terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Pobre chão

O Haiti perdeu o seu solo - e os meios para recuperá-lo.

O arroz representa 20% da dieta típica dos haitianos, e esse percentual está aumentando.

Em 1981, o Haiti importou 16 mil toneladas de arroz. Hoje o país importa mais de 350 mil toneladas a cada ano. Menos de um quarto disso é produzido internamente.

"Tè a fatige," disseram 70% dos agricultores haitianos em recente levantamento quando indagados sobre os problemas que enfrentavam como produtores agrícolas. "A terra está cansada."

E não é de admirar. Desde 1492, quando Cristóvão Colombo foi o primeiro europeu a pôr os pés na então densa mata da ilha Hispaniola, essa nação montanhosa vem oferecendo seu solo e seu sangue primeiro aos espanhóis, que cultivaram cana-de-açúcar; em seguida aos franceses, que derrubaram florestas a fim de abrir espaço para plantações de café, anil e tabaco. Mesmo depois de os haitianos terem se revoltado em 1804 e rompido os grilhões do colonialismo, a França recebeu 93 milhões de francos de sua ex-colônia a maior parte sob a forma de madeira. Logo após a independência, fazendeiros forçaram os camponeses a deixar os vales férteis e se instalar nas matas mais íngremes. Ali, o cultivo intensivo em áreas cada vez menores de milho, feijão e mandioca, associado à crescente exploração da madeira, contribuiu para acentuar o empobrecimento do solo. Atualmente, restam menos de 4% das florestas do Haiti, e em muitos locais o terreno sofreu tal erosão que já chegou ao leito rochoso. De 1991 a 2002, a produção de alimentos per capita caiu assombrosos 30%.

Então, o que uma pessoa faz quando mora no país mais pobre do hemisfério ocidental e dobra o preço da maior fonte de carboidrato o arroz vindo dos Estados Unidos? Ela passa fome.

Os países importadores de alimentos também estão sofrendo com o aumento dos preços dos gêneros básicos, levantando questões a respeito dos objetivos dos programas que, nas últimas décadas, se concentraram mais na redução de tarifas e no fomento às safras de exportação do que em ajudar as nações pobres a reduzir sua dependência de alimentos importados.

E é assim que deve ser, segundo as autoridades. "A auto-suficiência no setor de alimentos não é o objetivo", diz Beth Cypser, da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional no Haiti. "Há comida no Haiti. Mas os preços subiram demais. Se, para eles, fizer sentido em termos econômicos exportar manga e importar arroz, então é isso o que devem fazer."

O problema, de acordo com a ecologista Sasha Kramer, é que os agricultores haitianos não podem vender quantidade suficiente de manga para assegurar a importação de arroz. Sasha e outros fundaram a ONG Sustainable Organic Integrated Livelihoods (Soil, "Sobrevivências Integradas, Orgânicas e Sustentáveis"), que instala, nas comunidades rurais, banheiros com dispositivos de compostagem de modo a assegurar a produção de matéria orgânica e a recuperação da fertilidade dos terrenos. "Se os haitianos pudessem produzir mais, não ficariam tão vulneráveis aos preços dos alimentos importados", diz Sasha.

Até isso acontecer, o Haiti continuará sendo um triste exemplo daquilo para o qual os cientistas vêm nos alertando há anos: um país só tem futuro se o seu solo também tiver futuro
Edição 102 - 2008

Por: Joel K. Bourne, Jr. Foto:
Matéria publicada na Revista National Geographic

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