quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A Reforma do Sistema Financeiro Internacional: uma questão de política internacional


Gunther Rudzit & Otto Nogami

A crise que assola a economia mundial pela primeira vez, depois de 1929, em proporções inimagináveis, tem sido tratada praticamente só como um fenômeno econômico-financeiro, quando na verdade, ao contrário do que postulam muitos analistas, também é intrinsecamente um fenômeno político.
Algumas explicações para esta crise já foram aqui levantadas. Logo em outubro tivemos boas explicações sobre a origem dos problemas na economia americana com os títulos subprime, seus desdobramentos e possíveis cenários, muito bem colocados por Minillo (2008), ou pela excelente análise por parte de Machado Neto (2008) chamando a atenção de que nenhum país está a salvo de perdas cambiais advindas das turbulências monetárias. Assim como Torres (2008) destacou que, pela primeira vez, ela teve origem no centro do sistema capitalista, e não na periferia. É justamente por essa característica que a discussão até agora tem sido praticamente a de restaurar a confiança no mercado, mas está claro que a arquitetura financeira internacional precisa mais uma vez ser reconstruída.
Desde as grandes navegações, teve início a transformação das diferentes economias regionais em um grande mercado global, o processo que passou a ser chamado de globalização, marcado por diferentes fases (FINDLAY & O’ROURKE, 2007). A atual tem como característica o rápido crescimento do mercado financeiro que teve impulso com o avanço da tecnologia da informação na década de 1980, mas pode-se afirmar que o principal fator de mudança se deu nas concepções das relações econômicas entre os Estados. Assim, um pequeno retrospecto será muito útil para a compreensão do momento em que vivemos.
Um dos resultados da formação dos Estados modernos westphalianos é a legitimidade da soberania, que inclui a criação e manutenção da moeda. Tradicionalmente, e com algumas exceções, dentro de suas fronteiras a moeda local é a única que serviu às funções tradicionais de meio de troca, medida de valor, reserva de valor e padrão de pagamentos diferidos. Assim, com o desenvolvimento do comércio internacional, dada a crescente interdependência entre os países, os governos buscaram mecanismos para facilitar as transações, criando padrões internacionais a serem utilizados na conversibilidade entre as moedas.
Ao longo do século dezenove, foi instituído o chamado Padrão Ouro, no qual o valor das moedas era determinado pelas reservas desse metal que cada Estado detinha. Este sistema passou a ser a referência devido às pressões que o governo britânico fazia para que todos que quisessem negociar com ele tinham que adotar este padrão. Mas, com a grande depressão na década de 1930, muitos países abandonaram o modelo e acabaram desvalorizando suas moedas como uma forma de conseguir maior competitividade aos seus produtos, ação que ajudou, entre outras, à eclosão da Segunda Guerra Mundial.
No final desse conflito, em 1944, os Estados criaram o Sistema Bretton Woods, idealizado com o intuito de dar segurança econômica, estabelecendo um conjunto de regimes e instituições para esse fim.
A base do sistema seria a criação de três organismos para coordenar a economia internacional. A primeira perna seria o Fundo Monetário Internacional (FMI) que seria responsável pela supervisão da manutenção das taxas de câmbio fixas das moedas, tendo como referência o dólar americano. E para os países que tivessem déficits na balança de pagamentos, a instituição ofereceria empréstimos a fim de conseguirem superar as dificuldades, mas que estavam atrelados a políticas macroeconômicas sugeridas pelo Fundo.

A segunda perna era a criação de uma instituição que ajudasse na reconstrução das economias que seguissem a lógica capitalista. O Banco Internacional de Reconstrução foi criado como o gestor dos fundos americanos para ajudar a Europa a se reconstruir, e que ficaram conhecidos como Plano Marshall. Posteriormente, os países em desenvolvimento demandaram também essa ajuda e foi acrescentada a palavra Desenvolvimento, e passou a ser chamado de BIRD. A ele compete financiar projetos do Banco Mundial para projetos de desenvolvimento (o grupo Banco Mundial é composto por cinco instituições: BIRD, AID - Agência Internacional de Desenvolvimento, IFC - Corporação Financeira Internacional, AMGI - Agência Multilateral de Garantia de Investimentos e CIADI Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos).

