Thiago Gehre Galvão
Texto de Meridiano 47 - 17/01/2009
Uma nova crise de violência eclode no conflito entre palestinos e israelenses. Os atos de brutalidade em si são tão marcantes quanto a irresponsabilidade dos agentes internacionais. A paz perpétua, descrita por Kant, parece inconciliável, mesmo como utopia, com o futuro do Oriente Médio. Neste sentido nos perguntamos, por que afinal o conflito no Oriente Médio, assim como o conhecemos, entrou em sua sexta década sem uma solução à vista? Qual a origem da insolubilidade deste conflito? Parte-se de três pressupostos: a) existe um quadro complexo de responsabilidades individuais que associadas dão origem a uma responsabilidade sistêmica pelo conflito no Oriente Médio; b) responsabilidade não é culpa, ou seja, não se trata de um exercício de julgamento histórico, mas de uma análise exploratória sobre a constituição do conflito no tempo presente; c) o apontamento da responsabilidade sistêmica busca, portanto, evidenciar as origens da causa do conflito e não indicar os culpados pelo mesmo.
O conflito em si é muito antigo e possui raízes históricas para a compreensão de sua atualidade. Destaque para o papel desempenhado pelas antigas potências coloniais, França e Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos, ao moldar o mapa do Oriente Médio durante as negociações de Paz de Paris em 1919 após a I Guerra Mundial. O choque dos imperialismos e o idealismo político imperfeito foram ingredientes decisivos neste momento.
Clemanceau, primeiro-ministro francês e chairmain da Conferência de Paris, iria privilegiar a construção da potência francesa em uma perspectiva continental, mas não abriria mão de se envolver no jogo dos espólios coloniais do após-guerra. Nesse sentido, conduziu as negociações com ingleses e autoridades locais para obter a Síria e o Líbano como administrações francesas. Não obstante, o governo francês exaltava os direitos da França na Palestina que remontavam à época das Cruzadas, como protetora dos Católicos. Além disso, temia a dominação inglesa da região e a disseminação do movimento sionista, o que deixaria à espreita possibilidades de intervenção para manter o equilíbrio de poder e expandir sua esfera de influência regional.
À luz da ameaça francesa no Oriente Médio, a Inglaterra posicionou-se de forma polivalente. No jogo diplomático colonial se movimentou no sentido de retirar a Palestina dos franceses, a quem fora prometida pelo acordo Sykes-Picot (1916). Aproveitando-se da posição favorável advinda da tomada de Jerusalém em uma campanha militar durante a Grande Guerra os ingleses passariam a exercer o domínio sobre a Palestina. Ao mesmo tempo, encorajavam a revolta dos árabes contra seus governantes otomanos com a promessa de independência e apoiavam a pátria para os judeus numa terra vastamente habitada por árabes. Neste caso, o governo britânico havia se comprometido a estabelecer ali um lar nacional para os Judeus, promessa formalizada com a Declaração de Balfour de 2 de novembro de 1917. A declaração garantira proteção às comunidades não judaicas, árabes mulçumanos e cristãs, mas com o passar do tempo a promessa não seria cumprida. Enfim, o estratagema político-diplomático inglês traria graves conseqüências futuras à estabilidade do sistema regional.
Na esteira dos acontecimentos da Grande Guerra o desmonte dos impérios tradicionais criou um quadro de deslocamento humano em que milhões de judeus da Rússia e da Áustria estavam à procura de um novo lar. Era o momento ideal para retomar o périplo político de criação do Estado de Israel. Em 1919, Chaim Weizmann, chefe da missão hebréia na Conferência de Paz de Paris, apela ao Conselho Supremo formado pelas potências vencedoras em favor da segurança e dignidade judaicos, mediante a criação do lar nacional para os judeus na Palestina. Descartava-se, assim, a idéia de outra figura importante, Theodor Herzl, jornalista de Viena que organizou o primeiro congresso sionista, sobre a compra de Uganda pelos ingleses a fim de lá se criar um Estado judeu.
