domingo, 18 de janeiro de 2009

Pouco Sustentáveis

por Evaristo Eduardo de Miranda, agrônomo, com mestrado e doutorado em Ecologia na França, e pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite
O Brasil é um dos campeões de energias renováveis. Mas, com a atual tecnologia, o que é bom para nós não seria aplicável em escala mundial



ucuruí: Produção de hidrelétrica depende da chuva
O Brasil é um dos campeões de energias renováveis. Mas, com a atual tecnologia, o que é bom para nós não seria aplicável em escala mundial

Em 50 anos, nosso planeta deverá acolher mais 3 bilhões de habitantes. A demanda energética, que não cessa de crescer com o desenvolvimento econômico e social, será então imensa. Para a sustentabilidade global, o ideal seria contar com energias renováveis, cujo uso não implica maiores emissões de gases de efeito estufa ou em geração de resíduos radioativos. Até onde as energias renováveis são sustentáveis e substituirão as fontes oriundas dos hidrocarbonetos ou da fissão nuclear?

A energia renovável cresce cerca de 0,5% ao ano na matriz energética brasileira, graças à cana-de-açúcar. A construção e operação de novas hidrelétricas deverão contribuir ainda mais nesse sentido. O balanço energético nacional de 2005 para 2006 apresentou o seguinte resultado:

A situação do Brasil é excepcional comparada à de outros países do mundo. A meta de países mais avançados, como a Suécia por exemplo, é chegar a 30% de energia renovável em décadas. Outros nem sequer cogitam dessa possibilidade. Mas o que é bom para o Brasil é bom ou possível para o mundo?

A energia renovável é solar
As energias renováveis são oriundas do uso direto ou indireto da energia solar. A superfície da Terra recebe do Sol um fluxo contínuo de energia que é 8 mil vezes o consumo atual. A energia solar transforma-se em outros tipos de energia: em matéria vegetal pela fotossíntese, ventos, correntes marinhas, nuvens e rios, fontes inesgotáveis e abundantes de energia renovável. As energias eólica, fotovoltaica, hidrelétrica e os biocombustíveis, no que pesem suas qualidades ambientais, apresentam muitas desvantagens que limitam e limitarão seu emprego futuro e sobre as quais pouco se reflete: fraca densidade energética, intermitência e atraso tecnológico.

O fraco rendimento energético é característico na maioria das formas de energia renovável. Por unidade de superfície, as energias renováveis produzem muito pouco quando comparadas aos hidrocarbonetos e à energia nuclear. Uma central nuclear concentra uma potência de 1.500 megawatts (MW) em 10 hectares. Para gerar a mesma energia com a tecnologia hoje utilizada nas turbinas eólicas seriam necessários 187 quilômetros quadrados. A energia fotovoltaica exigiria 37.500 quilômetros quadrados em painéis solares! A opção hidrelétrica criaria um lago de 200 a 500 quilômetros quadrados. A média nacional das usinas é de 0,52 quilômetros quadrados inundados por MW. Usinas a fio d’água requerem áreas menores, mas são sensíveis à intermitência da produção. A usina de Jirau, no Rio Madeira (RO), inundará uma área de 258 quilômetros quadrados e terá um potencial de geração de 3.300 MW. A Usina de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), atingirá uma potência total de 11.182 MW e terá um lago de 440 quilômetros quadrados.

Os reservatórios podem ser grandes emissores de gases de efeito estufa (CH4 e CO2) e o aproveitamento hidrelétrico, em todo o planeta, aproxima-se do limite explorável. É o que já ocorreu na Europa. Não há muito como expandir essa opção. Pela agroenergia (etanol, biodiesel, lenha e carvão) seria necessário cultivar, com a boa tecnologia, mais de 1.250 quilômetros quadrados. Em teoria. Na prática, muito mais.



