segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Retrato dos menores infratores no Brasil



Portal G1 - Fantástico
Em dez anos, o contingente de menores que ingressaram em prisões, centros de reabilitação e internatos cresceu quase 400%. São cerca de 60 mil adolescentes que cometeram algum tipo de infração. Que histórias eles têm pra contar?

Rogério* tem apenas 12 anos. Preso pela segunda vez, jura inocência. Diz que não estava roubando e promete que não vai mais usar crack. Catarina*, de 16 anos, confessa um assassinato com uma frieza impressionante. E Leandra*, traficante também com 16 anos, está grávida. Vai ter o bebê dentro da cadeia.

O que vai ser da vida deles? Leandra, Catarina e Rogério fazem parte de uma geração perdida. São personagens principais de cenas assustadoras cada vez mais comuns na vida das grandes cidades brasileiras.

Durante três meses, o repórter Eduardo Faustini ouviu as histórias dessas crianças, que perderam a infância para o crime. Hoje, 17 mil adolescentes estão presos. Outros 43 mil prestam ou serviços comunitários ou cumprem obrigações que são monitoradas pela Justiça, como freqüentar a escola e não sair de casa à noite.

O repórter esteve no Paraná, estado considerado modelo. Esteve também no Ceará, onde as cadeias estão superlotadas. Percorreu prisões, acompanhou audiências e julgamentos nos tribunais da Infância e Adolescência. Entrevistou mães desesperadas por causa do vício dos filhos e famílias destruídas pela violência dessas crianças. Dramas que reabrem a discussão sobre o tempo máximo de pena estabelecido pela lei que pune menores infratores.

O repórter também constatou a disseminação, pelo Brasil, de uma droga que virou o combustível da ação criminosa de meninas e meninos: o crack.

"É uma droga de uma potência avassaladora. Ela causa delírios e alucinações profundos. O usuário perde o controle da sua própria vida, das suas próprias atitudes, ao ponto de que a vida dele já não vale mais nada", explica a psicóloga Sylnara Borges.

A história de Rogério

*Os nomes dos adolescentes apresentados nesta reportagem são fictícios. Começamos com a história de um garoto que mal consegue usar calças compridas. Rogério tem 12 anos e foi preso ao tentar assaltar uma mulher simulando estar armado.

Na Vara de Adolescentes Infratores de Curitiba, ele fica diante do juiz pela segunda vez e pelo mesmo motivo: assalto. Uma juíza, uma defensora pública, uma promotora e também a mãe de Rogério participam da audiência.

Rogério: Eu só falei assim: "Vai, vai! Dá o dinheiro, senão eu vou te furar".
Juíza: Como é que você ia furar, se não tinha faca?
Rogério: Eu não ia roubar mesmo. Só foi uma brincadeira. Só que foi uma brincadeira de mau gosto.
Juíza: Você acha que para ela foi uma brincadeira?
Rogério: Para ela, foi uma brincadeira de mau gosto.
Juíza: Mas você já tinha furtado antes. Você não queria realmente que ela entregasse o dinheiro para comprar droga?
Rogério: Não, eu não queria comprar droga.

"A infância foi bem tranquila até os 10 anos, mais ou menos. Aos 11 anos, ele começou a causar problemas com as drogas. Foi aí que começaram os problemas", conta a mãe de Rogério.

Rogério mostra que conhece a matemática da droga – para usar e para vender "buchas", como a pedra de crack é conhecida nas ruas.



"Cada pedra custa R$ 5. Cada bucha que vai indo, aumenta R$ 5. Você ganha R$ 1 por bucha. De cada R$ 5, você ganha R$ 1. Daí, você vai ganhando R$ 1. De uma em uma, a galinha enche o papo. Eu cheguei a fumar cerca de 20 pedras por dia", diz.

Durante a audiência, Rogério promete se recuperar. "Eu não tenho mais vontade de usar droga", afirma. E ganha confiança da juíza.

Juíza: Quero saber se posso liberar você hoje? Você vai assumir o compromisso que disse para sua defensora?
Rogério: Vou.
Juíza: Vai? Posso liberar você hoje?
Rogério: Pode.
Juíza: E você assume esse compromisso comigo?
Rogério: Assumo.
Juíza: Pelo menos você vai fazer o tratamento?
Rogério: Humhum.
Juíza: Você estava dizendo que não precisava do tratamento.
Rogério: Eu vou fazer tratamento.

