O mundo diante do “Dia O”, por José Flávio Sombra Saraiva
Texto de Meridiano 47 - 16/01/2009
O “Dia D” foi marca da inserção altaneira dos Estados Unidos no mundo que nasceu dos escombros da Segunda Guerra Mundial. O desembarque das tropas aliadas na Normandia, em 6 de junho de 1944, associaria o “D” do presidente Delano Roosevelt ao “D” do general Dwight Eisenhower. Comandante da maior ofensiva militar do século XX, Dwight credenciou-se para as páginas da história ao não ter titubeado, em dia da decisão fundamental, apesar do frio e das névoas do Canal da Mancha.
Nascia, nos gestos e nas decisões incisivas, um novo mundo. Paris seria libertada. Chegaria ao fim o regime de Hitler. Os Estados Unidos habilitaram-se como o smart (inteligente) e o hard power (poder da força bruta). Adocicaram a Europa com o Plano Marshall e associaram sua imagem à noção de garante da ordem do mundo ocidental. Ampliaram as margens de poder ideológico e estratégico no imediato pós-Guerra Fria.
Fracassaram, no entanto, no dia seguinte. Veio o “”Dia B” com um Bush irracional no 11 de setembro de 2001. Oito anos se passaram e os Estados Unidos, que já não vinham muito bem no manejo de sua economia interna e no seu smart power, inventaram um novo Vietnã e armaram uma das maiores crises do capitalismo em toda sua história. De poupadores passaram a perdulários. O mundo todo paga a conta.
O dia 20 de janeiro de 2009 é o “Dia O”. A posse de Obama é fato celebrado como “O”K em todo o mundo. Há quase um trator ideológico a apresentá-lo como o gestor de um novo “Dia D”, assemelhado simbolicamente ao ano de 1944. Desejaria ser otimista no que tange às relações internacionais dos Estados Unidos após o “Dia O”, mas lamento sugerir a necessidade de contenção da esperança e a urgência de racionalidade elementar para enxergar os fatores que impedem atos de coragem objetiva do novo ocupante da Casa Branca.
O primeiro gesto de coragem que deveria realizar o dono do “Dia O”, para estar à altura de Delano e Dwight, seria impor disciplina na política externa do seu país e dispensar o discurso da nova secretária de Estado Hilary Clinton, sua subordinada, no tema cubano. O que interessa na política externa de Obama para Cuba é o fim imediato do embargo a Cuba.
Impressionante e arrogante o discurso velho desses dias da nova secretária de Estado quando afirmou ser missão do novo presidente “levar a democracia à ilha de Cuba” e que o canal seriam os cubano-americanos, “embaixadores” naturais para a causa. É inacreditável que não tenham pedido a assessores mais equilibrados a preparação de semelhante peça discursiva. Será que crê Obama que serão os amigos cubano-americanos de Bush da Flórida que irão conduzir Cuba à modernidade democrática? Ou ele enquadra sua subordinada ou demonstra estar equivocado na matéria. Com esse discurso para a ilha dos Castro a política já começa fracassada.
O segundo gesto do novo presidente deve ser com relação a Guantánamo. Base norte-americana de tortura e local conhecido de todo o mundo como centro de práticas e atos contra os direitos humanos, a iniciativa do “Dia O” não pode circunscrever-se ao fechamento da base. O que interessa não é a base física das salas de torturas, já reconhecidas pela própria justiça norte-americana, mas a exposição de motivos das razões (se há alguma nesses casos) das torturas junto aos tribunais internacionais.
O terceiro gesto, o mais verdadeiro e corajoso nos dias turbulentos que vivemos, a confirmar que o novo presidente tem uma visão diferenciada do seu antecessor, seria sua clara decisão em favor da criação do Estado palestino. O mundo celebraria a inauguração de uma nova política do mais importante ator político internacional no Oriente Médio que são os Estados Unidos. Criaria sinergia inédita e interlocução com as forças mais modernas e humanistas de Israel, dos países árabes e do islamismo moderado. Abrir-se-ia uma nova fase das relações internacionais do Ocidente com parte do Oriente insurreto e contestador dos modelos impostos pela parte menos nobre da boa tradição da democracia de mercado e do pensar liberal.
Esses três gestos habilitariam o mundo a reconhecer, por meio de fatos, e não na forma de velhos discursos e disfarces, as boas intenções do novo governante da Casa Branca. Ao avançar essas posições, do seu tempo, seria possível dizer que Obama poderia estar à altura de Lincoln, Roosevelt e Eisenhower. E celebraríamos todos os habitantes do mundo o “Dia O”.
José Flávio Sombra Saraiva é Professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília - UnB, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais - IBRI e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (fsaraiva@unb.br).