O sionismo esperava que uma pátria para os hebreus levasse à criação de um tipo de judeu 100%, amparado em suas próprias forças e tradições. A Palestina era então uma província atrasada do Império Otomano, onde estavam os locais sagrados e os vestígios do último reino judeu, mas com a imigração judaica se transformaria numa Bélgica asiática. A ajuda britânica seria indispensável e o pensamento que ecoou durante a Conferência de Paz, era que a Palestina deveria ser tão judaica quanto a Inglaterra era inglesa.
Weizmann se esforçava para angariar simpatizantes junto aos representantes estrangeiros e buscava uma concertação com os donos do poder na região. Marcante seria o encontro com Feisal, governante oficial da Síria e príncipe originário de Meca para discutir o realocamento populacional na região. O acordo assinado em 3 de janeiro de 1919 garantia a imigração judaica para a Palestina e esperava em troca a ajuda sionista para desenvolver o estado árabe palestino que deveria ser criado na Conferência. Entretanto, a forte oposição enfrentada por Feisal no choque entre as Casas Saud e Hashem e a incompatibilidade de interesses entre franceses e ingleses fez com que nenhuma solução fosse alcançada na Conferência de Paz.
No jogo das afirmações nacionais e da autodeterminação, contidos no discurso idealista do presidente norte-americano Woodrow Wilson, a Palestina tornou-se exceção no remapeamento do Oriente Médio após a Grande Guerra. Os aliados haviam acordado em manter seus territórios árabes como mandatos da Liga das Nações do tipo A, supostamente alocados de acordo com a vontade da população local. Nesse sentido, o Wilson encomendara um relatório para averiguar a real situação das antigas possessões do recém-extinto Império Otomano.
O relatório Craig-Kane, preparado pelos enviados norte-americanos ao Oriente Médio, era enfaticamente contrário ao programa sionista e desaconselhava veementemente a criação do Estado Judeu. Sumarizando, os Estados Unidos se abstiveram de implementar a solução preconizada pelo relatório Craig-Kane e deixaram a situação a ser resolvida por britânicos, franceses e pela Liga das Nações. Como aponta o historiador judeu Eric Hobsbawn, “essa seria outra relíquia problemática e não esquecida da Primeira Guerra Mundial”.
A Palestina foi encarada pelos grandes como uma terra sem gente que serviria, no futuro próximo, a um povo sem terra. Aos palestinos restou demonstrar toda sua amargura com relação à Declaração de Balfour e às promessas ilusórias das conversações diplomáticas em Paris, que culminariam em julho de 1922 na aprovação pela Liga das Nações do mandato apresentado pelos britânicos. O sonho de um estado palestino independente se esvaía enquanto a realização do desígnio israelense se encaminhava para encontrar os acontecimentos decisivos da 2a Guerra Mundial.
Até aquele momento não se falava em estado, mas em uma pátria nacional, ou um lar nacional para os Judeus. A concretização definitiva veio com a invenção do Estado de Israel, em 1948, após a 2a Guerra Mundial, oferecendo um “direito de retorno” a qualquer judeu do mundo. O novo estado vinha sendo moldado desde o fim da Grande Guerra pela imigração maciça e a partir de 1948 políticas de estado, como a recolonização via assentamentos e as guerras de expansão, formariam um Estado judeu com dimensões maiores do que o previsto pelas Grandes Potências. A resultante direta foi a expulsão de 700 mil palestinos não-judeus e o abandono da idéia de criação de um estado palestino.
Como um efeito blow back, o sionismo produzira aquilo que previamente não existia: um movimento palestino árabe organizado, respaldado pela geografia e história comuns e produtor de ideais autonomistas. Como consequência, originam-se os movimentos fundamentalistas de afirmação nacional que alimentaram tanto o terrorismo quanto as crises constantes entre os diferentes atores regionais.
