O preço do milagre econômico
Quem vive nas grandes cidades chinesas sabe as conseqüências do crescimento sem preocupação com o ambiente. Conheça a experiência de uma brasileira moradora de Pequim
Texto: Patrícia Bolsoy
Quem vive nas grandes cidades chinesas sabe as conseqüências do crescimento sem preocupação com o ambiente. Conheça a experiência de uma brasileira moradora de Pequim
Texto: Patrícia Bolsoy
Há um ano e meio, desembarquei em Pequim. Naquele momento, tive a sensação de estar no meio de uma cidade devastada, cercada de poeira e lixo por toda parte. As obras de reestruturação da capital, visando aos Jogos Olímpicos, puseram abaixo quarteirões inteiros. Aos poucos, antigas vielas e cortiços deram espaço a suntuosos arranha-céus e modernos centros comerciais. Mais de um milhão de pessoas foram desalojadas em prol do progresso. Trinta bilhões de dólares foram investidos em obras anunciadas como ecologicamente corretas, no intuito de fazer uma olimpíada verde – com prioridade para a proteção do meio ambiente, do povo e da tecnologia, como anunciava o governo. Mas, apesar dos esforços, Pequim está longe de ser uma cidade “verde”. De fato, a capital figura em 28º lugar em uma lista de 113 cidades mais poluídas do país.
Apesar disso, desde que a cidade foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 2008, o governo chinês esforça-se por melhorar a imagem frente à comunidade internacional. Não é uma tarefa fácil para o país, que já é considerado o maior emissor de gases do aquecimento global do planeta. Com uma economia em crescimento, que exigiu o aumento na produção de cimento e matriz energética baseada no carvão, a China superou os Estados Unidos em números absolutos de emissões – embora, na média per capta, o estilo de vida de um cidadão dos Estados Unidos gere entre cinco e seis vezes mais gases poluentes do que o de um chinês.
Faxina durante os Jogos
A maior parte dos 17 milhões de moradores de Pequim já se acostumou com a névoa acinzentada que cobre a cidade. Em conseqüência da poluição do ar, nos dias mais problemáticos, somos obrigados a usar máscaras protetoras para aliviar o desconforto das vias aéreas e evitar doenças respiratórias. Garanto que não é agradável, principalmente entre março e maio, época das tempestades de areia vindas do deserto, quando a situação se agrava e o céu fica amarelado e nublado e o ar irrespirável.
Algumas medidas estão sendo adotadas para reverter a situação. Mais de 700 fábricas poluidoras de Pequim foram fechadas e outras 200 transferidas para regiões mais afastadas. A produtora de aço Shougang Steel, maior poluidora da capital, deverá ser removida dos arredores por volta de 2010. O governo também anunciou que vai obrigar as empresas que têm ações na bolsa a se submeter a um “relatório verde” junto com o balanço anual. O documento vai registrar o desempenho dessas empresas e mostrar se elas cumpriram as metas de sustentabilidade.
Outro desafio é reeducar a população para reduzir o montante total de lixo doméstico. O programa “Menos lixos, taxas mais baixas” não emplacou, assim como o velho hábito de “cuspir no chão” – uma tradição entre os chineses – está longe de ser erradicado. Só na capital, 16 mil toneladas de lixo são despejadas diariamente no ambiente, sendo 90% estocado em aterros sanitários nos arredores da cidade. A previsão é que, durante os 17 dias dos Jogos Olímpicos, sejam produzidos resíduos equivalentes a um dia do total da capital.
Entre os programas sociais de emergência adotados pelo governo chinês, está a redução das tarifas de ônibus e metrô, interrupção “parcial” das indústrias de carvão, proibição de fumo em áreas fechadas e locais de competição, interrupção de todas as obras durante o período dos Jogos e proibição do uso de sacolas plásticas em mercados (o país consome 3 bilhões de sacolas plásticas por dia, sendo 80% descartadas no ambiente).
E no restante da China...
Os problemas ambientais chineses, no entanto, se estendem para muito além de Pequim. Linfen, na província de Shanxi, e Tianying, em Anhui, são consideradas duas das três mais poluídas cidades do planeta segundo o Instituto Blacksmith, organização não-governamental que faz esse ranking todo ano. Shanxi, na região norte, abriga a maior parte das minas de carvão, responsáveis por dois terços da energia do país. As condições de trabalho são péssimas – ali, em dezembro de 2007, 120 mineiros morreram por causa da explosão de gás em uma das minas. E as concentrações de poeira, monóxido de carbono e outros gases poluentes são responsáveis pelos altos índices de doenças pulmonares.
Tianying tem os maiores níveis de contaminação de chumbo e metais pesados, decorrentes das atividades de mineração. A província de Anhui sofre com a chuva ácida e, na cidade, os moradores adoecem com sintomas de envenenamento, principalmente crianças. Em toda a China, mas principalmente nessas províncias e em Hebei, Henan, Mongólia Interior e Shandong, prevê-se o crescimento das emissões de gás carbônico e dióxido de enxofre para os próximos anos. Como frisa Pan Yue, vice-ministro do Ministério da Proteção Ambiental, “a poluição decorrente das atividades industriais, incineração de lixo e queima de combustíveis fósseis já custa à China 10% do PIB anual”. Mais do que isso: segundo relatório do Banco Mundial, a poluição do ar mata 750 mil chineses por ano.
