Mídia e Cultura - Jayme Brener
Desde a metade da década de 70, a economia mundial vem passando por profundas transformações, que caracterizam uma verdadeira 3ª Revolução Industrial. Recordando, a 1ª Revolução Industrial, com foco na Grã-Bretanha do início do século XIX, aconteceu a partir de uma violenta concentração de capitais nas mãos da nascente burguesia, passo essencial para que houvesse os recursos capazes de financiar o desenvolvimento da energia a vapor, das primeiras ferrovias e indústrias (como a têxtil), movidas pela nova classe operária hiperexlorada – um modelo conhecido como taylorismo.
Já a 2ª Revolução Industrial, iniciada na metade final do século XIX, foi policêntrica: espalhou-se pela Europa Ocidental e Central, Estados Unidos e Japão. Com o desenvolvimento da energia elétrica e a proliferação das ferrovias, permitiu a expansão da siderurgia e da indústria do petróleo, entre outros setores. E, a partir da fábrica de automóveis de Henry Ford, nos EUA, disseminou o fordismo.
Taylorismo e fordismo
O inglês Frederick Taylor (1856/1915) foi o primeiro a imaginar um sistema – que ficou conhecido como taylorismo – capaz de garantir o máximo de produção no menor tempo possível e ao custo mais baixo, o que significava pagar salários reduzidíssimos aos trabalhadores. Já o magnata Henry Ford (1863/1947) desenvolveu o fordismo, fragmentando ao extremo do processo produtivo em inúmeras operações ao longo de linhas de montagem, de forma a absorver mão de obra com o mais simples treinamento possível.
Pois a 3ª Revolução Industrial tem como elementos centrais o rápido desenvolvimento dos robôs, dos computadores e da engenharia genética. Seus centros, inicialmente, foram os Estados Unidos e o Japão. E ela detonou o tradicional fordismo em velocidade acelerada, uma vez que exige novos tipos de trabalhadores. Em muitos ramos, quase desapareceram os operários tradicionais. As empresas mais modernas estimulam os trabalhadores a se comprometer com o conjunto da operação, tudo ao contrário do fordismo.
Esse processo, um parto cheio de dores, vem gerando intensas mudanças, iniciadas nas economias centrais – onde os trabalhadores contavam com um confortável colchão de proteção social –, mas que em pouco tempo se estenderiam à periferia do capitalismo. à mesma periferia onde imperavam os salários baixos e os direitos sociais reduzidos.
Thatcher, Reagan e o neoliberalismo
É importante identificar o contexto do início dessa 3ª Revolução Industrial. Os EUA, por exemplo, passaram por uma crise grave a partir dos anos 70. A balança comercial norte-americana levava surras contínuas do Japão, onde o crescimento da produtividade industrial parecia não ter limites. Líderes na produção mundial de robôs, os centenários conglomerados econômicos japoneses – como a Toyota ou a Mitsubishi – implantavam fábricas em pleno território de Tio Sam, para onde exportavam também novos modelos de organização empresarial. Desde o toyotismo, a aproximação física entre a fábrica-mãe e seus principais fornecedores, para reduzir custos, até a ginástica feita pelos trabalhadores, no pátio, todos os dias. Na década de 70, foi pelos ares a paridade ouro/dólar, que sobrevivia desde o fim da 2ª Guerra Mundial, sinalizando uma grave crise da hegemonia econômica dos EUA.
O velho orgulho de Tio Sam também estava por baixo, arranhado pela revolução islâmica no Irã e pela rebelião sandinista na Nicarágua (ambas em 1979), esta responsável pela instalação de um regime pró-Cuba nas barbas dos EUA.
De quebra, os Estados Unidos pareciam estar em desvantagem também no processo de formação de blocos econômicos internacionais. A Comunidade Econômica Européia, articulada em torno da cooperação franco-alemã, daria origem à União Européia, reduzindo muito as barreiras alfandegárias – de circulação de pessoas e produtos –, e colocando na mira a formação de uma superpotência produtiva.
O Japão exportava sólidos capitais em direção a economias vizinhas – inicialmente a Coréia do Sul ou Formosa e, mais tarde, rumo à China comunista, de olho na formação de um megabloco, o Mercado Comum da Bacia do Pacífico. Os EUA ensaiavam a conclusão do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), junto com o Canadá e o México, e do qual falaremos adiante.
