segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Quem foi rei nunca perde a majestade

A saga do grão que fez parte da história do Brasil e continua indispensável no cotidiano de todos aqueles que não dispensam o tradicional e bom cafezinho

Texto: Cristiana Menichelli

No dia-a-dia é indispensável. A primeira refeição só começa com ele. Reina na conversa com os amigos, coroa um bom almoço e é o sinal de uma pausa no trabalho. Nas casas do interior, o bule sobre o fogão faz parte da memória familiar – “café pra visita”. Nas grandes cidades, ganhou status, passou a ser elegante tomar um café expresso preparado pelo barista. Que diferença de quando as primeiras sacas do produto brasileiro atravessaram o oceano e desembarcaram em Portugal, no século 18, derrubando o monopólio do comércio da bebida até então dominado pela França e Países Baixos. Daquela época até os nossos dias, o café foi fundamental na história do Brasil. Os altos e baixos de sua produção afetaram a vida de muita gente enquanto ele reinava na economia nacional. E hoje, embora não seja mais o principal produto de exportação do País, desfruta de respeito e reconhecimento internacional.

A maioria dos brasileiros não sabe quem foi o sargento-mor paraense Francisco de Melo Palheta. E, no entanto, ele é o herói dessa história bem-sucedida. Grande explorador da Amazônia e galanteador famoso, Palheta trouxe escondido para o Brasil as primeiras sementes do arbusto nativo da África. Encarregado pelo governo português de obtê-las, Palheta viajou para a vizinha colônia da Guiana Francesa, em 1727, para buscá-la. Não foi fácil, pois era proibido comercializar suas sementes. A versão mais aceita da história conta que Palheta seduziu a mulher do governador, Claude dOrvilliers, que, na despedida, lhe deu de presente algumas sementes e uma muda de café camufladas em um vaso de flores.
As primeiras plantações brasileiras se desenvolveram nos quintais das casas de Belém, entre elas a do próprio Palheta. Mas a novidade não foi recebida com muito entusiasmo. Foi preciso que alguém levasse a planta para o Nordeste e, 30 anos depois, ela chegasse ao Rio de Janeiro para que tivesse início a sua ascensão meteórica, motivada pela decadência da produção do Haiti por causa da longa guerra de independência que o país mantinha com a França.

“Mar de café” em Alfenas, Minas Gerais: o produto foi fundamental para a economia brasileira e ainda hoje é um dos grandes itens de exportação
Os barões do café

Os primeiros a se arriscar no cultivo da planta, que já havia demonstrado seu sucesso nas chácaras da capital carioca, foram comerciantes, tropeiros e mineradores das fazendas do Vale do Paraíba, entre a Serra do Mar e a da Mantiqueira. O café foi plantado nos morros sem muita preocupação com o solo. E, para o trato dos pés e a colheita, esses plantadores usaram mão-de-obra escrava, como é mostrado no quadro Colheita de Café, de Rugendas (1835). Deu certo – nesse primeiro momento. Entre as décadas de 1820 e 1870, a região tornou-se a mais rica do País – 90% do café brasileiro, em 1854, era produzido no Vale do Paraíba.

As fazendas eram exemplo de riqueza e luxo, demonstrando o poder e as posses dos chamados barões do café. No centro ficava o terreiro, um grande quadrado pavimentado, em torno do qual se distribuíam as outras construções – a casa-grande, em destaque, com suas numerosas janelas, salas de jantar e quartos, a capela, a senzala, a casa do administrador e outras. Era um mundo isolado, no qual viviam às vezes quase mil pessoas e onde reinava o barão com seus ares aristocráticos.

Tanto poder era motivado pelo dinheiro do café, ou ouro verde, que sustentou, inclusive, a Guerra do Paraguai. Mas, apesar dessa riqueza, as técnicas de produção eram bastante rudimentares, o que motivou o esgotamento do solo. Além disso, a partir de 1850, com a proibição do tráfico de escravos e as pressões contra a escravidão, a mão-de-obra das fazendas diminuiu. Por volta de 1870, muitos barões do café estavam arruinados, outros se mudaram para o novo eldorado do café – o Oeste Paulista. Como disse Monteiro Lobato, as fazendas que nasceram, cresceram e decaíram no Vale do Paraíba, eram “palácios mortos da cidade morta”.

