domingo, 14 de dezembro de 2008

O Brasil e as emissões de dióxido de carbono



Evaristo Eduardo de Miranda
Doutor em Ecologia, Chefe-Geral da Embrapa Monitoramento por Satélite

Qual a contribuição do Brasil para o Efeito Estufa pela emissão de dióxido de carbono (CO2) de combustível fóssil na atmosfera terrestre? O Brasil é acusado de ser um grande emissor de CO2. Até como quarto emissor mundial somos colocados, sem que se explique o que está sendo comparado, a partir de que dados e com que critérios.
Considerando quatro indicadores homogêneos de comparação: o valor absoluto das emissões de dióxido de carbono e os valores relativos por habitante, por km2 e riqueza produzida, o Brasil está entre os que menos contribuem com esse fenômeno, segundo os dados da Energy Information Administration dos Estados Unidos de 2005 e do Balanço Energético Nacional.

Emissões Totais Absolutas

Em termos absolutos de emissões totais de CO2 de origem fóssil, o mundo emitia 28 bilhões de toneladas em 2005. Os EUA respondiam por 21% das emissões mundiais com 5,957 bilhões de toneladas, seguidos pela China com 5,323 bilhões (19%). Depois vinha a Rússia com 1,696 bilhões (6%) e o Japão com 1,230 bilhões (4,4%) Juntos, só esses quatro países representam 50% das emissões planetárias. A Índia emitia 1,166 bilhões (4%). O Brasil estava em 18º lugar com 360 milhões de toneladas (1,3%), bem atrás da Alemanha, Canadá, Inglaterra, Coréia do Sul, Itália, África do Sul, França, Austrália, México e outros países.
Para se ter uma idéia da insignificância das emissões brasileiras no contexto mundial, levamos 17 anos para igualar a emissão anual dos EUA e 37 anos para igualar as dos países do G8. Entre 1993 a 2005, os Estados Unidos emitiram 73 bilhões de toneladas de CO2 fóssil e o Brasil 4 bilhões de toneladas. Para igualar a emissão acumulada da “Conferência do Rio” (RIO’92) para cá, descontando o acúmulo do Brasil, levaríamos 137 anos para compensar a União Européia, 191 anos para alcançar os EUA e 392 anos no caso do G8. Não é possível perder-se a dimensão do que pode representar para o Planeta o esforço do Brasil e o dos países do G8. Devemos contribuir, mas neles reside a solução.

Emissões por habitante

Os Estados Unidos da América são líderes da emissão de CO2 por habitante/ano: mais de 20,14 toneladas e só perdem para alguns países produtores de petróleo como Qatar (62,15 t) ou Emirados Árabes (33,7 t). A Austrália com 20,24 t quase empata com os norte-americanos, seguida pelo Canadá (19,24 t), Rússia (11,88 t) e Alemanha (10,24 t). A média da Europa é de 8 t/CO2/habitante/ano. Com 16,43 t, a Holanda é uma das campeãs européias das emissões.
Exceto Alemanha, Eslováquia e Dinamarca, os países industrializados têm aumentado suas emissões de CO2 nos últimos quinze anos. A Espanha e a Irlanda em 40%. Áustria, Portugal e Noruega em mais de 30%. O Japão em 18%. E são signatários do Protocolo de Kyoto! A Europa está construindo enormes gasodutos vindos da Rússia. O consumo de gás aumentará cerca de 50% no curto prazo. As emissões européias são o dobro da média mundial que é de 4,4 t/ CO2/habitante/ano.
A América Latina apresenta uma média de emissões de CO2 de 3,1 toneladas por habitante com destaque para Venezuela (5,99 t), Chile (4,14 t), México (3,75 t) e Argentina (3,71 t). E o Brasil? Cada brasileiro emite 1,9 tonelada de CO2 por ano. Não basta plantar apenas duas ou três árvores por pessoa para retirar esse carbono da atmosfera. Mas emitimos doze vezes menos do que os norte-americanos, quatro vezes menos do que os europeus e metade da média mundial. E ainda menos do que os latino-americanos (3,1 t), do que a Ásia e Oceania (2,87 t) e Oriente Médio (7,9 t). Ocupamos a posição de 87º no mundo, muito atrás, de muita gente.

Emissões por km2

A estimativa das emissões de CO2 por quilômetro quadrado também é muito favorável ao Brasil. Aqui, as emissões são da ordem de 42,38 toneladas de CO2/km2/ano enquanto no Canadá são de 63,73 t, na China de 569,95 t, nos EUA de 630,32 t, na Alemanha de 2370,54 t, no Japão 3298,12 t, na Bélgica 4455,77 t, na Coréia do Sul 5080,71 t e na Holanda de 7597,62 t/CO2/km2/ano! Ocupamos a posição de 96ª no mundo. Aqui também, muito atrás, de muita gente.