Mas a maré mudou com a eleição do presidente ultraconservador Ronald Reagan. Ex-ator de filmes B e dedo-duro de simpatizantes esquerdistas nos anos 50, Reagan elegeu-se a bordo de um discurso de recuperação do “American proud”, o orgulho de ser norte-americano. Seus dois mandatos (1981/88) transcorreram sobre dois eixos: o primeiro foi a liberalização das operações financeiras, que facilitou o movimento de grandes volumes de capitais, em especial dos gordos fundos de pensão e previdência privada. Reagan também empenhou-se a fundo em derrotar diversas greves estratégicas – como a dos controladores de vôo – o que debilitou o forte movimento sindical. E abriu espaço para a flexibilização das normas trabalhistas, de forma que as empresas pudessem contratar, demitir ou transferir trabalhadores com maior liberdade, reduzindo custos e ganhando condições de investir, por exemplo, em novas tecnologias.
O outro pilar dos governos Reagan foi a redução dos gastos com saúde e educação, e a transferência maciça de recursos rumo à tecnologia e à indústria militar, assim como à pesquisa científica nas áreas de informática e biotecnologia. O ultraconservador Ronald Reagan, que deu novo alento à Guerra Fria prometendo combater o comunismo (ele, em um exagero hollywoodiano, chegou a chamar a então União Soviética de “império do mal”) em todos os cantos, apostava alto no projeto Guerra nas Estrelas. Era um gigantesco escudo aeroespacial antimísseis, destinado a anular a suposta ameaça de um ataque nuclear soviético.
E aí, vale uma explicação: uma das principais “vantagens competitivas” da economia norte-americana sempre foi sua capacidade de transferir rapidamente a tecnologia desenvolvida para fins militares, em direção à produção civil. Os investimentos de Reagan na área militar logo se transformariam em vantagens, na guerra pelo desenvolvimento tecnológico na 3ª Revolução Industrial. A Internet, por exemplo, nasceu como uma rede de intercomunicação para tempos de guerra. E ganhou corpo com os investimentos bilionários dos fundos de pensão – responsáveis por mover diariamente centenas de milhões de dólares.
Do outro lado do Atlântico, a ofensiva ultraliberal de Reagan encontrou contrapartida nos governos da primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher (1979-90). Após vibrar um golpe duro nos fortes e centenários sindicatos ingleses, derrotando uma longuíssima greve dos mineiros de carvão, dona Thatcher iniciou um rápido ataque a antigos direitos sociais, como a contratação coletiva, horas extras etc. Esse prato indigesto veio acompanhado pelo corte raso de gastos públicos com saúde, educação e projetos sociais, e pela privatização de inúmeras estatais. Tudo isso na tentativa de recuperar a decadente competitividade da economia inglesa.
A conversão da economia inglesa foi acompanhada por uma aproximação política maior entre Thatcher e a Casa Branca. Reagan, por exemplo, apoiou de forma decidida os britânicos na Guerra das Malvinas (1982). E olhe que o adversário de madame Margaret Thatcher era, então, o regime militar argentino, que nunca poupou juras de amor ao grande irmão ianque...
O programa de Thatcher/Reagan havia sido testado nos anos 70 pelos “Chicago boys”, tecnocratas ultra-ultra-ultraliberais formados na Universidade de Chicago, sob a liderança de um prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman. E o campo de testes havia sido o Chile do ditador Augusto Pinochet, que, após assumir o poder, em 1973, abriu de vez a economia. Ou seja, impôs a “liberdade de mercado” no muque. Só que o Chile não é a Grã-Bretanha nem os Estados Unidos. E a tradicional indústria chilena de bens de consumo não-duráveis sumiu sob o impacto da concorrência sem preparo com os produtos importados. O Chile, convertido em exportador de frutas, vinhos e flores – e importador de todo o resto –, passou a ser louvado como uma das economias mais “globalizadas” do mundo. E deu a Reagan e Thatcher boas idéias sobre o que fazer em seus países. Com desdobramentos diferentes, é claro.
O Japão reagiu ao modelo Reagan/Thatcher investindo cada vez mais nos “tigres asiáticos” da Bacia do Pacífico. O país também depositava suas fichas nos novos métodos produtivos, na disciplina e compromisso da mão de obra (os trabalhadores japoneses não tiravam,em média, uma semana de férias por ano), e no desenvolvimento de hardware: computadores mais rápidos e menores.
O problema é que a principal fonte de financiamento do progresso japonês era o sistema bancário, pulmão dos créditos que moviam o fortíssimo mercado local de capitais. E, nos anos 80, a divulgação da existência de centenas de bilhões de dólares em “créditos podres” – dinheiro que os bancos haviam emprestado a empresas e pessoas físicas incapazes de pagar as dívidas –, levaram à explosão dessa bolha de especulação. O crash japonês secou o rio de investimentos das empresas – no Japão, mas também em diversos “tigres asiáticos” –, colocando a potência oriental em desvantagem diante dos adversários, principalmente, dos EUA, na corrida pela liderança da nova Revolução Industrial.