A conquista do Oeste

O avanço das frentes de café para o Oeste segue o potencial da abundante e fértil “terra roxa” e está ligado ao aparecimento das ferrovias. A princípio, ele se desenvolveu do mesmo modo que no Vale do Paraíba. Só que, com a proibição dos escravos, os fazendeiros paulistas pensaram na frente. Financiaram a vinda de imigrantes europeus que chegavam a São Paulo para trabalhar nos cafezais como trabalhadores livres contratados, embora em condições igualmente difíceis, como mostrou o pintor Candido Portinari no seu quadro Café, de 1932.

Para facilitar o escoamento da produção, os paulistas investiram nas ferrovias, como a São Paulo Railway, a primeira de uma série de ligações por trilhos com o porto de Santos, o maior centro de escoamento dos grãos. Dia e noite, o incessante movimento no cais confirmava a importância estratégica da cidade litorânea. Ali foi erguido o Palácio do Café, inaugurado em 7 de setembro de 1922, que logo passou a abrigar a Bolsa Oficial do Café, criada em 1914. A arquitetura de formas volumosas, arcos e colunas denunciam a suntuosidade do período e o poder da elite cafeicultora paulista da época.

Em vez de monarquistas aristocráticos, esses novos reis do café investiram na República, que poderia agilizar melhor seus negócios. Quando o dinheiro começou a se multiplicar, eles formaram uma oligarquia do café, um pequeno grupo que, assim como os fazendeiros do Vale do Paraíba, controlou a política nas primeiras décadas da República. Foi a política do “café-com-leite”, que marcou o domínio dos presidentes paulistas (aliados a Minas Gerais, produtora de leite), que só acabou com a Revolução de 1930.

Antes disso, a malha ferroviária possibilitou a criação de mais fazendas de café no interior paulista, até então pouco habitado. Os trens levavam milhares de imigrantes que desembarcavam em Santos para os cafezais. A eles se seguiram migrantes nordestinos, que escapavam da seca em suas terras. As novas fazendas eram gerenciadas pelo administrador, pois os donos eram homens de negócios que habitavam tanto a cidade com a fazenda. Sua residência era distante da área de produção, uma espécie de casa de campo, onde a família ia passar as férias. E eles investiam também na indústria e em bancos, diversificando suas atividades.

Na sociedade globalizada de hoje não se estranha mais que problemas ocorridos na economia de países distantes afetem a realidade próxima. Mas, naquele ano de 1929, ninguém podia imaginar o abalo à cafeicultura brasileira causado pela quebra da Bolsa de Nova York. Para evitar um colapso da economia local, o governo provisório de Getúlio Vargas, em 1930, criou o Conselho Nacional do Café, que se encarregou de destruir estoques. Entre 1931 e 1944, o País assistiu à queima de mais de 78 milhões de sacas de café, quantidade, na época, equivalente ao consumo mundial do produto durante três anos.


O renascimento das plantações

Nunca mais a economia brasileira dependeu apenas de um produto, muito menos do café. Mas o cultivo continuou. Paradoxalmente, porém, o Brasil produziu durante muito tempo os melhores e os piores grãos. Os lotes contendo os de maior qualidade seguiam para o mercado europeu, rebatizados com o nome de outras origens, como Moka e Java, e o refugo, de baixíssima qualidade, era comercializado como café brasileiro. Felizmente, o produto nacional vive hoje um renascimento, marcado pela crescente excelência de seus grãos e suas distintas características, que variam de região para região. Empresas torrefadoras internacionais buscam aqui a matéria-prima para a elaboração do blend (mistura) do seu afamado expresso.