Emissões para gerar riquezas

O quociente entre o total de toneladas CO2 emitidas por um país e seu Produto Interno Bruto (PIB) dá uma medida da eficiência energética e ambiental das economias nacionais na geração de riquezas. A grosso modo, quanto mais eficiente o país, menor o número. Dada a variação da cotação do dólar entre países, o PIB foi calculado em função do poder de compra das moedas nacionais, o chamado Purchasing Power Parities (PPP).
Os campeões de emissões de CO2 para gerar riquezas são China (0,63) e Holanda (0,62), esta com destaque nos três quesitos (emissões por habitante, por área e por unidade de PIB), seguidas pelo Canadá 0,61. A média mundial é 0,49 e a da Europa 0,39. Alto uso de energia nuclear e a boa eficiência geram índices mais baixos como Japão (0,36) e França (0,26).
O Brasil, com um quociente de 0,24, é mais eficiente do que uma centena de países no mundo: ocupamos a posição de 108ª.

Réu ou vítima?

Qual seria a posição do Brasil entre os emissores de CO2, caso as emissões de origem fóssil fossem agregadas às resultantes dos desmatamentos e queimadas? Quem afirma que o Brasil ocuparia o quarto lugar é no mínimo desonesto. Ninguém sabe exatamente essa posição, por duas razões.
Em primeiro lugar, o país não dispõe de avaliação criteriosa do total de CO2 emitido anualmente como resultado de desmatamentos. O único Inventário Brasileiro de Emissões (1990/94) apresenta uma dezena de incorreções. Sequer descontou a madeira industrializada das áreas desmatadas, convertendo tudo em fumaça. Em segundo lugar, o mesmo cálculo deve ser realizado pela maioria dos países do mundo para ser possível comparar. Somente neste verão de 2008, por exemplo, mais de 3.000 km2 de florestas queimaram nos EUA. Incêndios florestais de grandes proporções ocorrem todo ano no Canadá1, Alasca, Rússia2, Austrália3, países do Mediterrâneo e em diversos outros.
Em geral, trata-se de uma vegetação muito comburente (pinheiros e resinosos) e tudo vira cinzas. Além disso, o desmatamento prossegue em diversos países tropicais4 e temperados5. Agregar emissões dessa natureza ao cálculo do Brasil e compará-lo com as únicas emissões fósseis dos países é outra desonestidade. Sem falar do que eles acumularam queimando suas florestas no passado.
O que explica o excelente desempenho do Brasil é sua matriz energética: 46,4% de energia renovável contra uma média mundial de 13,9%. A agricultura brasileira garante 28,5% dessa energia renovável. Existe, porém, uma injustificável vitimização do País nesse tema, cultivada inclusive na mídia e em salas de aula, aqui e no exterior. Um tratamento bem diferente do dispensado à Holanda, por exemplo, que apesar de tão ameaçada pelo aumento do nível dos oceanos usa e abusa de combustíveis fósseis. De qualquer forma, o excepcional desempenho do Brasil não é uma licença para aumentar de forma irresponsável as emissões de CO2, mas nesse tema estamos mais para vítimas do que para réus.

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1 - Uma média de 9.100 incêndios florestais ocorrem por ano no Canadá e queimam uma área média 2,5 milhões de ha, o que corresponde a 0,6% das florestas do país. Em 1989, 7.560.000 de hectares queimaram. O Canadá gasta mais de US$ 300 milhões no combate aos incêndios florestais.
http://www.thecanadianencyclopedia.com/index.cfm?PgNm=TCE&Params=A1ARTA0002905
2 - Para a Rússia, a estimativa conservadora é de 12 milhões de ha/ano.
http://cat.inist.fr/?aModele=afficheN&cpsidt=2307039
3 - Para Austrália, a estimativa é de 7.400.000 de hectares de florestas queimadas por ano.
4 - Entre 1990 e 2000, a Indonésia, por exemplo, perdeu uma média de 1.871.500 de hectares de florestas por ano.
5 - Entre 1990 e 2000, a Austrália, por exemplo, perdeu uma média 325.900 hectares de floresta por ano.

Parte deste texto está baseado em artigo publicado na Revista Carta na Escola, Ed. 28, 2008, São Paulo.
Revista Eco 21 - setembro 2008

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