De quebra, a aposta alta no hardware foi se mostrando um erro estratégico. Um dos elementos centrais da nova onda de desenvolvimento que varreria os EUA a partir da metade da década de 1980 seria o investimento decidido nos softwares, os programas de computador, e não nas máquinas. A aposta se mostrou correta já que, em pouco tempo, os computadores se transformariam quase que em commodities, máquinas semelhantes, cuja principal variação é o preço. O desenvolvimento de softwares mostrou ser um dos grandes diferenciais na 3ª Revolução Industrial.
O investimento pesado na área militar e de tecnologia, a disponibilidade de capitais, a flexibilização das normas trabalhistas, o acerto nas opções de estratégia científica e a crise no adversário japonês pavimentaram o caminho para a economia norte-americana. Sem esquecer que a era Reagan foi marcada pela redução de impostos, incentivando ao consumo (as famílias norte-americanas são as mais endividadas do mundo), com destaque para os bens de consumo duráveis. Veículos e eletrodomésticos passaram a ostentar a marca “proudly made in USA” (orgulhosamente produzido nos EUA), simbolizando a guerra contra os similares orientais. E um dos ícones do novo consumo foi a proliferação de computadores pessoais (PCs), logo transformados em veículos da avenida central da 3ª Revolução Industrial, a Internet.
Tudo isso aumentou a distância tecnológica e econômica entre o mundo capitalista e o bloco socialista, que simplesmente não conseguiu embarcar na nova era. A URSS e seus satélites não tinham os capitais necessários e, em especial, mostravam-se incapazes de transformar em tecnologia civil seus grandes avanços nas áreas militar e aeroespacial. Certa vez, em uma palestra, ouvi o tradutor e ensaísta Boris Schnaidermann, russo radicado no Brasil, afirmar que “a União Soviética produz os melhores foguetes e mísseis do mundo, mas não consegue fabricar uma torradeira ou um canivete que prestem porque sua economia não é voltada para o lucro”.
Na mosca. A 3ª Revolução Industrial selou o fim do bloco socialista.
O harakiri da URSS
No dia 25 de dezembro de 1991, o presidente Mikhail Gorbachev, que pouco antes sobrevivera a duras penas a uma tentativa de golpe de Estado, anunciava o fim da União Soviética que, pouco tempo, seria substituída por uma federação livre de Repúblicas, com a Rússia à frente. A melancólica retirada da bandeira vermelha com a foice e o martelo do Kremlin, a sede do governo soviético, selou o fim da Guerra Fria, que funcionou como uma espécie de dique ao avanço da globalização. Daí em diante, iniciava-se uma acirrada corrida entre as multinacionais dos países desenvolvidos, para ocupar os melhores espaços no velho bloco socialista, disposto a mergulhar de cabeça na economia capitalista.
A vantagem estava com as grandes empresas da Europa Ocidental (com destaque para a Alemanha), e dos Estados Unidos. As primeiras, por conta da proximidade geográfica, de relações comerciais antigas e de seus países de origem funcionarem como uma espécie de sonho de consumo para as populações do Leste europeu. Já as multinacionais norte-americanas se beneficiavam do processo de liberalização da era Reagan. Se entre 1979 e 1987, a produtividade do trabalho nos EUA havia crescido em média apenas 0,8% ao ano, contra 1,9% e 2,8% no Japão, a maré se inverteria no período seguinte. E a indústria alemã teve sua capacidade de concorrência limitada pelo gigantesco esforço em digerir a antiga Alemanha Oriental, após a reunificação do país, em 1989. O governo da Alemanha Ocidental despejaria dezenas de bilhões de dólares no território alemão-oriental na década seguinte.
Em pouco tempo, os melhores nacos do nascente mercado europeu-oriental estavam ocupados por pesos-pesados ocidentais. A Volkswagen alemã, por exemplo, desembolsou US$ 2 bilhões para comprar a tradicional fabricante de veículos tcheca Skoda, possivelmente a mais moderna industria do Leste europeu. Redes internacionais de hotéis, como Hyatt e Sheraton, fizeram brotar unidades em Varsóvia ou Moscou. A gigante sul-africana Castle, que vende cerveja do Norte ao Sul da África, comprou a centenária Pilsen Urquell, também tcheca e um dos ícones da cervejaria mundial.
Volte três parágrafos neste texto e você verá que, ao fazer uma referência ao Leste europeu, eu usei o termo “mergulho de cabeça na economia capitalista”. A imagem ideal talvez não seja esta e sim a de uma queda livre, pelo menos nos primeiros anos pós-fim do bloco socialista. O PIB da URSS e da Polônia, por exemplo, despencou mais de 30% nos primeiros anos pós-comunismo.
