sábado, 10 de janeiro de 2009

O cerrado brasileiro está em risco de extinção


O cerrado brasileiro é um dos mais importantes biomas do país. Mas, atualmente, encontra-se seriamente ameaçado de extinção. Sua grande variedade de fauna e flora já sofreu alterações em cerca de 80% da biodiversidade original. No Estado de Goiás a situação é ainda pior. Segundo estimativas, 90% da sua cobertura primitiva já foi devastada. O mais grave é que os parques públicos (áreas de proteção) não representam 1% do cerrado goiano, ficando abaixo da média nacional, que é de 2,5%, e bem abaixo do recomendado pelos órgãos internacionais. Cerca de 10% do território goiano deveria ser transformado em áreas de proteção ambiental.

Durante muito tempo acreditou-se que a região do cerrado seria inviável para a exploração agrícola, tendo em vista as características desse ecossistema: uma vegetação formada por árvores pequenas e galhos retorcidos, acompanhada de cobertura rasteira e solo pobre e ácido. Do ponto de vista comercial, esses fatores são inibidores naturais das atividades agropecuárias.

Entretanto, na segunda metade do século XX, a modernização da agropecuária brasileira e a introdução das relações capitalistas no campo resultaram em transformações no espaço do cerrado, delineando assim um novo contexto. De acordo com os dados da WWF (World Wild Foundation), 60% do cerrado brasileiro foi substituído por pastagens e 6% dele deu espaço às grandes culturasde grãos, principalmente a soja.

Outros 14% foram transformados em cidades e estradas e apenas 19% da região de cerrado está preservada. Chama a atenção a falta de um manejo adequado do ecossistema local e a grande velocidade com que se está destruindo desse ecossistema.

A devastação está atingindo níveis preocupantes, correndo o risco de ser praticamente irreversível. O que podemos fazer é tentar minimizar o problema adotando práticas preservacionistas e repensar as políticas econômicas para a região, procurando o desenvolvimento sustentável como forma de conciliar desenvolvimento econômico e a preservação ambiental.

Usos e abusos do cerrado
O cerrado ocupava grandes extensões do país, principalmente na porção central. Calcula-se que antes da ocupação humana ele cobria 25% do espaço nacional, ou seja, em torno de 2 milhões de quilômetros quadrados.

O cerrado ocupava originalmente espaços de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí e São Paulo. Neste último estado não apresentava uma cobertura contínua, e sim manchas disseminadas pelo interior.

Em suma pode-se dizer que a cobertura vegetal do cerrado abrangia grandes extensões do planalto Central Brasileiro, transformando-se na formação vegetal características do Centro-Oeste. É composto de pequenas árvores, arbustos e vegetação herbácea. Os arbustos, árvores de pequeno porte, possuem troncos com casca grossa e galhos retorcidos e são a feição mais típica desse tipo de vegetação. Embora possa parecer que o aspecto pobre e triste do cerrado seja explicado pelo período seco relativamente longo, o fator fundamental é a falta de fertilidade natural dos solos, que pode ser agravada pela ação do fogo, dos cupins e da lixiviação (isto é, da lavagem da camada superficial do solo pelas intensas chuvas tropicais).

O fogo, durante a estação seca, pode se propagar por combustão espontânea ou pela ação do homem, resultando na queima das raízes das espécies vegetais e contribuindo para degrada-las; os cupins destroem frutos, sementes e raízes; a lixiviação empobrece ainda mais o solo, tornando-o ácido.

Não só árvores de pequeno porte e espaçadas compõem o cerrado. Há sobre o solo uma cobertura contínua de gramíneas que podem atingir até 30 centímetros de altura e outros tipos de plantas rasteiras, como por exemplo a Andira humilis, que apresenta tronco e galhos subterrâneos e raízes que atingem o lençol de água a 18 centímetros de profundidade. Com base nesta planta, podemos observar como o solo do cerrado é profundo.

As longas raízes das árvores lhes permitem a obtenção de água durante a estação seca, que pode se prolongar por sete meses nessa área de clima tropical.

Como o cerrado é uma formação vegetal aberta, com muitas espécies herbáceas, desde os primórdios da colonização a criação de gado foi a atividade econômica mais importante, na maior parte das vezes feita de forma extensiva em grandes propriedades rurais. Com a descoberta e a aplicação da técnica da calagem, que consiste em adicionar calcário para reduzir a acidez do solo, o cerrado passou a ser utilizado intensivamente para a produção de grãos, especialmente soja, arroz e trigo. Por isso, atualmente as fazendas de criação de gado convivem, em áreas do cerrado, com modernas empresas rurais dedicadas à agricultura.

A ocupação cada vez mais intensa do cerrado pela agricultura se deve à pesquisa científica que constatou que o solo do cerrado pode manter-se fértil. Para tanto basta intercalar culturas de milho, sorgo ou milheto com as de arroz e soja. Isto ocorre porque as primeiras, dadas às suas raízes longas, retiram nutrientes a 2 ou 3 metros de profundidade. Assim, após a colheita do milho, sorgo ou milheto, as palhas permanecem no solo, adubando-o na porção superficial e garantindo os nutrientes para as plantações de soja e arroz. Dessa maneira, não há esgotamento do solo, pois os nutrientes lixiviados para as camadas mais profundas pela ação das chuvas, no período de novembro a março, retornam à superfície graças às plantas "palhadas".

Contudo, o processo de modernização do cerrado trouxe custos negativos para o meio ambiente. Como em muitas áreas a vegetação original é eliminada, o solo fica desprotegido durante a época das chuvas intensas. Essas arrastam imensas quantidades da camada superficial do solo para dentro dos rios, causando o assoreamento deles e provocando inundações por vezes catastróficas.

O que nos deixa estupefatos é sabermos que essa acelerada destruição está intimamente ligada à ação antrópica, que esse processo de devastação poderá, efetivamente, trazer a extinção de animais e de espéciesvegetais, além de acarretar o aumento das voçorocas (grandes crateras que se abrem no solo por causa da erosão), causando destruição ao meio ambiente.

No cerrado encontra-se uma fauna tão variada quanto sua flora. Foram identificadas 837 espécies de aves, 197 de mamíferos, 180 de répteis, 113 de anfibios e milhares de espécies de insetos.

A modernização das atividades econômicas praticadas nas áreas do cerrado brasileiro teve como resultado a transformação do Centro-Oeste e parte da Amazônia em áreas de fronteiras agrícolas nacionais. Inicialmente seriam áreas complementares da economia agrária brasileira. Porém, com a correção do solo e a aplicação de técnicas modernas, a produtividade determinou mudanças circunstanciais na lógica da produção agrária do Brasil. O problema é que a única prioridade observada na ocupação do território do cerrado foi a maximização dos lucros, deixando-se de lado a preocupação ambiental e colocando em risco o bioma do cerrado brasileiro.

Fábio Araújo é geógrafo, historiador e pós-graduado em Filosofia política pela UFPR.
Revista Discutindo Geografia - ed. 5

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