domingo, 14 de dezembro de 2008

A pegada da água voltar




Alberto Garrido
Professor de Economia e Ciências Sociais Agrárias da Universidade Politécnica de Madri

A organização Fundo Mundial para a Natureza (WWF) acaba de publicar o informe da Pegada hídrica ou hidrológica do Reino Unido. Foi apresentado na Semana Mundial da Água em Estocolmo celebrado de forma recente, numa sessão na qual participaram o professor Anthony Allan (Stockholm Water Prize 2008), o professor Arjen Hoekstra (pai intelectual do concepto “pegada hidrológica”) e eu, representando a uma equipe dirigida pelo professor Ramón Llamas que, com financiamento da Fundación Marcelino Botín, estamos realizando um estudo sobre a pegada na Espanha e sobre o comércio da água virtual.
Como era de se esperar, o informe WWF-UK demonstra que 75% da pegada hídrica de um britânico estão associados com a sua dieta, o que come para se alimentar, e somente 3% corresponde ao consumo de água no seu lar. Todo cidadão europeu responde a este mesmo padrão, com muito poucas variantes.
Primeira lição: se queremos poupar água no nosso país ou na nossa bacia hidrográfica, mudemos o nosso tipo de alimentação. Somente em nosso país ou em outras bacias? Nada mais longe para um britânico, pois duas terceiras partes da sua “pegada hídrica” são sofridas fora das adoráveis ilhas britânicas. Daí que o informe do WWF insista em avaliar a “pegada externa”, a sua procedência e em que produtos está comprometida. Cada britânico tem, aproximadamente, uma “pegada externa” de 757 mil litros ao ano associada à sua alimentação.
Os números resultam assustadores, mas não esqueçamos que as plantas necessitam entre 50 e 100 moléculas de água para fixar uma molécula de CO2 mediante a fotossíntese. Portanto, como onívoros que somos a nossa “pegada hídrica alimentária” sempre será elevada. Além do mais, a água é um recurso renovável, não como o estoque dos Gases de Efeito Estufa na atmosfera, que resulta tão difícil de diminuir, ou como o petróleo, que é, em principio, esgotável.
No transcurso da sessão de Estocolmo, suscitou-se uma discussão muito relevante e relacionada com o post de Carlos Romero em www.soitu.es; ele se perguntava se a globalização é boa para o meio natural. A pergunta procedia duma pessoa do Quênia, a qual refletia sobre o risco de concluir negativamente sobre a idéia da “pegada externa” de um país ou duma pessoa. E o fazia com o exemplo das importantes exportações de flores do Quênia para Europa, contribuindo a aumentar a “pegada externa” dos importadores e dos consumidores de flores.

