A falência econômica da energia nuclear voltar
Lester R. Brown
Ambientalista, Presidente do Earth Policy Institute
Há alguns anos a indústria de energia vem usando os argumentos ligados às mudanças climáticas para ressuscitar a idéia da energia nuclear. Apesar de haver conseguido a proeza de convencer alguns líderes políticos de que o investimento de fato é uma boa idéia, há poucas evidências de que o capital privado irá investir em novas usinas com o atual panorama de competitividade no mercado de energia. E a justificativa é simples: a energia nuclear não é econômica.
Na excelente pesquisa “A Ilusão Nuclear”, feita por Amory B. Lovins e Imran Sheikh, os autores apontam que o custo de mantimento de uma usina nuclear nova é de 14 centavos de dólar por quilowatt-hora, enquanto o custo de manutenção de um parque eólico é de 7 centavos por kWh. Esta análise comparativa incluiu custos de combustível, capital, operação, manutenção, transmissão e distribuição de energia. No entanto, a análise não incluiu custos adicionais como o descarte de lixo radioativo, seguro contra acidentes e custos relacionados ao desmantelamento das usinas quando estas expirarem.
Dada a discrepância dos resultados, a “ressuscitação nuclear” só poderá ocorrer se estes custos forem arcados pela sociedade com o aumento de impostos. E se de fato todo o custo for transferido para os consumidores, a energia nuclear estará fadada a nadar e morrer na praia.
Para se ter uma idéia geral do custo do descarte do material radioativo, é preciso olhar além das fronteiras norte-americanas – que lidera a produção de energia nuclear com capacidade para gerar 101.000 megawatts de energia (a França está em segundo lugar com sua capacidade de gerar 63.000 MW). Os EUA se propuseram a armazenar o lixo radioativo dos seus 104 reatores no depósito de lixo nuclear das Montanhas Yucca, 145 km ao Noroeste de Las Vegas. O custo do depósito – originalmente estimado em 58 bilhões de dólares em 2001 – hoje é de 96 bilhões. Isto indica que, para cada reator, é preciso que haja o investimento US$ 932 milhões, quase um bilhão de dólares cada um, se os custos se mantiverem estáveis.
(www.earthpolicy.org/Updates/2008/Update78_data.htm).
Além de ter seu orçamento estourado, o depósito de Yucca está 19 anos atrasado. Originalmente programado para estar apto para coletar o lixo em 1998, hoje se pressupõe que o depósito estará concluído só em 2017. Enquanto isso, o lixo radioativo de 39 Estados dos EUA é mantido em depósitos temporários, expostos a vulnerabilidade de vazamento e ataques terroristas.
Os riscos que se correm quando se gera energia nuclear, são acidentes como o de Chernobyl, na Rússia. A Lei Price-Anderson, aprovada pelo Congresso estadunidense em 1957, protege as usinas nucleares contra acidentes dessa natureza e prevê a criação de um seguro privado de 300 milhões de dólares contra os mesmos – o maior valor que a indústria de seguros pode garantir. No eventual caso de um acidente catastrófico, cada unidade nuclear seria obrigada a contribuir com, aproximadamente, 95,8 milhões de dólares por cada reator nuclear licenciado, ajudando assim a cobrir os custos de um eventual acidente.
O teto coletivo dessas usinas para uma operação como esta é de 10,2 bilhões de dólares. Segundo um levantamento feito pelo Laboratório Nacional Sandia, no caso de um acidente de proporções drásticas, seria necessário, no mínimo, 700 bilhões de dólares; soma idêntica à recente ajuda monetária do Governo dos Estados Unidos aos bancos endividados do nosso país. Isto significa que qualquer acidente que exija a injeção de cifras superiores a 10.2 bilhões de dólares seria pago com a aplicação de impostos aos cidadãos estadunidenses.
Outro grande custo que não deve ser ignorado envolve o desmantelamento das usinas, visto que essas se tornam obsoletas com o tempo. Em 2004, a Agência Internacional de Energia Atômica apresentou um relatório que estima os valores da desativação de um reator nuclear entre 250 e 500 milhões de dólares, sem contabilizar as despesas de remoção e tratamento do combustível nuclear. Pesquisas mais recentes apontam, ainda, que em casos como o da U. K. Magnox – cujos reatores geram altos volumes de lixo radioativo – os custos de desativação podem chegar a 1.8 bilhão de dólares por reator.