Enquanto Israel tornava-se uma potência tecnológica e militar na região, alcançando o poder nuclear na década 1970, os palestinos passaram a viver em uma situação de apartheid e diáspora dentro das fronteiras ampliadas do Estado de Israel. Neste processo, a relação especial estabelecida com os EUA foi decisiva para suportar os objetivos de afirmação nacional israelense. Cercado por nações árabes, Israel elege a segurança absoluta como parte de sua grande estratégia de política externa. Na crise atual, o planejamento de longo tempo ficou evidente e se aproveitou das lições aprendidas há dois anos no conflito contra o Hezbollah no Líbano. Assim, a força terrestre seria necessária para garantir a segurança da população israelense que circunda a faixa de Gaza e a aniquilação do poder de fogo do Hamas tornou-se condição sine qua non para a abertura das negociações diplomáticas. Dessa forma, o nível de sucesso da campanha terrestre pode trazer de volta a reocupação de Gaza como um elemento de segurança pretendido como parte dos objetivos israelenses.
A mais recente campanha israelense dá continuidade às ferozes ações que alimentam um ciclo de violência e perpetuam reações dos grupos armados palestinos. A instalação de uma crise humanitária e a carnificina do conflito, que contabiliza mais de 1000 mortos e 3000 feridos, fazem com que a população local perca gradativamente suas cores políticas. Com isso, uma ação coordenada entre Hamas e Fatah é facilitada e pode levar a uma onda duradoura de terror contra Israel. Outra possibilidade é a ampliação do apoio de Síria, Líbano e Irã em um novo quadro de alinhamentos contra Israel.
Com a operação em Gaza em andamento, a mídia internacional foi responsável por apontar as atrocidades do conflito. Aquilo que não tem sido mostrado no Afeganistão e no Iraque passou a ser noticiado pelas agências internacionais de comunicação. Imagens e notícias estarrecedoras o suficiente para sensibilizar a opinião pública acerca das barbaridades da guerra. Em contraposição, o governo de Israel viu-se impelido a calibrar seu discurso e garantir a legitimidade de suas ações. A justificativa reside no fato de os israelenses combaterem uma organização terrorista como forma de exercer seu direito de autodefesa. Entretanto, os apelos e discursos, muitas vezes contraditórios, obscurecem o entendimento do conflito e dificultam o acesso às possíveis verdades.
Para Weizmann, o direito judeu à Palestina poderia ser reduzido à máxima “memória é direito”. Recorre-se perigosamente à memória, pois ela é senhora de muitas faces: é a memória do longínquo que encontra a memória do recente e nelas residem ressentimento e ódio e perpetuam-se a intolerância e a irresponsabilidade em ambos os lados. Destarte, árabes e judeus não podem se apropriar da memória histórica para justificar suas atrocidades e abusos, mas também não podem ser acusados e responsabilizados pela perenidade do conflito no Oriente Médio. A história não permite julgamentos, mas ensina lições que precisam ser aprendidas. O nascer de Eretz Israel (Terra de Israel) cicatriza a ferida judaica, mas aprofunda a ulceração palestina.
Precisamos estar cientes que um mecanismo de spill over negativo afeta toda a sociedade global e que a responsabilidade sistêmica de lidar com os problemas estratégicos internacionais urge como eixo da política global do século 21. Logo, a desproporcionalidade dos ataques israelenses junta-se à relutância norte-americana, à inoperância das Nações Unidas e à incapacidade de britânicos, franceses e da União Européia de resolver em definitivo a situação no Oriente Médio. Assim, um sistema de responsabilidades é gerado, mas não assumido pelos agentes internacionais.
Mais importante ainda é resgatar as origens históricas do Oriente Médio moderno para avaliarmos o peso das potências imperialistas na constituição do conflito atual. Engajamentos interessados, desengajamentos irresponsáveis, manipulações políticas e a cobiça interna e internacional marcaram um quadro regional de excessiva ingerência e baixa autonomia. Logo, a origem da não-solução do conflito no Oriente Médio é múltipla e complexa, mas não pode ser vista pelo prisma fatalista da inevitabilidade. Somos nós que fazemos com que o conflito seja perpétuo. Mas não precisa ser assim para sempre!
Thiago Gehre Galvão é Professor de História das Relações Internacionais do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima - UFRR (thiago.gehre@gmail.com).