"Ele pensa que pode fazer um delito hoje, começar a usar uma droga, e que isso não vai mudar a vida dele. Mas ao longo do tempo, quando ele é pego pela autoridade policial, fica interno uma vez, a segunda vez, ele começa, sim, a ter consciência de que esse é um caminho torto", diz a secretária de Estado da Criança e Juventude do Paraná, Telma Alves de Oliveira.

"Liberdade!", comemora Rogério. "Quando bater a vontade, vou pedir para minha mãe me dar remédio e não vou sair de casa. Mas, graças a Deus, não vai mais bater vontade, porque desde que eu cheguei aqui não bateu. Por que vai bater agora?".

Como Rogério, os adolescentes infratores usuários de drogas no Paraná recebem indicação de tratamento médico.

"É feito encaminhamento, pela vara, para tratamento ambulatorial, hospital-dia. Tem uma equipe de saúde que atende o adolescente enquanto ele está apreendido, para fazer a desintoxicação e, posteriormente, encaminhá-lo para uma comunidade terapêutica", explica a juíza Maria Guiessmamm.

Nos últimos dois anos, mais de cem adolescentes que passaram pela Vara de Adolescentes Infratores de Curitiba morreram por causa de dívidas com traficantes.

"Eles pedem: 'Doutora, por favor, meu filho precisa ficar preso, porque senão ele vai morrer'", conta a juíza Maria Guiessmamm.

Em Fortaleza, a realidade não é diferente.

"Se eu não pagar, o rapaz vem e me mata", diz um menor em uma audiência na Quinta Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza.

"À medida que o garoto deixa de pagar uma dessas dívidas pode ter certeza de que ele será alvo dos traficantes", diz o juiz da Quinta Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, Darival Bezerra.

Esta tem sido a história de vida de uma mulher: tirar dois filhos da droga e da mira dos traficantes. Acompanhada de um dos filhos, ela procurou a Vara de Adolescentes Infratores de Curitiba. Está desesperada.

"Eu sou criticada na vila porque chamei a polícia para prendê-lo e fui ao Ministério Público registrar uma queixa dele. Eu sou marginalizada por causa disso. Porque mãe que presta não faz isso. Mãe vagabunda é que faz isso. Eu já venho no sofrimento das drogas desde que meu filho tem 14 anos. Hoje ele tem 26 anos. E o menor, de 17 anos, foi no mesmo caminho. Eu moro em um barraco de ocupação, não tenho mais nada. Sou doente e faço tratamento psiquiátrico em função das drogas dos dois filhos. Se chegar agora ao rancho onde eu moro, você chora. Não tem uma janela sequer. A porta está quebrada. Não tenho um garfo para comer, porque ele juntou todos os meus talheres e vendeu. Estou falando na presença dele, e ele não está negando", diz a mãe.

Jacqueline, hoje com 20 anos, conta que passou por isso na adolescência.



"Eu pegava arroz, feijão, macarrão. Lá onde eu comprava as drogas o crack custava R$ 3. Então, eu pegava, tirava os alimentos de dentro de casa e ia trocar na bocada. Ou então pegava uma sandália minha e trocava na bocada ou empenhava, para poder pegar no outro dia", conta Jaqueline.

Verônica, de 15 anos, chegou a vender o próprio corpo.



"Eu já cheguei a me prostituir por um pedaço de droga. Um cara pegava uma pedra e repartia para nós dois. Em troca, eu transava com ele. Eu me oferecia para os homens por R$ 2 ou até R$ 1, para inteirar a pedra e fumar. Passava cinco, seis, dez dias só fumando droga no meio da rua", lembra.

Por ordem do juizado, o filho mais novo da mulher que procurou a Vara de Adolescentes Infratores de Curitiba, que estava ao lado dela, deveria estar preso, recebendo tratamento médico. Mas ele fugiu.

"A juíza ordenou seis meses, mas ele desobedeceu e fugiu. Já é a quarta vez que isso acontece. Ele nunca trabalhou. Roubava meu dinheiro. Eu fui dando falta de dinheiro. Dois meses depois, começaram a sumir os pertences de casa. Só restou um fogão velho. Sobraram um bule, uma chaleira, duas panelas e uma frigideira. O resto ele vendeu tudo. A torneira foi vendida no ferro-velho, em troca de dinheiro para droga. O cano foi quebrado. Ele tirou a torneira de inox do filtro e vendeu", lamenta a mulher.