Além dos mencionados custos, a indústria nuclear ainda teria que arcar com a alta do mercado da construção e do combustível. Há dois anos, a construção de uma usina nuclear de 1.500 megawatts de energia estava estimada entre 2 a 4 bilhões de dólares. Atualmente, essa cifra se elevou para US$ 7 bilhões; um claro reflexo da falta de mão de obra essencial para construção e engenharia desta indústria enfraquecida.
Os custos do combustível nuclear vêm se elevando ainda mais rapidamente com o decorrer dos anos. No início desta década, o quilo de urânio custava pouco mais de 10 dólares. Hoje o custo ultrapassa 60 dólares. O elevado preço de urânio é um reflexo da necessidade de se escavar ainda mais fundo nas minas, o que aumenta o uso de energia no processo de extração do minério, assim como diminui o grau de sua qualidade.
Nos Estados Unidos, no final dos anos 50, uma amostra mineral de urânio continha aproximadamente 0,28 por cento de óxido de urânio. Até os anos 90, este percentual já havia decrescido para 0,09 por cento. Isto indica, obviamente, que o custo para extração de quantidades ainda maiores de minério, assim como de escavações mais profundas, asseguraria um futuro ainda mais caro na geração de combustível nuclear.
Poucas usinas nucleares são construídas em países onde o mercado de energia é competitivo. A razão para isso é simples: a energia nuclear não é capaz de competir com outras fontes de energia. Isso explica porque essas usinas só estão sendo erguidas em países como a Rússia e a China, onde o desenvolvimento nuclear é controlado pelo Estado. O alto custo da manutenção também pode ajudar a explicar por que hoje são construídas tão poucas usinas em comparação há algumas décadas.
Num esclarecedor artigo publicado pelo Boletim de Ciências Atômicas, o consultor nuclear Mycle Schneider projeta um iminente declínio na capacidade de geração nuclear mundial. Ele aponta que hoje há 439 reatores operando no mundo. Até o momento, 119 reatores foram desativados com uma idade média de funcionamento de aproximadamente 22 anos. Se formos generosos o suficiente e presumirmos que a vida útil de um gerador é de ao redor de 44 anos, então 93 reatores serão desativados entre o período de 2008 e 2015. Outros 192 serão desativados entre 2016 e 2025. E os restantes 154 serão desativados após esta data. Pesquisas mostram que atualmente apenas 36 reatores estão sendo construídos ao redor do mundo; destes, 31 no Leste europeu e na Ásia. Apesar de existirem boatos sobre a construção de usinas nos EUA, na verdade, neste momento não há nenhuma em construção.
O que Mycle Schneider vem apontando – e o que os números claramente indicam – é que mais cedo ou mais tarde o número de usinas desativadas excederá o número de usinas inauguradas. A tendência é clara: entre 2000 e 2005, cerca de 4.000 megawatts anuais foram acrescentados à capacidade de geração de energia. Mas, desde o ano 2005, esse número diminuiu para 1.000 megawatts.
Mesmo se a construção de todos os reatores fosse antecipada para 2015, a projeção para a desativação de 93 reatores expirados continuará enfraquecida e a capacidade de geração de energia nuclear diminuirá em aproximadamente 10%, em comparação com o quadro atual. Após meio século de crescimento constante das usinas nucleares, não constataremos seu iminente declínio somente se o governo conceder permissões para operação dos reatores com mais de 40 anos de idade.
Apesar de toda a irreal especulação sobre o promissor futuro deste tipo de energia, investidores privados se mostram abertamente cautelosos quanto aos benefícios nucleares. Sendo assim, ao passo que o capital privado está investindo pouco em energia nuclear, a cada ano são injetados milhares de bilhões em parques eólicos. E enquanto a capacidade de expansão mundial de geração de energia nuclear está estimada em apenas 1.000 megawatts no próximo ano, a geração de energia eólica está prevista para crescer, no mínimo, 30.000 megawatts. Acrescente-se ainda o fato de que, pelo mundo afora, em escala gigantesca, está sendo construído um enorme número de instalações de diversos tipos de energia renovável: fora das eólicas, as usinas com painéis de captação solar, assim como as geotérmicas e de biomassa.
A razão de hoje existir uma discrepância tão grande entre a construção de usinas nucleares e parques eólicos é apenas uma: o vento é economicamente mais atrativo. Os parques eólicos geram mais energia, mais empregos e mais redução de investimentos públicos em taxas de emissões de carbono. Apesar de ainda haver propagandas enganosas sobre a energia nuclear e as construções de usinas de urânio em certos países, a realidade nos mostra que, finalmente, estamos ingressando a uma era movida a energia eólica, solar e geotérmica.
-------------
Tradução: João Philippe Inada
Revista ECO 21
Nenhum comentário:
Postar um comentário