Texto de Meridiano 47 - 17/01/2009
Uma nova crise de violência eclode no conflito entre palestinos e israelenses. Os atos de brutalidade em si são tão marcantes quanto a irresponsabilidade dos agentes internacionais. A paz perpétua, descrita por Kant, parece inconciliável, mesmo como utopia, com o futuro do Oriente Médio. Neste sentido nos perguntamos, por que afinal o conflito no Oriente Médio, assim como o conhecemos, entrou em sua sexta década sem uma solução à vista? Qual a origem da insolubilidade deste conflito? Parte-se de três pressupostos: a) existe um quadro complexo de responsabilidades individuais que associadas dão origem a uma responsabilidade sistêmica pelo conflito no Oriente Médio; b) responsabilidade não é culpa, ou seja, não se trata de um exercício de julgamento histórico, mas de uma análise exploratória sobre a constituição do conflito no tempo presente; c) o apontamento da responsabilidade sistêmica busca, portanto, evidenciar as origens da causa do conflito e não indicar os culpados pelo mesmo.
O conflito em si é muito antigo e possui raízes históricas para a compreensão de sua atualidade. Destaque para o papel desempenhado pelas antigas potências coloniais, França e Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos, ao moldar o mapa do Oriente Médio durante as negociações de Paz de Paris em 1919 após a I Guerra Mundial. O choque dos imperialismos e o idealismo político imperfeito foram ingredientes decisivos neste momento.
Clemanceau, primeiro-ministro francês e chairmain da Conferência de Paris, iria privilegiar a construção da potência francesa em uma perspectiva continental, mas não abriria mão de se envolver no jogo dos espólios coloniais do após-guerra. Nesse sentido, conduziu as negociações com ingleses e autoridades locais para obter a Síria e o Líbano como administrações francesas. Não obstante, o governo francês exaltava os direitos da França na Palestina que remontavam à época das Cruzadas, como protetora dos Católicos. Além disso, temia a dominação inglesa da região e a disseminação do movimento sionista, o que deixaria à espreita possibilidades de intervenção para manter o equilíbrio de poder e expandir sua esfera de influência regional.
À luz da ameaça francesa no Oriente Médio, a Inglaterra posicionou-se de forma polivalente. No jogo diplomático colonial se movimentou no sentido de retirar a Palestina dos franceses, a quem fora prometida pelo acordo Sykes-Picot (1916). Aproveitando-se da posição favorável advinda da tomada de Jerusalém em uma campanha militar durante a Grande Guerra os ingleses passariam a exercer o domínio sobre a Palestina. Ao mesmo tempo, encorajavam a revolta dos árabes contra seus governantes otomanos com a promessa de independência e apoiavam a pátria para os judeus numa terra vastamente habitada por árabes. Neste caso, o governo britânico havia se comprometido a estabelecer ali um lar nacional para os Judeus, promessa formalizada com a Declaração de Balfour de 2 de novembro de 1917. A declaração garantira proteção às comunidades não judaicas, árabes mulçumanos e cristãs, mas com o passar do tempo a promessa não seria cumprida. Enfim, o estratagema político-diplomático inglês traria graves conseqüências futuras à estabilidade do sistema regional.
Na esteira dos acontecimentos da Grande Guerra o desmonte dos impérios tradicionais criou um quadro de deslocamento humano em que milhões de judeus da Rússia e da Áustria estavam à procura de um novo lar. Era o momento ideal para retomar o périplo político de criação do Estado de Israel. Em 1919, Chaim Weizmann, chefe da missão hebréia na Conferência de Paz de Paris, apela ao Conselho Supremo formado pelas potências vencedoras em favor da segurança e dignidade judaicos, mediante a criação do lar nacional para os judeus na Palestina. Descartava-se, assim, a idéia de outra figura importante, Theodor Herzl, jornalista de Viena que organizou o primeiro congresso sionista, sobre a compra de Uganda pelos ingleses a fim de lá se criar um Estado judeu.