A terceira perna seria responsável por articular o comércio mundial, e seria chamada de Organização Internacional do Comércio. Um projeto para esta instituição chegou a ser aprovado, mas não foi retificado por membros suficientes e assim, as negociações sobre comércio internacional permaneceram no âmbito do General Agreement on Trade and Tariffs (GATT), principalmente por interesse dos Estados Unidos e outros países industrializados.
Bretton Woods funcionou até o ano de 1971, quando o governo de Richard Nixon abandonou a convertibilidade do dólar em ouro e o subseqüente colapso do sistema de valor de paridade em 1973 (em reunião do Fundo Monetário Internacional em Kingston na Jamaica). Alguns governos passaram a adotar a paridade a uma moeda enquanto outros a uma sesta contendo várias, ou então até ao extremo, na época, de deixar flutuar. Com isto, o principal papel para a existência do FMI deixou de existir, mas a instituição continuou como último recurso de empréstimos aos Estados.
A partir de então, os governos das economias mais desenvolvidas tentaram coordenar suas políticas macroeconômicos a fim de manter um certo equilíbrio entre eles. Este grupo passou a ser conhecido como G-7, e que contou ainda com a participação do Banco Internacional de Compensações (BIS, em inglês). Aos países em desenvolvimento restou buscar auxílio no mercado privado, lançando seus títulos.
Assim, o Sistema Financeiro Internacional passou de controlado pelos Estados, para um semi-controle, e chegou a ser “privado”. Com os acordos de Basiléia 1 e 2 negociados no âmbito do BIS buscou-se uma regulamentação com baixa participação governamental, transferindo a supervisão para os agentes privados, que em tese deveriam se autoregulamentar. Assim, com a atual crise, há uma nova quebra de paradigma.
Pode-se afirmar que esta é a primeira vez que não há potência hegemônica que consiga impor seu padrão(GILPIN (2001). Tendo em vista que a crise teve início nos Estados do centro do sistema econômico, vai ser muito difícil que as novas economias emergentes, os BRIC, ou ainda numa extensão denominada G-20, aceitem mais uma vez o modelo daqueles. Principalmente que o modelo liberal assumiu o oposto do que estamos vivenciando.
Hoje, há claramente a volta do Estado como um ator importante na economia, e por isso mesmo, cria-se um novo paradoxo de qual modelo de regulamentação deve ser seguido.
Contudo, a posição dos Estados Unidos continua sendo de principal potência, e sem a concordância deste, não há como se conseguir qualquer acordo. Por tudo isso, saber qual a postura da administração Obama é fundamental, mas a sua atenção está voltada só para o curto prazo, será necessário esperar sua posição para a reunião do G-20 em abril em Londres.

Bibliografia:
FINDLAY, Ronald & O’ROURKE, Kevin H. Power and PLenty. Trade, war and the world economy in the second millennium. Princeton: Princeton University Press, 2007, p. 144.

GILPIN, Robert. Global Political Economy. Understanding the international economy order. Princeton: Princeton University Press, 2001, p 93-100.

MACHADO NETO, José Ribeiro (2008). A crise financeira e a América Latina: pragmatismo sem teses inovadoras, disponível em [http://meridiano47.info/2008/10/17/o-liberalismo-esta-em-apuros-por-xaman-korai-pinheiro-minillo/#more-453]. Acesso em: 05/02/2009.”.

MINILLO, Xaman Korai Pinheiro (2008). O Liberalismo está em apuros?, disponível em [http://meridiano47.info/2008/10/17/o-liberalismo-esta-em-apuros-por-xaman-korai-pinheiro-minillo/#more-453]. Acesso em 05/02/2009.

TORRES, Heitor F.S. (2008). A Crise Financeira e as economias emergentes, disponível em [http://meridiano47.info/2008/11/19/a-crise-financeira-e-as-economias-emergentes-por-heitor-figueiredo-sobral-torres/#more-570]. Acesso em: 05/02/2009.

Gunther Rudzit é Doutor em Ciência Política pela USP. Coordenador do curso de Relações Internacionais da FAAP- SP, Professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e do MBA do IBMEC-SP (grudzit@yahoo.com).

Otto Nogami é Mestre em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutorando em Engenharia pela Universidade de São Paulo - USP. Professor do IBMEC-SP (OttoN@isp.edu.br).
Meridiano 47

Um comentário:

FaBiaNa GuaRaNHo disse...

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