O pequeno Rogério, que acabou de ganhar a liberdade, conhece bem esse esquema. "Tem um carinha que atende os viciados de madrugada. Quaisquer R$ 5 ou mais já são uma alegria, porque eles compram drogas", explica o menino.

O dono do ferro-velho confirma que compra as peças mesmo sabendo que o dinheiro vai para o tráfico. "O quilo varia de R$ 2,5 a R$ 3,5. Esse material é todo avaliado por quilo. Já vi registro de água, panelas usadas dentro da própria casa, torneira, caixa de descarga, congelador de geladeira", descreve.

"Não chegamos para assaltar perguntando se o cara tem filho, quantos, se é menino ou menina, se ele gosta deles. Ninguém pergunta isso. Isso não existe. Se aquela pessoa é escolhida para ser assaltada, só lamento", diz Cláudio, de 16 anos, que está preso por homicídio no Centro de Socioeducação São Francisco, em Piraquara, Paraná.

No final do ano passado, um crime chocou o Paraná e o Brasil. Ana Cláudia Caron, de 17 anos, foi seqüestrada por dois adolescentes.

"Um de 17 anos e outro de 15", conta Paulo Caron, pai da vítima.

"Eles levaram essa menina até um local ermo. Nesse local, decidiram por estuprá-la. Eles usavam uma arma que não funcionava adequadamente. Ao efetuar o disparo contra a moça, essa bala não conseguiu atingir nenhum ponto vital. Então, eles depois tentaram asfixiá-la, e também não conseguiram matá-la dessa maneira. Atearam fogo no corpo da vítima", conta a juíza Maria Guiessmamm.

"Não havia motivo para tanta brutalidade, tanta maldade", diz Paulo Caron. "Eles estão presos. Segundo o estatuto, a pena máxima é de 3 anos. Em três anos, o que completou 18 quando foi preso estará com 21. Vida livre, vida nova. O de 15 anos sai com 18. Vida livre, vida nova, sem antecedentes. E nós, sem nossa filha?".

"Não se estabelece pena máxima para o adolescente na sentença. Na sentença, você, de acordo com o estatuto, aplica medida de internação por tempo indeterminado. Só que, pela lei, esse tempo indeterminado tem o máximo limite de três anos", diz a juíza Maria Guiessmamm.

"Não é tempo suficiente. E nem sabe se haverá tempo suficiente, dependendo da índole. Pode ser que ele seja problemático. Pode ser que nem em cinco, nem em dez anos se resolva", comenta Paulo Caron.

Em Fortaleza, Benício, de 17 anos, preso por homicídio, acredita que está prestes a ganhar a liberdade.



"A nossa equipe técnica também concorda que você seja desligado", diz o juiz, ao avaliar o progresso do adolescente. "A doutora promotora de Justiça concorda que você seja desligado hoje. E a doutora defensora está batendo palmas para todo esse pessoal, achando que você merece ser desligado. Aqui, o único que vai discordar disso sou eu. E eu vou lhe dizer por que eu vou fazer isso. Eu não libero com menos de três anos. Eu acho que você deve aguardar as próximas avaliações e deve mudar muito para voltar a merecer a confiança deste juiz".

"O juiz está vendo que ele não está em condições de sair agora. O que se pode fazer?", diz o pai de Benício, resignado.

"Eu acredito que deveríamos copiar a experiência européia ou americana de fazer uma avaliação criteriosa desse adolescente, que dê ao juiz um subsidio e diga que tal adolescente, depois de três anos, tem condições de voltar ou que não tem condições de voltar porque vai continuar a ser um perigo para a sociedade e vai continuar matando", avalia o diretor do Centro de Socioeducação de Curitiba, Francesco Serale.

"Oito anos são o suficiente para um adulto que comete um roubo? Trinta anos são o suficiente para um homicida que praticou diversos crimes?", pergunta a juíza Maria Guiessmamm.

"Nesses três anos, não só o tempo é significativo, a percepção do tempo, mas a sua capacidade de se apropriar, de aprender, de absorver. Então, o significado nesses três anos, no sentido de reconstrução do seu projeto de vida, é muito maior. Em três anos, é possível trabalhar de forma humanizada, com referências positivas, que passem a ter sentido para o adolescente, e ele possa se ver como uma pessoa capaz de fazer coisas, de sonhar, de projetar um sonho para ele", ressalta a secretária de Estado da Criança e Juventude do Paraná.

