Um dos piores assassinos do mundo pode ser controlado se houver investimento financeiro
por Jeffrey Sachs
Para a África, o epicentro mundial do flagelo de malária, uma revolução tanto no campo da saúde como da economia está ao alcance das mãos. A combinação entre novas tecnologias, métodos de controle de doenças e uma consciência maior da população podem reduzir a porcentagem de mortes por malária em até 90% ou mais, se a tendência continuar.
A forma mortal da malária é causada pelo protozoário Plasmodium falciparum, transmitido pela picada do mosquito Anopheles. Devido aos ciclos de vida do patógeno e do mosquito, é necessária uma temperatura ambiente de pelo menos 18ºC para a transmissão. Temperaturas mais altas aumentam as chances de transmissão, é por isso que a malária é considerada uma doença tropical. A extensão do contágio é determinado pela abundância de mosquitos, pela temperatura ambiente e pela propensão de determinadas espécies de Anopheles de picar humanos em vez de animais. A ecologia africana contribui mais para esses três fatores de transmissão que qualquer outro local no mundo.
As iniciativas para tentar controlar e eliminar a malária em várias regiões de clima temperado e subtropical entre os anos 50 e 60 usaram com sucesso o inseticida DDT, assim como o medicamento cloroquina. No entanto, a malária persiste nos trópicos, principalmente na África, onde a intensidade de transmissão da doença é a maior do mundo devido a razões ecológicas. A África paga um alto preço pelo fardo da malária, não apenas por mais de um milhão de mortes anuais, mas também pela significativa redução do crescimento econômico.
Até muito pouco tempo as coisas só pioravam. O parasita da malária se tornou resistente à cloroquina. Além disso, a confusão sobre o modo correto de utilização e aplicação do DDT (que deve ser borrifado na forma de uma fina camada sobre as paredes internas da casa) e a sua funcionalidade como inseticida em áreas abertas (o veneno é perigoso para o ambiente e leva à resistência dos insetos) também influenciaram para o uso reduzido das substâncias.
A solução a longo prazo com melhor potencial é uma vacina, e as principais candidatas ao posto já estão na fase de ensaios clínicos. Enquanto isso, uma confluência de avanços dá sinais de que em breve teremos um progresso significativo contra a doença. O primeiro é a invenção de um mosquiteiro para cama impregnada com um inseticida de longa ação, que evita as picadas dos mosquitos durante a noite. Essas redes duram até cinco anos, enquanto suas antecessoras exigiam reaplicação em questão de meses.
O segundo progresso, que pode salvar um número incontável de vidas, está na descoberta de uma nova droga, extremamente eficaz, formulada à base de artemisinina, extrato à base de ervas descoberto por cientistas chineses. No entanto, a substância deve ser usada somente em conjunto com medicamentos tradicionais para evitar a resistência dos parasitas.
O terceiro avanço é uma nova abordagem para o controle da doença. No passado, o governo americano e os de outros países promoviam preços mais baixos para os mosquiteiros. O resultado foi muito lento, pois a maioria dos moradores da zona rural africana eram pobres demais para comprá-los. Além disso, os descontos eram válidos apenas para crianças e mulheres grávidas, grupos mais susceptíveis a morrer de malária. Essa política direcionada negligenciava o fato de que às pessoas “desprotegidas” servem como depósitos para a infecção de malária: além de se contaminarem e sofrerem com a infecção, facilitam a transmissão para o grupo “protegido”, já que as telas não são 100% eficazes.
A nova estratégia é baseada na distribuição gratuita e em massa de mosquiteiros. Desse modo, nenhum grupo é deixado para trás e cada pessoa estará protegida contra o vetor da doença, evitando que se criem reservatórios para transmissão. Os medicamentos formulados com artemisinina também devem estar disponíveis gratuitamente para os povoados. Essa nova abordagem do controle da malária é extremamente econômica para os países doadores. Cada mosquiteiro custa apenas US$ 5,00 e a dose do remédio, aproximadamente US$ 1,00. A distribuição grátis das telas já está sendo feita com sucesso em vários países que sofrem com a epidemia.
O controle da malária é a maior barganha do planeta. Um estudo promovido por minha equipe revelou que com uma cobertura abrangente com mosquiteiros e medicamentos, e o uso de inseticidas para ambientes internos (quando indicado) pode sair por US$ 3 bilhões por ano, nos próximos anos, o que significa somente US$ 3,00 para cada pessoa com alta renda do mundo. Em outras palavras, o equivalente a dois dias de gastos no Pentágono poderia salvar mais de um milhão de vidas por ano. Além disso, esses gastos diminuirão ao longo dos anos com a redução das taxas de infecção. Mas o lucro não está em “apenas” salvar vidas humanas. O ganho econômico para a África chegaria rapidamente a uma dezena de bilhões de dólares por ano, com a redução direta dos gastos para o tratamento da doença, aumentando assim o crescimento econômico da região.
Fontes de financiamento estão entrando na fila. O Fundo Global de luta contra AIDS, Tuberculose e Malária é o naturalmente o principal financiador. O Banco Mundial pode assumir um papel de destaque, especialmente porque seu presidente, Robert B. Zoellick, já havia levado essa questão à frente no passado. A administração Bush recentemente aumentou o financiamento para o combate à malaria. O setor privado está pronto para apoiar a iniciativa de vários maneiras, e a população está doando milhões de dólares para a compra de mosquiteiros para os países mais pobres por meio de organizações como a Malaria No More – “Chega de malária” – (www.malarianomore.org). Estamos no limiar de um grande avanço. É hora de atravessá-lo.
Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia (www.earth.columbia.edu).
Scientific American Brasil
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