A explicação é simples: a expectativa dos milhões de cidadãos que saíram às ruas de Praga, Budapeste ou Bucareste no fim dos anos 80, exigindo o fim do regime pró-soviético, esperavam que a prosperidade do capitalismo europeu-ocidental batesse às suas portas. Imaginavam que investidores internacionais correriam para comprar suas sucatas industriais e que os velhos carrinhos Trabant alemães-orientais logo dariam lugar a reluzentes BMWs em suas garagens.
Ora, estamos falando em capitalismo e, afirma o velho ditado, “um dólar só vai para onde há outro dólar”. Os investidores vieram, mas para comprar a Skoda ou explorar o florescente turismo. Nada queriam com uma antiquada fábrica de ponteiros de relógio, digamos, da Sibéria, cujo objetivo nunca havia sido a produtividade ou o lucro e sim preencher as necessidades do consumo soviético. O destino dessa fábrica seria fechar as portas. E o destino de seus trabalhadores, o desemprego, mazela que chegou junto com o capitalismo ao Leste europeu globalizado.
As novas tendências do capital
O colapso do bloco socialista eliminou o maior dos entraves à ampliação – em níveis planetários – do amplo processo de reestruturação do capitalismo. Uma reestruturação que abarcou desde as relações entre países e continentes, até o funcionamento de cada empresa, grande ou pequena, de Nova York a Xangai.
Vamos começar pelo quadro geopolítico. Uma vez que o tchau-tchau da URSS do cenário internacional foi visto inicialmente por muitos como a vitória absoluta do ultraliberalismo, as grandes potências lançaram-se com afinco à consolidação de macroblocos econômicos, capazes de ocupar maiores espaços em um mundo caracterizado cada vez mais pela disputa tecnológica, produtiva e comercial, e não mais ideológica ou militar. Assim, os Estados Unidos carimbaram a formação do Nafta, incluindo o Canadá – uma antiga extensão geográfica de sua própria economia – e o México. A Casa Branca também desencadeou, nos anos 90, uma ampla ofensiva destinada a apressar a formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
A Comunidade Econômica Européia (CEE) transformou-se em 1993 em União Européia e, a partir de 2002, adotou uma moeda única, o euro. A Grã-Bretanha decidiu permanecer fora da zona do euro, privilegiando a cotação forte de sua moeda, a libra, e a aproximação crescente com os EUA. Seja como for, a União Européia avançou decididamente rumo à Europa Oriental. Além da Alemanha Oriental, reincorporada, as economias mais avançadas do velho bloco socialista – como a República Tcheca (da qual a Eslováquia separou-se em 1993), a Polônia, Hungria, Estônia, marcaram para 2003 a adesão ao bloco. Novas levas de países deveriam vir nos anos seguintes.
O Japão seguia apostando no futuro mercado comum da Bacia do Pacífico, que englobava também as várias gerações de “tigres asiáticos” (Formosa, Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul, compondo a primeira leva; Tailândia, Malásia, China – esse, um verdadeiro dragãozão – depois Filipinas e Vietnã). Os EUA temiam essa iniciativa e, no começo dos anos 90, conseguiram obter na marra um convite para participar do mercado comum (checar).
Aqui na América do Sul, uma proposta lançada na década de 80, como ponte de reaproximação entre Brasil e Argentina pós-governos militares, transformou-se em pouco tempo em um grande sucesso macroeconômico. O Mercosul, reunindo inicialmente os dois países, Paraguai e Uruguai, conseguiu, na década de 90, tornar-se o eixo do relacionamento comercial entre seus quatro parceiros e atraiu o interesse de outros países, como o Chile, Bolívia e Venezuela. De quebra, lançou expectativas de que o novo bloco que vinha do Sul oporia alguma resistência à hegemonia econômica dos Estados Unidos, integrando-se de maneira mais harmônica à futura ALCA.
A liberalização econômica parecia não ter limites. Entre 1970 e 1995, o comércio internacional cresceu em média 5,8% ao ano, enquanto o produto mundial avançava 3,6% anuais. A média das taxas alfandegárias dos países desenvolvidos despencou de 40% para 3%, de 1940 a 2000 ( [1]). Essa redução deveu-se, em grande parte, ao avanço das discussões dentro do GATT, organismo internacional destinado à promoção do livre comércio e que daria origem, em 1995, à Organização Mundial do Comércio (OMC).
texto da Revista Pangea
2 comentários:
Eu ADORO geografia e história...mas não seria maluco de dar aula .-.' o senhor dá aulas de geografia?
e por favor! leia e comenta o meu blog!
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