A história de Catarina e Leandra

Acompanhe a história de duas meninas que se envolveram com o tráfico de drogas. Uma delas está grávida, e o bebê vai nascer a qualquer momento. A vida em instituições para meninas e meninos infratores não é muito diferente da rotina de uma prisão de adultos.

"Precisamos entender que isso aqui é uma prisão. Este é o primeiro ponto: aqui é uma prisão. Aqui tem celas, grades, cadeados", ressalta Júlio César Botelho, diretor do Centro de Socioeducação São Francisco, no Paraná.

Jorge, de 17 anos, preso por assaltos e tentativa de latrocínio, reclama do rigor até na hora da visita. "Ela passa por uma humilhação na hora da revista para entrar. Eles têm que tirar toda a roupa e fazer agachamento para verem se não há drogas, celulares. Na primeira visita, ela chegou chorando", conta.

"Eu já passei por tudo isso. Já vim aqui, já fui no educandário, na penitenciária. Passei por tudo. E é difícil. Passamos por uma humilhação muito grande nas revistas", diz a mãe de um adolescente infrator.

Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo, 651 adolescentes estão em cadeias públicas e 211 unidades de internação ainda não seguem as normas previstas em lei.


O Estatuto da Criança e do Adolescente entrou em vigor em 1990, substituindo o Código de Menores e toda a linguagem jurídica, que acabou fazendo da expressão "menor de idade" o equivalente a pequeno marginal – o "dimenor", como dizem os próprios adolescentes infratores.

"E como eu sou 'dimenor', fica difícil. Mas eu estou pensando que vou ter um emprego quando sairmos daqui", diz Leandra.

Os termos do estatuto são diferentes do que diz a lei dos adultos. Mas, na prática, segundo o juiz Darival Bezerra, da Quinta Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, são realidades jurídicas bem parecidas.

"Lá se fala em denúncia; aqui se fala em representação. Lá se fala em prisão preventiva; aqui se fala em internação provisória. Lá se fala em crime; aqui se fala em ato infracional. Lá se fala em pena; aqui se fala em medida socioeducativa. Lá se fala em presídio; aqui se fala em centro educacional. Mas a grande verdade é que são termos correspondentes", diz o juiz.

Há mais semelhanças com o mundo dos adultos condenados, como a superlotação das celas, em Fortaleza.

"A capacidade é para 40 adolescentes. Hoje nós estamos com 235", conta o diretor do Centro Educacional de Fortaleza, Joaquim Vieira.

Mesmo onde não há superlotação, como em Curitiba, há medo.

"Eu tenho plena consciência de que a qualquer momento isso aqui pode explodir", diz Júlio César Botelho, diretor do Centro de Socioeducação São Francisco, no Paraná.

Nesses centros educacionais, as histórias de violência se repetem.

"Nós demos voz de assalto. Ele quis reagir. Então, atiramos nele. Eu acho que ele morreu na hora, porque foi um tiro na nuca", diz um infrator.

"A droga só veio para destruir. Quando eu estava usando, a vontade era usar mais ainda. Se fosse possível matar dez pessoas para usar crack, eu mataria", conta outro infrator.

"Coloquei uma arma na cintura pela primeira vez aos 11 anos. Sei lá. Eu quis, para me proteger um pouco. Só usei para assalto", revela outro infrator.

E quando chega a hora de reconquistar a liberdade? Em uma audiência de liberação coletiva em Fortaleza, o juiz Darival Bezerra, da Quinta Vara da Infância e da Juventude, anunciou:



"Do jeito que eu estou mandando vocês para casa hoje eu mando vocês de volta para a internação, para passar três anos ou ficar até os 21 anos. Eu parabenizo vocês porque venceram uma etapa da vida. Eu sei que não foi fácil passar. Alguns passaram muito tempo presos. O estatuto fala em internação, mas sabemos que é preso mesmo, privado de liberdade. Os adultos têm indulto de Natal. Vocês saíram daqui alguma vez? Foram privados da liberdade mesmo. Estavam presos mesmo. Então, eu os parabenizo. Desejo todo sucesso do mundo. Nós vamos continuar acompanhando vocês, orientando, aconselhando. E nós desejamos que vocês nunca mais cometam um ato infracional, nunca mais voltem à criminalidade".