O sionismo esperava que uma pátria para os hebreus levasse à criação de um tipo de judeu 100%, amparado em suas próprias forças e tradições. A Palestina era então uma província atrasada do Império Otomano, onde estavam os locais sagrados e os vestígios do último reino judeu, mas com a imigração judaica se transformaria numa Bélgica asiática. A ajuda britânica seria indispensável e o pensamento que ecoou durante a Conferência de Paz, era que a Palestina deveria ser tão judaica quanto a Inglaterra era inglesa.
Weizmann se esforçava para angariar simpatizantes junto aos representantes estrangeiros e buscava uma concertação com os donos do poder na região. Marcante seria o encontro com Feisal, governante oficial da Síria e príncipe originário de Meca para discutir o realocamento populacional na região. O acordo assinado em 3 de janeiro de 1919 garantia a imigração judaica para a Palestina e esperava em troca a ajuda sionista para desenvolver o estado árabe palestino que deveria ser criado na Conferência. Entretanto, a forte oposição enfrentada por Feisal no choque entre as Casas Saud e Hashem e a incompatibilidade de interesses entre franceses e ingleses fez com que nenhuma solução fosse alcançada na Conferência de Paz.
No jogo das afirmações nacionais e da autodeterminação, contidos no discurso idealista do presidente norte-americano Woodrow Wilson, a Palestina tornou-se exceção no remapeamento do Oriente Médio após a Grande Guerra. Os aliados haviam acordado em manter seus territórios árabes como mandatos da Liga das Nações do tipo A, supostamente alocados de acordo com a vontade da população local. Nesse sentido, o Wilson encomendara um relatório para averiguar a real situação das antigas possessões do recém-extinto Império Otomano.
O relatório Craig-Kane, preparado pelos enviados norte-americanos ao Oriente Médio, era enfaticamente contrário ao programa sionista e desaconselhava veementemente a criação do Estado Judeu. Sumarizando, os Estados Unidos se abstiveram de implementar a solução preconizada pelo relatório Craig-Kane e deixaram a situação a ser resolvida por britânicos, franceses e pela Liga das Nações. Como aponta o historiador judeu Eric Hobsbawn, “essa seria outra relíquia problemática e não esquecida da Primeira Guerra Mundial”.
A Palestina foi encarada pelos grandes como uma terra sem gente que serviria, no futuro próximo, a um povo sem terra. Aos palestinos restou demonstrar toda sua amargura com relação à Declaração de Balfour e às promessas ilusórias das conversações diplomáticas em Paris, que culminariam em julho de 1922 na aprovação pela Liga das Nações do mandato apresentado pelos britânicos. O sonho de um estado palestino independente se esvaía enquanto a realização do desígnio israelense se encaminhava para encontrar os acontecimentos decisivos da 2a Guerra Mundial.
Até aquele momento não se falava em estado, mas em uma pátria nacional, ou um lar nacional para os Judeus. A concretização definitiva veio com a invenção do Estado de Israel, em 1948, após a 2a Guerra Mundial, oferecendo um “direito de retorno” a qualquer judeu do mundo. O novo estado vinha sendo moldado desde o fim da Grande Guerra pela imigração maciça e a partir de 1948 políticas de estado, como a recolonização via assentamentos e as guerras de expansão, formariam um Estado judeu com dimensões maiores do que o previsto pelas Grandes Potências. A resultante direta foi a expulsão de 700 mil palestinos não-judeus e o abandono da idéia de criação de um estado palestino.
Como um efeito blow back, o sionismo produzira aquilo que previamente não existia: um movimento palestino árabe organizado, respaldado pela geografia e história comuns e produtor de ideais autonomistas. Como consequência, originam-se os movimentos fundamentalistas de afirmação nacional que alimentaram tanto o terrorismo quanto as crises constantes entre os diferentes atores regionais.