Água virtual e água verde

O comércio dos produtos agroalimentares é, com grande diferença, aquele que registra mais “água virtual”. A pergunta que se deve colocar é se o comércio somente recoloca a “pegada hidrológica” entre os países, ou realmente a aumenta. Inclusive, no caso em que a aumente globalmente, é preciso saber se a aumenta em países onde a “água verde” (água de chuva armazenada na parte não saturada do solo) aporta o componente mais importante ou, pelo contrário, é “água azul” (aquela captada das fontes superficiais ou subterrâneas). É necessário levar em consideração que a diferença cromática das águas é meramente semântica, porque na realidade onde a “água verde” possa se infiltrar nas camadas subterrâneas alimentará os fluxos subterrâneos e, possivelmente superficiais, em outras áreas.
Para entender melhor, não é a mesma coisa um bovino trazido do Uruguai, Irlanda ou da Argentina, cujo animal foi sido engordado em regime de pastoreio, em grandes extensões de pradarias não irrigadas, do que um bovino engordado numa cevadeira intensiva de Huesca, na Espanha. Concluindo, o incremento da “pegada hídrica externa” de um país não tem necessariamente que contribuir para um maior incremento do consumo dos recursos hídricos escassos em alguma parte do mundo. Tampouco queremos concluir com uma mensagem negativa sobre a magnitude da “pegada hídrica” duma pessoa; importa muito mais se ela aumenta ou diminui e que impactos e onde são sentidos, no caso de que eles a aumentem.
A grande maioria das pessoas não pode comer como um norte-americano; não porque não tenha capacidade de compra (que evidentemente, não a tem ) mas porque não há água no mundo que possa sustentar a sua dieta.
Em todo caso, os estudos sugerem que, em termos da “pegada hídrica”, é melhor o chá do que o café, a carne de frango do que a de vaca, e, finalmente, a dieta vegetariana. Em poucos anos todos poderão decidir, de maneira consciente, pois muitas empresas como a Nestlé e a Coca-Cola já estão aceitando a idéia de informar a “pegada hídrica” nos seus produtos.
Conceitos como o da “pegada hidrológica” ou comércio da “água virtual” oferecem uma idéia mais aproximada do uso que fazemos deste valioso recurso. E não que se trata somente daquela que sai das torneiras: para produzir um litro de azeite são necessários 350 litros de água, para uma xícara de chá 80 e para um quilo de carne 15 mil.
A “pegada hidrológica” é um termo recentemente acunhado que provém de um conceito prévio denominado “pegada ecológica”. Como tantos outros, o conceito de “pegada” não é mais do que um indicador do impacto ambiental que produz o consumo de uma pessoa, uma cidade, um país inteiro ou o mundo globalmente. No caso do consumo de uma pessoa, a sua “pegada ecológica” é medida em hectares, indicando quanta superfície de terra demanda seu estilo de vida. O cálculo da “pegada ecológica” traz consigo a necessidade de converter todos os bens e serviços consumidos em unidades de superfície.
Se a pegada de todos os habitantes de um país é maior do que a sua superfície, concluímos que seus habitantes devem estar “exportando” para outros países uma parte de seus impactos ecológicos.
A “pegada hidrológica” se centra exclusivamente em avaliar as necessidades diretas e indiretas de água para sustentar o estilo de vida de uma pessoa, cidade, região ou país. Como é lógico, o avaliamos em unidades de volume por pessoa, e mais concretamente, em metros cúbicos ou milhares de litros por pessoa/ano. Com ajuda da Fundação Marcelino Botín, um grupo de professores e jovens investigadores da Universidade Politécnica de Madri calculamos a “pegada hidrológica” espanhola, definindo-a em 50 bilhões de metros cúbicos. O que significa que cada residente na Espanha necessita em média algo mais de um milhão de litros de água ao ano. Para colocar um par de referências a este número, um norte-americano necessita de uns 2,5 milhões e um chinês 700 mil litros.
Se compararmos essas necessidades com os recursos hídricos que dispomos a cada ano, concluiremos que os espanhóis têm um resultado negativo em água. Isto é, a diferença entre o volume de água que “importamos” de outros países e o que “exportamos” equivale a 16 bilhões de metros cúbicos por ano (uns 350 mil litros por pessoa). Do pouco mais de um milhão de litros que cada espanhol necessita a cada ano, 90% os emprega em se alimentar, e 10% nos bens e serviços que consome.
Para se obter estes números, é preciso calcular a água que se gasta em produzir todos os bens da economia. Para produzir um litro de azeite de oliva se necessitam 350 litros de água, para uma xícara de chá 80 e para um quilo de carne de vaca 15 mil. Portanto, a dieta duma pessoa tem uma enorme importância na magnitude de sua “pegada hidrológica”, a qual se mostra evidente no maior consumo de proteína de carne de um norte-americano que é maior do que a de um chinês.
Agora, e para nos centrar somente na alimentação, se fabricar cada produto exige um volume de água determinado (por certo, bastante parecido em qualquer lugar do mundo) pode-se usar o comércio internacional agroalimentar para “comprar” água.
Precisamente, essa compra de água, mediante o que se convencionou denominar “comércio da água virtual” é o que explica que os espanhóis tenham um balanço negativo de água. Assim, importamos muitíssimo mais água em forma de cereais e pensos, fundamentalmente para alimentar as nossas fazendas de gado, do que a que exportamos em forma de frutas e hortaliças. Para visualizar a importância deste comércio da água virtual para um espanhol, basta pensar que se não fosse diferente teríamos que comer, como máximo, metade da carne que comemos atualmente.
A importância da “pegada hidrológica” e a do comércio da água virtual se relaciona, também, com a gestão da água, e em poucos anos se conseguiu que se questionem os índices de escassez deste recurso do qual carecem os países áridos ou semi-áridos, como a Espanha. Se produzir um quilo de tomates exige 200 litros de água e um quilo de trigo 600 litros, poupamos água produzindo tomates e trocando-os por trigo produzido em outro país. Mas, o que é bom para um país não necessariamente é bom para o mundo; pois já na sua etapa final, a “pegada” de um bom filé de carne é muito significativa, e em nenhum lugar deveria ficar “impressa”.

Revista ECO 21 - 143 - outubro de 2008

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