invade as últimas áreas florestais e destrói a natureza, provocando a erosão dos rios, as secas e as inundações. Com a derrubada das florestas, cresce a desertificação que, por sua vez, concorre para a diminuição das áreas de alimento, expulsando da terra milhões de “refugiados ambientais” que vão aumentar a população dos grandes centros urbanos.
O aquecimento global, por sua vez, também traz dores de cabeça para os chineses. Ao que parece, as mudanças climáticas estão acelerando o derretimento das geleiras que alimentam os principais rios, enquanto apressam o avanço dos desertos, que agora engolem mais de 300 mil hectares de pastagens por ano. Mas o maior responsável pela crise hídrica que afeta o país são os próprios chineses. A explosão econômica sem preocupação ambiental está exaurindo os rios e poluindo a água que sobra, a ponto de o Banco Mundial alertar para “as conseqüências catastróficas para as gerações futuras”.
Megaobra criticada
Com um investimento de cerca de US$ 25 bilhões, a China concluiu, em 2006, a hidrelétrica de Três Gargantas, a maior usina do mundo. Considerado um dos mais ambiciosos projetos chineses, desde a Grande Muralha, erguida durante o império, a gigantesca obra foi construída no Yang-Tsé. Desde o seu início, em 1993, ela foi alvo de críticas da comunidade internacional. Mais de 1,5 milhão de pessoas foram expulsas de suas casas e realocadas em cidades próximas à barragem. Patrimônios históricos, templos e obras de arte foram demolidos e construídos em novo local.
De acordo com especialistas, a mega-usina causou danos ecológicos e culturais irreparáveis. Segundo Ma Jung, criador da ONG Instituto de Assuntos Públicos e Meio Ambiente e autor do livro A Crise da Água na China, “a poluição da água é um pesadelo que ameaça assombrar todo o sul do país, uma vez que será transportada para o norte para suprir as necessidades da população”.
A previsão faz sentido. “Atualmente, 100% da água de Pequim é imprópria para o consumo”, afirma outro ambientalista, Liang Cong Jie, da ONG Friends of Nature. O rio Yongdinghe, o principal da capital chinesa, tem problemas, e o Baiyangdian, maior lago da cidade, encolhe cerca de 2 metros por ano. Como resultado, mais de dois terços da água potável proveniente dos lençóis freáticos estão em risco.
A falta de água ameaça estragar o passeio de muita gente durante os Jogos Olímpicos, uma vez que o consumo chegará a 2,7 milhões de metros cúbicos por dia, volume superior à capacidade da cidade. Para suprir a demanda, o governo pretende recorrer às províncias vizinhas de Shanxi e Hebei, já ameaçadas pela poluição do ar.
É provável que os visitantes de Pequim e de outras cidades, mais preocupados com os resultados das olimpíadas e a festa preparada pelos chineses, não percebam nada disso. O crescimento econômico do país impressiona e a capital – com suas grandes avenidas, arranha-céus e parques – se enfeita para os Jogos. Os problemas ambientais, bem como o enorme desequilíbrio social, resultado do milagre econômico, não estarão à vista. Resta saber se os compromissos com a sustentabilidade assumidos para a festa serão mantidos depois. De minha parte, e do restante dos moradores dessa capital, a saúde agradece. Pois, afinal, como dizem os chineses, “a casa é nova, o dinheiro suficiente, mas a água está suja e a vida é curta”.
Ameaças à vida selvagem
O maior símbolo da vida selvagem na China tem o jeito de um urso de pelúcia. O panda (Ailuropoda melanoleuca) apesar de famoso, corre o risco de extinção. Tornou-se assim o símbolo da luta pela preservação dos animais, conhecido no logotipo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Vários projetos de preservação do animal estão em curso. Mas o problema é que o seu território foi tomado pela agricultura, não restando muito espaço para a preservação da espécie. Os que vivem na natureza estão distribuídos em reservas, separadas entre si por vastas áreas de agricultura e pastagem.
Outros animais exclusivos da China também estão ameaçados, como o búfalo-das-montanhas (Budorcas taxicolor), da região de Qinling, muito procurado pelos caçadores. O seu hábitat também é o último refúgio do macaco-dourado (Pyganthrix roxellana), conhecido pela cor do seu pêlo. Nas florestas tropicais chinesas, resiste o gibão-de-mão-branca (Hylobater lar). Outras espécies ameaçadas são o cetáceo baiji, o boto, o crocodilo chinês e peixes como o esturjão.
Revista Horizonte Geográfico
Imagens da China







Nenhum comentário:
Postar um comentário