Enquanto Israel tornava-se uma potência tecnológica e militar na região, alcançando o poder nuclear na década 1970, os palestinos passaram a viver em uma situação de apartheid e diáspora dentro das fronteiras ampliadas do Estado de Israel. Neste processo, a relação especial estabelecida com os EUA foi decisiva para suportar os objetivos de afirmação nacional israelense. Cercado por nações árabes, Israel elege a segurança absoluta como parte de sua grande estratégia de política externa. Na crise atual, o planejamento de longo tempo ficou evidente e se aproveitou das lições aprendidas há dois anos no conflito contra o Hezbollah no Líbano. Assim, a força terrestre seria necessária para garantir a segurança da população israelense que circunda a faixa de Gaza e a aniquilação do poder de fogo do Hamas tornou-se condição sine qua non para a abertura das negociações diplomáticas. Dessa forma, o nível de sucesso da campanha terrestre pode trazer de volta a reocupação de Gaza como um elemento de segurança pretendido como parte dos objetivos israelenses.
A mais recente campanha israelense dá continuidade às ferozes ações que alimentam um ciclo de violência e perpetuam reações dos grupos armados palestinos. A instalação de uma crise humanitária e a carnificina do conflito, que contabiliza mais de 1000 mortos e 3000 feridos, fazem com que a população local perca gradativamente suas cores políticas. Com isso, uma ação coordenada entre Hamas e Fatah é facilitada e pode levar a uma onda duradoura de terror contra Israel. Outra possibilidade é a ampliação do apoio de Síria, Líbano e Irã em um novo quadro de alinhamentos contra Israel.
Com a operação em Gaza em andamento, a mídia internacional foi responsável por apontar as atrocidades do conflito. Aquilo que não tem sido mostrado no Afeganistão e no Iraque passou a ser noticiado pelas agências internacionais de comunicação. Imagens e notícias estarrecedoras o suficiente para sensibilizar a opinião pública acerca das barbaridades da guerra. Em contraposição, o governo de Israel viu-se impelido a calibrar seu discurso e garantir a legitimidade de suas ações. A justificativa reside no fato de os israelenses combaterem uma organização terrorista como forma de exercer seu direito de autodefesa. Entretanto, os apelos e discursos, muitas vezes contraditórios, obscurecem o entendimento do conflito e dificultam o acesso às possíveis verdades.
Para Weizmann, o direito judeu à Palestina poderia ser reduzido à máxima “memória é direito”. Recorre-se perigosamente à memória, pois ela é senhora de muitas faces: é a memória do longínquo que encontra a memória do recente e nelas residem ressentimento e ódio e perpetuam-se a intolerância e a irresponsabilidade em ambos os lados. Destarte, árabes e judeus não podem se apropriar da memória histórica para justificar suas atrocidades e abusos, mas também não podem ser acusados e responsabilizados pela perenidade do conflito no Oriente Médio. A história não permite julgamentos, mas ensina lições que precisam ser aprendidas. O nascer de Eretz Israel (Terra de Israel) cicatriza a ferida judaica, mas aprofunda a ulceração palestina.
Precisamos estar cientes que um mecanismo de spill over negativo afeta toda a sociedade global e que a responsabilidade sistêmica de lidar com os problemas estratégicos internacionais urge como eixo da política global do século 21. Logo, a desproporcionalidade dos ataques israelenses junta-se à relutância norte-americana, à inoperância das Nações Unidas e à incapacidade de britânicos, franceses e da União Européia de resolver em definitivo a situação no Oriente Médio. Assim, um sistema de responsabilidades é gerado, mas não assumido pelos agentes internacionais.
Mais importante ainda é resgatar as origens históricas do Oriente Médio moderno para avaliarmos o peso das potências imperialistas na constituição do conflito atual. Engajamentos interessados, desengajamentos irresponsáveis, manipulações políticas e a cobiça interna e internacional marcaram um quadro regional de excessiva ingerência e baixa autonomia. Logo, a origem da não-solução do conflito no Oriente Médio é múltipla e complexa, mas não pode ser vista pelo prisma fatalista da inevitabilidade. Somos nós que fazemos com que o conflito seja perpétuo. Mas não precisa ser assim para sempre!
Thiago Gehre Galvão é Professor de História das Relações Internacionais do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima - UFRR (thiago.gehre@gmail.com).
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