quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

MATA BRANCA


(...) Quando há inverno abundante
No meu Nordeste querido
Fica pobre em um instante
Do sofrimento esquecido
Tudo é graça, paz e riso
Reina um verde paraíso
Por vale, serra e sertão
Porém não havendo inverno
Reina um verdadeiro inferno
De dor e de confusão.


Patativa do Assaré

Caatinga em tupi guarani significa “mata branca”. É o nome genérico dado à vegetação predominante na região semi-árida nordestina por ter como característica a formação de matas secas e abertas, com árvores baixas e espinhosas. A caatinga é, possivelmente, herança seca de parte de uma floresta tropical sazonal que ocupou grandes áreas da América do Sul em períodos mais secos e frios durante o Plistoceno, período recente na história geológica, que durou cerca de 1 milhão de anos e no qual surgiu a maior parte das espécies atuais.

Pouco estudado, é o domínio com maiores lacunas de conhecimento – especialmente as relações filogenéticas das espécies da flora – e, ao mesmo tempo, é o semi-árido mais habitado no mundo, com aproximadamente 23 milhões de brasileiros em 720 mil quilômetros quadrados.

Testemunhas do passado
Entre as chapadas das Mangabeiras e do Espigão Mestre, no lado ocidental, e o Planalto de Borborema e a Chapada Diamantina, no lado oriental, ocorrem os “inselbergs”, literalmente, “montanhas-ilhas”. São morros isolados – também chamados de colinas no sertão – que surgem em áreas mais planas, constituídos de terrenos cristalinos de composição gnaisse ou granítica mais resistentes à pediplanação – processo de erosão típico de climas semi-áridos quentes ou áridos do globo.

Do Terciário em diante, as pediplanações promoveram o aplanamento de extensas superfícies, como o caso no Nordeste brasileiro. Os materiais que foram, ao longo do tempo, deslocados dos setores topográficos superiores foram transportados pelos rios na forma de um leque nos setores mais baixos, formando um lençol de detritos. Os pequenos trechos mais resistentes deram origem aos “inselbergs”, testemunhas da topografia passada.


DESERTIFICAÇÃO VS. CONSERVAÇÃO

Apesar de não ter a mesma biodiversidade da floresta Amazônica e da mata Atlântica, a caatinga – que tem como destaque plantas como a barriguda, o juazeiro e o xiquexique – está muito longe de ser considerada um deserto. Porém, é preciso lembrar que o quadro de degradação, intensificado por práticas agrícolas inadequadas, tem acelerado o processo de desertificação. Além disso, algumas espécies de sua rica fauna estão ameaçadas de extinção.

Para evitar que o pior aconteça, foram criadas algumas Unidades de Conservação. As maiores áreas de proteção das caatingas são a Reserva.

Ecológica do Raso da Catarina, situada no norte da Bahia e o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí. Além dessas, há destaque para outros parques nacionais do sertão nordestino: a Chapada Diamantina (BA), onde se encontra grande parte das nascentes dos rios baianos; o Parque Nacional de Ubajara, localizado na Serra do Ibiapaba (CE), foi criado com o objetivo de conservar os mananciais e atributos geomorfológicos da região; o de Sete Cidades (PI), que abriga inúmeras formações rochosas esculpidas pela ação do vento; e o da Serra da Capivara, também no Piauí, que abriga um dos mais importantes sítios paleontológicos do Brasil.

Interessante observar que todos os rios do Nordeste chegam ao mar em algum momento do ano. É chamada de drenagem exorréica, que independente de ser perene ou temporária é organizada até o mar. Deste fato decorre uma característica muito original da caatinga em relação a outras áreas semi-áridas do mundo: os cursos d’água do Nordeste apresentam baixa salinidade, com pequenos pontos onde ocorrem riachos curtos e “salgados”. No Rio Grande do Norte, as planícies próximas ao nível do mar com salinização mais acentuada correspondem a velhos estuários assoreados, onde foram estabelecidas as maiores salinas brasileiras.