"Eu quero abraçar meus familiares, que eu não vejo faz tempo. Quero ficar junto da minha mãe o resto do dia. Só isso mesmo, ficar perto dos meus familiares", revelou um dos adolescentes que ganharam a liberdade.

Sensação que o pequeno Rogério já experimenta há mais de um mês, desde que foi solto pela juíza paranaense.

À espera desse dia, o repórter Eduardo Faustini encontrou duas meninas presas de Curitiba, por crimes muito graves. Catarina e Leandra, ambas de 16 anos.

"Eu fui detida por duplo homicídio, aos 15 anos. Artigo 121", conta.

Leandra responde por tráfico de drogas. Ela está grávida – o bebê pode nascer a qualquer momento – e conta que chegou a gerenciar um ponto de vendas. "Em dos anos minha vida virou um vendaval. Já é a segunda vez que eu passo por aqui. Já fiquei um ano aqui antes", conta.

"Eu conheci as drogas com 11 anos. Aliás, eu conhecia ela desde os 8, porque meus irmãos são drogados desde os 15 anos. Eu usei e não consegui mais parar. É fácil conseguir trabalhar no tráfico. Difícil é sair", diz Catarina.

"É bem fácil conseguir uma droga para vender, porque os traficantes gostam de menininha novinha, bonitinha. É só chegar e conversar. Aí você consegue o que quer. Depois de um tempo, eu passei a levar tudo com meu próprio dinheiro, meu próprio negócio", diz Leandra.

"Minha primeira viagem foi para Santa Catarina. Eu catei minha identidade escondida e fui levar pedra de crack. Fui ao Paraguai e comprei. Saí e voltei. Gostei porque ganhei dinheiro fácil. Daí, continuei", conta Catarina.

"É sempre assim: tráfico, assalto, fazemos tudo junto. É só alguém chegar e chamar que eu vou armada", diz Leandra.

Catarina conta como matou uma menina. O motivo? Rivalidade entre favelas.



"Eu encontrei duas meninas na minha favela que eram estranhas. Quando as vi entrando, falei para os piás. No outro dia eles viram as meninas entrando de novo. Então, disseram que iam bater nelas. Falei: 'Não. Temos que matar. Morreu um camarada nosso, agora nós temos que matá-las'. Eles drogaram elas, bateram nelas e levaram. Perguntaram quem ia dar o primeiro tiro. Eu falei que seria eu. Mirei e atirei. Ela caiu sentada. Com mais tiro que os piás deram, ela caiu deitada. Ela estava com tamanco. A outra teve tempo de tirar o tamanco e correr. Quando ela correu, deu de frente com meu outro amigo, que deu um tiro bem no peito dela. Ela caiu na sombra. A outra caiu no sol. Eu tinha 14 anos. Com o tempo, eu não agüentei. Minha consciência começou a pesar porque os piás estavam indo presos. Então, fui lá e me entreguei. Por isso estou aqui", revela.

Catarina só enxerga uma saída: longe do Brasil. "Quero casar com um japonês, trabalhar e fazer minha vida no Japão. Algumas expressões em japonês eu já sei, como 'muito prazer' e 'por favor'", diz.

Leandra só pensa na filha que está para nascer.



"Vou ter minha filha aqui dentro. Vai ser difícil, mas espero que eu fique aqui bem pouco tempo. Depois eu vou ter que deixar ela na creche. Sabe o que mais corta o meu coração? Deixar minha filha na creche. Acho que não volto mais para aquela vida. Meu sonho sempre foi pegar um filho nos braços. Agora eu vou ver um ser tão pequeninho, tão indefeso, que não vou ter coragem de fazer de novo. Da outra vez em que eu saí tive. Mas eu não tinha nada com que me importar. Eu ainda era muito jovem. E quando você sai, tem ansiedade de ver os amigos, ir para uma balada. Agora eu acho que vai ser diferente. Não posso dizer nada do futuro, mas eu quero que seja diferente. Eu vou sair com a minha nenê nos braços, vou querer levá-la para a avó ver. Vou atrás do pai dela, que ainda não sabe que eu estou grávida, e dizer que eu tenho uma filha com ele. Mas se ele não quiser assumir a responsabilidade, tudo bem, porque eu vou ser feliz com a minha filha. Ela é meu mundo. E eu vou ser muito feliz com ela. Ela vai estar comigo o tempo todo. É só com ela que eu quero ficar. Eu espero que o resto não faça diferença para mim. Eu quero só ela para mim", finaliza Leandra.

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