Texto de Meridiano 47 - 16/01/2009
O “Dia D” foi marca da inserção altaneira dos Estados Unidos no mundo que nasceu dos escombros da Segunda Guerra Mundial. O desembarque das tropas aliadas na Normandia, em 6 de junho de 1944, associaria o “D” do presidente Delano Roosevelt ao “D” do general Dwight Eisenhower. Comandante da maior ofensiva militar do século XX, Dwight credenciou-se para as páginas da história ao não ter titubeado, em dia da decisão fundamental, apesar do frio e das névoas do Canal da Mancha.
Nascia, nos gestos e nas decisões incisivas, um novo mundo. Paris seria libertada. Chegaria ao fim o regime de Hitler. Os Estados Unidos habilitaram-se como o smart (inteligente) e o hard power (poder da força bruta). Adocicaram a Europa com o Plano Marshall e associaram sua imagem à noção de garante da ordem do mundo ocidental. Ampliaram as margens de poder ideológico e estratégico no imediato pós-Guerra Fria.
Fracassaram, no entanto, no dia seguinte. Veio o “”Dia B” com um Bush irracional no 11 de setembro de 2001. Oito anos se passaram e os Estados Unidos, que já não vinham muito bem no manejo de sua economia interna e no seu smart power, inventaram um novo Vietnã e armaram uma das maiores crises do capitalismo em toda sua história. De poupadores passaram a perdulários. O mundo todo paga a conta.
O dia 20 de janeiro de 2009 é o “Dia O”. A posse de Obama é fato celebrado como “O”K em todo o mundo. Há quase um trator ideológico a apresentá-lo como o gestor de um novo “Dia D”, assemelhado simbolicamente ao ano de 1944. Desejaria ser otimista no que tange às relações internacionais dos Estados Unidos após o “Dia O”, mas lamento sugerir a necessidade de contenção da esperança e a urgência de racionalidade elementar para enxergar os fatores que impedem atos de coragem objetiva do novo ocupante da Casa Branca.
O primeiro gesto de coragem que deveria realizar o dono do “Dia O”, para estar à altura de Delano e Dwight, seria impor disciplina na política externa do seu país e dispensar o discurso da nova secretária de Estado Hilary Clinton, sua subordinada, no tema cubano. O que interessa na política externa de Obama para Cuba é o fim imediato do embargo a Cuba.
Impressionante e arrogante o discurso velho desses dias da nova secretária de Estado quando afirmou ser missão do novo presidente “levar a democracia à ilha de Cuba” e que o canal seriam os cubano-americanos, “embaixadores” naturais para a causa. É inacreditável que não tenham pedido a assessores mais equilibrados a preparação de semelhante peça discursiva. Será que crê Obama que serão os amigos cubano-americanos de Bush da Flórida que irão conduzir Cuba à modernidade democrática? Ou ele enquadra sua subordinada ou demonstra estar equivocado na matéria. Com esse discurso para a ilha dos Castro a política já começa fracassada.
O segundo gesto do novo presidente deve ser com relação a Guantánamo. Base norte-americana de tortura e local conhecido de todo o mundo como centro de práticas e atos contra os direitos humanos, a iniciativa do “Dia O” não pode circunscrever-se ao fechamento da base. O que interessa não é a base física das salas de torturas, já reconhecidas pela própria justiça norte-americana, mas a exposição de motivos das razões (se há alguma nesses casos) das torturas junto aos tribunais internacionais.
O terceiro gesto, o mais verdadeiro e corajoso nos dias turbulentos que vivemos, a confirmar que o novo presidente tem uma visão diferenciada do seu antecessor, seria sua clara decisão em favor da criação do Estado palestino. O mundo celebraria a inauguração de uma nova política do mais importante ator político internacional no Oriente Médio que são os Estados Unidos. Criaria sinergia inédita e interlocução com as forças mais modernas e humanistas de Israel, dos países árabes e do islamismo moderado. Abrir-se-ia uma nova fase das relações internacionais do Ocidente com parte do Oriente insurreto e contestador dos modelos impostos pela parte menos nobre da boa tradição da democracia de mercado e do pensar liberal.
Esses três gestos habilitariam o mundo a reconhecer, por meio de fatos, e não na forma de velhos discursos e disfarces, as boas intenções do novo governante da Casa Branca. Ao avançar essas posições, do seu tempo, seria possível dizer que Obama poderia estar à altura de Lincoln, Roosevelt e Eisenhower. E celebraríamos todos os habitantes do mundo o “Dia O”.
José Flávio Sombra Saraiva é Professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília - UnB, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais - IBRI e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (fsaraiva@unb.br).
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