Não bastassem os sérios problemas enfrentados pelas grandes cidades, a população ainda convive com outra tragédia – a poluição das águas. Mais de 80% das reservas de água doce do país estão comprometidas por esgoto, lixo, mineração e expansão urbana. Na zona rural, 96% da população despeja lixo a céu aberto, 720 milhões de pessoas bebem água com dejetos industriais e não têm acesso à água potável. A proliferação de fábricas, plantações e cidades, resultado do espetacular boom econômico, está secando os principais rios chineses – o Amarelo e o Yang-Tsé.
Ainda hoje, a agricultura irrigada é responsável pela alimentação da imensa população de chineses. No entanto, essa mesma agricultura invade as últimas áreas florestais e destrói a natureza, provocando a erosão dos rios, as secas e as inundações. Com a derrubada das florestas, cresce a desertificação que, por sua vez, concorre para a diminuição das áreas de alimento, expulsando da terra milhões de “refugiados ambientais” que vão aumentar a população dos grandes centros urbanos.
O aquecimento global, por sua vez, também traz dores de cabeça para os chineses. Ao que parece, as mudanças climáticas estão acelerando o derretimento das geleiras que alimentam os principais rios, enquanto apressam o avanço dos desertos, que agora engolem mais de 300 mil hectares de pastagens por ano. Mas o maior responsável pela crise hídrica que afeta o país são os próprios chineses. A explosão econômica sem preocupação ambiental está exaurindo os rios e poluindo a água que sobra, a ponto de o Banco Mundial alertar para “as conseqüências catastróficas para as gerações futuras”.
Megaobra criticada
Com um investimento de cerca de US$ 25 bilhões, a China concluiu, em 2006, a hidrelétrica de Três Gargantas, a maior usina do mundo. Considerado um dos mais ambiciosos projetos chineses, desde a Grande Muralha, erguida durante o império, a gigantesca obra foi construída no Yang-Tsé. Desde o seu início, em 1993, ela foi alvo de críticas da comunidade internacional. Mais de 1,5 milhão de pessoas foram expulsas de suas casas e realocadas em cidades próximas à barragem. Patrimônios históricos, templos e obras de arte foram demolidos e construídos em novo local.
De acordo com especialistas, a mega-usina causou danos ecológicos e culturais irreparáveis. Segundo Ma Jung, criador da ONG Instituto de Assuntos Públicos e Meio Ambiente e autor do livro A Crise da Água na China, “a poluição da água é um pesadelo que ameaça assombrar todo o sul do país, uma vez que será transportada para o norte para suprir as necessidades da população”.
A previsão faz sentido. “Atualmente, 100% da água de Pequim é imprópria para o consumo”, afirma outro ambientalista, Liang Cong Jie, da ONG Friends of Nature. O rio Yongdinghe, o principal da capital chinesa, tem problemas, e o Baiyangdian, maior lago da cidade, encolhe cerca de 2 metros por ano. Como resultado, mais de dois terços da água potável proveniente dos lençóis freáticos estão em risco.
A falta de água ameaça estragar o passeio de muita gente durante os Jogos Olímpicos, uma vez que o consumo chegará a 2,7 milhões de metros cúbicos por dia, volume superior à capacidade da cidade. Para suprir a demanda, o governo pretende recorrer às províncias vizinhas de Shanxi e Hebei, já ameaçadas pela poluição do ar.
É provável que os visitantes de Pequim e de outras cidades, mais preocupados com os resultados das olimpíadas e a festa preparada pelos chineses, não percebam nada disso. O crescimento econômico do país impressiona e a capital – com suas grandes avenidas, arranha-céus e parques – se enfeita para os Jogos. Os problemas ambientais, bem como o enorme desequilíbrio social, resultado do milagre econômico, não estarão à vista. Resta saber se os compromissos com a sustentabilidade assumidos para a festa serão mantidos depois. De minha parte, e do restante dos moradores dessa capital, a saúde agradece. Pois, afinal, como dizem os chineses, “a casa é nova, o dinheiro suficiente, mas a água está suja e a vida é curta”.
Ameaças à vida selvagem
O maior símbolo da vida selvagem na China tem o jeito de um urso de pelúcia. O panda (Ailuropoda melanoleuca) apesar de famoso, corre o risco de extinção. Tornou-se assim o símbolo da luta pela preservação dos animais, conhecido no logotipo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Vários projetos de preservação do animal estão em curso. Mas o problema é que o seu território foi tomado pela agricultura, não restando muito espaço para a preservação da espécie. Os que vivem na natureza estão distribuídos em reservas, separadas entre si por vastas áreas de agricultura e pastagem.
Outros animais exclusivos da China também estão ameaçados, como o búfalo-das-montanhas (Budorcas taxicolor), da região de Qinling, muito procurado pelos caçadores. O seu hábitat também é o último refúgio do macaco-dourado (Pyganthrix roxellana), conhecido pela cor do seu pêlo. Nas florestas tropicais chinesas, resiste o gibão-de-mão-branca (Hylobater lar). Outras espécies ameaçadas são o cetáceo baiji, o boto, o crocodilo chinês e peixes como o esturjão.
Revista Horizonte Geográfico
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