terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Sobre neve, eólicas e o pré-sal

Relato de viagem abre os olhos do colunista para a triste política energética brasileira

Neve acumulada diante de casas em Ottawa, no Canadá (foto: John Talbot).


Em uma coluna anterior, discutindo o aquecimento global, eu dizia que gostaria de conhecer a neve e mostrá-la a minha filha de 9 anos. Pois acabei de satisfazer ambos os desejos, por ocasião de uma curta viagem à França. Mas o que as férias de um colunista têm a ver com meio ambiente? De novo, tudo.

A pequena cidade no pé dos Alpes onde fomos apresentados à neve, Briançon, não via tanta neve há cerca de 15 anos. Uma tremenda tempestade havia dizimado as florestas costeiras de pinheiros do sudoeste francês na semana anterior; uma outra, com ventos de 150 km/h, varreu a costa da Bretanha e Normandia; fortes inundações atingiram o sul da França.

Enquanto isso, uma seca excepcional escaldava os pampas argentinos, chuvas idem castigavam o Brasil e a Austrália ardia em incêndios incontroláveis. Hum... Os cientistas bem que disseram que a chuva talvez não diminuísse, mas sua distribuição no tempo e no espaço se tornaria muito irregular, com aumento de frequência de eventos extremos e, portanto, potencialmente catastróficos. Mas relaxe, afinal, pode ser tudo coincidência.

Geotermia x chuveiros elétricos
E a viagem segue, com muita conversa com amigos e parentes de ocupações e pendores variados. Entre um canapé e outro, comentou-se, entre vários assuntos, a recente instalação de um sistema geotérmico na casa anteriormente aquecida a gás, diesel ou eletricidade. Falou-se das vantagens, desvantagens e custos da opção solar em comparação com a geotermia e aerotermia, dos incentivos fiscais para a conversão, dos prazos para amortizar o investimento inicial através da economia no consumo, dos sistemas mais silenciosos e daqueles que permitem tanto aquecer com refrigerar.

E juro que não provoquei – estava pensando naquela final de Copa dos 3 x 0. Mas, ai de mim, acabaram lembrando que eu existia e cometeram a temida pergunta:

O Brasil é um dos países em que o uso do chuveiro elétrico é mais difundido (foto: reprodução).


– E no Brasil, como vocês fazem?
– Usamos chuveiros elétricos e ar condicionado (silêncio e consternação).
– E quanto custa um chuveiro elétrico?
– Bem, o mais barato custa cerca de 5 euros (olhares incrédulos, gritinhos abafados).
– Mas e o consumo, a eficiência?
– Muito alto e muito baixa, respectivamente.
Até que um vizinho não resistiu, e rompeu o novo silêncio com um viperino:
– Deve ser por isso que são proibidos aqui. Nem a concessionária de energia nem a companhia de seguros deixam.
E outro:
– Mas não entendo, vocês tem tanto sol! E usam eletricidade para aquecer água? Por isso não param de enxotar índios para fazer novas mega-hidrelétricas!

Preferi concordar e mudar de assunto. Me ocorreu ainda lembrar-lhes que temos o pré-sal, mas temi que talvez me deixassem sem sobremesa. Arrá, lembrei que a única peça móvel do famigerado sistema geotérmico ou aerotérmico é movida a eletricidade, que na França é 80% de origem nuclear!!! Mas felizmente chegou a torta de maçã, orgânica, o que me ajudou a lembrar que as centrais nucleares praticamente não emitem carbono. Foi por pouco. Mas e os rejeitos radioativos? Ufa, hora do café. Mas o café era da Costa Rica, orgânico, sustentável e certificado e, não bastasse tudo isso, ainda remunerava de forma supostamente digna os seus produtores... Ai, ai.

Paisagem eólica
Ainda bem, já era hora de partir. Mas, a caminho do aeroporto, gentilmente conduzido por um ex-cunhado ao volante de seu Golf a diesel, mais uma surpresa: um engarrafamento causado por um comboio que transportava uma estrutura metálica, branca, lisa, torneada, de cerca de 25 metros de comprimento. Coisa grande, mas fina. Não imaginei outra coisa que não uma escultura moderna a caminho de seu pedestal em alguma praça ou pátio de museu.

Parque eólico em Solano County, na Califórnia
(foto: Wikimedia Commons).

Mas não: era uma pá. Uma pá de turbina eólica. Cada eólica tem três pás como aquela. E um suporte de 50 metros de altura. Diante de minha incredulidade, meu gentil condutor apontou silenciosamente para o poente, onde quatro megaeólicas giravam lentamente no horizonte da planície, destacadas contra o pôr-do-sol. Foi muito humilhante, difícil mesmo, coisa de filme.

De volta aos anos 1950, não resisti e fui pesquisar na internet que diabo de geo ou aerotermia é essa. É horrível. Com o consumo de uma geladeira, é possível alimentar todas as necessidades térmicas da casa. Combinado com uma varanda fotovoltaica, você se livra da conta de luz e do call center e ainda pode vender energia para aquele vizinho chato. Sem queimar lenha, carvão, diesel etanol ou gás. Tudo isso com uma economia de até 50 mil reais em 15 anos em comparação com os gastos de sistemas convencionais. E, com um bom advogado, quem sabe você ainda descola um troco extra no mercado de créditos de carbono.

Mas nós temos o pré-sal. Ai, ai.


Jean Remy Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Revista Ciência Hoje

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