Os limites da agroenergia
A produtividade agroenergética varia espacialmente em função de solos, clima e tecnologias utilizadas. No Brasil, há de se contar com uma área suplementar de reserva legal exigida pela legislação. Na Amazônia, seria necessário agregar mais 5 mil quilômetros quadrados de reserva legal não utilizável para gerar os 1.500 MW. A área mínima seria de mais 6.250 quilômetros quadrados, sem falar da consumida pela infra-estrutura produtiva. Usar lenha e carvão para aquecimento e até para produzir ferro-gusa é rentável apenas enquanto o local de consumo fica próximo da produção. Não é o caso do uso atual das terras. Nem o que se antevê para o futuro próximo: em 2025, dois terços da humanidade
viverão em cidades. Serão diversas megalópoles difíceis de atender de forma rentável pela agroenergia. A fotossíntese tem um baixo rendimento, 1%, na conversão da energia solar em energia química. Se toda cana-de-açúcar do Brasil fosse transformada em energia – o que é impossível – sua palha, colmos, bagaço, álcool e açúcar representariam o equivalente à produção de 1 milhão de barris de petróleo, enquanto a produção nacional ultrapassa os 2 milhões. A cana atingiu cerca de 40 mil quilômetros quadrados. Seriam mais de 120 mil quilômetros quadrados para substituir o uso energético do petróleo, em teoria, cumprindo as exigências ambientais.

Outro problema sério das energias renováveis é a intermitência. Não estão disponíveis parte do dia, do mês ou do ano. Variam em função de meteorologia, luminosidade e disponibilidade de chuvas. A produção nunca é garantida. Painéis solares e eólicos fornecem, em média, apenas um quinto da potência instalada. A média de tempo efetivo de produção da agroenergia é 275 dias. A energia solar depende da duração dos dias e da nebulosidade. É difícil uma disponibilidade superior a 100 dias por ano. A energia eólica é muito variável e raramente ultrapassa os 100 dias/ano no total de horas de operação. A energia hidrelétrica depende da vazão dos rios e sua disponibilidade é da ordem de 150 dias. No pico da estação seca, o fluxo dos rios pode cair dramaticamente. Em usinas sem grandes reservatórios, a fio d’água, a geração é reduzida a 10% da potência original. No auge da seca, Tucuruí, no Rio Tocantins (PA), com potência instalada de 8.370 MW e um grande lago de 3 mil quilômetros quadrados, produz em média 2.200 MW, ou 26% da potência total. E uma rede elétrica não suporta mais que 30% de intermitência.

Energias renováveis não são “limpas”
As energias renováveis também emitem CO2, principalmente na montagem e operação de seus sistemas. Para produzir 1.000 MW de potência, as eólicas consomem 360 toneladas de concreto, as barragens hidrelétricas 1.240 toneladas e uma central nuclear cerca de 560. O consumo de aço, que emite mais CO2 do que o concreto da construção civil, é de 125 toneladas para a eólica, 141 para a barragem e 60 na central nuclear. Um painel solar consome silício, obtido a altíssimas temperaturas. Esse gasto energético considerável coloca a eletricidade fotovoltaica como a maior emissora de CO2 dentre as energias renováveis. O leque da emissão vai de 6 g de CO2 por kWh, numa hidrelétrica, até 60 g, na energia fotovoltaica. É muito menos que nos hidrocarbonetos (petróleo e gás), com cerca de 400 g de CO2 por kWh, mas superior ao nuclear (7 g), às eólicas (9 a 25 g) e à agroenergia (25 a 55 g).

É difícil armazenar energia elétrica. Isso agrava os problemas de intermitência e ilustra a dificuldade da penetração da energia elétrica no mundo do transporte. Para armazenar 1 kWh numa bateria são necessários 30 quilos de chumbo. Hoje são 100 a 150 quilos de bateria para alimentar um carro com uma autonomia de pouco mais de 60 quilômetros. Melhor usar o etanol, aqui e no mundo inteiro. Somente investimentos em ciência e tecnologia tornarão as energias renováveis mais competitivas. Isso ocorreu no passado com o petróleo e a energia nuclear, e há algum tempo com a cana-de-açúcar. Soluções sustentáveis apontam para a combinação inteligente das formas de energia. Ainda é mais barato e sustentável economizar com racionalização do que gerar energia. No Brasil, a oferta está em torno de 51 mil MW e a demanda, puxada pelo crescimento da economia, vai a 53,5 mil MW. O desperdício e a ineficiência são superiores a 10%. A chave dessa solução não está no consumidor, que pouco pode fazer, e sim em sistemas mais sofisticados de produção e distribuição. É o chamado intelligrid que empresas energéticas da Europa começam estruturar em áreas de concessão. Ele otimiza as formas de energia renovável e não renovável disponíveis e os sistemas de geração durante o dia e a noite, nos diversos locais (indústrias, residências, áreas de comércio e lazer).

Revista carta escola 25

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