
A despeito de tantas virtudes, o Cerrado parece condenado. Segundo a Embrapa Monitoramento por Satélites, menos de 5% da área total do ambiente apresenta fragmentos com mais de 2 mil hectares contínuos, capazes de sobreviver - em trechos menores as cadeias genéticas, reprodutivas, alimentares não conseguem se manter. E em boa parte dos fragmentos menores há ocupação progressiva em "pastagens naturais". Para piorar, o recente avanço da cana-de-açúcar no Cerrado está causando forte desmatamento nos dois Mato Grosso, além de Goiás, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia, quando a expansão poderia perfeitamente acontecer em áreas de pastagens, onde o índice de degradação está em torno de 70% do total. A produção de carvão para siderúrgicas é outro sério problema.
Além da perda da biodiversidade - da qual poderiam vir novos medicamentos, alimentos e materiais -, a devastação terá graves conseqüências no clima. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, de 750 milhões de toneladas anuais de emissão de gases no país como resultado de desmatamento e queimadas, a Amazônia responde por 59%. E isso quer dizer que 41% ocorrem fora de lá, principalmente no Cerrado. Nos cenários que traçou para o Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais já prevê para o centro-oeste um aumento de temperatura entre 4 e 6 graus Celsius ao longo deste século. A perda também será relevante na área dos recursos hídricos, já que nas áreas desmatadas é bem menor a retenção de água. O Ministério do Meio Ambiente tem indicações de que está se reduzindo o volume de água retido no subsolo. Com isso, poderão ser afetadas inclusive as bacias em outros biomas que recebem água do Cerrado.
Contribui para o descaso com esse bioma o fato de ele não haver sido incluído entre os que a Constituição de 1988, no artigo 225, parágrafo 4º, considera "patrimônio nacional", como a floresta Amazônica, a mata Atlântica, a serra do Mar e o Pantanal Mato-Grossense. Há quase 14 anos está empacada no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que retiraria do Cerrado, da Caatinga e do Pampa essa condição de "primos pobres" entre os ecossistemas brasileiros e os incluiria no artigo 225. Contudo, a bancada ruralista, com outros apoios, não permite que seja aprovada, pois considera o Cerrado o lugar ideal para a expansão da agropecuária. Essa não é a visão apenas dessa ala do Congresso. Ela tem adeptos nos mais altos níveis do governo federal.
Falta ao país, na verdade, uma estratégia que privilegie recursos e serviços naturais no centro de todo o planejamento nacional. Porque, como têm afirmado os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, esses recursos e serviços são hoje fator escasso no mundo, já que estamos consumindo cerca de 25% mais do que a biosfera terrestre pode repor. O Brasil é dono de posição privilegiada, que o coloca como uma espécie de sonho de futuro: tem território continental, Sol o ano todo, 12% de toda a água doce superficial do planeta, de 15% a 20% da diversidade biológica global. Além disso, pode dispor de uma matriz energética renovável e limpa, com hidreletricidade, energia solar, eólica (seu potencial é o dobro do consumo total de energia no país hoje), de marés e de biocombustíveis (álcool, mamona, dendê, pinhão-manso, soja).
Talvez contribua para esse drama silencioso a idéia de ser o Cerrado uma "paisagem triste, feia e inútil", como mostraram pesquisas do governo do Distrito Federal na década de 90. Pessoas que se impressionam com o cenário de árvores retorcidas e "campos sujos". A essa visão é preciso contrapor os versos magistrais do poeta brasiliense Nicolas Behr, para quem "nem tudo o que é torto é errado: veja as pernas do Garrincha, veja as árvores do Cerrado".
O jornalista Washington Novaes é, ele próprio, um habitante do Cerrado: vive em Goiânia. Foi por dois anos secretário do Meio Ambiente de uma unidade federativa de Cerrado, o Distrito Federal, nos anos 90.
Por: Washington Novaes Foto: Luciano Candisani
Matéria publicada na Revista National Geographic
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