Médias pluviométricas
A caatinga é uma paisagem que se diversifica em suas configurações conforme se combinam depressões, colinas, superfícies inclinadas, planaltos e solos. O ritmo climático de suas águas, como nos outros domínios, é espelhado visualmente na vegetação. São as fisionomias vegetais que permitem perceber a distribuição das chuvas nessas depressões interplanálticas e intermontanas. Não basta a informação das médias anuais de chuva – que vão de 200 a 1,5 mil milímetros –, é necessário entender por quantos meses essas médias se distribuem.



Um estudo dos anos 1970, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), organizou a região em quatro faixas de climas secos, mais tarde denominados de a) semiárido acentuado ou subdesértico; b) semi-árido rústico; c) semi-árido moderado; e d) semi-árido passando a úmido, que corresponderia já às faixas de transição a leste para o domínio da Mata Atlântica, e a oeste para o domínio Amazônico.

Na faixa do semi-árido acentuado ou subdesértico, as médias pluviométricas vão de 200 a 800 milímetros anuais, concentradas em três ou quatro meses, estendendo-se para oito ou nove meses sem chuva alguma, correspondente ao norte da Bahia, do oeste de Alagoas ao Ceará, ao interior de Pernambuco, à Paraíba
e ao Rio Grande do Norte (veja mapa). À medida que se afasta dessa faixa, a distribuição das chuvas dura por mais meses, e multiplicam-se as combinações de paisagens secas caracterizadas pela diminuição da semi-aridez. Há algumas exceções como em Cariris Velhos, na Paraíba, onde a média de 264 milímetros anuais, mas chove o ano inteiro, porque esse pequeno trecho rebaixado do Planalto da Borborema recebe chuvas vindas do leste, no inverno, e do oeste-noroeste, no verão.

Vegetação e “oásis”
Há a caatinga seca formada especialmente de cactáceas, bromeliáceas e vegetação herbácea, depois a arbustiva e, por fim, a arbórea. Mesmo nas faixas menos secas, os arbustos e as árvores isoladas apresentam uma característica comum: as folhas são pequenas – o que evita a perda de água pela evapotranspiração – e decíduas – caem totalmente no período seco. Também possuem raízes longas para buscar água em lençóis freáticos (como o juazeiro).



No meio da semi-aridez, a caatinga surpreende com suas “ilhas de umidade” e solos férteis. São os chamados brejos, que lembram os oásis dos desertos verdadeiros. Surgem e quebram a monotonia das combinações do meio físico dos sertões. Nos brejos, é possível produzir quase todos os alimentos e as frutas comuns aos trópicos. Gêneros de plantas da família das leguminosas, como acácia e mimosa, são bastante comuns. A presença de cactáceas, notavelmente o cacto mandacaru (Cereus jamacaru) e a bromélia (Encholirium spectabile) são símbolos visuais da caatinga.


Sendo um mosaico de arbustos espinhosos e florestas secas, por muito tempo foi considerada como um domínio de baixa diversidade e pobre em endemismos. Mas os estudos mais recentes revelam que essa impressão não corresponde à realidade: há muito mais lacunas de conhecimento da biota do que homogeneidade.

Um estudo de vegetação em um único topo de um inselberg na Bahia concluiu pela presença de 34 espécies. As famílias Bromeliaceae e Euphorbiaceae foram as mais ricas. Embora as espécies sejam de ampla distribuição, as áreas amostradas são ínfimas e não devem sugerir baixa diversidade.

Em relação às áreas menos alteradas, a diferença entre os domínios de paisagens brasileiras deve ser interpretada como diferentes processos biogeográficos, sem se confundir com juízosde valor.

Afinal de contas, não faz sentido cair na armadilha conceitual de atribuir maior importância a um ou outro domínio.•
Revista Discutindo Geografia

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