Atualmente, Minas Gerais lidera a produção e as regiões do cerrado e sul do estado se destacam pelo alto nível de qualidade dos grãos. São ganhadoras freqüentes de concursos e pioneiras no café certificado, ou seja, na adoção de selos socioambientais, atribuídos por instituições independentes, que atestam o compromisso dos cafeicultores em apostar no desenvolvimento sustentável – práticas agrícolas eficientes, manejo ambiental e bem-estar dos trabalhadores. Apesar de ainda recente, o movimento do café certificado contempla um novo modelo de qualidade que está sendo seguido por um número cada vez maior de fazendas. O mapa do novo ouro verde inclui a Mogiana Paulista, a Zona da Mata de Minas e do Espírito Santo e o Oeste Baiano.

Como resultado, o Brasil tem à disposição uma seleção considerável de boas marcas para preparar o cafezinho de todo o dia. Ou, ainda, para desfrutá-lo no ambiente das cafeterias, cada vez mais sofisticadas. O café brasileiro nunca esteve tão na moda. Aproveite!

Da planta ao consumo

As sementes do café são, na verdade, os mesmos grãos que dão origem ao café torrado. Elas se originam dos frutos maduros que, em seguida, são lavados, retirados da casca e da polpa e secos. Cada pé produz uma média de 2,5 quilos de frutos por ano, que rendem meio quilo de grãos. Para ser consumido, o café precisa ser torrado. Antes disso, os grãos são selecionados, passam por triagem e calibragem. Para cada mercado e para cada tipo de café há um grau de torragem diferente, que corresponde à marca registrada de cada empresa. Depois de torrado, o café ainda passa por um processo de desgaseificação e depois é moído ou apenas embalado (café em grãos), dependendo do tipo de utilização a que se destina.


Kaldi e a dança das cabras

Originário da África, o café faz parte da paisagem da Etiópia. Conta a lenda que um pastor chamado Kaldi notou o comportamento estranho de seu rebanho que pastava na floresta de Kaffa, sudoeste do país. As cabras que se alimentavam de pequenos frutos vermelhos da floresta, pulavam alegres, como se dançassem, empinadas nas patas traseiras. O próprio Kaldi sentiu um vigor incomum ao provar os frutos. A descoberta, no entanto, deixou indignados os religiosos locais, que jogaram os frutos do cafeeiro no fogo. Sentiram então o aroma contagiante exalado dos grãos queimados. E resolveram entender o fenômeno, resgatando os grãos do fogo, triturando e depositando numa jarra com água quente. Ao beberem a infusão, constataram imediatamente seu efeito restaurador. Seja qual for a origem do café etíope, o fato é que até hoje o consumo da bebida é uma experiência revivida diariamente em todo o país em torno de seu preparo artesanal. Símbolo de hospitalidade, o café é oferecido a visitantes, acompanhado de pipoca ou amendoim, em três rodadas.

Segredos da xícara perfeita

São duas espécies principais da planta. A Coffea arábica, mais delicada, apresenta menos teor de cafeína e pode dar origem a uma bebida muito aromática e naturalmente doce. Já a Coffea canephora, também chamada de robusta, é mais rústica, contém o dobro de cafeína e, por isso, tem mais amargor. Os cafés considerados especiais ou gourmets são essencialmente à base de grãos do tipo arábica, os mesmos cultivados pela maioria dos fazendeiros brasileiros.

O primeiro passo para o preparo de uma xícara de café perfeita passa pela escolha de um café de qualidade. Além disso, a dica é utilizar sempre um produto fresco, de preferência moído na hora, pois o grão torrado é muito sensível e oxida facilmente em contato com o ar. Também é preferível comprar o grão em pequenas quantidades. Deve-se mantê-lo na própria embalagem, bem fechada, longe da umidade e do calor. Tão importante quanto usar um bom café é a qualidade da água.

E igualmente crucial é não deixá-la ferver, para não queimar os óleos essenciais do café, responsável pelo aroma e sabor da infusão.


Revista Horizonte Geográfico

Um comentário:

Kennedy Klaus disse...

Pode ficar a vontade sobre publicar o que quiser do meu blog. té mais

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